quarta-feira, maio 19, 2021

Coimbra Martins


Nunca esquecerei as palavras que António Coimbra Martins me disse quando, semanas depois de eu ter chegado a Paris, em início de 2009, para ocupar o cargo de embaixador, o recebi à porta da nossa residência, num dia em que o convidei para almoçar, a dois: “Nunca tinha sido apresentado ao senhor embaixador mas, pelos muitos amigos comuns que temos e que me falam de si, é como se o conhecesse há muito”. 

Eu também conhecia o seu nome, e bem. António Coimbra Martins fora a personalidade escolhida pelo então ministro dos Negócios Estrangeiros, Mário Soares, para ser o primeiro embaixador em França, após o 25 de Abril, do novo Portugal democrático, cargo que desempenhou por quase cinco anos. 

Com uma longa e prestigiosa carreira académica, tinha exercido a chefia da delegação da Fundação Calouste Gulbenkian na capital francesa, nos anos 60. Na política democrática, tendo feito parte da ASP (Ação Socialista Portuguesa), movimento que antecedeu a criação do PS, viria a ser ministro da Cultura, deputado à Assembleia da República e ao Parlamento Europeu.

Durante o tempo em que ocupei a casa que já havia sido sua, foi sempre de uma extrema atenção para comigo. Eu brincava com o facto de ele ter sido, em tempos, deputado por Vila Real, pelo PS, num daqueles arranjos políticos em que os partidos são mestres, dizendo que isso lhe dava mais “direitos” do que o ter-me antecedido no cargo, porque essa função o tinha convertido em “transmontano honorário”. Ele gracejava, dizendo que, um dia, eu tinha de mostrar-lhe bem a minha terra, que ele representara politicamente.

Devo-lhe conselhos utilíssimos, para o cargo que exerci. Era um homem com uma expressão que, à partida, podia parecer algo grave e pomposa, o que era acentuado pelo seu tom de voz, mas que logo se desfazia num desconcertante humor, quando comentava as coisas da vida e da política. Vale a pena ler as suas memórias, “Esperanças de Abril”.

Soube, há minutos, que Coimbra Martins morreu hoje, em Paris, aos 94 anos. Foi no quadro de uma atividade da Fundação Calouste Gulbenkian que, há poucos anos, me levou a Paris, que tive o ensejo de estar com ele, pela última vez. Sinto muito a sua morte, digo com a maior sinceridade, porque era uma pessoa por quem tinha grande consideração e forte estima, que sabia retribuída. Envio os meus sentimentos à sua família.

2 comentários:

JPGarcia disse...

Caro Francisco,

António Coimbra Martins foi de facto uma personalidade notável da Cultura portuguesa. Sucedi-lhe num dos cargos que ocupou e fui seu colega num outro que eu próprio exercia. Recebi dele inúmeros testemunhos de amizade e de apreço, num tom por vezes formal mas sempre de grande cordialidade. Foi um dos últimos utilizadores de cartões de Boas Festas. Não conseguiu terminar o seu trabalho sobre Diogo do Couto a que dedicou toda a vida. Frequentava assiduamente bibliotecas, muito para além dos oitenta anos. Era um dos sobreviventes de uma época que está acabar. Perdi um Amigo.

Um abraço

JPGarcia

Graça José disse...

Senhor Embaixador,
Ainda é muito cedo para ter a distância de encontrar com rigor as palavras certas para lhe dizer que o Senhor Embaixador, tão sabiamente descreve o Coimbra Martins.
Sempre o tratei por "Coimbra". Foi um privilégio ter vivido com o Coimbra. Em privado era de uma humildade e delicadeza comovente. Viver com ele foi fácil. Os últimos 11 anos, que vivi em Paris foram de uma ida às bibliotecas (até à biblioteca do Arsenal) aonde felizmente não o deixavam dormir... O Europeu do futebol foi uma loucura, com uma faceta do Coimbra que eu não imaginava. Privou-se das idas à Biblioteca Mitterand para seguir os jogos todos das equipas com quem Portugal poderia vir a jogar. Confiou desde cedo no Rui Patrício, que escolheu como o melhor guardião da baliza portuguesa, e de todas as seleções do Europeu.
Gostava de lembrar momentos bem preenchidos, com alegria de celebrar Portuga em Paris.
Gratidão, Senhor Embaixador, pelo seu testemunho a assinalar a partida do Coimbra Martins.
a Graça Costa

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...