quinta-feira, fevereiro 16, 2023

Lojas perdidas


Dei uma volta por uma rua de bairro, em Lisboa. E fui à procura de uma bela loja que por ali conhecia. Já não a encontrei. Lamentei a perda com um amigo. Respondeu: “Quando foi a última vez que compraste lá alguma coisa? As lojas não se mantêm sem terem clientes”. Embrulhei.

quarta-feira, fevereiro 15, 2023

Na “Visão”, amanhã

 


Ucrânia

 



O fim da Cultura e o meu Aurelião


Fico sempre triste quando sei do fim de uma livraria. Leio agora que a rede de livrarias Cultura, no Brasil, entrou em falência. 

Muitas e belas horas passei em algumas dessas lojas, bastando-me olhar para qualquer estante em minha casa para logo descortinar resultados dessas peregrinações.

A mais bela das Livraria Cultura era em S. Paulo, na Avenida Paulista (na imagem), espaço que eu já conhecia como os dedos das minhas mãos, sabendo onde encontrar tudo aquilo que me interessava. 

Em Brasília, onde vivia, não obstante a Cultura ser num shopping um pouco distante de minha casa, em muitos fins de semana me passeei de lá, saindo ajoujado de sacos com coisas que li e com outras que apenas tive o imenso gosto de comprar - porque, aprendi, só há uma coisa melhor do que ler um livro: comprá-lo!

Um dia, ocorreu um episódio curioso. Como sou um maníaco de dicionários, ainda antes de ir viver para o Brasil tinha a intenção de vir adquirir dois dicionários brasileiros clássicos: o Aurélio e o Houaiss. 

Numa das minhas visitas à Cultura, em Brasília, encantei-me por uma recente edição do Aurélio, o monumental trabalho de Aurélio Buarque de Holanda (a relação familiar com o Chico do mesmo nome não é próxima), num só volume, vulgarmente conhecido pelo “Aurelião”. Curiosamente, nem era muito caro nem muito pesado, dado ser em papel bíblia, não obstante as suas 2020 páginas.

Na mesma noite, depois do jantar, perdi uma boa meia hora na curiosa busca da definição brasileira para certos vocábulos bem portugueses, saltitando por aquele imenso volume. 

A certa altura, tive uma surpresa: uma palavra bastante banal faltava no dicionário! C’os diabos! Não era possível! Foi então que dei conta de que não figuravam, nesse ponto do volume, várias páginas - outras faltariam num local correspondente, na outra parte de um caderno que, por lapso, tivera essa falha.

No dia seguinte, logo de manhã, pedi ao meu motorista, ao Daniel, que, com o recibo da compra na mão, fosse à Cultura apresentar o problema e pedir a troca do livro. 

Ao final do dia, ao trazer-me de volta a casa, ele contou-me a reação do empregado da Cultura que o atendeu: “Esse seu patrão deve ser muito estranho! Veio aqui ontem, comprou um livro de mais de duas mil páginas e você vem, na manhã seguinte, dizer que faltam algumas folhas. Como é que ele deu conta disso? O homem passou toda a noite a contá-las?”

Catarina Martins

 

Quantas vezes o Bloco me irritou! Quantas vezes clamei que, no fundo, ele acabava a fazer o jogo da direita. Em 2011, ao vê-lo mão na mão com essa direita, disse do Bloco cobras e lagartos. Em 2015, quando aderiram à ideia da Geringonça, moderei essa minha irritação. Ela regressaria em 2021, quando o Bloco fez uma birra orçamental, que fez correr um risco desnecessário à esquerda. Mas voltei a moderá-la quando esse percalço político ofereceu ao PS, de bandeja, uma maioria absoluta.

Em todo esse percurso do Bloco esteve Catarina Martins. Uma mulher determinada, que sempre me pareceu sincera e empenhada nas soluções que propunha, estivessem elas certas ou erradas. 

Catarina Martins entendeu agora encerrar o seu ciclo de liderança, primeiro num dueto que deu ares de harmónico com João Semedo, depois a solo. Desejo-lhe as maiores felicidades pessoais.

terça-feira, fevereiro 14, 2023

O romantismo já não é o que era!


Eu e um amigo decidimos levar as nossas mulheres a jantar fora, hoje, no dia dos namorados. Como tenho, em geral, esse pelouro, foi-me solicitado que escolhesse e reservasse o restaurante. E assim fiz! Porém, quando anunciei que iríamos jantar ao Orelhas, em Queijas, fiquei com a sensação de que a minha seleção pode ter pecado por algum défice de romantismo. Também acham? Paciência! De uma coisa tenho a certeza: vamos comer muito bem!

Há alheiras na Marinha!

 


Olhó marciano!


Os maluquinhos dos ovnis estão entusiasmados com os objetos que os americanos andam a abater pelos céus. A sua fezada em como os extra-terrestres andam por aí teve um alento nos últimos dias. Se, no final, nada vier a lume, é porque, uma vez mais, “eles” querem esconder tudo…

segunda-feira, fevereiro 13, 2023

Clickbaitismo

A nossa imprensa é isto. “EUA dizem aos americanos para abandonarem a Rússia imediatamente”. Guerra nuclear? Nada disso: a Rússia pode vir a recrutar para as forças armadas cidadãos com dupla nacionalidade. Desde setembro que se sabe isso. Mas o que interessa é o “clickbait”.

