domingo, março 15, 2020

A tia Juju


A tia Juju morreu há mais de 100 anos. Era irmã do meu avô materno. Não tenho por aqui os canhenhos da família para ver a idade exata com que se foi, mas, pelas fotografias que andam lá por casa, em Vila Real, teria vinte e poucos anos.

Era bonita e solteira. Tinha uma figura esguia, muito elegante, “modiglianiana”, que se vê em imagens de piqueniques de família, sempre com um ar melancólico, numa postura que, em criança, tinha o condão de me irritar, por me parecer um pouco snobe. Não me perguntem porquê, mas sempre achei que a tia Juju devia ter uma voz rouca. Desenhava muito bem. Sou feliz proprietário de dois belos desenhos a carvão, com perspetivas do parque das Pedras Salgadas.

A tia Juju morreu em 1918, com a “pneumónica” ou “gripe espanhola”, como também por cá ficou conhecida. Na minha família materna, o vírus dizimou então cinco pessoas.

Impressionou-me sempre muito a história que se contava na minha família de que o seu caixão saiu da Casa do Pereiro, em Bornes de Aguiar, onde vivia com os irmãos e com a minha bisavó, através da janela do quarto onde morreu. Porquê? Para que a minha bisavó, muito abalada que ainda estava pela morte, precisamente na véspera, de um irmão, não se desse conta de que tinha acabado também de perder, horas depois, aquela que era a sua filha mais querida.

A “pneumónica” infetou 500 milhões em todo o mundo, estimando-se que possa ter vitimado quase 100 milhões de pessoas, sendo considerada a mais mortífera pandemia da história da humanidade. Em Portugal, terão morrido cerca de 120 mil.

As pandemias, nos tempos de hoje, conseguem-se controlar ao final de algum tempo. Até lá, infelizmente para muitos, a sua sorte está a ser a mesma que a minha tia Juju teve na “pneumónica”.

3 comentários:

Anónimo disse...

Caro Francisco,

A minha tia-avó Laura também morreu na pneumónica. A minha avó dizia que ela e os seus outros doze irmãos nunca conseguiram perceber como haviam sobrevivido.

Um abraço (de longe)

JPGarcia

Francisco de Sousa Rodrigues disse...

Três dos meus avós já eram nascidos aquando desse horror da pneumónica, felizmente tanto bisavós como tios/as-avós então já nascidos escaparam.

Luís Lavoura disse...

A gripe espanhola teve essa particularidade fatídica de, contrariamente à generalidade das gripes, afetar e matar predominantemente pessoas jovens. Como a tia Juju, de vinte anos de idade.

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