quinta-feira, fevereiro 20, 2020

Um Pol Pot de trazer por casa

Chegou um dia a Paris, nesse início da segunda década do século XXI, com aquele ar “jeuniste” arrogante que caraterizava alguns de uma geração política a quem a “troika” tinha dado asas para poder exercer o seu liberalismo sem pudor. Não era ainda membro do governo.

No encontro na embaixada, com entidades francesas, desenvolveu uma curiosa teoria. As grandes cidades portuguesas estavam cheias de gente, em especial “velha”, cujos meios de vida, agravados à época pelos cortes nas reformas, eram muito limitados, pelo que se tornavam quase incompatíveis, não apenas com as rendas que lhes eram pedidas, cuja liberalização iria ajudar à “festa”, mas com os próprios preços dos bens e serviços.

“Essa gente é, em geral, oriunda da província e devia a ela regressar, porque teriam aí uma vida mais compatível com os seus recursos. Não digo que para isso seja necessário recorrer a medidas constrangentes, mas o mesmo resultado podia ser obtido por um “mix” de métodos administrativos”.

Os interlocutores franceses estavam siderados, calados de espanto. Eu, embaixador daquela figura, estava interiormente furibundo. E envergonhado. A certa altura, não me contive: “No Cambodja, já experimentaram isso”. O homem, que acumulava a palermice ideológica com o ser um ignorante da História, olhou para mim e inquiriu: “Com políticas públicas?”

Quem lhe respondeu foram as gargalhadas de dois ou três dos franceses sentados naquele pequeno almoço de trabalho. Sabia lá ele quem tinha sido o Pol Pot e as suas celeradas medidas de migrações forçadas para os campos!

Tenho contado este episódio muitas vezes e já me aconteceu cruzar-me com a personagem.

Mal eu sabia, ao ler hoje uma resposta do Chega a uma pergunta, que a teorização de medidas similares continua por aí. Como o fascismo.


16 comentários:

Joaquim de Freitas disse...

Pouco a pouco, em Paris, é assim que se resolve o problema daqueles que não ganham o suficiente para viver na capital. As dificuldades afastam-nos para a periferia até que um dia serão obrigados a partir para mais longe.

Aos franceses do SMIG vieram juntar-se milhares de migrantes. Fui há dias a Paris: certas zonas junto do Sena são uma vergonha.

Já é assim que funciona o sistema nos EUA. Número de sem-abrigo cresceu 75% em Los Angeles nos últimos seis anos.

O aumento foi de 23% apenas no último ano, segundo números oficiais do Departamento de Habitação e Desenvolvimento Urbano, que apontam o distrito de Skid Row (ao leste do centro financeiro da cidade) como o principal foco de um problema que, nos últimos anos, se estende também a áreas tão populares como Hollywood.Os números falam de 553.742 pessoas sem-teto nos Estados Unidos. Nova York é a cidade onde se concentra a maior quantidade (76.501).

Em Los Angeles, por outro lado, três de cada quatro não têm onde passar a noite. Apenas outra grande cidade do país tem uma percentagem maior: Fresno (75,8%).

Mesmo Trump se preocupa com esta imagem da América. Ali mesmo às portas da Silicone Valley !

O sistema económico vigente não encontrou ainda hoje, ao fim de um século de existência, a maneira de equilibrar a sociedade. Ao contrário, são as desigualdades crescentes por todo o lado que se acentuam. E é esta incapacidade a resolver o problema que fornece o combustível ao fascismo

Pol Pot foi um criminoso que pensava “educar” os citadinos pelo exemplo dos rurais. Mao também praticou a mesma teoria na China nos anos 50 e 60. Hitler não perdeu tempo a educar: os que não se enquadravam no nacional-socialismo foram directamente para Dachau e outras “escolas” do mesmo género.

Creio que um dia virá, em que, para educar os Venturas, será necessário pôr de lado a bela democracia da qual eles se servem, e neutralizá-los. Senão serão eles que o farão, no outro sentido. A Republica de Weimar não deveria ser esquecida.

Luís Lavoura disse...

Eu concordo, no geral, com a teoria exposta por esse indivíduo: é desejável e recomendável que boa parte dos reformados que vivem nos centros das cidades sejam incentivados a mudarem-se para terras menos sobrepovoadas. As cidades devem ser prioritariamente para quem delas necessita para trabalhar. Não há qualquer razão para que reformados e inativos continuem a viver nos centros das cidades, e deverá ser dada prioridade nas políticas públicas a que eles se mudem para aldeias ou vilas.

Anónimo disse...

Alguns dirão que é "cusquice" o querer saber a quem atribuir a conduta. Penso que não, que ajuda a caracterizar as pessoas e os comportamentos e até as "ideologias" publicamente assumidas. Sei que não o poderá fazer, mas confesso que gostaria de ver atribuído um nome ao Figurão....

Joaquim de Freitas disse...

"Não há qualquer razão para que reformados e inativos continuem a viver nos centros das cidades, e deverá ser dada prioridade nas políticas públicas a que eles se mudem para aldeias ou vilas." Luis Lavoura.