Iliteracia

É admirável o raciocínio de quantos, perante um anúncio de crescimento do PIB, dizem que não sentem isso no bolso. E os que, em face da queda da taxa de desemprego, dizem que têm um primo sem trabalho. A literacia económica não rima com a sociologia de café.

Falar claro

Como ateu, gostava de deixar claro, neste momento menos simpático para os católicos portugueses, que continuarei a considerar que o património cívico e moral da igreja católica, na história da sociedade portuguesa, é bem superior a esta mancha, que é, aliás, um segredo de Polichinelo.

Manuel Rocha


Leio que morreu Manuel Rocha. Era uma figura de quem guardo uma memória muito agradável, com a qual me cruzei na vida algumas vezes, em contactos pessoais ou em troca de mensagens. Foi um excelente profissional da informação, a quem a televisão pública, nomeadamente a RTP Porto, deve bastante. Um abraço amigo de pesar à Fátima Campos Ferreira.

Áfricas



Havia um divulgador de História, injustamente acusado de ser historiador, na fórmula de Baptista-Bastos para alguns ditos jornalistas, que, na televisão, mostrava os locais de relevantes eventos pretéritos, dizendo, com frequência: “Foi aqui!” 

Ontem, numa sala de uma unidade hoteleira, algures no país, tive a mesma reação, embora pensada apenas para mim próprio: “Foi aqui!”

Já passaram muitos anos desde esse dia. Estávamos num almoço com uma delegação estrangeira, chefiada pelo primeiro-ministro desse país, oferecida pelo seu homólogo português. Notei que a cara de um colega e amigo, sentado quase à minha frente na longa mesa, não era das mais felizes. 

Ele estava colocado num determinado país africano e nosso ministro dos Negócios Estrangeiros, também ali presente, tinha-o informado, horas antes, que o seu próximo destino seria... um outro país africano. Curiosamente, um país onde, anos atrás, ele já estivera colocado.

Ter já passado, em duas vezes, um total de oito anos em África, com a perspetiva de um período de mais quatro anos numa capital africana onde já servira, era uma ideia que não agradava, compreensivelmente, àquele meu colega. 

Não obstante o interesse profissional dos postos, a vida em África acarreta quase sempre problemas específicos, pessoais e familiares, pelo que, muito legitimamente, ele ansiaria ter um outro destino geográfico. O ministro, contudo, por qualquer razão conjuntural que já não recordo, fora muito insistente e não lhe dera qualquer alternativa.

A conversa ao almoço derivou, a certa altura, para a Revolução do 25 de Abril. Pedagógico, o chefe do governo português explicou ao seu convidado as motivações subjacentes à revolta contra Marcello Caetano. Dentre essas razões, elencou os problemas de carreira e as pulsões democráticas que atravessavam a tropa, para concluir: "Além do mais, os oficiais portugueses estavam cansados de fazer várias comissões de serviço em África".

Foi então que se ouviu, num sonoro aparte em português, a voz do meu colega: "Como eu os compreendo!". 

Dei uma gargalhada de solidariedade, cujo significado poucos entenderam. Talvez o nosso ministro. Do outro lado da mesa, o António sorriu.

domingo, fevereiro 12, 2023

Hesitação

Estou hesitante sobre se devo comentar, na CNN, o abate, pelos americanos, dos objetos voadores que por lá andam. É que, se aquilo for do foro extraterrestre, isso excede a “job description” da minha colaboração. E não vai ser fácil encontrar alguém para a tarefa…

A febre


O meu avô paterno nasceu na Seara, uma aldeia da margem esquerda do rio Lima. Era filho único de pais com escassas posses, pelo que só conseguiu ser educado graças à ajuda de um filantropo de Ponte de Lima, que lhe pagou os estudos e o ajudou a encaminhar a vida.

Com a minha avô, com quem entretanto casou em Ponte de Lima, viria a ter seis filhos. Um dia, os meus avós decidiram ir viver para Viana do Castelo. Ainda existe a miniatura do barco no qual, em 1912, foi feita a mudança, entre Ponte de Lima e Viana, ao longo do Lima. Após ter ficado viúva, a minha bisavó foi viver com o filho e família deste. Por pouco tempo. Morreria em breve.

Ao que consta na memória familiar, a senhora era uma inenarrável chata. Faladora incessante, cansava quem com ela convivia. Desde logo os netos, que, com alguma dificuldade, se adaptavam à intensidade da presença da recém-chegada e até então pouco frequentada avó. O filho reconhecia essa peculiaridade da mãe, mas ai de quem ousasse qualificar negativamente a sua progenitora.

O meu avô, em certa ocasião, travou conhecimento com um cavalheiro, oriundo de uma aldeia próxima de Viana, no qual descortinou, precisamente, o mesmo tropismo comportamental da sua mãe: nunca se calava. Numa leve perfídia, terá tido então a ideia de provocar um encontro entre os dois.

Um dia, convidou o homem lá para casa, para um chá ou coisa assim, colocou-o numa sala com a minha bisavó e, a certo momento, saiu discretamente de cena, deixando os dois sozinhos.

A conversa terá sido relativamente longa. De fora da sala, ouvia-se um forte movimento de vozes, na interação entre os dois. Havia a curiosidade de saber como estava a decorrer aquela empenhada interlocução, mas o meu avô optou por não interromper o insólito episódio que tinha provocado.

