"Donald Trump ganhou com toda a legitimidade, por muito que isso custe a ouvir. É claro que a sua campanha assentou em propostas e ideias marcadas por um imenso primarismo, por muitas mentiras e meias verdades, pelo apelo a sentimentos básicos, a preconceitos e mensagens perigosas e divisivas. Mas a América é um país livre, onde tudo se pode dizer. Trump teve contra si imensos setores da comunicação social, que, embora em alguns casos sem grande entusiasmo, favoreceram a sua competidora.
E, no entanto, Trump venceu. Venceu porque soube representar, à sua maneira, essa imensa, e pelos vistos maioritária, massa de descontentes, os deserdados da globalização, os temerosos da imigração, os incomodados com o novo curso do “melting pot” que fez o seu país e, principalmente, os enraivecidos com a máquina federal que Trump diabolizou e a que, agora, ironicamente, vai presidir. Trump é a vitória da democracia, no seu lado mais sombrio.
A vitória de Trump tem, para além de tudo o resto, que é muito, um “side effect” perverso, na minha perspetiva. É que ele, e aquilo que ele representa, são a condenação explícita de tudo quanto a presidência Obama trouxe para a América - a tolerância, o equilíbrio, a atenção às dimensões sociais e étnicas que a “selva” tinha condenado. É o regresso de uma outra América, feita de uma agenda negativa de medos, disposta à clivagem e ao confronto. Mas – repito, para que se não esqueça – essa América é hoje maioritária e, pelas mesmas razões por que nos desagradava a ideia de Trump de que não aceitaria um resultado que lhe fosse desfavorável, as regras da democracia obrigam todos a respeitar esta escolha.
Agora, há que viver com Trump, ou melhor, há que saber desenhar o modo como nos relacionaremos com a América de Trump. Desde logo, na Europa, onde o exemplo do que se passou nos EUA deve ser bem refletido, no caminho para sufrágios que aí vêm. Vai ser um tempo estranho, inédito. Mas o mundo é assim, embora, com Trump, seguramente vá ser um mundo muito mais difícil."
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