terça-feira, janeiro 05, 2021

Portugal, o Brasil e a Europa



“Portugal, o Brasil e a Europa” foi o subtítulo que dei a um livro que publiquei em Brasília, em fins de 2008, com o nome de “Tanto Mar?”, antes de trocar aquela cidade por Paris. É também uma frase que sintetiza a Presidência Portuguesa da União Europeia de 2007, vivida no Brasil.

Teve imensa graça organizar a presidência portuguesa, como embaixador português em Brasília. Foi interessante fazer subir, durante esses seis meses, um “zeppelin” (na imagem) iluminado nos céus da cidade plana, com as cores da nossa presidência, assinalando o local de Brasília onde, num determinado dia, ocorria um evento cultural português: fosse uma sessão de teatro, uma exibição de cinema, um espetáculo de música, um debate, uma leitura de poesia.

Neste caso, aliás, a poesia podia nem sequer ser portuguesa. Na sede do Instituto Camões, na embaixada de Portugal, em algumas das 26 semanas que o semestre tinha, houve sessões dedicadas à poesia dos 28 países da União, com leitura de textos de poetas das várias nacionalidades, traduzidos em português, ditos por atores, que se passeavam entre as mesas dos convidados ao “Café Camões”, com doçaria portuguesa à mistura. 

E, a abrir o semestre, o grande teatro nacional de Brasília esteve a rebentar pelas costuras, com a voz de Marisa e encher-nos a sala, de gente e de orgulho. Adriano Jordão, nosso conselheiro cultural, foi o obreiro dessa grande e quase esgotante operação cultural, em que toda a embaixada muito se empenhou. Foi muito agradável representar Portugal nesses dias, como o foi constatar que foi possível fazer tudo isso quase sem gastos acrescidos para o erário público, sabiam? 

O Brasil de então estava muito interessado na Europa. E a Europa olhava para o Brasil com imensa atenção. Porque às atenções mútuas interessava dar um corpo institucional, bastantes meses antes, ainda durante a presidência alemã, Portugal apresentou em Bruxelas a proposta de que ao Brasil fosse concedido, pela União Europeia, o estatuto de “parceiro estratégico”, o estádio mais elevado de interlocutor externo que a União podia conceder. O Brasil passaria a ombrear com o EUA, a Rússia, a China, o Japão, o Canadá e a Índia (este também por proposta portuguesa, em 2000, como já aqui contei), os únicos Estados a quem esse estatuto era concedido, com o que isso representava de consultas regulares, com cimeiras a nível elevado.

A proposta portuguesa, cujo desenho inicial emergiu da equipa da embaixada portuguesa em Brasília, depois desenvolvido de forma altamente profissional pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros português e pela nossa Representação Permanente em Bruxelas, não teve um caminho fácil, nos corredores europeus. Desde logo, porque havia outros parceiros que, manifestamente, gostariam de ser titulares da ideia. Outros entenderam que, ao dar aquele destaque ao Brasil, a União poderia estar a transmitir um sinal de menor atenção a outros Estados, nomeadamente na mesma área regional - mas não só. Ultrapassar essas dificuldades, por vezes traduzidas num “arrastar de pés” até que tudo se atrasasse irremediavelmente, foi uma tarefa política e diplomática muito complexa, que, em Brasília, íamos acompanhando de forma interessada. 

Mas, também ali, a iniciativa portuguesa não tinha uma leitura unívoca. Setores havia, do lado brasileiro, que teriam apreciado bastante mais que uma iniciativa desse género, não obstante ser sempre desejável no plano dos princípios, tivesse sido titulada e apadrinhada por um grande poder europeu e não por um “parente”, que parecia estar a usar o “primo” transatlântico na moda, para se mostrar importante no seio do seu “clube”. 

Mas o mal-estar não acabava aí. Com impactos da imprensa, o destaque dado ao Brasil pela União Europeia estava a criar “ciúmes” no âmbito do Mercosul, que tinha em curso a, então arrastada, negociação comercial com a União e que interpretava a relação privilegiada com o Brasil como uma “ultrapassagem” indesejável. As próprias autoridades brasileiras estavam a sentir essa reação, o que nos levou a algumas iniciativas. 

Desde logo, com a ajuda da delegação local da Comissão Europeia, chefiada pelo português João Pacheco, organizámos uma reunião com a imprensa, explicando uma coisa muito simples: nenhuma das dimensões substantivas que faziam parte do futuro acordo UE-Mercosul - basicamente assente no comércio, serviços e investimento - fazia parte da “parceria estratégica” que tínhamos desenhado para o Brasil. Não havia a menor contradição entre ambas as iniciativas.

Mas as preocupações do Mercosul não pareciam abrandar. A minha colega Luísa Bastos de Almeida, embaixadora em Montevideu, deu-me conta de alguma inquietação que atravessava a instituição, que aí tinha a sua sede. Tomei a decisão de me deslocar ao Uruguai e, graças à intervenção da minha colega, tive oportunidade de me dirigir às instâncias do Mercosul, explicando em detalhe o que nos propúnhamos fazer e o não fundamento de tais preocupações. Foi uma charla, seguida de debate, no fim do qual, confesso, fiquei com vontade de falar (bem) melhor espanhol...

Lula seria recebido em Lisboa com todos os “grandes” da Europa à sua volta. Declinei o simpático convite, que recebi do governo, para estar em Portugal nessa ocasião. A minha Presidência era em Brasília, e a festa foi rija aí, com uns belos seis meses de trabalho.

Era esta a história - a terceira, das três presidências portuguesas que testemunhei - que queria contar.

1 comentário:

Portugalredecouvertes disse...









https://www.rtp.pt/noticias/mundo/bruxelas-quer-tornar-o-brasil-no-oitavo-parceiro-estrategico-europeu_n137344

https://www.rtp.pt/noticias/mundo/paises-do-mercosul-nervosos-com-parceria-estrategica-do-brasil-com-europa_n138137

https://noticias.uol.com.br/bbc/reporter/2007/07/04/ult4909u167.jhtm

"Foi uma iniciativa portuguesa propor as reuniões anuais com o Brasil. A proposta foi apresentada em novembro do ano passado".

que giro, encontrei nos jornais o que o Sr. Embaixador escreveu!
é possível que muitos portugueses e muitos brasileiros não saibam disso

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...