Tudo tem um fim. A certa altura, a porta abriu-se e, desaustinada, saiu a minha bisavó, clamando: “Irra! Que homem tão aborrecido! Nunca mais se calava! Já não o podia aturar!”

Esse relato divertido, que atravessou décadas na boca do meu pai e de um dos meus tios, dava ainda conta de que a senhora teria saído com uma ligeira ponta de febre, como resultante física desse despique oral, do qual, conceda-se, o cavalheiro visitante terá saído amplamente vencedor. 

Desde miúdo, lembro-me de ouvir o meu pai dizer, qualificando alguém que falava muito: “Até faz febre!”

sábado, fevereiro 11, 2023

Na cesta…


Há um mito rural, na minha família materna, segundo o qual uma das minhas bisavós era bastante rica. 

É rural porque a senhora, depois de uma existência em Lisboa, onde fez amizades que lhe frequentavam umas festas famosas que organizava no “chalet” do parque das Pedras Salgadas, acabou placidamente os dias na Casa do Pereiro, em Bornes de Aguiar, numa rusticidade cómoda e simples, mas sempre com uma bela vida alimentada por cabedais de propriedades várias.

É também um evidente mito porque, pelo menos a este seu bisneto, nunca chegaram sólidas provas, com relevância contabilística para os fins que contam, desses tais supostos teres e haveres, que, imagino eu, se devem ter esvaído pela caterva de filhos, de dois casamentos, que terão herdado o mesmo jeito para o negócio que este seu descendente até hoje (não) tem. Um desses filhos, reza a lenda, perdeu ao jogo, numa noite, no casino das Pedras, uma bela quinta à volta da qual a aldeia de Bornes de Aguiar ainda hoje se espalha.

Fosse a senhora rica ou não, e para o que aqui hoje me interessa, ficou na memória familiar que tinha uma língua afiada e franca, uma graça viva e muitas vezes mordaz.

A historieta que vou contar ouvi-a repetida, por anos, à minha mãe e aos meus tios, nas conversas em noites de família. Por esse tempo, esses e tantos outros episódios interessavam-me pouco. Eram conversas de velhos, que não me diziam quase nada. Até um dia, até ao momento em que eu próprio passei a assumir, embora involuntariamente, esse mesmo estatuto etário. E foi então que me dei conta de que, para satisfazer uma cada vez maior curiosidade sobre um passado de que afinal eu era já um residual depositário, já não tinha ninguém a quem recorrer.

Um dia, vindo de Oura, dos lados do Vidago (quem é dali diz “do Vidago”, quem é de fora diz “de Vidago”), chegou a Bornes, para uma visita, um primo da senhora minha bisavó. Vinha a cavalo, porque era assim que, nesse século XIX, essas coisas se faziam.

À sua chegada à Casa do Pereiro, já depois da hora do almoço, constatou-se ser ele portador de uma gentil cesta de oferendas - com queijos, enchidos e algum estimável apoio alcoólico. 

Posta a conversa em dia, durante algumas horas, e porque entretanto a tarde se fazia tarde, a minha bisavó montou uma mesa para um lanche familiar, com coisas que por lá tinha. A elas juntou, com naturalidade, para a degustação desse momento, e quanto mais não fosse para lhes honrar a qualidade e a simpatia do gesto, os produtos que o parente lhe tinha aportado.

O que se seguiu, conta a nossa memória familiar, foi um pouco inusitado. O parente nem terá atentado no que a dona da casa lhe oferecia e, quiçá enlevado pelo gosto seguro daquilo que horas antes ofertara, avançou por essas vitualhas adentro, alambazou-se com elas de forma lampeira, quase as esgotando, num manifesto acesso de fome, quiçá potenciado pelo esforço físico da viagem. Os da casa, com a minha bisavó no farol da observação da cena, acharam bizarro esse tropismo para o auto-consumo, mas, com cerimonial elegância, engoliram o riso.

Ao final da tarde, quando o cavalo do primo trotava já pelo Fundo de Vila, de regresso às retas de Sabroso, que iam anteceder as curvas do Reigaz, a minha bisavó crismou, para sempre, uma frase que faz parte da memória risonha dos Seixas, para caraterizar o comportamento do seu lambareiro primo: “Na cesta o trouxe, na barriga o leva”…

sexta-feira, fevereiro 10, 2023

“A Arte da Guerra”


Esta semana, a “Arte da Guerra”, o podcast do “Jornal Económico” sobre política internacional, uma conversa com o jornalista António Freitas de Sousa, abordou o estado do conflito na Ucrânia e as suas perspetivas, a política brasileira e a complexidade das relações entre a Espanha e Marrocos, com os quase 60 anos da Frente Polisário pelo meio.

Pode ver aqui.

Foro La Toja


Tive muito gosto em moderar, na passada quinta-feira, na Fundação Calouste Gulbenkian, um debate sob o tema “Uma nova Ibero-América e uma nova relação transatlântica”, organizado pelo Foro La Toja - Vínculo Atlântico, uma estrutura não-governamental espanhola, já existente há vários anos, presidida pelo antigo ministro dos Negócios Estrangeiros espanhol, Josep Piqué, que agora alarga a sua atividade a Portugal, com apoio do Grupo Hotusa.

