domingo, janeiro 10, 2021

O avental do “Petróleo”


Não recordo onde é que o José Guilherme Stichini Vilela, “ministro-conselheiro” na embaixada em Luanda, terá desencantado a figura do “Petróleo”. A verdade é que foi ele o cozinheiro que passou a trabalhar no apartamento que, a partir de 1982, o Zé Guilherme ocupou na avenida 4 de fevereiro, em frente à baía de Luanda. O Zé Guilherme, um querido amigo, já se foi há alguns anos.

O “Petróleo”, nome cuja origem também desconheço, era um homem sempre sorridente, o que não era de estranhar: o Zé Guilherme pagava-lhe muito bem, acima da “tabela”, oferecia-lhe imensas coisas e, por isso, ele andava imensamente contente. Falava muito mal português. Como alguns dos nossos jogadores de futebol, identificava-se na terceira pessoa: “O ‘Petróleo’ foi ontem ao mercado...” Ensinado pelo Zé Guilherme, o “Petróleo” fez-se, com o tempo, um excelente cozinheiro.

Uma noite, o Zé Guilherme organizou, na sua sala com varanda sobre a avenida, um largo jantar para alguns dos muitos amigos que tinha em Luanda. Para além dos “habitués” da embaixada, com o embaixador Pinto da França à cabeça, dessa vez era gente um pouco mais velha do que o habitual, com alguma cerimónia, casais da antiga sociedade portuguesa que permanecia nessa Luanda recém-independente - Pedro da Cunha, Chico Neto, etc. E, claro, o Fernando Valpaços, a Lacas, a Ana Poppe, com certeza também o Vasco Correia Mendes.

O “Petróleo” servia pela sala, envergando nessa noite um belo avental, com o clássico moto “Kiss the cook” (beije o cozinheiro), então muito em voga nos países anglo-saxónicos, uma oferta que o Zé Guilherme tinha recebido conjuntamente com uma assinatura anual da “Time”.

Não sei em que ponto do jantar é que começaram os sorrisos. À passagem do “Petróleo” entre as mesas e os sofás, notaram-se, a certa altura, alguns sussurros. De início era murmúrios, com risadas, ao ouvido dos vizinhos. Partiu de uma das mesas, depois a onda sorridente espalhou-se pela sala, acelerando a cada passagem do empregado. Algumas das senhoras presentes, da Lilita à Sofia ou à Maria do Céu, notavam os rumores, mas, aparentemente, não entendiam o que se passava. Outros, os alertados, optavam por nada lhes dizer. A certa altura, avisado por alguém, o Zé Guilherme zarpou para a cozinha, na peugada do “Petróleo”. E lá resolveu o “assunto”!

Mas, afinal, o que é que se tinha passado? Nada de mais, na minha opinião! Um dos convidados, de que a História não acolheu o nome, numa sortida à cozinha, terá convencido o bom do “Petróleo” a deixar fazer, no seu avental, uma pequena e rápida operação, com um daqueles sprays brancos para tirar nódoas, promovendo uma ligeiríssima alteração na segunda letra “o” da palavra “cook”, transformando-a num “c”. Apenas isso!

Não me consta que, nessa noite, se tenha descoberto quem foi o autor da marosca. A mim, o “Petróleo” tinha-me prometido não revelar o nome do “artista”...

3 comentários:

Flor disse...

Costumamos dizer que a língua portuguesa é muito traiçoeira mas a inglesa não lhe fica atrás ;)

maitemachado59 disse...

A mudanca da letra nao devia ter escandalizado o JG, que conheci na Faculdade.

Um dos meus irmaos e um cunhado, vosos colegas disseram-me que quando ele saiu de Argel levou consigo nao so o cozinheiro mas tambem o seguranca. Suponho que seria o tal Petroleo..

E ja agora, obrigada pela "dica" do sal no cafe: muito mais saboroso, mas, infelizmente, nao consigo convencer os meus amigos ingleses: a bebida deles e o cha (que eu prefiro) e o cafe, e de esquecer a nao ser nos restaurantes Franceses e Italianos, ou nas pastelarias Portuguesas. E um primo Brasileiro arrepia-se da ideia!

maitemachado59

Francisco Seixas da Costa disse...

O JGS chegou a Luanda, em 1982, ido da OCDE, em Paris, onde era ministro-conselheiro. Só seria embaixador em Argel depois de ser assessor diplomático do presidente da República, em 1986, cônsul-geral no Rio de Janeiro, em 1988 e vice-presidente do Instituto Camões, de 1990 a 1996. O mito do “segurança” e do cozinheiro (recrutado em Luanda) é isso mesmo, um mito.

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...