Paulo Tarso Flecha de Lima foi um dos mais proeminentes diplomatas brasileiros. Membro do “staff” de Juscelino Kubitschek quando jovem, foi embaixador em postos como Londres, Washington e Roma, entre outros, bem como secretário-geral do Itamaraty. Foi sempre tido como um brilhante operador diplomático. A sua mulher, Lúcia, que teve cargos políticos de governo a nível de Brasília, viria a ser uma peça indispensável para o sucesso profissional do seu marido.
Atingido, nos anos finais da sua carreira, por uma doença que muito o limitou fisicamente, Paulo Tarso soube, com imensa coragem, enfrentar o infortúnio e, retirado das lides diplomáticas, viria a criar um gabinete de consultoria de investimentos.
Quando cheguei a Brasília, em 2005, uma das primeiras pessoas que fui visitar foi Paulo Tarso. Recordei-me de que, nos anos 90, quando ambos coincidimos em Londres, ele tinha sido de uma grande generosidade para com o então jovem conselheiro da embaixada de Portugal que eu era. O Paulo e a Lúcia acolheram-nos, por mais de uma vez, na residência brasileira em Londres, com imensa simpatia. Ambos tinham, à época, uma projeção muito rara no seio da vida político-social britânica, sendo Lúcia uma conhecida amiga íntima da princesa Diana.
Na visita que lhe fiz, no seu escritório empresarial em Brasília, Paulo Tarso, que desde há vários anos praticamente só se movia em cadeira de rodas, e com cuja família viríamos a ter um convívio regular nos nos quatro anos seguintes, notei que estava vestido impecavelmente, de fato (os brasileiros dizem “de terno”) e gravata.
Falou-me da vida que criara após a reforma, aconselhou-me a pensar na minha (eu estava então ainda a uma década de distância), recomendando-me que me mantivesse sempre atualizado face às grandes questões globais, que as fosse acompanhando, com leitura e boas fontes abertas de informação: “O conselho independente de um diplomata experiente, que tenha decantado bem aquilo por que passou ao longo da sua carreira, pode ser extremamente interessante para o setor privado, que tem necessidade de pensar a prazo e de ter quem o ajude a olhar o futuro. É o que eu faço aqui, com algum sucesso”. Nunca esqueci isto e segui exatamente o que me disse. Não me arrependi.
Mas não é sobre esse útil conselho de Paulo Tarso que hoje quero aqui falar. Foi sobre a gravata. Não posso jurar terem sido estas as suas palavras, mas a ideia era esta: “Quando se reformar, Francisco, não se deixe tomar pela preguiça na maneira de vestir. Quando em casa, não ande de pijama, roupão e chinelos. Nem vagueie pela rua em fato de treino, com ar falsamente desportivo. Esse é o primeiro passo para a decadência pessoal, mesmo que o não queiramos admitir. Faça a barba todos os dias, vista-se, mesmo que de modo informal, como se fosse encontrar com amigos ou eles o visitassem de repente. Como compreenderá, na minha situação física pessoal, bastante preso a esta cadeira de rodas, a tentação para o desmazelo é imensa. Luto contra ela a toda a hora. Faz parte da minha dignidade pôr terno e gravata sempre que posso”.
Nestes dias de confinamento, claro que não ponho gravata. Aliás, a gravata, neste caso, é apenas uma metáfora para significar o cuidado mínimo com a forma de vestir e de nos apresentarmps. Mas, confesso, sigo muito o espírito dos conselhos do Paulo Tarso Flecha de Lima, um amigo que admiro e estimo, agora com 87 anos. Já sem Lúcia, que se foi desta vida há uns anos, desejo-lhe o melhor, nestes tempos sombrios de um Brasil que tão bem soube sempre representar.
2 comentários:
Lucido e também o conselho de não gastar mais de meia hora por dia com o fenómeno do dia - de um embaixador que respeito - embora em quem "militantemente" me não revejo.
Parece que já não vejo gente de quem possa receber ou tomar um conselho sábio ou útil ou avisado. No plano profissional, ainda vejo um ou outro, mas já sem a qualidade de outrora. No plano político é assustador. Não vejo uma pessoa com "sabedoria", com quem possa aprender qualquer coisa e pelo qual tenha algum respeito. Em todos os espectros.
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