Para esta conversa, a organização convidou o antigo primeiro-ministro espanhol, Mariano Rajoy, o antigo vice-primeiro português, Paulo Portas, o antigo primeiro-ministro peruano, Pedro Cateriano, e o antigo presidente do Brasil, Michel Temer, que interveio por videoconferência.

Encaminhei o debate, que se prolongou por mais de uma hora, com base em três tópicos que lancei aos convidados : (1) perspetivas dos projetos de integração no atual contexto político latino-americano, (2) identidades e dissonâncias geopolíticas entre a UE e os países latino-americanos, em face da nova polarização à escala global, (3) futuro da relação económica entre a UE e a América Latina, num mundo em potencial “desglobalização” e crescimento do protecionismo.

Acho que a audiência apreciou este painel, que complementou outros que tiveram lugar na mesma manhã.

Peço de empréstimo esta fotografia que o António Nogueira Leite fez do seu lugar e publicou no Twitter.

O sol e a saudade

O sol brilhava para todos eles, para os manifestantes que ontem encheram ruas, criando, no espírito de muitos, saudades da geringonça, tempo em que, recordo, nada daquilo se passava.

quinta-feira, fevereiro 09, 2023

“Primeiro de Maio”


Quando, há mais de meio século, trabalhei por uns anos na Caixa Geral de Depósitos, a “Antiga Casa Primeiro de Maio”, ao lado, na descida da rua da Atalaia para o Calhariz, era uma “tasca de almoço” (classificação íntima) que, contudo, não era pouso regular do meus assimétricos grupos de amigos e conhecidos. 

Porquê? Porque, à época, tinha um preço ligeiramente mais alto do que outros locais similares e, nesse tempo, entre os meus colegas, havia quem tivesse de fazer bastantes contas à vida. Por isso, eu só raramente passava por lá, tal como pela vizinha “Primavera do Jerónimo”, que a fotografia assinada da Josephine Baker, no caixilho na parede, elevava a lugar de culto, com o toque turístico a refletir-se no preço dos históricos filetes de pescada. 

Esse era o tempo de um outro Bairro Alto, ainda sem “Frágil” nem “Pap’Açôrda”, onde não tinham despontado o “Casanostra” ou o “Bota Alta”, em que, para a noite, o “Alfaia” já estava na moda e à medida dos nossos bolsos, tal como, um pouco mais tarde, aconteceria com o “Baralto”, o “Fidalgo” e a “Tasca do Manel”. A “Baiuca” e o “El Ultimo Tango” ainda estavam para nascer. Do que por lá vai agora, nem sombras.

Mudei entretanto de ofício e de geografias de trabalho. A partir dos anos 80, quando vivia ou visitava Lisboa, era regular visitante do “Primeiro de Maio”. Aos sábados, era a minha cantina de almoço, sempre com a cinematográfica figura de António Lopes Ribeiro, já bem entrado na idade, a dominar uma das mesas. O “Primeiro de Maio” foi muito “trendy” por bastantes anos, com figuras e figurões bem conhecidos, da política à cultura, por ali amesados.

A cara tutelar do “Primeiro de Maio” era então o senhor Santos, com a sua mulher na cozinha. O seu sorriso acolhedor recebia-nos mal surgíamos no alto dos degraus de entrada. Nesse tempo em que reservar era a exceção, a regra, para nós, era aparecer uma mesa quase por milagre, com intimidade garantida com inesperadas vizinhanças, entre as quais cheguei mesmo a criar amizades. Belos tempos esses!

Entre as mesas do “Primeiro de Maio”, a certo momento, passou andar o Mário, sobrinho do senhor Santos, um miúdo que ajudava ao serviço. Desde que o tio se reformou, passou ele a ser a minha âncora numa casa onde, contudo, ultimamente não tenho ido muito. Fui hoje, com uma tertúlia aperiódica de cavalheiros que andam pela vida como os ingleses conduzem pelas estradas, um grupo que não tem pouso fixo, que erra (às vezes acerta) por vários endereços.

O Mário lá continua, à frente da casa, sempre simpático, herança boa do tio, que vive a merecida reforma na Beira. Os turistas que, aqui há uns anos, tornavam o espaço numa babel às vezes excessiva, desapareceram, desde há uns tempos, para as centenas de outras paragens que vão abrindo e fechando por essa Lisboa. O que havia de gente a mais, num certo período, parece haver a menos, nos dias que correm. E é pena.

Um conselho para antropólogos amadores com bom gosto, curiosos de uma certa Lisboa do passado que ainda por aí subsiste: passem pelo “Primeiro de Maio”, almocem ou jantem num local que terá sempre uma linha bem estimável na história da restauração de Lisboa. Vão lá sem a menor nostalgia, apenas porque sim. Ah! Podem dizer que vão da minha parte (não tenho comissão, garanto!) e peçam sugestões ao Mário. E aproveitem para descobrir os belos vinhos que sempre houve por lá.

Onde é? É na rua da Atalaia, 8, com o telefone 213 426 840.

“Links”

Desde a criação deste blogue que peço que evitem colocar “links” para outros textos. Escrevam comentários próprios, mas não transformem isto num “cabide”, por favor. 

O que correu mal?


Há cerca de um ano, no início das hostilidades na Ucrânia, a revista Visão pediu-me um artigo sobre a conjuntura. À época, não o reproduzi
 aqui, porque, naturalmente, ele só estava acessível a quem adquirisse a revista. Publico-o agora, para testar se o texto resistiu ao tempo.

