domingo, julho 15, 2018

Croácia (2)


Aqui fica mais uma memória da Croácia, a horas da final do Mundial com a França.

A Croácia declarou a sua independência em Junho de 1991, no quadro de um complexo processo que levou à divisão da antiga Jugoslávia. Terríveis atos de guerra e tensões étnicas abalaram então a região balcânica, onde hoje, para além da Croácia, figuram, com estatuto de Estados independentes, a Eslovénia, a Bósnia-Herzegovina, a (antiga República jugoslava da) Macedónia, a Sérvia, Montenegro e o Kosovo.

Deve dizer-se que o objetivo croata estava longe de fazer a unanimidade europeia. O regime político do Estado dirigido por Franjo Tudjman era alvo de fortes críticas em matéria de respeito pelos direitos humanos e pelas regras da Convenção de Genève, durante a guerra inter-jugoslava. Além disso, na memória histórica coletiva, subsistia, em muitos países europeus, um forte ressentimento contra os croatas, por virtude da ligação que o "Estado livre" dirigido pelos "oustachis" pró-nazis de Ante Pavelic havia tido com Hitler, durante a segunda guerra mundial. 

A Alemanha, em especial o seu MNE Hans-Dietrich Genscher, foi manifestamente o país mais aberto ao reconhecimento da independência croata por parte das instituições europeias, que só viria a ter lugar em 15 de janeiro de 1992 - precisamente num período em que Portugal detinha a presidência da União Europeia. Recordo a minha quase solidão, como diplomata que representava a presidência das Comunidades Europeias (só em fevereiro desse ano seria assinado o tratado de Maastricht, que criou a "União Europeia"), no cocktail oferecido pelos croatas em Londres, ao final desse dia. A independência da Croácia, se bem que aceite, estava longe de ser saudada com entusiasmo pela generalidade dos países europeus.

A exemplo do que, com frequência, acontece com Estados em busca de reconhecimento, os croatas haviam desenvolvido, a partir de 1991, um pouco por todo o mundo, uma diplomacia pública de convicção, tentando fazer perceber as razões que justificavam a sua autonomização como entidade independente, sucessora do anterior Estado federado existente dentro da Jugoslávia. 

Nesse sentido, a nossa embaixada em Londres havia sido visitada, com alguma regularidade, por um médico croata, com nacionalidade inglesa, que informalmente representava os interesses de Zagreb em Londres. Chamava-se Drago Stambuk, era um poeta com vasta obra publicada e aparecia como regular portador, não apenas da argumentação das suas autoridades em favor do processo de independência, mas igualmente de razões contra as acusações de que o seu regime era alvo (e que infelizmente vieram a ser comprovadas) sobre as derivas autoritárias do governo Tudjman, nomeadamente o terrível tratamento dado aos sérvios residentes na zona croata da Krajina. 

Sem nunca lhe esconder as dúvidas que na Europa comunitária se alimentavam sobre os métodos do regime de Franjo Tudjman (e que, a título pessoal, partilhava em pleno), mantive sempre com Drago Stambuck uma excelente relação pessoal, que se transformou mesmo em amizade.

Um dia, após o anúncio reconhecimento da independência do seu país pelo Reino Unido, Drago Stambuk telefonou-me: tinha sido encarregado de abrir a embaixada croata em Londres. Não podia ser embaixador, porque tinha nacionalidade britânica, mas teria a responsabilidade prática de preparar toda a estrutura de representação croata em Londres. Como não sabia como proceder, "por onde começar", pediu a minha ajuda. Recordo longas conversas, em minha casa e em "pubs", durante as quais "desenhámos" a estrutura da primeira embaixada croata do Reino Unido. Nesses contactos, dei-lhe conta das formas de proceder face às autoridades locais, de "quem era quem" no Foreign Office, do modo de feitura das "notas verbais" e da preparação de outra documentação que faz parte da liturgia diplomática bilateral. Creio mesmo ter-lhe oferecido um exemplar da "bíblia" anglo-saxónica da profissão diplomática, o "Satow's guide to diplomatic practice". Guardei sempre na memória essa minha contribuição para a montagem da primeira embaixada croata em Londres.

Folguedo de Cima


Vista parcial do panorama que se observa do solar junto do celebrado miradouro de Folguedo de Cima, nos arredores da aldeia de Mangalhona, histórica localidade (vulgarmente conhecida por outra designação) da zona raiana. Ao longe, o país vizinho. 

sábado, julho 14, 2018

Croácia


A Croácia disputa amanhã com a França a final do Mundial de futebol. Nos últimos dias tenho observado que muitos dos apoiantes da França acabam por sê-lo apenas como forma de se oporem politicamente à Croácia. A sua história durante a Segunda Guerra mundial, bem como o comportamento do novo país durante o conflito jugoslavo, criaram fortes anti-corpos à Croácia em vários setores “com memória”. E o futebol não escapa a estas polarizações.

Vou recordar uma historieta, que talvez venha a propósito.

O escritor Álvaro Guerra foi um dos escassos embaixadores oriundos do mundo fora da carreira diplomática por quem o Ministério dos Negócios Estrangeiros sempre manifestou genuíno respeito. A história que hoje relato passou-se em 1996, ao tempo em que ele era nosso representante junto do Conselho da Europa (CdE).

Numa tarde em Estrasburgo, senti o Álvaro um pouco embaraçado, durante a conversa que comigo teve, no caminho entre o aeroporto e hotel. Eu representaria Portugal, no dia seguinte, no Comité de Ministros do CdE, nesse que era o meu primeiro ano no governo. Notei que estava mais lacónico do que era costume e, uma hora depois, ao deixar-me à porta da residência do secretário-geral da organização, onde os membros dos governos tinham um ritual jantar, surpreendeu-me com a frase: "Logo à noite, espero-o no hotel. Precisava de falar consigo".

Fiquei intrigado. Eu tinha uma excelente relação pessoal com Álvaro Guerra, uma figura da intelectualidade portuguesa que conheci logo após o 25 de abril, cujo humor e simpatia, depois complementados pela vivacidade inteligente da Helena, sua mulher, transformavam as minhas idas a Estrasburgo em belos momentos de amena cavaqueira, onde a política portuguesa era sempre percorrida com apurada ironia. E grande cumplicidade. Que quereria o Álvaro? Um novo posto? Ele estava há pouco tempo no CdE, pelo que talvez me quisesse sensibilizar para algum problema de pessoal. Logo se veria.

Os jantares em casa do secretário-geral do CdE, que tinham lugar todos os seis meses, eram sempre precedidos de uma conversa "au coin du feu", com um convidado. Nessa noite, entrei na sala lado o lado com o ministro croata dos Negócios Estrangeiros, Mate Granic, e, por um acaso, sentámo-nos um em frente ao outro, nos dois melhores sofás individuais da sala.

(Nos cinco anos seguintes, eu e Granic, quase sem exceção, duas vezes por ano, tornar-nos-íamos "proprietários" desse lugares, que passaram a ser "cativos", na invariável coreografia com que o SG Daniel Tarschys e, mais tarde, Walter Schwimmer dispunham a sala. Caprichávamos em não perder esses "nossos" sofás, cujo conforto nos permitia resistir melhor às "secas" que alguns convidados nos pregavam. E gozávamos com isso.)

Eu conhecera Granic, meses antes, em Zagreb. No quadro de um discreto (diria mesmo, secreto) périplo que havia feito à volta da Europa, acordara com ele uma troca de apoios: a Croácia votaria favoravelmente a nossa candidatura a membro não permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas e nós dar-lhe-íamos o nosso voto para a sua pretensão de entrar para o CdE.

Diga-se que esta última candidatura estava longe de ser consensual: o regime croata mantinha ainda falhas no tocante à observância de alguns princípios da ordem jurídica protegida pelo CdE e, por essa razão, alguns Estados membros mantinham reservas quanto a esta adesão. Por "realpolitik" e particular interesse nacional, mas igualmente pelo facto de considerarmos que uma integração da Croácia no CdE era a melhor forma de promover a observância de tais obrigações, o governo português havia optado por dar o seu apoio à pretensão croata, contrariando abertamente a posição que era defendida pela missão portuguesa em Estrasburgo, chefiada por Álvaro Guerra. No dia seguinte a esse jantar, a anteceder a reunião do Comité de Ministros, teria lugar a "foto de família", com os membros do governo e os embaixadores, que consagraria a entrada da Croácia na organização.

Regressei ao hotel e, no "hall", estava já o Álvaro Guerra. Sentámo-nos para uma bebida no bar e ele revelou-me a razão pela qual queria falar comigo: vinha pedir-me o favor de o dispensar de estar presente na cerimónia do dia seguinte. Álvaro Guerra fora embaixador em Belgrado e, tal como a esmagadora maioria dos colegas portugueses que haviam tido a experiência de servir na capital jugoslava (hoje da Sérvia), Belgrado, Álvaro "went native" e assumia uma posição fortemente pró-sérvia, com muito escassa simpatia (e isto é um "understatement"...) pela Croácia.

