domingo, fevereiro 05, 2023

TGAD


“Lembras-te de ali haver o “The Great American Disaster?”, disse eu para o lado.

Estávamos a passar na Elias Garcia, ontem à noite, depois de um pneu do nosso carro me ter obrigado a encostá-lo a um passeio. (A um sábado, porque estas coisas, como é sabido, acontecem sempre aos fins de semana).

Alerta à conversa no banco traseiro, porque não se espia apenas com balões de olhos em bico, o jovem condutor do Uber, pedagógico, esclareceu-nos que, “desde sempre”, o “The Great American Disaster” só existiu no Marquês. Ele recordava-se bem!

Cada vez mais, encontro gente para quem o mundo só existe depois de eles existirem. De esguelha, na noite do carro, olhei-lhe a pinta. Tinha uns vinte e poucos anos. Até era simpático na conversa, mas convencido na sabedoria que não tinha. E para se meter comigo a discutir restauração lisboeta ainda tinha de ganhar algumas diuturnidades.

O TGAD surgiu, em Lisboa, creio que em 1978, isto é, há cerca de 44 anos. Tal como acontecera em Londres, em Fulham, nos “swinging sixties”, o TGAD, com uma localização algo excêntrica na parte norte da Elias Garcia, trazia a Lisboa um modelo novo e jovem de espaço informal para comer o que era vendido como sendo aquilo que se comia na América, isto é, hamburgers e coisas assim. As paredes eram coloridas e, numa delas, ia jurar que havia o mapa que está na imagem. 

(Que me recorde - mas não garanto - outro dos escassos lugares onde, em Lisboa, nesses anos 70, se podia comer hamburguers era o Ivos’s, uma casa com poucas mesas, para onde se entrava por uma pequena escada, na Padre António Vieira, à saida da Artilharia 1. A mesma rua onde, quase ia jurar, surgiu uma das primeiras pizzarias de Lisboa.)

O TGAD da Elias Garcia não deve ter durado muito nesse local e com esse nome. O seu homólogo do Marquês existe desde o início dos anos 80. Substituiu ali o snack-bar do Flórida, histórica sede informal da estimabilíssima “Intervenção Socialista”, equivocamente chamada de “GIS”, com os seus membros, também erradamente, a serem chamados de “ex-MES”, embora nenhum deles alguma vez tenha chegado a pertencer ao MES (afastaram-se na reunião fundacional do Movimento de Esquerda Socialista) - Jorge Sampaio, Nuno Brederode Santos e outras notáveis e algumas já saudosas figuras, quase todos eles meus amigos e companheiros de futuras jornadas políticas conjuntas.

Isto de se ter alguma idade - talvez o triplo da do rapaz do Uber - dá-nos alento às lembranças. E, depois, vai-se à tecla e é como as cerejas…

Ah! Até hoje, nunca consegui saber por que diabo a cadeia de restaurantes “The Great American Disaster” se chama assim. A menos que tivesse sido inspirada em Saigão ou em Cabul…

13 comentários:

José disse...

O "The Great American Disaster" da Elias Garcia nunca acabou, apenas foi mudando de dono e nome mas tudo lá dentro se manteve como era de origem até à intervenção do Ljubomir Stanisic no âmbito do "Pesadelo na Cozinha".

Primeiro "The Great American Disaster", depois "The Big Apple" (o nome que durou mais tempo) e, desde há poucos anos, "The Apple House".

Ir a este restaurante era como ir a uma cápsula do tempo. TUDO era de origem: as cadeiras, as mesas e a decoração (que nunca teve paredes coloridas como aqui se escreve) e... o menu, com o seu hamburger com chili, o hamburguer com batata assada em folha de alumínio, o quente e frio (gelado de baunilha regado com chocolate quente que chegava a fazer crosta) e o molho cocktail (com o qual, apesar de imensas tentativas, nunca se acertou em minha casa). Acho que apenas as almofadas que forravam os lugares junto às paredes foram mudadas (originalmente eram às riscas vermelhas e azuis).

