sábado, maio 15, 2021

O mundo é muito pequeno!


Não anotei o seu nome. O cidadão português que se aproximou de mim, numa pausa de um evento que teve lugar no palácio de S. Clemente, residência do cônsul-geral de Portugal no Rio, queria apenas dizer-me que tinha uma ligação à minha terra, a Vila Real. Estávamos em 2006, ao tempo em que eu era embaixador no Brasil.

“Cheguei a viver uns meses na sua terra, senhor embaixador. Fui com o meu avô para lá”. Achei curiosa a referência e atentei no relato que ele me fazia. 

Às vezes, para não desiludir os interlocutores, devo confessar que os embaixadores fingem interessar-se por histórias que os muitos cidadãos do seu país com quem se cruzam no estrangeiro lhes contam, nessas apressadas ocasiões públicas. Mas, neste caso, a minha atenção era muito genuína. E tinha a ver com as datas que ele me dizia. É que tínhamos coincidido na capital transmontana, teria eu então uns 14 ou 15 anos. A cidade era pequena, eu conhecia por ali toda a gente. Onde é que ele vivera?

Explicou-me que a estada da sua família, em Vila Real, fora relativamente curta, bem menor do que expectável. O seu avô, homem de muitas posses, transmontano residente no Brasil, tinha comprado uma casa muito interessante, no centro da cidade, e tinha tido o cuidado de mobilá-la com algum requinte. A isso fora ajudado por pessoas amigas, creio que do Porto. Decidira escolher para a casa excelentes móveis, objetos de decoração, tapetes. A ideia seria firmar uma posição na cidade e, para isso, possuindo ele os meios, procurou garantir um apetrechamento adequado da habitação.

A vida, contudo, é sempre feita de surpresas. Escassos meses tinham decorrido desde a instalação em Vila Real e, por uma razão que creio que me explicou mas que esqueci, o seu avô, e com ele a família, haviam tido necessidade de regressar rapidamente ao Brasil. Em poucos meses, todo o esforço de montagem daquela magnífica casa se gorou. Coisas que tinham acabado de ser adquiridas, acabaram por ser postas à venda, num prazo de tempo curto, a um preço, ao que se lembrava, abaixo do seu real valor. “Havia peças lindíssimas”, recordava-se o meu interlocutor, que, embora bem jovem à época, guardava uma memória impressiva da casa do seu avô.

Eu estava cada vez mais curioso com a história - e já perceberão porquê. “Diga-me uma coisa”, inquiri, “onde ficava a casa do seu avô?”. A explicação era pouco precisa, mas rapidamente entendi do que ele falava, quando me disse: “Era um primeiro andar, mesmo no centro da cidade, sobre uma loja comercial, junto a dois cafés”.

A certa altura, com a expressão da minha curiosidade a parecer já um pouco estranha ao meu interlocutor, perguntei-lhe: “Tem ideia de como eram os sofás da sala do seu avô?”. O homem olhou para mim com um ar um pouco espantado, mas adiantou: “Claro que recordo! Eram em tons de verde, com desenhos florais em veludo”. Forcei a sorte: “E tem ideia de haver na casa um espelho grande, clássico, dourado?”

Neste ponto da conversa, o homem já esbugalhava os olhos. “To make a long story short”, posso concluir que lhe disse: “Se um dia tiver saudades desse espelho, se quiser sentar-se nesses belos sofás e quiser ver como ainda está bem conservada uma grande carpete, em tons verdes, de Beiriz, que atapetava essa habitação do seu avô, eu convido-o a ir a minha casa, lá em Vila Real. Está lá tudo isso!”

O meu interlocutor estava entre o surpreendido e o comovido. Eu expliquei: o período em que o seu avô tinha decidido desfazer-se do excelente recheio da sua casa em Vila Real coincidira, precisamente, com aquele em que tínhamos ido viver para a nova residência do gerente da Caixa Geral de Depósitos, cargo que o meu pai ocupava. O inesperado surgimento, à venda na cidade, de um magnífico conjunto de peças de mobiliário e decoração, em estado praticamente novo, a um bom preço, caíra “como sopa no mel” nos planos dos meus pais, ajudando-os a rechear a imensa casa que então fomos ocupar. E eu era - e ainda sou, nos dias de hoje - o feliz herdeiro de todas essas peças. 

O mundo é muito pequeno, como se vê!

1 comentário:

Flor disse...

Eu não acredito em coincidencias "Pero que las hay las hay":) Interessante.

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...