E de que direito ? Evidentemente: quando os pobres são cada dia mais pobres, é preciso expulsa-los para longe.

Sobretudo se a sociedade já não precisa deles, pois que estão velhos e precisam de cuidados médicos. Por isso não têm direito a continuar a viver, talvez lá onde nasceram. “Dégage” como dizia o outro…

A cidade é como a sociedade de três terços em que Portugal, e não só, se tornou. O terço burguês que está bem, alguns muito bem até. Outro terço que luta para se safar, endividando-se. O resto afunda-se na miséria.

Embora a maioria dos portugueses pertença à classe trabalhadora, quer se considere ou não classe trabalhadora, é uma minoria burguesa que domina o parlamento, à frente dos negócios e dos meios de comunicação social. E é este terço que tem tudo e ainda quer mais . Os pobres para os getos das periferias...

Anónimo disse...

Este Lavoura é louco! Passou-se!
R. Freitas

Anónimo disse...

"Não há qualquer razão para que reformados e inativos continuem a viver nos centros das cidades" Há. A sua vontade. Ponto final parágrafo. (há cada cromo...)

Anónimo disse...

Pois claro, Luís Lavoura.

Todos os "velhinhos" para o interior, povoado por alguns velhos...

E, nem precisamos discutir mais a eutanásia!

Anónimo disse...

Olhe, eu mudei-me para o interior e foi uma grande decisão. Tenho uma qualidade de vida e recursos muito maiores. E não me falta nada!

Cícero Catilinária disse...

Ó anónimo das 18:43, e mudou-se por iniciativa e vontade própria ou "teve" que se mudar? É que "mudar-se" para a província, como se dizia antigamente, porque se tem lá uma segunda habitação e mantendo a habitação principal na cidade grande, é uma coisa.
Mudar-se para a província por se foi "escorraçado", porque já não se tem condições para viver na cidade grande, é outra coisa, não confunda.

P.S.- Este sr. Lavoura, deixa-me por vezes tão desiludido, mas tão desiludido, caramba!!!!!!!!

alvaro silva disse...

É por a eutanásia a andar como deve ser e ainda por cima foi democráticamente escrutinada pelo que é só por a máquina em movimento que "sofredores" não faltam. Já dizia D. Filipe I rei de Portugal e das Espanhas em carta a sua filha enviada de Lisboa para Madrid;
"Não entendo este país em que sofrem mais com as venturas alheias que com as misérias próprias". Concluindo:
Temos misérias e venturas que cheguem para eutanaziar, è só aplicar a lei que justificações, médicos e candidatos arranjam-se sempre.

Anónimo disse...

Os incentivos ??? á fixação no interior, já existem há muito tempo. Só que os incentivos são atribuídos, na maior parte das vezes, a quem não precisa, normalmente pessoas espertinhas que têm outras fontes de rendimento (Polícias / GNR, professores, ex-funcionários públicos). Conheço famílias que, sabe-se lá como, constituíram-se em várias explorações agrícolas independentes (Pai, Mãe, Filho A, Filho B, etc.), normalmente na pecuária, sendo os subsídios para equipamentos também em triplicado. E a corrupção na utilização ilegal de terrenos alheios, quem sabe, até inexistentes ? Toda a gente sabe que isso existe e que os instrumentos de fiscalização são ineficazes. As chamadas politicas de coesão, estão a criar um fosso entre os que têm acesso à propriedade (legal e ilegal) e a restante população.

Carlos Fonseca disse...

"Mal eu sabia, ao ler hoje uma resposta do Chega a uma pergunta, que a teorização de medidas similares continua por aí. Como o fascismo."

Mas a verdade é que continua. A caixa de comentários deste blogue é a prova disso.

Anónimo disse...

O "Cícero Catilinária" tem de aprender a ler o que os outros escrevem. Por vezes, o facciosismo deturpa a visão e leva à iliteracia. É só ler e... compreender. Experimente respirar de vez em quando.

Anónimo disse...

Reparem nesta pérola do Freitas:

"Embora a maioria dos portugueses pertença à classe trabalhadora, quer se considere ou não classe trabalhadora, é uma minoria burguesa que domina o parlamento, à frente dos negócios e dos meios de comunicação social. E é este terço que tem tudo e ainda quer mais . Os pobres para os getos das periferias..."

Populismo, anti-parlamentarismo, discurso anti-democrático...

Jaime Santos disse...

Pois, Sr. Embaixador, a diferença com o Cambodja é que a solução do Chega (e de alguns liberais, pelos vistos) seria deixada aos mercados... E não se resumiria apenas aos velhos...

Anónimo disse...

Se o governo desse incentivos financeiros aos jovens para trabalharem no interior , certamente o interior do País seria bastante atractivo para viver . Uma vida mais sã , menos stressante , perto da natureza . E nesse caso também os reformados seriam incentivados por eles próprios a usufruírem do interior , muitas vezes as suas terras de origem . Já pensaram nisso ?

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