Há poucas realidades geopolíticas, com dimensão global, sobre as quais os discursos mantenham uma maior precaução relativizadora do que aquela que existe em torno da China. Prevalece o entendimento de que a realidade chinesa tem, dentro de si, especificidades que limitam a utilidade de se lhe serem aplicados os quadros interpretativos tradicionais. Daí que a abordagem da realidade chinesa seja, quase sempre, temperada por inúmeros pontos de interrogação. No passado, olhava-se para o que sobre o Império do Meio escreviam alguns “sinólogos”, às vezes numa espécie de curiosidade quase antropológica. Hoje, há especialistas que se dedicam a tentar descodificar a nova China, que todos, a começar por eles, em especial se forem bons, reconhecem muito mais complexa do que o que temos efetiva capacidade de apurar. Por isso, talvez só a lógica dos interesses nos possa ajudar.
Durante algumas décadas, a política externa chinesa foi sobredeterminada pela existência no país de um regime comunista, o qual procurou, por algum tempo, emular e contrariar o proselitismo ideológico soviético pelo mundo. O fim da liderança de Mao, depois da drástica Revolução Cultural, viria a trazer um banho de pragmatismo à política de Pequim, onde hoje floresce um capitalismo de Estado que, com histórico ineditismo, projeta uma indiscutível eficácia nos seus resultados económicos. Em termos de política externa, e como herança das guerras, regionais e não só, ficaram a tensão histórica com o Japão, um “modus vivendi” com Moscovo pós-URSS, uma acomodação, depois dos incidentes sérios, com a Índia e com o Vietnam. Permanecem, claro, o tema sensível do Tibete, e, muito em particular, a questão de Taiwan, com os americanos a reservarem-se na área algum “droit de regard” neste e noutros dossiês do Mar da China, com o alibi de procurarem acomodar os receios de segurança dos seus aliados.
Para sermos rigorosos, há que convir que a China, para uma potência da sua dimensão e interesses, surge em geral contida e sóbria na sua afirmação externa, onde é bem patente, por exemplo, a sua intervenção, quase discreta, nas temáticas do Médio Oriente. Noutras zonas de confluência de poderes das potências com vocação universal, a China parece interessada em não deixar criar desequilíbrios que possam afetar o seu peso relativo face a outros atores. A sua intervenção na questão da Coreia parece ilustrar isso de forma exemplar.
Passados assim que foram os tempos de proselitismo ideológico, a China prioriza hoje na ordem externa a proteção das ambições comerciais e empresariais que hoje dão corpo ao seu poder como grande potência económica. À importante presença em diversos mercados africanos, e às alianças que gizou com países como o Brasil, Pequim tem vindo a somar, nos últimos anos, uma estudada afirmação na área económica europeia – de que o interesse nosso país é apenas um exemplo que nos é mais próximo.
Essa expressão de poder por parte da China não colhe, contudo, um juízo generalizado de bondade por parte de alguns dos seus competidores. Os Estados Unidos foram os primeiros a dar sinais de que uma expressão forte da China à escala global, num registo de sucesso, poderia vir a ser detrimental para os seus interesses – quer financeiros, quer estratégicos. Trump foi mesmo mais longe e lançou uma ofensiva comercial sem precedentes contra Pequim. Mas também na Europa, tituladas por alguns dos países mais fortes da União Europeia, parece estarem a desenhar-se reticências à expansão dos investimentos chineses, em especial quando associada a áreas tidas por estratégicas.
Ora a China, que lançou oportunamente um banco com pretensões globais e que tem no projeto da Nova Rota da Seda um dos seus desideratos mais importantes, só pode pretender manter um crescimento sustentado dessas suas ambições se vier a abandonar a atual tibieza diplomática e desenhar um novo tipo de intervenção, seguramente muito estribada em modelos generosos de financiamento, que possam convencer os seus potenciais parceiros futuros. Isto para já não falar da necessidade de parcerias que Pequim terá de continuar a gizar, para manter a liberdade dos mares, como forma de continuar a obter fornecimento de combustíveis fósseis e a preservar as rotas de expansão comercial que hoje fazem a sua prosperidade. Tal justifica também o reforço do seu poderio naval e, repito, uma muito maior afirmação diplomática.
2 comentários:
Os produtos que se compram à china teem os seus "quês".
Nos produtos alimentares em grandes quantidades esses mesmos produtos não são cultivados da mesma forma que os ocidentaais. A sua constituição não é conseguida sem alguma percentagem de produtos estranhos ao produto principal.
