Carlos Mathias foi um excelente amigo com quem pude contar durante os anos que vivi em Brasília. Com uma dedicação imensa a Portugal, país que visitava com frequência, nomeadamente para participar em iniciativas da Universidade de Coimbra, empenhou-se muito numa estrutura de cooperação na área do Direito, envolvendo juristas italianos, espanhóis, portugueses e brasileiros.
No âmbito de uma dessas iniciativas, pediu-me um dia para eu acolher, num almoço na embaixada, cerca de duas dezenas desses juristas, alguns dos quais portugueses, nessa altura congregados em Brasília. Disponibilizei-me a fazê-lo, explicando contudo que a mesa da nossa residência não podia comportar, sentados, mais do que (creio) 24 pessoas.
Mathias enviou-me a lista de quantos iriam estar presentes e lá organizei o almoço, com lugares marcados. O grupo foi chegando em várias levas. Carlos Mathias, viria um pouco mais tarde. Eu ia recebendo os convidados à porta, reconhecendo-os na lista que antes tinha recebido.
A certa altura, apresenta-se-me um cavalheiro, que diz o nome e o título: reitor da universidade de Cuiabá. Cuiabá é a capital do estado de Mato Grosso. Fiquei perplexo. O nome não constava da lista e, mesmo com esforço, não cabia mais ninguém na mesa. Que fazer? Via-me com o problema de ter de deixar o inesperado académico matogrossense de fora do repasto.
A certo momento, com a alegria e a boa disposição que era sempre a sua, irrompe Carlos Mathias. Durante o abraço que demos, disse-lhe ao ouvido: "Carlos, temos um problema. Está aqui uma pessoa que não estava prevista". E arrastei-o até à sala de jantar, para lhe explicar, à evidência física, que não cabia mais ninguém.
Mathias olhou a mesa e disse: "Você tem razão. Eu precipitei-me ao convidar, no último momento, o professor de Cuiabá, que estava ali connosco e que achei ser possível acomodar". Sob pressão, retorqui: "E agora, como fazemos?". O Carlos abriu um sorriso e, tirando o telemóvel do bolso, respondeu: "Não tem problema. Adoece o Norberto". Havia, de facto, um Norberto na lista dos convidados. Carlos Mathias explicou: "O Norberto disse-me que está ligeiramente atrasado. Assim, já não vem: adoece... Tenho suficiente confiança com ele para lhe pedir o sacrifício". E lá almoçámos sem o "doente" Norberto, que nunca conheci, mas com o simpático reitor de Cuiabá, que tive muito gosto em conhecer.
2 comentários:
É preciso imaginação!
Uma bela história.
Como sempre os diplomatas o Senhor Embaixador e o Carlos Fernando Mathias embora não o sendo - professor de Direito - tinha certamente algumas reminiscências de diplomata, lá resolveram o assunto.
Confesso que não conhecia a obra citada "História do Direito Luso-Brasileiro", mas vou tentar adquiri-la,
(já constatei que Almedina tem em stock a obra da autoria conjunta de Carlos Fernando Mathias com dois outros autores), porque muito embora afastado das lides do Direito desde que me reformei, mantenho o interesse sobre temáticas que de algum modo se relacionem com o direito comparado entre os países lusófonos, nomeadamente porque em tempos que já lá vão, e numa diferente área do Direito - a do Direito do Trabalho - publiquei em conjunto com o meu amigo Carlos Perdigão, o primeiro estudo comparado das diferentes legislações de trabalho dos países de Língua Portuguesa (Legislação de Trabalho nos Países de Língua Portuguesa, Coimbra Editora, 2006).
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