Da última vez que lá fui (antes da mais recente mudança de nome - e, desgraçadamente, de menu), também havia uma TV a debitar música dos anos 80. Levei uns colegas de trabalho para lhes mostrar um dos meus restaurantes de juventude. Continuava a ser um sítio agradável, fresco no verão, com uma comida minimamente aceitável (embora já carota para a pouca quantidade). Mas o fator "nostalgia" era mais importante.

A atual decoração (segundo vejo em fotos), preservou os quadros de temática americana, nomeadamente aquele com os garimpeiros.

Quando conheci o TGAD, aquilo tinha sobretudo empregadas, raparigas que se vestiam de forma muito informal, com t-shirt branca e calças de ganga apertadas, que não tinham problemas em sorrir ao miúdo, que imediatamente ia verificar - no talão de mesa -, o nome da pequena. Era uma espécie de pequeno ritual que tinha com o meu pai.

Ali por perto, na Visconde Valmor, também houve outro restaurante, de nome Twister, cuja temática era anos 80 (parecia decorado pelo Taveira) e que, segundo me disseram, surgiu de uma cisão entre sócios (à altura da mudança de nome do TGAD para The Big Apple). É pena já não existir porque o ambiente era visualmente interessante.

Há já muitos anos que o TGAD do Marquês de Pombal (que vale pela vista sobre a praça), mudou radicalmente, adquirindo o aspeto de um dinner americano dos anos 50. Com isso se foram vários elementos da decoração como aquele grande quadro que mostrava todos os navios da marinha americana, numa infindável procissão naval até ao horizonte. O que eu gostava de ver aquilo, identificando os porta aviões, os couraçados, etc. Calculo que semelhante adereço causasse dores de barriga a muita gente...

Moraislex disse...

Creio que havia um outro mapa em que ao resto dos EUA era visto a partir do Texas.Na altura namorei muito por ali, e a minha atenção estava focada algures.

manuel campos disse...


Depois do excelente texto do "José" não há muito mais a acrescentar sobre os "nossos" TGAD.

No entanto segue informação adicional promovida por Luis Pinheiro de Almeida no blogue “IÉ-IÉ” que também confirma a sua, ainda que os “ex-MES” por lá apareçam:

http://guedelhudos.blogspot.com/2010/02/great-american-disaster.html

Digo “promovida” porque remeto desde já para os comentários, muito em especial os de "Teresa", que sabe do que fala (curiosa a referencia ao da Barata Salgueiro).

A partir dos 50 anos só se encontra gente para quem o mundo só começou com eles, os meus filhos já se queixam do mesmo, é o “Olha um Twitter” de há dias, em várias versões.
Se jurar que na Padre Antonio Vieira surgiu uma das primeiras pizzarias de Lisboa, sou muito capaz de jurar consigo.
Por aqui nunca fomos de pizzarias nem fast food, mesmo quando isso era mais adequado aos rendimentos, nem os filhos e os netos o são, deve ser genético porque ninguém nunca proibiu ninguém, isto é tudo gente de “cozinha auto-explicativa” (ainda que a fast food também o seja, mas é explicação que não nos convence).

PS – Actualmente estou rodeado de vários “ex-qualquer coisa” por todos os lados, por vezes sinto-me uma “ilha”.
Entre esses muitos que eu julgava ex-MES e que, se calhar, são ex-GIS ou ex-Intervenção Socialista ou nem sequer isso, é possível que alguns achem por bem dizer que são ex-MES para não terem que explicar muito, eu acho que nem é grande ideia tentar perceber o que foram e o que agora são.

Francisco Seixas da Costa disse...

José. Eu não disse que as paredes eram “de cor”. Disse que (ao que recordo e recordo muito pouco) eram “coloridas”, com quadros e coisas assim.

Tony disse...

A Pisaria da Rua Padre António Vieira, creio, chamar-se Frascati. Trabalhava no prédio, por cima do Busina e ia lá com frequência.

