segunda-feira, janeiro 11, 2021

François Mitterrand


François Mitterrand morreu há 25 anos, depois de 14 anos consecutivos como presidente da França. Homem da IV República, onde teve cargos de governo, foi um dos mais ferozes opositores de De Gaulle, a quem forçou a uma segunda volta numas eleições presidenciais.

Desprezava a V República, mas esta assentou como uma luva ao seu estilo “royaliste”. Manipulador, sedutor, excelente escritor, cínico, culto, inteligente e matreiro, entre tantas outras muitas qualidades e grandes defeitos, veria o termo do seu tempo político marcado por acusações de ligação premiada ao colaboracionismo, ele que, paradoxalmente, também tinha “medalhas” de resistente, bem como pela revelação da existência de uma filha tardia, fora do casamento, o que acabou por humanizá-lo.

Há dias, pela Amazon, encomendei um livro sobre Mitterrand, editado em 1988, que ainda não conhecia. Não me canso de ler sobre ele e sobre o tempo que protagonizou. Visitei a terra onde foi eterno presidente da Câmara e estive no seu túmulo, mas, estranhamente, estou muito longe de ser um admirador fascinado dessa que foi uma das figuras mais complexas da vida política francesa.

Um dia, na única viagem que fiz com o casal Mário Soares, durante cerca de uma semana, em finais de 1995, com Mitterrand fora do Eliseu e já muito doente, o seu nome veio à conversa. Mário Soares, que o tinha como amigo, disse dele coisas muito simpáticas, contando algumas histórias, que infelizmente esqueci. Notei então a cara fechada de Maria Barroso. Claramente, não comungava a leitura que o marido fazia da personalidade de Mitterrand.

Passaram uns anos, oito ou nove. Uma noite, em Viena, tive Maria Barroso a jantar, em minha casa. Entre vários assuntos, falou-se de Mitterrand. Constatei, de novo, que a sua atitude não era muito positiva sobre a personagem. No final da refeição, puxou-me à parte e, com a firmeza de quem tinha ideias muito próprias e não gostava de deixar dúvidas sobre elas, disse-me o que pensava sobre François Mitterrand. Só posso dizer que não coincidia com a perspetiva do seu marido. E explicou-me porquê. Mas isso não vem aqui para o caso.

A terminar, deixo uma frase de Mitterrand, uma curiosa leitura do “mosaico” francês, num improviso de 1987, onde “nós” também estamos: “Nous sommes français, nos ancêtres les gaulois, un peu romains, un peu germains, un peu juifs, un peu italiens, un petit peu espagnols, de plus en plus portugais, peut-être, qui sait, polonais, et je me demande si déjà nous ne sommes pas un peu arabes."

9 comentários:

Flor disse...

Agora deixou-me curiosa!:(

JPGarcia disse...

Caro Francisco,

Entre 1987 e 1992, fui o coordenador de todas as visitas de Mário Soares a Paris. De Estado, oficiais, privadas e ainda escalas de e para outros países. Pude testemunhar inúmeras vezes o entendimento entre os casais Soares e Mitterrand e ainda a afeição que estes tinham por Isabel e João Soares. De todos recebi inúmeras provas de amizade, incomuns entre Chefes de Estado e Secretários de Embaixada. Nunca me esquecerei delas.

Um abraço

JPGarcia

Luís Lavoura disse...

Não percebo para que raio contou o Francisco a história sobre Maria Barroso, se era para no fim nos dizer que nada nos queria comunicar sobre os motivos dela.

Lenah disse...

Luis Lavoura,acho sempre interessante e saudavel quando um casal unido tem ideias diferentes sobre certas pessoas e tanto me faz saber os motivos. Acho que seria de mau gosto publica-los.

AV disse...

Ao contrário do costume, está não é uma história bem rematada - ou não é uma história mesmo.
São, no entanto, notas interessantes.

Flor disse...

Será que tem a ver com a Mademoiselle Anne?? Mon Dieu!

Luís Lavoura disse...

Lenah, acho muito normal um casal unido ter opiniões distintas sobre múltiplas coisas. Eu tenho muitíssimas opiniões muito diferentes das da minha mulher, e vivemos unidos há vinte anos. Não tem nada de especial.

Francisco Tavares disse...

François Mitterrand, entre outras coisas (boas ou más, não interessa), é o pai da regra dos famigerados 3% de défice público. Como o testemunha Guy Abeille, adjunto de Delors ao tempo ministro das Finanças de Mitterrand.
Francisco Tavares

João Pedro disse...

Diria que o nome que deu à filha fora do casamento, Mazarine, dizia muito sobre o que era François Mitterrand.

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