quarta-feira, maio 05, 2021

Nunca interromper!


Por muitos anos, em Campo de Ourique, havia dois restaurantes cuja clientela se dividia bastante, ideologicamente. 

Os socialistas iam muito ao “Tachinho” (nada de graças, está bem?) e os social-democratas enchiam o “Comilão” (aqui, se quiserem fazer humor, façam favor!)

Talvez porque sou “do contra”, sempre fui um frequentador deste último e só raramente passava pelo primeiro. 

O “Comilão” é talvez o restaurante português a que o PSD pode chamar mais “a nossa casa”. Uma das suas paredes está cheia de fotografias de figuras gradas da constelação histórica social-democrata. Mas não só!

Um dia, recomendei a um amigo que fosse lá almoçar. Quando lhe perguntei que tal tinha sido a refeição disse-me: “Entrei cheio de apetite mas perdi-o logo, ao olhar a parede...”

Passos Coelho, que vivia perto, além de um grande amigo da casa, foi um seu frequentador regular. Mas encontrei por lá, ao longo dos muitos anos de cliente que também sou, uma miríade de gente do PSD. Não sendo dessa “freguesia” política, devo dizer que fui sempre muito bem tratado no “Comilão”, porque aquela é uma casa em que, no que toca a clientes, não há sectarismos!

Há mais de duas décadas, no meus anos de passagem pela política, gostava muitas vezes de almoçar por lá sozinho, com uma montanha de jornais e papelada para ler. Ia tarde, quando a maioria dos clientes já tinha zarpado. Os meus amigos Cardoso e Nelson (o primeiro, um sportinguista de raça, o segundo um lampião de carteirinha) arranjavam- me então duas mesas anexas, onde eu podia estender todo o meu “material”.

Numa dessas vezes, quiseram-me colocar junto de uma mesa onde estavam, num evidente “tête-à-tête” de conspiração, duas figuras muito importantes e muito conhecidas, ambos antigos e futuros ministros, do PSD. Na altura, o líder do PSD era o chefe da oposição ao governo de que eu fazia parte e sabia-se que a sua condução das hostes social-democratas estava longe de fazer a unanimidade (um velho hábito no PSD, como é sabido). A coreografia da conversa apontava para estarem a “cortar na casaca” do seu líder...

À entrada, eu tinha cumprimentado essas pessoas, que naturalmente conhecia, e procurava uma mesa adequada aos meus propósitos de leitura. O Cardoso, simpático, apontou-me um lugar, o qual, porém, logo notei que estava a “hearing distance” dos dois interlocutores da oposição. 

Eles, simpáticos e urbanos, sorriram, sem reagir, à ideia de me irem ter ali ao lado, preparando-se, pela certa, para terem de baixar o tom da conversa ou serem obrigados a modulá-la à luz do novo circunstancialismo. 

Eu tomei então a iniciativa de recusar o espaço que me era oferecido e, por forma a ser ouvido pelas duas figuras políticas, disse: “Muito obrigado, mas nessa mesa não pode ser. Não se estraga nunca uma boa conspiração contra um adversário...” Ambos riram e eu lá fui, para mais longe. 

Daqui a dias, tenciono regressar ao “Comilão”. Desta vez, espero poder comemorar uma coisa com o meu amigo Cardoso e receber os parabéns do meu amigo Nelson.

4 comentários:

Unknown disse...

Do Marquês ali é um saltinho. Já marcou mesa ?
MB

Luís Lavoura disse...

Passos Coelho, que vivia perto

Passos Coelho vivia perto de Campo de Ourique?

Eu julgava que ele vivesse em Massamá.

Francisco Seixas da Costa disse...

Luis Lavoura. PC viveu muitos anos no mesmo edifício do restaurante. Eu não escrevo inverdades.

Luís Lavoura disse...

Francisco, eu nunca duvidei daquilo que você escreve. Mas fico surpreendido, porque sempre ouvi dizer que Passos Coelho vivia em Massamá. Agora concluo que ele viveu num dos mais bem afamados bairros de Lisboa. Fico perplexo.

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...