O que correu mal?

Passaram já 30 anos. A nacionalidade dele era inglesa. A sua ascendência, pelo nome, era de muito longe dali, de um país báltico. Estávamos em Londres, na “Chatham House”, o instituto britânico de relações internacionais, num intervalo para café, durante um seminário onde se discutia algo que tinha a ver com o fim da União Soviética, que tinha ocorrido poucos meses antes. Era o primeiro semestre de 1992. 

“Eles não vão esquecer. E vão voltar, mais violentos do que antes. Nós conhecemo-los bem”. O meu interlocutor não tinha ilusões quanto aos russos. “Moscovo”, para ele, era o poder que tinha esmagado a sua nacionalidade originária. Uma coisa tinha ele por certo: a nova Rússia nunca seria democrática, por muito que tentasse fazer passar-se por isso. E olharia sempre para a sua periferia com um misto de arrogância, de desconfiança e desejo de fazer voltar as coisas atrás. 

Quatro anos depois, em Varsóvia, fui visitar o chefe da diplomacia polaca, Bronislaw Geremek. Um curto encontro de cortesia transformou-se, de um momento para o outro, numa longa lição de História, quando estimulei a sua opinião sobre a evolução da nova Rússia. 

A Polónia, por essa altura, ainda não fazia parte da NATO e da União Europeia. A fé de Geremek na capacidade de regeneração democrática do regime russo era basicamente idêntica à do meu anterior interlocutor de Londres. “Historicamente, a liberdade não mobiliza os russos. A alma da Rússia é a autoridade”. 

Por estes dias, lembrei-me de uma outra frase que o MNE polaco então me disse: “O futuro da Ucrânia é a grande preocupação da politica externa da Polónia”. Na altura, achei aquilo algo excessivo. Olhando o mapa e o correr dos tempos, percebi. O papel axial que Varsóvia tem vindo a desempenhar na tentativa de ancoragem da Ucrânia ao mundo ocidental está na linha dessa preocupação.

Ao longo da vida, tive a sorte de conseguir falar, sem a capa das conversas oficiais, com gente de quase todos os países que foram gerados pela implosão da União Soviética, bem como de quantos dela havia sido parceiros no mundo do “socialismo real”.

A atitude face à Rússia de todas essas pessoas não foi a mesma, mas tinha quase sempre um ponto comum: a ideia de que lhes era essencial reforçar as respetivas nacionalidades, como forma de evitar que uma pulsão centrípeta de Moscovo pudesse fazer voltar atrás o relógio da História. Naqueles que partilhavam a nossa geografia continental, vi uma vontade, praticamente unânime, de integrar as instituições europeias e euro-atlânticas, como escudo para o futuro.

Muitas vezes, confesso, impressionou-me a imediata acrimónia que alguns exalavam quando o nome da Rússia vinha à baila, dando comigo a reagir intimamente ao que interpretava com um exagero nacionalista. Com o tempo, contudo, fui dando por adquirido que é praticamente impossível colocarmo-nos no lugar de quantos passaram por experiências históricas de grande dimensão traumática.

Nas poucas ocasiões em que estive na Rússia, em conversas fora dos circuitos oficiais que consegui ter, ou com russos que fui cruzando pelo mundo, mantive sempre uma imensa curiosidade em tentar perceber como viviam os seus novos tempos. Anotei o quase embaraço como, às vezes com grande humildade e até algum esforçado humor, me relatavam as desventuras da sociedade russa contemporânea, quase sempre sem apostarem uma grande esperança num melhor futuro. Raramente lhes consegui arrancar elogios a Gorbachev, sentia-os hesitantes a valorizarem Yeltsin, notei-os sempre divididos quanto a Putin. Mas todos reconheciam que era neste último líder que muitos dos seus compatriotas depositavam alguma esperança. E que daí vinha muito da força de Putin.

O fim da distensão

Passaram já 20 anos. Quando, em 2002, fui para Viena dirigir a então presidência portuguesa da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) sabia que a Rússia constituía, com os Estados Unidos, o “duopólio” que determinava o andamento da organização. 

Vinha de Nova Iorque, de uma cidade marcada pelo recente “11 de setembro”, tragédia que, por algum tempo, tinha feito abater bandeiras no seio da ONU, onde eu era embaixador. Portugal fazia ali parte da “troika” de observadores do processo de paz em Angola, precisamente com os EUA e a Rússia. O último almoço a três que tinha organizado em minha casa correra num ambiente simpático. O convidado russo chamava-se Sergei Lavrov.

O ambiente que fui encontrar em Viena tinha uma tensão bem maior, polarizada nos representantes dessas mesmas duas potências. 

Como tínhamos chegado até ali? O que é que tinha corrido mal?

Nos anos 70, entre o mundo ocidental e a União Soviética, dois poderes que, por décadas, tinham mantido entre si uma forte rivalidade militar no quadro da Guerra Fria, de paralelo com um esforço de proselitismo dos seus projetos à escala global, havia começado a desenhar-se o terreno de algum diálogo. 

Em 1975, como saldo desse esforço diplomático de aproximação, foi assinado o Ato Final de Helsínquia, um texto de compromisso, com medidas geradoras de confiança entre as duas partes, recheado das ambiguidades semânticas com que os diplomatas conseguem ganhar tempo e, às vezes, alguma paz. 