Era uma posição política, talvez pouco diplomática, mas as questões limites de consciência são respeitáveis, desde que assumidas de modo correto e não conflitual com os interesses do país. Não vi, assim, nenhum inconveniente em isentá-lo do exercício, que constatei que lhe seria muito penoso. No dia seguinte, ele assistiu, de longe, à fotografia comemorativa da adesão da Croácia, que há dias descobri na minha papelada (com muito menos cabelos brancos, diga-se).

Logo de seguida, sentámo-nos na sala do Conselho de Ministros e o Álvaro perguntou-me: "Quem foi a "alma danada" que, em Lisboa, teve a infeliz ideia de decidir o nosso voto em favor da Croácia?". Com um sorriso irónico, esclareci-o que fora precisamente eu o autor do "deal" com Granic, feito em segredo em Zagreb, escassos meses antes. Álvaro Guerra estava estarrecido! "Você?!". Expliquei-lhe a negociação e a racionalidade subjacente à decisão tomada, mas tenho a certeza que não o convenci. O Álvaro não se zangou comigo, como também o não fazia quando eu combatia, com ardor e ironia, a sua "aficción" tauromáquica.

O Álvaro morreu em 2002. Se fosse vivo, tenho a certeza de que amanhã estaria a gritar: “Allez les bleus!”.

sexta-feira, julho 13, 2018

Ai Brasil !


Há dias, em escassas horas, o Brasil assistiu – e eu, que estava por lá, também - a um debate extremado de natureza político-jurídica, envolvendo, uma vez mais, Lula da Silva. Um juiz de turno, numa instância que, horas depois, viria a ser declarada incompetente para tal, tomou a polémica decisão de mandar soltar o antigo presidente. No emaranhado quase incompreensível que hoje constitui o processo judicial brasileiro, sucederam-se ordens e contra-ordens. As televisões encheram-se de especialistas (como por cá também houve, ao que me disseram, sobre caves tailandesas). Os atores políticos, chamados a pronunciar-se, reagiram da forma expectável, algumas vezes com a ambiguidade de um discurso tático, atentas as eleições que se aproximam. E, sem surpresa, Lula continuou na prisão, onde, aliás, rapidamente teria regressado, se acaso tivesse sido solto.

Os amigos de Lula, que entendem que a sua condenação e posterior prisão não passaram de uma orquestrada fraude judicial com objetivos políticos, exultaram, entretanto, com a possibilidade momentaneamente aberta pelo complacente juiz. Os seus detratores, ao invés, crismaram o agente da justiça de todo arsenal de epítetos injuriosos e, naturalmente, rejubilaram com o desfecho frustrado do episódio. 

Nada disto parece hoje estranho, num Brasil que vive um tenso ano político, com eleições no segundo semestre, com um presidente completamente desacreditado, um governo errático que parece seguir um “script” desligado do mundo real, com as mãos atadas por um Congresso (Senado e Câmara de deputados) onde se “costuram alianças” e se fazem “articulações” que espelham já todas as ambições dos proto-candidatos. O sistema político mostra-se incapaz de uma auto-regeneração, vivendo sob uma patente desconfiança dos cidadãos, que olham com desprezo a continuação dos jogos de distribuição de lugares e verbas orçamentais, imagem de marca da velha e relha política. A máquina judicial, onde, desde há uns anos, passaram a repousar (e ainda repousam) muitas esperanças, surge cada vez mais acusada de instrumentalização, ao serviço das agendas políticas. E nela, cada cidadão brasileiro já elegeu os “bons” e os “maus”.

Neste maniqueismo obsessivo, o Brasil de hoje pensa com o coração e o “nós ou eles” converteu-se na regra de um jogo muito perigoso. Sabe-se como um contexto instalado de desencanto pode ser pasto fácil para populismos. Por mim, não gostaria de ver o Brasil regressar à América Latina, se bem me faço entender.

quinta-feira, julho 12, 2018

Ramona e outros azares


Na minha infância, recordo-me de ouvir a minha mãe dizer que uma música chamada “Ramona” dava má sorte. Quando os acordes dessa melodia surgiam na rádio (na minha terra não usamos a palavra telefonia e outros vocábulos análogos, que fazem parte do léxico das lisboetices), havia uma corrida imediata a mudar de estação. 

Eu era muito miúdo e impressionava-me que pudesse haver coisas dessa natureza, ou melhor, coisas que ultrapassassem a natureza que tinha à minha frente, que foi sempre o alfa e o ómega da minha maneira de olhar o mundo. Vivi a acreditar no que vejo. E sempre e só nisso.

Nessa eterna e simples perspetiva, sempre vi as sextas-feiras 13, como vai ser o dia de amanhã, como uma crendice com folclórica graça, mas só isso. Não acredito no azar e na má sorte, talvez porque, na vida, sempre tive sorte da boa - ou, quando isso não aconteceu, assobiei para o lado, fiz de conta e passei à frente. 

Não passo por baixo de escadas apenas com medo de que me caia algo na cabeça, não gosto de gatos pretos porque não gosto de gatos em geral, abro sem receio guarda-chuvas dentro de casa para testar o estado das varetas e só não deixo tesouras abertas em cima da cama para não correr o risco de me cortar. Sou totalmente imune a toda e qualquer crença, a coisas ditas “sobrenaturais”, a signos e, repito, a tudo aquilo que esteja para além do que o meu olhar alcança. Eu faço parte de quantos não têm a menor curiosidade em saber o que está para além da curva...

Vem isto a propósito da “Ramona” e de amanhã ser sexta-feira 13. Ontem, numa estrada do Brasil, perto de Congonhas do Campo, vi uma placa com o nome de uma localidade chamada Ramona. Contei então para a pessoa que ia ao meu lado a atitude da minha mãe perante a canção mas, curiosamente, não senti vontade de ir ao YouTube para ouvir a malfadada melodia. Seria por respeito à crença da minha mãe ou porque começo a enfraquecer as minhas defesas face ao desconhecido? Fiquei na dúvida.

Ainda a propósito de “azares”, recordo-me de ter um dia falado, no Brasil, numa conversa de amigos, de um episódio ocorrido no dia da implantação da nossa República, em 5 de outubro de 1910. Estava então de visita a Portugal o presidente eleito do Brasil, que tomaria posse no primeiro dia do ano seguinte. Inopinadamente, ele foi apanhado no meio dos combates. Teve de haver uma parlamentação entre os contendores por forma permitir a saída do dignitário (aproveito para pedir que não escrevam “dignatário”, como se vê muito por aí) estrangeiro, que nada tinha a ver com a nossa peleja interna. 

Porém, quando, no meio dessa conversa, tentei lembrar-me do nome do homem, um dos amigos pediu-me que o não fizesse: é que, aparentemente, referir esse nome, no Brasil, dá azar! 

Fiz-lhe a vontade, mas só então. Amanhã, sexta-feira 13, dia em que por qualquer razão me apetecia estar em Vilar de Perdizes, já posso dizer, para desafiar o azar, que esse político se chamava Hermes da Fonseca (na imagem).

E pronto: aqui fica a minha história para o dia oficial do azar, data em que, por acaso, vou ter a dita de viajar para casa de uns amigos, num local tão aprazível que o crismei do lugar de Nossa Senhora do Folguedo de Cima. É que ainda há dias de sorte e o meu vai ser nesta sexta-feira 13.

quarta-feira, julho 11, 2018

terça-feira, julho 10, 2018

Mundial

Um belo jogo entre a França e a Bélgica. Sei bem menos do que os especialistas da bola, mas, cá na minha, acho que, podendo a Bélgica ter ganho, a vitória francesa se justifica marginalmente, se esquecermos os primeiros vinte minutos de jogo. Como se ouve na minha terra: “digo eu, não sei...”

Tenho pena de amanhã não poder ver o jogo entre a Inglaterra e a Croácia. Mas como me é perfeitamente indiferente o resultado, como já me foi o de hoje, contento-me com um resumo tardio. 

Quem é que eu gostava que ganhasse o Mundial? Portugal, claro! E, não tendo sido isso possível (às vezes a justiça existe, face à miséria que foi a nossa prestação), teria gostado que o Brasil ganhasse (apesar das “fitas” tristes do Neymar). No resto, é-me indiferente. A sério!

Juízo no Brasil

Nelson Motta, citado hoje em “O Globo”: “No Brasil, o Diabo não veste Prada”, veste toga...”

