Não me refiro à recente eclosão de mais um tempo de incidentes de guerra entre Israel e a liderança militar que o Hamas tem na Faixa de Gaza - o que só uma visão ideologicamente distorcida ou ignorante pode confundir com a questão israelo-palestina em geral. Esse é um tema diferente daquilo que hoje aqui trago.
Foi a Guerra Fria que levou os Estados Unidos para o Médio Oriente, como forma de tentar evitar a influência da União Soviética, atento o crescente declínio regional dos dois aliados europeus - o Reino Unido e a França - naquele cenário estratégico, que teria a sua expressão evidente na humilhação de ambos no Suez.
Ao contrário do que décadas mais recentes podem fazer crer, na proteção internacional do Estado de Israel, a França começou por ser muito mais relevante do que os Estados Unidos. Não ouso datar o início do envolvimento mais intenso dos EUA na proteção de Israel, mas a “guerra dos seis dias” e, em especial, a “guerra do Yon Kippur” marcaram um tempo decisivo na fixação da influência do lóbi judaico junto das administrações em Washington, inicialmente mais no lado democrático, posteriormente abrangendo também as alas republicanas.
Há que notar que, por muito tempo, os americanos viveram, no Médio Oriente, uma evidente contradição. Por um lado, protegiam Israel, mas, por outro, davam cobertura às monarquias medievais do Golfo e a outros poderes autocráticos muçulmanos que, pelo politicamente correto da época, estavam juntos na defesa da causa palestina.
A Washington não convinha deixar cair poderes que, a desaparecerem, poderiam abrir caminho a regimes políticos que a União Soviética não deixaria de aproveitar. Com um delicado equilíbrio entre o fornecimento de armamento aos regimes árabes, que não fosse detrimental para a segurança de Israel, e o cultivo ativo das classes políticas dominantes em muitos desses Estados, os EUA foram conseguindo gerir, numa lógica de “realpolitik”, por bastantes anos, essa contradição. Países como a Síria ou a Líbia não entraram nesse jogo, mas o Egito revelou-se, por exemplo, uma aposta tática de sucesso.
A verdadeira peça estratégica dos americanos na região seria, porém, por muito tempo, o Irão. Os EUA não souberam entender que o nacionalismo de Mossadegh, que sairia derrotado, iria acabar por transmutar-se num poder teocrático com um ainda mais forte sinal anti-ocidental. Ao terem prolongado, insensatamente, o apoio ao regime imutável do Xá, sem terem percebido a tensão que ali estava a criar-se, os Estados Unidos acabaram por perder uma carta decisiva. Tiveram a sorte, contudo, de isso ter acontecido num tempo em que a URSS estava prestes a implodir, sem uma automática capacidade do regime que, parcialmente, seria o seu sucessor - a Rússia - surgir como direto beneficiário estratégico dessa crise.
A partir do momento em que a lógica da dependência do petróleo deixou de determinar, em termos definitivos, a sua política para a região, por surgimento de alternativas de combustíveis fósseis mais facilmente exploráveis em casa, os Estados Unidos começaram a poder gerir melhor o seu investimento militar na área. A aventura do Iraque, com as sequelas no combate subsequente ao Estado Islâmico, acabou por funcionar a contraciclo de um desinvestimento estratégico que o cansaço da opinião pública americana com o envio de tropas para a região iria obrigar, com o Afeganistão a entrar também nesta equação.
Aqui chegados, o tempo passou a uma tensão regional que tem por polos a Arábia Saudita e o Irão, já com uma guerra “por procuração” no Iemen. A administração Trump tinha alimentado esta confrontação e, procurando atenuar os dissídios históricos entre Israel e o mundo sunita, através da reconciliação pelos “acordos de Abraão”, como que estimulou uma frente comum contra o Irão.
Mas Biden parece agora ter outras ideias. E a Arábia Saudita, sentindo-se “orfã”, ensaia um diálogo com Teerão e até com o seu inimigo sunita tradicional, a Turquia. Será assim? Parece. No Médio Oriente nem sempre o que parece é.
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