Ironicamente, para nós, portugueses, 1975 seria precisamente o ano em que, na nossa política interna, se viveu um “Leste-Oeste” e, em algumas das nossas antigas colónias, a Guerra Fria continuou acesa.

O declínio da URSS, como potência, foi-se acelerando, desde então. Incapaz de sustentar a rivalidade económica e tecnológica com os EUA, o poder soviético entrou em crise e, em 1991, o país implodiu, dando origem a 15 Estados diferentes.

A ordem liberal parecia ter uma passadeira à sua frente, mas o “fim da História”, prognosticado por quem não percebe que dela nunca nos libertamos, era um falso bom alarme. 

Moscovo tinha passado, entretanto, a capital do país sucessor da URSS, a Rússia. Era um Estado herdeiro daquele outro que fora visivelmente derrotado pelos EUA, numa Guerra Fria onde ambos os lados só tinham combatido através de terceiros, em zonas de confluência dos respetivos poderes. 

O inesperado “flirt” da nova Rússia com o mundo vencedor foi breve e, quase sempre, algo equívoco. Os EUA terão prometido à Rússia que a NATO, depois do Pacto de Varsóvia ter sido dissolvido, se não expandiria para Leste. Não foi isso que veio a acontecer. Porém, a verdade é que a Rússia à qual o ocidente fizera essa promessa também já não era exatamente a mesma. 

A Rússia era agora Vladimir Putin, um homem que terá concluído que tinha mais vantagens em ser temido do que em ser respeitado. O seu poder, quase unipessoal e democraticamente mais do que duvidoso, deu razões à sua vizinhança imediata a Oeste para se manter “de pé atrás”, quanto ao futuro. E esses países procuraram atenuar os seus receios com a obtenção da integração na NATO e na União Europeia. 

Voltemos a Viena, a esse ano de 2002. A OSCE, a que Portugal presidiu durante esse ano, tinha sido o porto de chegada do laborioso processo de distensão entre o Leste e o Oeste. Mas muita água tinha corrido entretanto sob as pontes do Danúbio. Longe se estava já dos dias em que o diálogo fluía, a confiança era ainda possível e tudo parecia encaminhado para um futuro de cooperação. Pelo contrário, as tensões eram cada vez mais fortes.

A Portugal, que era e é conhecido como um eficaz “honest broker”, competia procurar conciliar as leituras da realidade política internacional que ia “de Vancouver a Vladivostok”, como então se dizia. Sabíamos que havia por ali duas culturas de segurança em evidente contraste: um mundo que era chamado de “a Oeste de Viena” que a Rússia acusava de querer, cada vez mais, dar lições de democracia aos países “a Leste de Viena”. Moscovo era o óbvio “protetor“ de quantos eram vistos como infringindo o “template” democrático, dos Balcãs à Ásia Central, passando pelo Cáucaso. 

Nesse ano de 2002, no Porto, em dezembro, todos os então 55 países membros da organização subscreveram os mesmos textos, preparados por nós. Colocar Washington e Moscovo de comum acordo numa perspetiva sobre conflitos e outras situações de instabilidade foi obra! Nunca esse entendimento voltou a ser reeditado na história da OSCE. 

Voltei à OSCE, em duas ocasiões recentes, a última há menos de um ano: o ambiente da relação entre Washington e Moscovo, inquinado pela conjuntura pareceu-me já dificilmente insuperável. A atual situação só confirma isso.

E agora?

No momento em que escrevo, não faça a menor ideia de que forma a situação internacional, decorrente da invasão russa da Ucrânia, evoluirá.

Uma coisa tenho por certa: alguma aquietação da crise atual acabará por fazer-se, com um saldo final, justo ou injusto, em que uns pagarão mais custos do que outros. E também sabemos que daí decorrerão ressentimentos, que irão adubar o futuro, nem sempre num sentido positivo.

A História sempre nos mostrou que, por maiores que tenham sido as tragédias ocorridas entre os Estados, o tempo tende, em geral, a desaguar em tempos de alguma acalmia E que, cedo ou tarde, irão surgir “pontes” entre os adversários de hoje, por necessidade da acomodação mútua.

A alguns, pode parecer chocante, num tempo de mobilização emocional como a que se vive, estar a sublinhar a necessidade da restauração do diálogo diplomático entre o ocidente e a Rússia, com Putin ou com outro líder no Kremlin.

A geografia, contudo, tem determinantes que forçam sempre a realidade. A Rússia, seja ela o que vier a ser, nunca vai deixar de ser vizinha desta Europa. Um lado do continente a que as últimas décadas, somadas aos acontecimentos iniciados em fevereiro de 2022, tornou ainda mais coeso dentro de si, quer na sua aliança militar, quer na interligação económica que as instituições comunitárias potenciaram. 

Quando haverá condições para re-inaugurar uma nova “détente”, envolvendo Moscovo, é impossível de prever. Mas como sempre aconteceu na História, a hora da diplomacia acabará por chegar.

quarta-feira, fevereiro 08, 2023

Nordstream 1 - Verdade 0

Reabriu a questão sobre quem colocou a carga explosiva no Nordstream 2, o segredo mais mal guardado do mundo, sobre o qual só os cegos ainda alimentam dúvidas. Antes do feminismo a proibir, nos mistérios policiais havia uma esclarecedora frase: “Cherchez la femme”.