Tarde desportiva

Que país quero que ganhe o Mundial? Sei lá! Recuso-me a determinar as minhas opções pelas simpatias políticas ou pelo impressionismo do “gosto mais deste do que daquele”. Não acho que tenhamos de tomar opção e adoro ver jogos (sempre, mas sempre!) sem ouvir o som e ir gerindo as minhas preferências em função do decorrer do jogo. É o que vai acontecer.

Época de transferências

Já “fui” do Barcelona por causa do Figo. “Transferi-me” para o Real por causa do Ronaldo. “Puxo” pelo Manchester United (nunca pelo Man’ United, como os locutores a armar ao íntimo) por via do Mourinho. Mas ainda não me vejo a “jogar” pela “Vecchia Signora”...

Tiradentes

(Ainda hoje encontro gente que acha que o herói Tiradentes, lá no fundo,  não será estranho à crise dos dentistas que, para sempre, inquinou as nossas relações com um certo Brasil...)

Viemos a Tiradentes, pela primeira vez, há quase trinta anos. Com o Zé Stichini Vilela, que vivia então no Rio. Ficámos instalados no magnífico Solar da Ponte, onde conhecemos os donos, a Ana Maria e o John Parsons. Voltámos algumas vezes mais. Sempre com gosto. Conversar com a Ana Maria, uma mulher cultíssima e muito interessante, oficiar o ritual do chá às cinco com o John, na sala de cima, soava por ali a estranho, mas era algo belíssimo. E sempre sereno.

O Zé desapareceu, há muito. O John também e a Ana Maria seguiu-se-lhe, há pouco. O Solar lá continua, magnífico, no centro da vila (ou será cidade?). E Tiradentes, embora muito mudada, também.

Essa nossa primeira viagem a Tiradentes foi nos dias eleitorais de 1989, em que um Lula barbudo e de olhar alucinado viria a ser derrotado por um “kennedyano” Collor, uma hábil e desastrosa construção da Globo. Recordo-me de mim a devorar os tempos televisivos de antena (havia aquele fantástico candidato do “meu nome é Eneias”), a ficar deslumbrado com a qualidade (que eu desconhecia) da imprensa diária brasileira, a tentar perceber a complexa política local (“ciência” adquirida que me ajudaria, tempos mais tarde, quando por aqui “embaixei” por quatro anos).

A vila (ou cidade) de Tiradentes era então, nesse ano de 1989 (em que na Europa um certo muro caía), um quase deserto de comércio. Restaurantes não havia, o Solar não servia jantares e recordo bem que errámos pela noite, nas ruas desertas (exceto de cães, que ainda hoje continuam a ser muitos, seguramente descendentes dos desse tempo), com alguma gente a aflorar às janelas das casas térreas, em pose de “maria-sem-vergonha”, olhando-nos com cordial estranheza, até que aportámos a um boteco simples, onde matámos a fome de fim da noite. As pedras rudes daquelas ruas ficaram-me gravadas. Como o desejo de voltar.

A terra, nos dias de hoje, já não é bem a mesma. As ruas de Tiradentes, hoje cheias de turismo, quase deixaram de ter habitantes locais para se transformarem num imenso centro comercial, loja-sim-loja-sim, imensas pousadas (como aqui se chama às nossas pensões), montões de casas que vendem um belo artesanato - aquelas coisas que apetece comprar mas que, depois, regressados a casa, não sabemos nunca onde colocar. Mas, note-se!, são lojas belíssimas, coloridas com gosto, com gente agradável, de uma paciência sorridente para os inquisitivos protoclientes. Até um argentino de “photomaton” opera, sem grande jeito, por ali.

Ah! E como na canção de Chico Buarque, “há um bar em cada esquina, p’ra você comemorar, sei lá o quê!”. Eu, por acaso, sei.

segunda-feira, julho 09, 2018

Cabinexit



Depois de David Davies, agora sai Boris Johnson do governo britânico. Já não é o Brexit, é o Cabinexit.

Lula


Estar no Brasil, nesta hora de Lula-sai-não-sai-da-cadeia, é um verdadeiro privilégio para o turista político que sempre sou. Pelas televisões desfilam legiões de especialistas, as opiniões radicalizam-se e, às vezes, sobem mesmo de tom. Um descnhecido juíz “de plantão” que tentou soltá-lo passou a ser uma vedeta que, instantaneamente, se tornou herói/vilão, dependendo da posição de cada um. A mim, que me exijo neutral como a Suíça, cabe-me explicar ao meus interlocutores que a expressão “a soltura de Lula”, que agora por aqui faz manchetes, em português de Portugal teria outro significado...

O turismo e os presidentes


O Augusto é o dono do “Charm Country”, um restaurante simples, algures numa estrada de Minas Gerais (a identificação geográfica não será muito útil, porque este Estado brasileiro é maior do que a França), onde já parei uma boa meia dúzia de vezes (como hoje fiz) para um feijão tropeiro e um queijo do serrado com goiabada cascão. 

Falámos de Portugal, que o Augusto não conhece, país de que lhe dizem muito bem (a ideia de que a generalidade dos brasileiros sabe bem o que é Portugal é um conhecido mito lusitano). “Parece que agora tem muito turista por lá! É pelo novo presidente, não é?”.

Embatuquei, confesso! Podemos tecer muitas loas, algumas bem merecidas, à ação do presidente, mas esta de ele ser responsável pela onda de turismo foi a primeira vez que ouvi. “A contrario sensu”, como dizem os juristas, poderíamos concluir maldosamente que Cavaco afastava os turistas?

sábado, julho 07, 2018

Tanto mar?


Um fim de tarde de 1989, com o sol a pôr-se ao fundo da montanha, encontrou-me na praça central de Ouro Preto. Olhando em volta, entre a rua Direita e a do Ouvidor, apercebi-me, pela primeira vez, que uma parte de nós mesmos, dos portugueses, ficou para sempre por ali, por mais cantado que agora seja o sotaque, por muito distante que o nosso próprio mundo agora possa estar. Essa imagem ficou-me gravada na memória e atravessou comigo os anos. 

Passou-se mais de década e meia antes de eu regressar ao Brasil e antes de perceber – de novo no casario de Ouro Preto, mas também no silêncio nobre de Alcântara, no bulício africano do Pelourinho de Salvador ou nas esquinas apressadas do centro do Rio – que, verdadeiramente, só se pode entender bem o que Portugal é, e não apenas o que Portugal foi, depois de mergulhar no Brasil.

A comoção de entrar no forte Príncipe da Beira, de tropeçar nos nossos vestígios em Nova Mazagão, de lembrar os Açores em Ribeirão da Ilha, de ficar esmagado pela monumentalidade do Real Gabinete do Rio, de fixar a decadência serena da Beneficência Portuguesa em Belém, de sentir o cheiro forte das lojas de tudo, frente ao mercado de Manaus – tudo isso é preciso para que se prolongue em nós a interrogação, sem resposta, sobre o que é, afinal, ser português no mundo. Não se é português porque se nasceu em Portugal. É-se português pelo somatório das viagens que outros fizeram por nós, dos que foram e voltaram cheios de histórias mitificadas das Pasárgadas que poderiam ter tido, mas também dos que não voltaram, dos que “queimaram as caravelas” e se entregaram aos novos mundos que fizeram seus.”

(Texto retirado da introdução ao meu livro “Tanto Mar? - Portugal, o Brasil e a Europa”, ed. Thesaurus, Brasília, 2008. Recordei-me deste texto, há minutos, ao chegar a Ouro Preto)

Todos a bordo?


Ainda nos recordamos do discurso de Juncker, em 2016, quando anunciou uma espécie de estado de emergência da Europa, fruto das angústias suscitadas pelo Brexit, que se somavam às múltiplas perplexidades que já então atravessavam o projeto integrador. A resposta à tragédia dos refugiados dividiu transversalmente a União, tal como, noutro sentido geográfico, a questão da solidariedade perante a crise financeira o havia já feito. O alerta pessimista, assumido por um otimista profissional como é o presidente da Comissão europeia, foi então bastante forte.

Depois, surgiu do outro lado do Atlântico o choque Trump. Passado o primeiro trauma, a sua mensagem provocatória teve o condão de funcionar como um inesperado fator agregador, tanto mais que, por uma vez, a América não se entreteve apenas a dividir a Europa – coisa que faz, com sucesso, sempre que quer, como “poder europeu” que é. Ela deixou claro ter como deliberado objetivo enfraquecê-la como um todo, enquanto projeto coletivo, económica e estrategicamente concorrente. Isso começou com o anúncio do fim do TTIP e expressou-se, logo depois, nas reticências sobre a NATO, parcialmente revertidas, não obstante a persistência da relação pessoal obscura de Trump com Putin. O vai-e-vem dos principais líderes europeus a Washington, com diferentes coreografias, às vezes caricatas, deixou desde logo claro aquilo com que, nos próximos anos, a Europa podia contar. O que veio depois apenas confirmou as piores previsões.