Tony disse...

Já agora, creio que o primeiro restaurante italiano, foi o "La Tratoria", na Rua Artilharia Um, a seguir à pastelaria Solparque.

manuel campos disse...


A pizzeria que havia por ali desde que eu me lembro era a "Frascati".
Trabalhei na Rua Castilho "do lado de cima" uns 12 anos mas não fazia, como já disse, o meu estilo para almoçar.
Pelo que dá para perceber por aí "fechou permanentemente".

Na Rua Dom Francisco Manuel de Melo, a chegar à Rua Artilharia 1, havia por esses tempos (há mais de 22 anos) um sítio onde não se comia mal e tinha um ar respeitável, mas entretanto creio que mudou de nome.
Da última vez que lá fui, há uns 12 anos, não fiquei tão contente, mas não foi pelo repasto que fiquei "traumatizado".
Convidado por um colega do liceu cheio de "saudades" minhas, que morava ali na zona, chegada a hora da conta começou o dito colega a dizer que se tinha esquecido do cartão de credito e não trazia dinheiro, como ainda por cima a maquina dos cartões não estava a funcionar bem, lá fui eu à caixa MB mais proxima, com um frio de rachar, levantar dinheiro para pagar o jantar(*).
Despedimo-nos com a firme promessa de ser ele a pagar o proximo.
Escusado será dizer que nunca mais soube dele.

Agora vou para aqueles lados mais ou menos de 2 em 2 meses, almoçar com um grande amigo meu, com um escritorio de advogados ali na zona, como o objectivo é a conversa e para despachar comemos no buffet do hotel do outro lado da rua.
Com os tempos, a opção por buffets de hotel em refeições rapidas tem vindo a tornar-se muito aceitável em toda a cidade.

(*) Não sei como estará agora aquela área à noite mas, nesses tempos, tinha uma frequência digamos que "sui generis", andar um cidadão a levantar dinheiro às 11 da noite tinha o seu quê.

Flor disse...

José! Gostei imenso do seu texto. Tinha um conhecimento qb desta rede de restaurantes mas fiquei bastante esclarecida com o seu simpático comentário. Ainda bem que eu tenho por hábito ler os posts e os respectivos comentários. Obrigada ao Sr. Embaixador e ao José.

Flor disse...

Manuel Campos, obrigada pelos links dos blogues. Até já ouvi os "Sheiks" um grupo do meu tempo. :)

manuel campos disse...


Ainda sobre o tal ambiente "sui generis" daquela zona à noite.

Havia um quarteirão que não tinha nada a ver com o resto da zona, era o da Rua Padre António Vieira, entre a Rua Rodrigo da Fonseca e a Rua Artilharia 1.
Nunca dei por que se notassem quaisquer especiais medidas de segurança, eram do mais discreto que se pode imaginar, só os que conheciam bem o local identificariam um ou dois carros estrategicamente estacionados à distancia.
Não era preciso, aquele era um quarteirão "sagrado" na altura, morava lá Jorge Sampaio.

Anónimo disse...

O quandro que havia no Big Apple era este:
https://thewelltravelledpostcard.files.wordpress.com/2014/10/20140725094722697_0001.jpg

José disse...

Confirmadíssimo. Esse quadro dos "EUA segundo o Texas" estava no restaurante da Elias Garcia.

Anónimo disse...

Lembro-me perfeitamente do Great American Disaster da Elias Garcia, onde está actualmente a Apple House. Subiam-se uns degraus para entrar no restaurante. Ia lá regularmente aos fins de semana com o meu filho nascido em setembro de 1982, pelo que situo a sua existência entre 1983 e 1984. Encontrava lá nessas alturas a Dra. Leonor Beleza, marido e filhos.
Tenho apenas uma dúvida sobre o seu nome, já que conheci o do Marquês de Pombal/Duque de Palmela com o mesmo nome. Não teria um nome ligeiramente diferente?
Ribeiro de Araújo

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