quarta-feira, janeiro 27, 2021

Um outro país que aí existe


Numa destas noites, para escapar ao debate político nas televisões, nas margens das regras de confinamento, saí a pé uns quarteirões. Deparei, numa porta iluminada, com uma loja de produtos de alimentação e de primeira necessidade. Não precisava de nada, mas entrei. Uma cara escura, com uma máscara negra, deu-me um “boa noite” com sotaque. Para justificar a incursão, comprei qualquer coisa, de que, verdadeiramente, não sentia falta. Ao contrário do que costumo fazer com os estrangeiros com quem calha cruzar-me no mundo do comércio, nos restaurantes ou nos Uber, não perguntei de onde era. Sri Lanka ou Bangladesh ou Paquistão seria, com certeza, a resposta. Mas podia ser o Nepal, mas raramente a Índia.

Desde que me conheço, tenho um sentimento muito sincero de simpatia pelos estrangeiros que trabalham entre nós. Sinto-me feliz por ser parte de um país que acolhe gente vinda um pouco de todo o mundo, fazendo nós assim, sem o assumirmos, uma espécie de retribuição pelo facto de, desde há séculos, muitos compatriotas nossos terem andado fora de fronteiras à procura de melhor vida e de aí terem tido, com maior ou menos dificuldade, oportunidades para navegar o seu destino.

Quando por aí me cruzo com caboverdeanos ou angolanos ou santomenses, a esses quase que os não coloco nesse mundo de forasteiros imigrados. São “da casa”, tal como muitos brasileiros. Mas acho imensa graça ao facto de haver chineses um pouco por todo o lado, de ter migrantes do Leste europeu quase confundidos connosco, de poder ter gente do Industão no nosso comércio de bairro. Encontrar gente diversa a partilhar a nossa vida, saber interagir com eles, respeitá-los e dar-lhes oportunidades de mostrar que são bem vindos e que gostamos de os ter por cá torna-nos um país melhor.

Por que é que falo disto agora? Porque Portugal, gostemos ou não de ouvir isto, vai entrar numa crise económica, e que, por muitas “bazucas” que houver, elas só terão efeitos a prazo pelo que, no imediato, virá por aí algum desemprego. E o desemprego que, como é sabido, afeta, em prioridade, os imigrantes, cria pobreza, instabilidade social e criminalidade, não sendo de excluir que alguns estrangeiros possam ser apanhados nessa malha. E como sabemos que a imprensa do crime não tem a menor ética anti-xenofóbica ou anti-racista, sendo mesmo atiçada pela onda nacionalista que agora chega, as pessoas decentes vão ter a obrigação de assumir uma resposta política a uma rejeição dos estrangeiros, que pode estar aí ao virar da esquina.

7 comentários:

Luís Lavoura disse...

Por acaso, no outro dia uns indianos pediram-me esmola, coisa que nunca tinha visto gente dessa raça fazer cá.

Unknown disse...

Concordo totalmente com esta posição. Portugal foi sempre, ao longo dos séculos, um país que exportou nacionais para todos os cantos do mundo. Há que lutar para que a onda xenófoba e anti-racista não se propage no nosso país.

Unknown disse...

Concordo totalmente com esta posição. Portugal foi sempre, ao longo dos séculos, um país que exportou nacionais para todos os cantos do mundo. Há que lutar para que a onda xenófoba e anti-racista não se propage no nosso país.

jose reyes disse...

Irra! O Lavoura é de uma raça...!

Pedro F. Correia disse...

Muito SC! A antecipação e aviso necessário!

A.B. disse...

Não sabia que havia uma “raça” indiana.

septuagenário disse...

O "Europeu"é uma raça em extinção, é uma raça que há mais de 100 anos se tenta auto extinguir.

Desde a escolha de dirigentes medíocres com políticos com "ideias" suicidas, (Guerras
I e II, controle de natalidade indiscriminado, aquisição de mão de obra indiscriminada em catadupa, importada para lhe servir de capacho...etc), o "europeu", o grande civilizador do mundo, tem os dias contados.

No caso de Portugal, neste momento com esta crise, é escandolasa a mediocridade de quem nos "comanda".

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...