Lembrar-se-ão também de que, por esses tempos, os cenários caricaturais para o futuro do projeto europeu estavam na moda: maior ou menor integração, núcleos mais ou menos duros de países. Era um “déjà vu” pouco estimulante, prova indireta de que esse projeto atravessava um estádio de auto-interrogação. Era também a confissão de que talvez tivesse chegado ao fim a ambiguidade em matéria de finalidades do modelo que, por décadas, conseguira criar a ilusão de que todos caminhavam alegremente rumo ao mesmo destino. A Europa da “bicicleta de Delors” (se deixamos de pedalar, caímos para o lado) parecia ter colocado finalmente os pés no chão e ter parado para refletir. Mas, como as mais das vezes acontece no errático debate europeu, o dia seguinte levantou logo uma poeira que toldou o sentido desse esforço de reflexão.

Foi então que surgiu no palco político uma surpresa chamada Macron. Fruto evidente de uma conjuntura particular, o novo líder de Paris acarretava consigo a ambição, muito franco-francesa, de querer aproveitar a futura ausência britânica para colocar o seu país bem no centro da liderança do processo. Deixou claros os fatores de reforço integrador que entendia necessários para suportarem o projeto da moeda única, desafiou alguns tabus soberanistas primários e, com naturalidade, procurou Berlim como parceiro motor para esse novo impulso. O “timing”, porém, era o menos adequado, do lado de lá do Reno. Merkel entrava no declínio do seu poder interno, fruto de vários fatores, de que a sua coragem ética e política perante os refugiados não era o menor. Até no seio do seu próprio partido, como se viu nos últimos dias, o peso da Chanceler segue em perda de velocidade. A capacidade alemã para dar alimento, mesmo financeiro, ao motor europeu, sendo essencial, já não pode ser dada por adquirida.

Ora a Europa, depois de ter atravessado, “tant bien que mal”, várias crises cumulativas ou sucessivas, necessitaria precisamente de uma terapia intensa de reforço da vontade comum, quer no plano institucional de preservação do euro – como Centeno recordou na sua recente carta ao Conselho europeu -, quer na adoção de um conjunto de políticas que pudessem traduzir a assunção da vontade comum, que nos habituamos a ver como devendo emanar daquilo a que chamamos uma potência. 

E o que vimos neste Conselho europeu? Um postergar de decisões, avanços semânticos para não perder a face, a clara sujeição a agendas populistas e demagógicas, já sem um pudor político mínimo. Aquela que era para ser uma “cimeira do euro” acabou por se transformar numa manta de retalhos, em matéria de decisões, refém do discurso dos medos, uma cimeira securitária que consagrou surpreendentes recuos. Para utilizar uma imagem destes dias, a Europa acaba de beneficiar o infrator. 

Posso estar enganado, mas sinto que o termo de mandato da presente Comissão europeia, cujo fôlego dá mostras de exaustão, e a circunstância de irmos entrar num período de eleições para o Parlamento Europeu, com dossiês muito complexos, como o saldo do Brexit e as consequências das conflitualidades com os EUA, vai inaugurar um tempo novo e decisivo para o projeto da União. Vamos assistir ao acesso ao futuro parlamento de Estrasburgo de muitos representantes da Europa dos medos e da insegurança, do soberanismo nacionalista, dos prosélitos das políticas securitárias, declamadores de uma narrativa populista, com alguns Estados a garantirem-lhes um suporte institucional no Conselho de Ministros. Mais ainda: a quererem assegurar uma fatia importante de poder na futura Comissão, onde eles sabem que se caldeiam as propostas de mudança de política que são essenciais para o seu objetivo: mudar a Europa e fechá-la ao mundo.

Esta pode – e a meu ver deveria – ser a hora de verdade para os grandes grupos políticos à escala europeia, da democracia-cristã à social democracia, passando agora também pelos liberais, entre os quais, no passado, se processou a grande aliança implícita que permitiu a construção da Europa. Esses grupos, hoje padecendo de uma heterogeneidade que os começa a descaraterizar, necessitariam de reconstruir entre si um novo pacto de valores e princípios, por cima das suas diferenças programáticas. Mesmo que isso tivesse de conduzir à expulsão, do seio dessas famílias políticas, de partidos “irmãos” que hoje envergonham a sua imagem. É que nada há de mais degradante do que esta paz podre instalada nos sorrisos coletivos nas fotografias de família dos Conselhos europeus. Só dignificava alguns dirigentes terem a coragem de afirmar, alto e bom som, que alguns desses parceiros já não integram o barco comum europeu. Separar as águas seria um ato saudável de coragem e dignidade. A próxima campanha eleitoral para o Parlamento europeu seria o momento certo para se definir quem fica a bordo e quem deve escolher outras companhias. 

sexta-feira, julho 06, 2018

Negócios da China


Há poucas realidades geopolíticas, com dimensão global, sobre as quais os discursos mantenham uma maior precaução relativizadora do que aquela que existe em torno da China. Prevalece o entendimento de que a realidade chinesa tem, dentro de si, especificidades que limitam a utilidade de se lhe serem aplicados os quadros interpretativos tradicionais. Daí que a abordagem da realidade chinesa seja, quase sempre, temperada por inúmeros pontos de interrogação. No passado, olhava-se para o que sobre o Império do Meio escreviam alguns “sinólogos”, às vezes numa espécie de curiosidade quase antropológica. Hoje, há especialistas que se dedicam a tentar descodificar a nova China, que todos, a começar por eles, em especial se forem bons, reconhecem muito mais complexa do que o que temos efetiva capacidade de apurar. Por isso, talvez só a lógica dos interesses nos possa ajudar.

Durante algumas décadas, a política externa chinesa foi sobredeterminada pela existência no país de um regime comunista, o qual procurou, por algum tempo, emular e contrariar o proselitismo ideológico soviético pelo mundo. O fim da liderança de Mao, depois da drástica Revolução Cultural, viria a trazer um banho de pragmatismo à política de Pequim, onde hoje floresce um capitalismo de Estado que, com histórico ineditismo, projeta uma indiscutível eficácia nos seus resultados económicos. Em termos de política externa, e como herança das guerras, regionais e não só, ficaram a tensão histórica com o Japão, um “modus vivendi” com Moscovo pós-URSS, uma acomodação, depois dos incidentes sérios, com a Índia e com o Vietnam. Permanecem, claro, o tema sensível do Tibete, e, muito em particular, a questão de Taiwan, com os americanos a reservarem-se na área algum “droit de regard” neste e noutros dossiês do Mar da China, com o alibi de procurarem acomodar os receios de segurança dos seus aliados.

Para sermos rigorosos, há que convir que a China, para uma potência da sua dimensão e interesses, surge em geral contida e sóbria na sua afirmação externa, onde é bem patente, por exemplo, a sua intervenção, quase discreta, nas temáticas do Médio Oriente. Noutras zonas de confluência de poderes das potências com vocação universal, a China parece interessada em não deixar criar desequilíbrios que possam afetar o seu peso relativo face a outros atores. A sua intervenção na questão da Coreia parece ilustrar isso de forma exemplar.

Passados assim que foram os tempos de proselitismo ideológico, a China prioriza hoje na ordem externa a proteção das ambições comerciais e empresariais que hoje dão corpo ao seu poder como grande potência económica. À importante presença em diversos mercados africanos, e às alianças que gizou com países como o Brasil, Pequim tem vindo a somar, nos últimos anos, uma estudada afirmação na área económica europeia – de que o interesse nosso país é apenas um exemplo que nos é mais próximo. 

Essa expressão de poder por parte da China não colhe, contudo, um juízo generalizado de bondade por parte de alguns dos seus competidores. Os Estados Unidos foram os primeiros a dar sinais de que uma expressão forte da China à escala global, num registo de sucesso, poderia vir a ser detrimental para os seus interesses – quer financeiros, quer estratégicos. Trump foi mesmo mais longe e lançou uma ofensiva comercial sem precedentes contra Pequim. Mas também na Europa, tituladas por alguns dos países mais fortes da União Europeia, parece estarem a desenhar-se reticências à expansão dos investimentos chineses, em especial quando associada a áreas tidas por estratégicas.

Ora a China, que lançou oportunamente um banco com pretensões globais e que tem no projeto da Nova Rota da Seda um dos seus desideratos mais importantes, só pode pretender manter um crescimento sustentado dessas suas ambições se vier a abandonar a atual tibieza diplomática e desenhar um novo tipo de intervenção, seguramente muito estribada em modelos generosos de financiamento, que possam convencer os seus potenciais parceiros futuros. Isto para já não falar da necessidade de parcerias que Pequim terá de continuar a gizar, para manter a liberdade dos mares, como forma de continuar a obter fornecimento de combustíveis fósseis e a preservar as rotas de expansão comercial que hoje fazem a sua prosperidade. Tal justifica também o reforço do seu poderio naval e, repito, uma muito maior afirmação diplomática.

