Há pouco, nos escassos minutos em que, nos dias de hoje, passo por uma emissão de televisão (é verdade!), dei de caras com a canção que representa a Finlândia, este ano, no festival da Eurovisão.
E surgiu-me, logo ali, um exercício de rock quase selvagem, uma berraria insana, num vermelho (não, não era encarnado!) que, na minha inocência de observador à distância, dificilmente rima com a proverbial serenidade daquela terra. Saí confuso dessa curta experiência, devo confessar.
Na minha juventude jovem (não, não é engano) em Vila Real, através de uma secção a isso dedicada na revista de música francesa “Salut les Copains!”, estabeleci contacto com uma “pen pal” finlandesa.
Era um tipo de inocente correspondente que, ao que guardei na memória, comigo trocou umas enfadonhas cartas, com uma letra muito certinha (a dela, porque a minha era “impossível”), sem o menor romantismo, em que intercambiávamos notas sobre os nossos gostos e a nossa vida, imagino que da música às paisagens do ambiente diário de cada um, porque leituras ou filmes em comum eram então inimagináveis.
Embora o nosso primeiro contacto tivesse sido feito em francês, tenho a certeza de que o “follow-up” foi em inglês, o que logo me deixou pouco à vontade, porque a minha praia linguística não era então aquela.
Fiquei para sempre com a consciência pesada, como só hoje revelo ao mundo: fui eu quem lhe não respondeu a uma última carta! Não me lembro do nome dessa nórdica correspondente (e logo eu, que me lembro de tudo!), que imagino tenha hoje a minha idade. E que deve ser viva, porque, como é sabido, entre o ski, a sauna e a vodka, na Finlândia só se deve morrer de tédio!
Apenas recordo vagamente a sua imagem, numa fotografia que me mandou, que (e isso lembro, com vergonha retroativa) me levou a dizer aos meus amigos vilarreealenses, na esquina da Gomes, que ela era uma “loira gordaça” (eu sei que esta estigmatização do seu perfil calórico é hoje punida pelas regras sensatas do politicamente correto, mas o abusador verbal que eu era já se foi há muito e não deixou sucessores imputáveis).
Palavra de honra que, há décadas, não me lembrava deste episódio. Mas ao ver aquele grupo desgrenhado, aos berros, com coreografia de fogo e raios, saltou-me à memória essa minha “pen pal” - o que, curiosamente, nunca me aconteceu nas (não tão poucas como isso) vezes que andei pela terra dela, pela Finlândia.
E concluí, embora sem nostalgia, que a Finlândia que eu conheci estava muito distante de tudo aquilo. Mas logo, no momento seguinte, perguntei a mim mesmo: à minha “pen pal”, se acaso ainda sobreviver pelas planuras do Steinbroken (o diplomata finlandês de “Os Maias”), ao ouvir a nossa canção, com a lírica bem camoniana de “Love is on my side”, sob o cristalino nome português do grupo “The Black Mamba”, inspirado na cidade tão portuguesa que é Amesterdão, acaso terá ocorrido que, nos idos de 60, tinha tido um correspondente em Vila Real (“Royal City”, ter-lhe-ei explicado eu)? Espero bem que não, “for the sake of old times!”
Só posso concluir que isto já não é o que era, como o meu amigo Manuel Amorim de Carvalho não se cansa de dizer de restaurantes a que regressamos e que nos amargam a memória gustativa.
6 comentários:
Acrescente-se que o autor da nossa música é o "Tatanka" (que cresceu a pensar que era um índio "hippie" e diz dar-se bem com "blacks" e "gypsies" - assim, mesmo), e que este ainda ensaiou uns passos de Flamenco perante as câmaras. Ah pois!
Quanto à sua desatualização relativamente à Finlândia, posso dizer-lhe que é grande, de facto, porque o país dos mil lagos é aquele, em todo o mundo, onde os "desgrenhados aos berros", têm mais tempo de antena, constituindo o Metal - em todos os seus subgéneros -, um tipo de música perfeitamente normal na boa da sociedade finlandesa.
TENHI VERGONHA DE ESTARMOS REPRESENTADOS POR UMA CANÇÃO CANTADA EM INGLÊS..
(Foi à pouco tempo o dia da "comemoração da língua portuguesa" ..não foi???
Agora que a Inglaterra deu o fora desta escangalhada Europa, continuam todos a linguajar em Inglês, desde o ministro Francês, alemão e português.
Agora só faltava esta canção!
O "IO" é o perfeito exemplo do nacionalista pacóvio: nem sequer sabe a diferença entre "há" e "à". Já o "tenhi", vai como gralha...
A mim interessa-me a qualidade do que é apresentado e o que apresentamos este ano parece-me cumprir com competência os requisitos, o resto são as velhas manias que não têm sido de grande efeito em resultados de sucesso no certame, à exceção da fantástica "Amar pelos Dois" pelo fantástico Salvador Sobral.
Também eu era leitora do Salut les Copains. Era fan e ainda sou hoje da música francesa. Tive alguns correspondentes/pen pal, entre eles um de Israel.:)
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