A “branca”

Na manhã de hoje, no discurso de encerramento de uma conferência na Gulbenkian, o primeiro-ministro António Costa, voltando-se para mim, sentado na primeira fila, citou algo que eu tinha dito, minutos antes. E, ao fazer essa menção, começou a dizer “O embaixador Francisco…” e parou. O “Seixas da Costa” demorou uns segundos a sair. Ora dois ou três segundos, num momento como esse, é uma imensidão de tempo! Logo se lembrou, com um sorriso, pedindo desculpa: “Por um instante, tive uma branca!”. 

Como eu o compreendi!

Há mais de três décadas, em Londres, numa passagem pela capital britânica de Fernando Nogueira, uma das figuras mais marcantes do universo social-democrata, ministro da Defesa e número dois do governo, coube-me acompanhá-lo ao aeroporto, onde havíamos reservado, como era da praxe, uma sala na respetiva área VIP, destinada a passageiros ilustres. Lá chegados, e após termos ultrapassado as barreiras de segurança, sempre invocando o nome da embaixada, dirigimo-nos ao balcão de atendimento.

Com o ministro ao meu lado, informei quem eu era, indicando que estava a acompanhar o ministro português da Defesa. A funcionária inquiriu qual era o nome do ministro. 

Foi nesse instante que tive uma "branca" e o nome de Fernando Nogueira se me varreu por completo da memória. Fosse o cansaço ou a noite mal dormida, a verdade é que o nome não me ocorria. O meu embaraço era total. O ministro já olhava para mim, intrigado, e a funcionária aguardava a minha resposta.

- Desculpe! A reserva da assistência foi feita pela embaixada de Portugal, já lhe disse que se trata do ministro da Defesa, por que diabo precisa também do nome?

A senhora mirava-me, surpreendida com a duvidosa racionalidade da minha reação. E o ministro também:

- Por que lhe não diz o meu nome?

Tentando ganhar tempo, avancei então com uma "criativa" justificação, completamente tonta e até pesporrente:

- Senhor ministro: esta gente tem de perceber que deve funcionar com base na informação que é essencial. Imagine que era um nome chinês! Que interesse é que ela tinha em ouvir uns sons estranhos numa língua ainda mais estranha? Basta-lhes a embaixada e o título da pessoa!

O peso deste meu imaginativo argumentário de ocasião estava a começar a esgotar-se. E, na crescente atrapalhação, fui-me inclinando sobre o balcão, tentando ler, ao contrário, a folha que a funcionária tinha diante de si, com todas as reservas dos compartimentos da zona VIP. Por sorte, consegui descortinar a palavra "Portugal" numa das linhas. O nome e o título do ministro vinham a seguir… Então, com grande "autoridade", estendi o indicador e apontei-lhe a linha:

- Look! It's there!

- Mr. "Nóguêra"?

- That's right!

Ao meu lado, o ministro Fernando Nogueira, um homem cordialíssimo e de sereno sorriso, devia estar intimamente a pensar como é bizarra essa espécie profissional que são os diplomatas. 

Nunca tive oportunidade de lhe revelar este episódio. Quando isso acontecer, acho que vai achar graça.

Engenharias

Já terá sido criado, em alguma universidade, o curso de Engenharia Financeira? Se sim, David Neeleman, que comprou a TAP sem gastar um tostão seu, já devia ter recebido um doutoramento “honoris causa”.

terça-feira, fevereiro 07, 2023

Mas deve haver…

Ainda não desisti de encontrar pelas redes sociais com um fulano que ache que o que leva à emigração da geração mais bem preparada de sempre, lá no fundo, se deve aos malefícios da imigração nepalesa. Mas, a acreditar em algumas barbaridades que aqui surgem, um destes dias vai acontecer.

Moedas

É minha impressão ou Carlos Moedas vive demasiado isolado na chefia do município? Fica a ideia, e ele contribui bastante para ela com o discurso personalizado que adota, de que a sua equipa é frágil e que tudo depende dele. Ora a CML é maior do que a maioria dos ministérios!

Lula (2)

O “bate-boca” entre Lula e o Banco Central brasileiro revela a conflitualidade de duas filosofias de política económica que, curiosamente, tinha sido iludida durante os dois primeiros mandatos do presidente. Porquê agora? Porque Lula tem uma grossa fatura de Bolsonaro para pagar.

Lula (1)

Um dos sinais mais evidentes do rápido fim do estado de graça de Lula, no Brasil, é a inflexão de alguma imprensa e de alguns “opinion-makers” que, nos últimos meses, pareciam estar a dar o benefício da dúvida ao re-novo presidente.

Nove teses de fevereiro (9)

Não é ao PS que “compete” criar condições para que o PSD recupere força à direita. Mas, se puder “dar uma mão”, tudo deve fazer para que isso aconteça. É que, no Rato, para além de eventuais tentações, deverá haver clara consciência de que o México é num outro continente…

Nove teses de fevereiro (8)

Começa a criar-se a ideia de que a direita só poderá regressar ao poder com uma agenda condicionada por setores mais radicais. Se assim for, os eleitores moderados e social-democratas, que alternavam entre PS e PSD, tenderão a deixar-se colonizar pelo “situacionismo” socialista.

Nove teses de fevereiro (7)

A atual balcanização da direita é uma péssima notícia para a democracia portuguesa. O atual regime vive da alternância entre dois grandes partidos, com pressão compensatória à esquerda e à direita, mas sem nenhum deles depender demasiado do radicalismo situado ao seu lado.