Obrador


Ao refletir sobre a vitória de López Obrador nas eleições presidenciais mexicanas, veio-me à memória um livro do jornalista francês Marcel Niedergang, publicado nos anos 60, intitulado “As vinte Américas Latinas”. À época, ele ajudou bastante a minha geração a entender, simultaneamente, a heterogeneidade e as similitudes entre os países do centro e sul do continente americano.

Nenhum deles tem a extraordinária complexidade do Brasil, de onde estou a enviar esta crónica. Mas recordo ter ficado para sempre com a sensação de que, no mundo latino-americano, raros são os Estados que apresentam desafios da dimensão daqueles que o México há muito suporta, a que a sua geografia também não é alheia.

Fortemente dualista no plano social, o México tem uma história riquíssima, mas convulsa. Usufrui de uma democracia que acabou corporizada num modelo político-partidário que, tendo ajudado a construir um país, não conseguiu ultrapassar contrastes sociais que acabaram por se cristalizar. Nos dias de hoje, gerou uma sociedade onde, lado a lado com bolsas de excelência, persistem fenómenos de violência extrema, regiões raptadas à autoridade do Estado, áreas onde impera a criminalidade organizada, frequentemente ligada ao narcotráfico. A corrupção, a instrumentalização de setores da vida pública por grupos de interesses ilegítimos, acumulou tensões que acabaram por fazer romper a malha política em que, por décadas, o país parecia ter-se habituado a viver.

López Obrador é um velho “routier” da política mexicana. Como Lula, no Brasil, conseguiu ascender ao poder, após várias tentativas frustradas. Também ele, tal como o antigo presidente brasileiro, carrega consigo um formidável capital de esperança, a vontade de regenerar um país cansado dos vícios da política tradicional. Homem sem mácula de suspeição de compromissos patrimonialistas, prometeu a felicidade a um país sedento de desenvolvimento que atenue a endémica pobreza, que ataque as profundas desigualdades e, em especial, que consiga pôr cobro à insegurança – pública, económica e social - que hoje instabiliza a existência de milhões dos seus compatriotas. O seu estilo pessoal, espartano mas tido por populista, assusta alguns, pelo que será o seu realismo que vai estar sob atento teste.

Um dia, Porfírio Díaz, um longínquo antecessor de Obrador no cargo presidencial, caraterizou assim a tragédia do seu país: “Pobre México! Tan lejos de Diós y tan cerca de los Estados Unidos”. E nem ele suspeitava que iria surgir um Trump...

terça-feira, julho 03, 2018

Madonna

As redes sociais são isto: os indignados com o espaço de estacionamento facilitado à Madonna e os que atacam quem se queixa por entenderem que isso é só vontade de dizer mal da Câmara. São os “isto é tudo um bando de gatunos e serventuários dos poderosos” e os “o que eles querem é atacar o Medina e, através dele, o governo do Costa”.

Os indignados

Comparar os "indignados" no Twitter, no Facebook e nos blogues: no Twitter, é mais bocas, com palavrões "trendy"; no Facebook, são menos asneireiros (o nome "oblige"), do género "isto é tudo um bando de ladrões!"; por aqui, são catastróficos desbocados nos adjetivos, graças à "coragem" que o anonimato dá.

Novilíngua

O Bloco anunciou o ”Direito à boémia - necessidade da vida noturna para produção e radicalização cultural”. É assim a modos que a reedição da fórmula que ligava um certo militar de abril ao balcão do Procópio: a via alcoólica para o socialismo.

Acho muito bem que se dê conteúdo teórico, sob a égide do politicamente correto, às coisas boas da vida. Estarei sempre desse lado da barricada, por muito que seja nele que o nosso fígado se estraga. 

Isto de ter de atualizar o léxico, para o pôr de acordo com os (agora, muito, as) atentos polícias da linguagem, é um trabalho de fôlego. Mas há que começá-lo, quanto mais não seja para que haja a esperança de que um dia seja possível ouvir, da parte de alguns amigos menos ortodoxos, que aquilo de que mais gostam é de “trabalhadoras do sexo e vinho verde”!

Ora bem!


O “Delito de Opinião” é um dos blogues com maior prestígio no mercado dos ditos. Por isso, o facto deste “Duas ou Três Coisas” ser por ele reconhecido da forma queo foi não nos pode deixar indiferentes. E, pelo contrário, deixa-nos gratos e satisfeitos. Ora bem! 

segunda-feira, julho 02, 2018

Três notas lá de fora

1. Logo veremos como vai acabar a crise democrata-cristã alemã. Mas a tensão entre a CDU e uma importante setor da CSU, que Angela Merkel tinha conseguido manter formalmente sereno até agora, não é uma boa notícia para aquilo que a Europa deve fazer e que, sem a vontade da Alemanha, não pode fazer. Nos tempos que correm, por muito que alguns não gostem de ouvir isto, a revelação de fraquezas por parte de Merkel é sinónimo da fragilidade da Europa. E, por arrasto, de quem nela acredita.

2. A vitória de Lopez Obrador no México tem condições para poder vir a ser uma "revolução" maior do que pode supor-se. Não apenas a nível interno: baralha o sistema político, ocorre num país com contrastes sociais históricos, com áreas hoje tomadas pela criminalidade quase impune, é fruto de uma esperança difícil de concretizar. Também no plano internacional: naquilo que vier a ser o diálogo necessário com os EUA, no modo como o êxito ou inêxito do modelo vier a projetar-se, ou não, em alguma da restante América Latina, no "convívio" que Obrador vier a fazer, ou não, com o populismo.

3. Posso estar enganado (e desejaria estar), mas, desde o início, tenho um sentimento negativo quanto ao processo entre os EUA e a Coreia do Norte. Trump fez um gesto que, na sua perspetiva, tem de ter consequências práticas mensuráveis num determinado calendário temporal, e em especial eleitoral. Ora o "tempo" coreano é necessariamente outro, como (sempre) se viu no passado e isso pode vir a ter reflexos exasperantes no líder dos "tweets". Repito: espero estar enganado.

José Batista de Matos


Morreu o Batista de Matos, acabo de saber! Morreu um português com um grande coração, um homem para quem o 25 de abril era o marco central da vida. Morreu-me um amigo.

Poucos meses depois de chegar a Paris, fui convidado por Manuel Rei Vilar, então diretor da Casa de Portugal, para fazer, com os outros embaixadores portugueses na cidade - Eduardo Ferro Rodrigues, na OCDE, e Manuel Maria Carrilho, na Unesco - um debate sobre o 25 de abril. Antes do início da sessão, alguém me alertou: “Cuidado! Está ali um tal Batista de Matos. É um radical e vai incendiar o debate!”. Não me preocupei minimamente, mas avisei os meus colegas de mesa. Na altura das perguntas, o Batista de Matos, o tal “radical”, que só então conheci, fez uma longa e inflamada intervenção. Um de nós respondeu-lhe e, a partir daí, ele percebeu que tinha à sua frente pessoas que tinham ao 25 de abril uma dedicação que pedia meças à sua.

Não sei se foi então ou no ano seguinte que Eduardo Ferro Rodrigues e eu estivemos presentes, pela primeira vez, na festa noturna com que, sob a batuta organizativa de Batista de Matos, se comemorava o 25 de abril em Fontenay-sous-Bois, nos arredores de Paris. Uma fantástica e alegre marcha luso-francesa, com bombos e archotes, que terminava num monumento à Revolução portuguesa, onde eram ditas umas palavras, com algumas autoridades locais à mistura. Uma comemoração muito sã, com crianças e cravos vermelhos, nada ideológica e apenas simbólica do momento de libertação e dignidade que o 25 de abril representou para os nossos compatriotas que então viviam em França. Batista de Matos era o grande e bem disposto mestre dessas informais cerimónias.

Batista de Matos era também um orgulhoso homem da Batalha e animava um grupo que coordenava a presença dos originários daquele concelho nos países da diáspora. Na “Cité Nationale de l’Histoire de l’lmigration” existe uma vitrine dedicada exclusivamente a José Batista de Matos, com fotos e objetos da sua aventura exemplar como imigrante em França. Condecorámo-lo um dia como amplamente merecia, tendo sido feito Comendador. Correspondemo-nos nos últimos anos e tenho um seu último postal de Natal, creio que do ano passado. Penitencio-me por nunca ter conseguido cumprir a promessa de o visitar na Batalha, para onde me convidou várias vezes a ir almoçar, com o meu antecessor e também seu amigo, António Monteiro. Vou ter saudades daquele seu sorriso, quase traquina, do seu abraço generoso, da sua bonomia e, claro, do seu inultrapassável amor à Revolução de abril. 