Texteis: Tem-se verificado frequentemente que as tintas utilizadas nestes produtos provocam alergias pela sua composição ser tóxica para a pele.
Brinquedos para crianças. Mais uma vez as tintas são tóxicas para as crianças através da sua composição.
Tem de se ter atenção destes factos mais tratados na comunicação social para comreendermos o que é a indústria chinesa na realidade.
Etc.etc.etc.
Aquando da minha primeira viagem à China, em 1964, após o reconhecimento do governo de Mao por De Gaulle e a organização da Primeira Grande Exposição Industrial Francesa de China, em Pequim, à qual participei, ouvi a bela metáfora geográfica que consiste a dizer que , para os Chineses não havia quatro pontos cardiais mas 5, que conhecemos , mais o Centro, isto é o MEIO.
A divisão do mundo entre o Ocidente e o Oriente, entre o Leste e o Oeste de Kipling ,“que nunca se encontrarão” é uma visão do imperialismo declinante. A Terra é redonda, não existe um OESTE nem um LESTE.
Nessa década via-se bem que o objectivo de Mao e do PCC de assegurar a independência alimentar completa do país era um objectivo prioritário histórico.
Mao dizia que se a China ficasse dependente dos grandes exportadores internacionais de cereais, EUA entre os primeiros, ela restaria uma semi colónia como tinha sido até ao 19° século.
Em 1949 a China alimentava 500 milhões de habitantes que, para uma parte tinham conhecido períodos de fome; hoje primeiro produtor mundial de trigo e de arroz, ela alimenta 8OO milhões mais que em 1949 no mesmo território cultivável.
A fase mais elevada alcançada no início do século XX está a ser excedida quando a liderança política da primeira ou segunda economia mundial (segundo os métodos de cálculo do PIB) não é conduzida pelas multinacionais, mas pelo maior partido comunista do mundo: 80 milhões de adeptos, uma avant-garde muito activa, empenhada no combate ao “arrivismo”, e à corrupção, numa economia agora já bem desenvolvido numa sociedade com um alto nível de educação.
Será interessante de observar o desenvolvimento da ideia da geopolítica global sobre o que os geopolíticos chamam desde o final do século 19 da “ILHA MUNDO “, A reagrupando a Ásia, Europa e África, ou seja um espaço cobrindo cerca de 2/3 da terra (Antárctica excluída), onde mais de 80% da população mundial vive.
Reduzindo assim o imperialismo dos EUA a um poder militar que se impõe à margem da “ILHA MUNDO” pela sua presença naval maciça em todos os oceanos e em cerca de mil bases militares no estrangeiro.
A China Imperial foi humilhada no século XIX e no início de 20 ° e compreendeu que tinha sido atacada pelo mar enquanto as invasões anteriores (Mongol e Manchu) tinham vindo da terra. O reforço do seu poder naval, como o Senhor Embaixador notou, corresponde à necessidade de proteger as companhias marítimas chinesas, criando uma frota equipada com 2 porta-aviões e uma forte frota de submarinos.
A República Popular chinesa pode agora negociar com o mundo inteiro e pode garantir a segurança do seu comércio maciço em matérias-primas e em produtos manufacturados.
Existem duas estratégias bem visíveis: a dos EUA, de “arrière-garde”, travar, desorganizar, destabilizar governos, fabricar guerras civis, traficar armas, criar guerras comerciais, e mesmo desorganizar a Europa.
E a da CHINA, na qual a ROTA DA SEDA, que assegura uma abertura internacional a todas suas províncias ocidentais, e com as repúblicas da Ásia Central, aos membros da organização da cooperação de Shanghai , como a Índia e Paquistão, e reforça os seus laços com o Irão e a Turquia, e os países da Europa Oriental e central.
E mesmo na África, complementado por novas ferrovias modernas, como Mombaça-Nairobi, Djibuti-Adis-Abeba, o cinturão liga a economia chinesa directamente à economia africana e amanhã o caminho de ferro trans-Sahel de Nouakchott a Ndjamena , passando por Bamako, Ouagadougou e Niamey vão estender o dispositivo para a África Ocidental
Quando o Senhor Embaixador escreve: “Os Estados Unidos foram os primeiros a dar sinais de que uma expressão forte da China à escala global, num registo de sucesso, poderia vir a ser detrimental para os seus interesses – quer financeiros, quer estratégicos.” Creio que viu bem.
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