Que raio! Estão a partir os bons!

A alegria da pobreza


Não quero ser desmancha prazeres. Mas ver amigos que muito prezo, aos saltos, num palco, a debitarem, aos berros, uma parte desta reacionaríssima letra fez-me sentir algo estranho

Que saudades eu já tinha
da minha alegre casinha
tão modesta como eu.
Como é bom, meu Deus, morar 
assim num primeiro andar 
a contar vindo do céu 
O meu quarto lembra um ninho 
e o seu tecto é tão baixinho 
que eu, ao ir para me deitar, 
abro a porta em tom discreto, 
digo sempre: «Senhor tecto, 
por favor deixe-me entrar.» 
Tudo podem ter os nobres 
ou os ricos de algum dia, 
mas quase sempre o lar dos pobres 
tem mais alegria. 
De manhã salto da cama 
e ao som dos pregões de Alfama 
trato de me levantar, 
porque o sol, meu namorado, 
rompe as frestas no telhado 
e a sorrir vem-me acordar. 
Corro então toda ladina 
na casa pequenina, 
bem dizendo, eu sou cristão, 
“deitar cedo e cedo erguer 
dá saude e faz crescer” 
diz o povo e tem razão. 

Eu sei que era uma homenagem a Zé Pedro, dos Xutos e Pontapés, mas isso não invalida que quem canta um texto saiba o que está efetivamente a cantar. Ou será que, um destes dias, ainda poderemos voltar a ver as três principais figuras do Estado, divertidas, a zurzir os nossos ouvidos com uma versão rock desta outra peça do miserabilismo lusitano mais retrógado?

Numa casa portuguesa fica bem
Pão e vinho sobre a mesa
E se à porta humildemente bate alguém,
Senta-se à mesa com a gente. 
Fica bem essa franqueza, fica bem,
Que o povo nunca desmente
A alegria da pobreza
Está nesta grande riqueza 
De dar, e ficar contente 
Quatro paredes caiadas,
Um cheirinho à alecrim,
Um cacho de uvas doiradas,
Duas rosas num jardim, 
Um São José de azulejo 
Mais o sol da primavera, 
Uma promessa de beijos 
Dois braços à minha espera 
É uma casa portuguesa, com certeza!
É, com certeza, uma casa portuguesa!
No conforto pobrezinho do meu lar,
Há fartura de carinho
A cortina da janela e o luar,
Mais o sol que bate nela 
Basta pouco, poucochinho pra alegrar 
Uma existência singela 
É só amor, pão e vinho 
E um caldo verde, verdinho 
A fumegar na tijela 

Não tem importância nenhuma? É apenas uma memória da tradição, que nada tem de ideológico? Ai não? Então, e se acaso a um destes modernaços intérpretes lhe desse na veneta de fazer um rap de outra peça? Será que essas mesmas figuras (e os seus "compagnons" de palco) aceitariam debitar estas estrofes?

Lá vamos, cantando e rindo

Levados, levados, sim
Pela voz de som tremendo
Das tubas, clamor sem fim.
Lá vamos, que o sonho é lindo!
Torres e torres erguendo.
Rasgões, clareiras, abrindo!
Alva da Luz imortal,
Roxas névoas despedaça
Doira o céu de Portugal!
Querer! Querer! E lá vamos!
Tronco em flor, estende os ramos
À Mocidade que passa.
Cale-se a voz que, turbada,
De si mesma se espanta,
Cesse dos ventos a insânia,
Ante a clara madrugada,
Em nossas almas nascida.
E, por nós, oh! Lusitânia,
Corpo de Amor, terra santa, 
Pátria! Serás celebrada,
E por nós serás erguida,
Erguida ao alto da Vida!
Querer é a nossa divisa.
Querer, palavra que vem
Das mais profundas raízes.
Deslumbra a sombra indecisa
Transcende as nuvens de além...
Querer, palavra da Graça
Grito das almas felizes
Querer! Querer! E lá vamos
Tronco em flor estende os ramos
À Mocidade que passa.


Um pouco mais de atenção àquilo que se diz era capaz de não ser uma má política. Digo eu...

domingo, julho 01, 2018

Afinal, é o que era!


A frase comum - ouvida da boca dos desiludidos, às vezes dos snobes, dos de má ou boa memória ou de quantos combinam tudo isso - é “já não é o que era!”. A expressão remete sempre os circunstantes para uma natural inveja face a quem a proferiu e que teve o privilégio de ter sido testemunha, com proveito, desses tempos em “que foi”. Refiro-me aos restaurantes, onde regressamos, anos depois, provamos, refletimos e, sobranceiros, concluímos com o desencantado “já não é o que era!”

Vem isto a propósito do facto de, nos últimos três dias, ter ido a três restaurantes que, felizmente, não me deram a mínina oportunidade de dizer a frase fatal. É que pude encontrar tudo como era. E bem!

O primeiro foi a “Casa de Armas”, em Viana do Castelo, onde, num registo clássico mas de qualidade constante, tenho vindo a acumular boas experiências, com um serviço muito profissional e atento. O segundo foi o “Bocados”, nos arredores de Ponte de Lima, onde um “conceito” gastronómico bastante atípico para a região nos traz surpresas cada vez mais agradáveis e imaginativas. O terceiro é o renovado “Fernando”, em Pedras Rubras, onde hoje voltei a comer um dos mais saborosos cabritos que se encontra pelo país. 

Deixo-os com uma fotografia do “Bocados”, o mais difícil de descortinar no mapa, mas que, como diz o Michelin quando a deslocação merece o esforço, “vaut le détour”.

sábado, junho 30, 2018

Ao Zé e à Catarina

Sou feito de hábitos. Muitas vezes, sou mesmo um comodista de rotinas. Sem a menor vergonha. Como todos os velhos, faço um esforço para me adaptar àquilo que não conheço. O verdadeiro barómetro da idade é aquele instante em que, perante uma dificuldade tecnológica, temos a tentação de desistir, o momento em que interiorizamos que “já não vale a pena”. Ainda lá não cheguei, mas já estive mais longe.

Hoje, na manhã deste sábado frescote, num quiosque em Âncora, pedi uma braçada de jornais em papel. “O Diário de Notícias não chegou”. “Essa agora! Mas hoje ainda era em papel. Tem a certeza de que não saiu?” Ele não sabia. Cheguei a Caminha e, na “Atenas” (eu ia acompanhado dos embaixadores gregos em Portugal, o que proporcionou uma conversa filosófica com o dono da tabacaria), lá estava o “Diário de Notícias”. O último dia em papel. Está agora aqui à minha frente. Ainda bem.

Amanhã, sai a primeira edição do “Diário de Notícias” dominical. Depois, passamos a ter o “online”, para os restantes dias da semana. Prometo tentar ser fiel, mas já tenho idade para, quando me apetece, poder ser nostálgico.

sexta-feira, junho 29, 2018

Pobre Humberto Delgado!


Terça-feira passada. Atraso no voo TAP para Madrid: cinco minutos! Quase a perfeição! No aeroporto, percebi que as coisas não iam ser bem assim. A porta foi anunciada e já havia mais 25 minutos. Era a porta 16. Tomei assento por lá. Minutos depois, vi no quadro: o embarque tinha passado para a porta 26, bastante mais longe. E lá fui eu. Encontrei um amigo de jornada e começámos a conversar. A certa altura, um de nós olhou o quadro e reparou: o embarque tinha mudado para a porta 13. Precisamente no outro extremo do aeroporto. Lá teria que ser! E fomos. Chegados, sentámo-nos. Anunciado entretanto um novo atraso. Afinal, já ia numa hora e dez. Retomada a conversa. Aviso: o embarque voltava, de novo, para a porta 26, repito, no outro extremo do longo corredor. Bem mandados, lá fomos. Embarcámos. Tinha saído de casa às 11.30, chegado ao aeroporto às 12.00, partido às 15.00. Cheguei ao hotel em Madrid às 18.30 locais. De porta a porta, seis horas, contando com a diferença horária! O voo Lisboa-Madrid demora 50 minutos! (No regresso, no dia seguinte, tudo “melhorou”: mais de duas horas de atraso!)

Todos os dias há notícias de frequentes atrasos da TAP, que cancelou, nos primeiros dias desta semana, meia centena de voos. A “nova” TAP pode já dar lucros aos donos, mas só dá dores de cabeça aos utentes.

O aeroporto de Lisboa está hoje transformado num verdadeiro caos, vivido como se tal fosse a coisa mais natural do mundo. A começar pelo desfuncional sistema de chegada dos automóveis nas partidas, a acabar no mundo quase mafioso do transporte público nas chegadas, converteu-se num monstro à beira da iminente rotura. A certas horas, as filas para os controlos de segurança e para o “check-in” têm uma dimensão que obriga a um gasto de tempo perfeitamente irracional, que dilui as vantagens do transporte aéreo. Estes atrasos só são batidos pela tragédia em que se transformaram as chegadas de países fora da zona Schengen, numa mostra de desprezo objetivo por quem nos visita. Por insuficiência de instalações, a densidade dos passageiros tornou-se abafante, com falta de lugares sentados, sem o cuidado de haver suficientes passadeiras rolantes, evitando que as pessoas sejam obrigadas a calcorrear centenas de metros por corredores, nos quais beber uma água ou comer alguma coisa as sujeita a um assalto à mão armada em matéria de preços.

Salazar rir-se-ia se soubesse o vexame que Humberto Delgado está a passar por ter o seu nome nesta espécie de aeroporto, tendo sido ele o criador da TAP.

quarta-feira, junho 27, 2018

A Europa em palavras


Quinta-feira, dia 28 de junho, pelas 17 horas, na Sociedade de Geografia, em Lisboa, na rua das Portas de Santo Antão, no âmbito de um conjunto de conferências sobre “As Décadas da Europa”, farei uma palestra sobre o tema “A Europa do Milénio - a presidência portuguesa de 2000 e depois”.

Sexta-feira, dia 29 de junho, pelas 14.30 horas, na Universidade Católica, na rua Diogo Botelho 1327, no Porto, farei uma palestra sobre o tema “A União Europeia no mundo - Desafios estratégicos”.

Madrid e a vida


“Madrid me mata” era o nome de uma revista que me lembro de ter comprado nos anos 80, uma idade em que aquilo que nela era anunciado como vida noturna já começava a descolar da “pedalada” minha geração. 

Hoje e ontem, Madrid “matou-me” de calor, mas isso não me impediu, com a ajuda da Uber, de, após o trabalho, conhecer uma excelente livraria, a “Marcial Pons”, dedicado ao direito, economia e não só. E de passar duas boas horas no “Reina Sofia”, um museu onde os “seniores” entram sem pagar (o desconto não deu para os gastos em livros).

A associação - um pouco funesta, reconheço - da palavra morte a Madrid trouxe-me à memória o filme “Mourir à Madrid”, do início dos anos 60. O governo franquista, com rara ingenuidade, havia dado autorização e imensas facilidades a um cineasta francês para fazer um documentário, que achava ia redundar numa operação de propaganda do regime. Enganou-se redondamente: o filme acabou por resultar num forte libelo acusatório contra Franco e o comportamento das suas tropas durante a Guerra Civil, bem como revelador da pobreza de muitos setores da Espanha dos tempos mais recentes, funcionando mesmo como uma magnífica ajuda às forças oposicionistas. Furibundo, o governo de Madrid chegou a ameaçar De Gaulle de congelar as relações económicas, se o filme viesse a ser exibido. Claro que acabou por não ter o menor sucesso.

Tudo isso já passou à história. Hoje, Madrid é apenas vida. E que vida!

Leis da bola

Pergunto-me se as detalhadas transmissões televisivas, com o VAR à mistura, não deveriam levar a uma reconsideração da crescente complacência com que os árbitros julgam os lances de área. 

Se as placagens e “arrastões” feitos pelos defesas aos adversários, nas cenas das marcações dos cantos e dos livres, fossem mais frequentemente punidas com penalti, talvez aquele espetáculo não se repetisse com tanta frequência. 

Mas, para isso, teria de haver um aviso geral prévio, por parte das estruturas de arbitragem da FIFA, seguido de instruções concretas à arbitragem. 

Estejam atentos! O que se está a passar neste domínio no Mundial já raia o absurdo.

terça-feira, junho 26, 2018

“Vizinha” Espanha?



De início, o atraso no voo TAP para Madrid era de 5 minutos! Que perfeição! Chegado ao aeroporto, percebi que as coisas não iam ser bem assim. Quando a porta foi anunciada, já havia mais 25 minutos “à marca” (como na linguagem do bilhar). Era a porta 16. Fui andando para lá. Lia eu a net quando vi no quadro (e recebi um SMS): o embarque tinha passado para a porta 26, bem mais longe. Ainda havia muito tempo. E lá fui eu. Encontrei um amigo que ia na mesma jornada e começámos a conversar. A certa altura, um de nós olhou para o quadro e viu que o embarque passou para a porta 13. Precisamente outra ponta do longo corredor. Lá teria que ser! Andámos um bom bocado e chegámos. Sentámo-nos. Anunciado um novo atraso. Afinal já ia numa hora e dez. Conversámos e, num certo momento, outro SMS: o embarque era de novo na porta 26, repito, no outro extremo do aeroporto. E lá fomos. E lá embarcámos. Tinha saído de casa às 11.30, chegado ao aeroporto de Lisboa às 12.00, partido às 14.45. Cheguei ao meu hotel em Madrid às 18.30. De porta a porta, sete horas*! O voo Lisboa-Madrid demora 50 minutos!

(*Na realidade, seis, porquanto há a diferença horária)

segunda-feira, junho 25, 2018

Irão



Foi também em finais de junho. Há precisamente 18 anos. Eu tinha ido a Teerão chefiar uma missão da União Europeia. O dia havia sido preenchido por uma reunião de “diálogo político” algo tensa. As relações entre a União e o Irão estavam num período difícil.

O embaixador português em Teerão, Costa Arsénio, convidou-nos para jantar num restaurante, num antigo “caravanserai” (estalagem usada no passado para acolher caravanas). Na sala, havia algumas mulheres, todas em trajes locais. Mas, no palco, a tocar e cantar música típica, só havia homens.

Durante o jantar, era visível que a nossa mesa era objeto de alguma curiosidade por parte dos circunstantes. Uma espécie de ilha estrangeira. No final, ao passarmos por um grupo de jovens, um deles tentou matar a curiosidade e perguntou-me, em inglês, de onde vínhamos. Ao ouvir o nome de Portugal, o coro do grupo foi unânime: “Figo!” No Irão, o futebol é muito popular e, à época, aquela era a nossa principal vedeta.

Se fosse logo à noite, gritariam “Ronaldo!” ? Espero bem que tenham razões para isso! 

José Azevedo



Acabo de saber que morreu, aos 84 anos, José Azevedo, consul honorário de Portugal em Manaus. Tive-o ao meu lado quando, em 2005, poucos meses depois de chegar ao Brasil como embaixador, decidi comemorar junto da Comunidade portuguesa no Amazonas o Dia de Portugal. 

Na considerável rede de cônsules honorários de que Portugal dispunha no Brasil, que conheci bastante bem e que reforcei quanto pude, sem nunca me ter arrependido de nenhuma das escolhas feitas, raramente encontrei figuras com o empenhamento de José Azevedo. Dotado de forte personalidade, determinado, com um feitio que, à primeira vista, parecia menos fácil, José Azevedo era um português de corpo inteiro, com forte sentido patriótico. 

Chegado ao Brasil, ido de Portugal com os pais, apenas com um ano de idade, foi um homem que se construiu a si próprio, um empreendedor que juntou imenso sucesso económico a um justo prestígio local. Era proprietário de uma importante rede de distribuição e, desde há muito, exercia cargos de responsabilidade no associativismo empresarial amazonense. 

Pude verificar como era imensamente considerado no seio dos portugueses que servia, bem como das autoridades locais. Recordo-me do orgulho com que me mostrou as instalações do consulado, que pagou do seu próprio bolso, no rés-do-chão do qual tinha organizado uma exposição relembrando a figura de uma personalidade da minha terra, de Vila Real, Emídio Vaz d’Oliveira, também uma destacada figura da comunidade luso-brasileira.

À família de José Azevedo quero deixar expresso o meu pesar pelo seu falecimento.

domingo, junho 24, 2018

Os malabaristas da palavra

Recordo-me de um cromo, do mundo do futebol, que um dia disse que “o que hoje é verdade pode ser mentira amanhã”, ou o seu contrário. Na política, habituei-me a passar a olhar de soslaio, oferecendo-lhes o sorriso irónico da eterna dúvida, os que um dia disseram “nunca mais” e, tempos depois, com ou sem “vaga de fundo” inventada como alibi, regressam pela irresistível porta da ambição. 

Tenho orgulho de fazer parte do grupo de pessoas - que, felizmente, não são tão poucas quanto isso - que, quando comprometem a sua palavra, não voltam atrás com ela. É que vida, para quem quer ser respeitado, só tem uma cara.

Por essa razão, ao assistir, nas últimas horas, ao espetáculo de indignidade perante a palavra dada, revelado por um patusco ex-dirigente desportivo, não me apetece apenas rir. É que, mais do que o riso, este tipo de “flick-flack” convoca um inevitável juízo de piedade, em face de uma evidente indigência moral. A qual, aliás, nada surpreende, diga-se.

sábado, junho 23, 2018

Chamado à Guarda


Na minha infância, nas visitas à casa de aldeia do meu avô materno, em Bornes de Aguiar, ouvia por ali histórias muito divertidas. Ou, talvez, elas fossem apenas sedutoras para a minha ingenuidade de então. Registei algumas na memória, nenhuma no papel. E já não estão comigo as pessoas que me poderiam ajudar a reconstituí-las.

Uma dessas histórias, de cujo protagonista não cuido em lembrar o nome, tinha a ver com uma espécie de gatuno “oficial” da aldeia. De dia, era um fulano como os outros, trabalhador rural, com um rancho de filhos. Mas tinha um lado “Dr. Jeckill and Mr. Hyde”. Era conhecido por golpes noturnos à propriedade alheia, desviando desde fruta a materiais de construção, isso num tempo em que os cuidados de segurança eram mínimos e, quase sempre, desnecessários.

O homem foi várias vezes detido, passou mesmo algum tempo em prolongado confinamento prisional (hoje deu-me para este “understatement”) e, tal como Claude Rains dizia na cena final do “Casablanca”, passou a ser um dos “usual suspects” sempre que alguma coisa desaparecia na aldeia.

Na memória de infância ficou-me para sempre a expressão ouvida, a propósito das aventuras anti-patrimoniais do homem: “Foi chamado à Guarda”. Era ao posto da Guarda Nacional Republicana, nas Pedras Salgadas, ali ao lado, a que ele era convocado, para “averiguações”, como escreveria um estagiário de imprensa.

O fulano já morreu há várias décadas. Agora, perante um incidente daquela natureza, seria pouco eficaz “chamá-lo à Guarda”. É que o posto da GNR nas Pedras Salgadas já só tem um único guarda, imagino que num regime “from-nine-to-five”, o que permite suposições divertidas sobre a sua operacionalidade. Mas, pelo menos, em matéria de “recursos humanos”, passará a ter precisamente uma unidade mais do que a agência local da Caixa Geral de Depósitos, porque essa vai mesmo fechar.

Felizmente que, como se vê, o combate à desertificação do interior vai de vento em pôpa. O que faria se não fosse...

Waldir Pires


Aos 92 anos, morreu agora uma grande figura da política brasileira, Waldir Pires. O brasileiro comum conhece mal este homem político discreto, que teve o seu primeiro cargo no governo em 1950, esteve exilado pela ditadura militar, foi ministro de várias pastas, foi candidato à vice-presidência da República, ocupou vários cargos parlamentares e foi, por duas vezes, governador da Bahia.

Conheci-o em Brasília, quando fazia parte do governo de Lula. Waldir era um homem encantador, com um sorriso bom e uma permanente “boa onda”. Falámos algumas vezes, numa das quais me contou a sua aventurosa fuga para o Uruguai, com pormenores deliciosos. O seu último cargo foi como ministro da Defesa e tenho bem presente uma coisa que me disse - e em que tinha toda a razão: “depois da minha luta contra o regime militar, o facto de hoje ser aceite por eles como ministro, sem o menor problema, é a prova da democraticidade das suas chefias”. Só posso desejar que Waldir Pires se não tenha enganado.

No Brasil, por razões que não interessa agora explicar, toda a estrutura da aeronáutica civil mantém-se sob o controlo dos militares, pelo que o ministro da Defesa superintende no setor. 

Um dia, o caos instalou-se no serviço de transportes aéreos do Brasil. Creio que foi uma greve dos controladores que desencadeou uma crise que praticamente paralisou o país por uns dias. No Brasil, com aquela dimensão, viajar de avião é a regra, dado que as distâncias terrestres são imensas e, além disso, em grande parte do território, as estradas, quando as há, estão longe de ser recomendáveis. Essa crise nos transportes ficou conhecida como o "apagão" aéreo (a palavra "apagão" nasceu numa crise energética que deixou sem eletricidade o país, durante o governo Fernando Henrique Cardoso, e, a partir daí, o brasileiro passou a utilizar o termo para designar tudo o que "está parado").

O ministro foi então pessoalmente acusado de inoperância na resolução rápida da crise e, meses depois, na sequência de um desastre aéreo, foi obrigado a demitir-se. Estive na sua despedida e na serena substituição no Ministério da Defesa por Nelson Jobim, outro bom amigo com quem, ainda há dias, almocei por aí.

No Brasil, há uma magnífica revista chamada “Piauí”, que faz um excelente jornalismo. Grande no formato, com papel "pesado", grafismo atraente mas sóbrio, tem artigos longos mas muito substanciais, embora num estilo solto que leva a que a qualifiquem como "uma revista sem gravata". Ora a "Piauí", no número editado imediatamente após o "apagão aéreo" inseriu um histórico e irónico editorial com o título "Obrigado, Waldir!" 

Porquê? O texto ligava a caótica gestão que o ministro teria feito da situação, obrigando as pessoas a esperar, às vezes por dias, nas salas de espera e no chão dos aeroportos, à exponencial subida no número de exemplares da "Piauí" vendidos. E explicava (si non è vero, è ben trovato): a "Piauí" é uma revista com longos artigos, que precisam de muito tempo para serem lidos. Ora, segundo o divertido texto, fora precisamente o facto das pessoas "terem mais tempo", isto é, estarem bloqueadas e sem nada para fazer nos aeroportos a razão do sucesso editorial desse mês. E, por essa razão, agradecia ao ministro do "apagão aéreo" a involuntária contribuição dada para o seu sucesso...

Tendo conhecido o humor de Waldir Pires, tenho a certeza de que se riu desta graça, como se ria de muitas outras coisas divertidas da vida, que foi merecidamente longa e bem cheia. 

Oportunismo

Sou do tempo em que se acusava Tiago Brandão Rodrigues de ser um títere, à frente do Ministério da Educação. Para esses críticos, Mário Nogueira era o verdadeiro ministro. Por essa razão, todas as decisões de Brandão Rodrigues eram más e perniciosas para o país.

Nos dias de hoje, Brandão Rodrigues resiste às pressões sindicais e está em conflito aberto com Mário Nogueira. Este passou agora a ser olhado com outros (oportunistas) olhos. Porquê? Ora essa! Porque o que é preciso e continuar a dizer mal de Tiago Brandão Rodrigues, isto é, do governo.

sexta-feira, junho 22, 2018

Sorrisos a mais


No início de 2000, o líder conservador austríaco, vencedor das eleições no seu país, decidiu fazer uma coligação com um partido de extrema-direita, cujos responsáveis haviam dado mostra pública de simpatias pelo nazismo. A Europa comunitária reagiu, em polvorosa, e Portugal, enquanto presidência da União Europeia, teve de gerir aquele que foi um período muito delicado da vida europeia. A Áustria foi alvo de “sanções” e o assunto acabou por vir a originar a inserção de disposições no novo tratado europeu então em curso de negociação, contemplando a possibilidade de um Estado poder vir a ser suspenso de membro, em determinadas condições. Noto, para se perceber o que mais adiante refiro, que aí se fala de “um” Estado, pressupondo-se que os restantes se mantêm no completo respeito pelo acervo legislativo relevante.

Lembro-me bem de que, à época, alguns se interrogaram: mas então os cidadãos de um país não podem eleger para os governar quem muito bem entendam, independentemente da sua ideologia? Sim e não. Sim, porque cada país é plenamente livre de escolher os seus deputados e, a partir deles, formar governos. Não, porque, ao entrarem para a União Europeia, subscrevendo os seus tratados, os Estados que dela são membros comprometem-se a observar um conjunto de princípios e valores. E, da mesma maneira que isso inclui o respeito pela democracia, pelas liberdades, pelo Estado de direito e pela separação de poderes, o traumatismo da II Guerra mundial faz com que haja uma particular sensibilidade negativa a tudo quanto se aparente ao nazi-fascismo.

Ora, nos últimos anos, alguns Estados europeus têm vindo a atuar de um modo que, claramente, justificaria a invocação e aplicação das tais regras que os tratados contemplam. O procedimento é, como se compreende, complexo. O que se compreende menos é que esses Estados, não obstante os alarmes desencadeados, persistam nas mesmas políticas. E aqui, retomo a referência a “um” Estado, que atrás fiz: é que, para punir um desses Estados infratores é necessária a unanimidade dos restantes e, entre esses, estão já... outros infratores. A Europa atou as suas próprias mãos.

Como sair disto? Pelo mesmo modo político como, em 2000, se fez com a Áustria. Perante um governo italiano que anuncia um recenseamento étnico e, de forma ostensiva, desrespeita regras de direito humanitário básico, torna-se vergonhoso que os Estados europeus cumpridores se sentem à mesma mesa, sem protesto público, mantendo os sorrisos nas “fotos de família”. 

Terras baixas