Nove teses de fevereiro (6)

O PSD vive agora o drama do gaullismo francês: para evitar que a extrema-direita se aproprie das causas dos “enragés”, tenta criar um discurso próprio sobre esses temas, não se dando conta que as suas “nuances” nunca se notarão, na simplificação das mensagens na salada mediática.

Nove teses de fevereiro (5)

O PSD não se dá conta de que, ao manter aberta a porta à possibilidade de fazer governo com o Chega, oferece razões para que muitos continuem a votar Chega. Essas pessoas, se tivessem a certeza de que o Chega nunca entraria no governo, votariam no “next best”, obviamente o PSD.

Nove teses de fevereiro (4)

Montenegro poderia usar o exemplo açoreano e dizer: se o PSD ganhar e o Chega for necessário no apoio parlamentar para afastar o PS, caberá ao Chega decidir se quer salvar os socialistas. E acrescentar: comigo, porém, nunca haverá ministros do Chega. Não diz, porque pode haver…

Nove teses de fevereiro (3)

O discurso do “essa não é uma questão que se ponha agora”, usado por Montenegro para responder à pergunta de uma eventual aliança de governo com o Chega, é uma óbvia falácia: se não estivesse na sua intenção admitir em absoluto o cenário, dizia-o já e arrumava o assunto de vez.

Nove teses de fevereiro (2)

Montenegro sabe que há muitos setores dentro do PSD a quem não repugnará fazer uma coligação de governo com o Chega, disfarçada com gente da IL e de algum CDS que possa vir a emergir eleitoralmente, se essa for a única forma de afastar o PS do poder.

Nove teses de fevereiro (1)

A nova liderança do PSD vai viver, até às legislativas, sob constante pressão para revelar se irá ou não aceitar o Chega como parceiro dentro do mesmo governo, não podendo usar o truque de tentar invocar a Geringonça, porque BE e PCP nunca fizeram parte de nenhum executivo.

segunda-feira, fevereiro 06, 2023

Exames

Não percebo nada de educação e detesto dar bitaites, no género de achismo de conversa de café, sobre assuntos que não conheço em profundidade. Mas tenho um pressentimento de que é correta a decisão de manter exames no termo do ensino secundário, como acaba de ser anunciado.

Deturpação

Nas últimas horas, uma suposta frase do CEO do Santander andou por aí a ser glosada em todos os tons. Decidi ir ouvir e, afinal, o que ele diz tem um sentido completamente diferente do que lhe é atribuído. Para as redes sociais, a verdade é o que der jeito ao preconceito.

Jornalismo com todas as letras


Não conheço o jornalista da CNN Portugal Sérgio Furtado, mas quero deixar aqui expressa a minha admiração pelo trabalho que o tenho visto fazer na Ucrânia, em situações de evidente risco e dificuldade de operação. Um excelente exemplo de profissionalismo.

Temida?

Marta Temido é a nova líder concelhia dos socialistas. Para muitos, isto confirma o rumor de que ela irá ser a candidata do PS à Câmara de Lisboa, concorrendo contra Carlos Moedas, nas próximas eleições autárquicas. No mundo de trocadilhos que por aí anda, não se admirem se os seus camaradas vierem a crismá-la de “A boa Moeda”.

O senhor Catorze


Nos dias de hoje, as pessoas da minha geração andam a fugir por entre as pingas do politicamente correto. Ainda ontem, num jantar em casa de um amigo, fiquei com a sensação de que o grupo, com tantas mulheres como homens, como que esperou por uma ida à cozinha do filho do dono da casa para poder “ajavardar” (eu sei que deveria evitar este verbo…) com uma inocente graçola, de tons sociais interditos pelo ar do tempo. 

Poder ser acusado de homofóbico, racista, sexista ou coisas assim é o pão nosso de cada hora das conversas. Até ao telefone, já se assiste a pessoas reticentes em dizer, perante um amigo que faz uma tragédia de uma simples constipação, um inocente “deixa-te lá de mariquices!”

Por isso, hesitei um pouco antes de dedicar este post à palava “catorze”. Porquê? Porque, ao lembrá-la, me veio à memória uma imagem com bem mais de 60 anos: o Senhor Catorze. 

Era em Bornes de Aguiar, perto das Pedras Salgadas, onde, de Vila Real, íamos, às vezes, passar uns dias, ao tempo em que eu era miúdo, à casa onde tinha nascido o meu avô materno. 

Havia lá pela aldeia um homem que me recordo sempre de ver agarrado a um cajado, mancando fortemente ao andar. Nunca soube se era doença de infância ou o fruto de um acidente mal tratado. Sei é que, quando parava para a conversa, no largo do Cruzeiro, quase sempre encostado a uma parede, uma das pernas fletia em ângulo quase reto e assentava sobre a outra, desenhando uma espécie de 4. Ao lado, o cajado funcionava como um 1. E o homem era assim conhecido pelo “Catorze”… 

Chamava-se Francisco, mas toda a gente se lhe referia como o “Catorze”, ou o Francisco “Catorze”. E, dele, a designação passou à família: sem que a implícita similitude com a corte de Versalhes fosse evidente para a esmagadora maioria da aldeia, o irmão era conhecido como o Luís “Catorze”… 

Claro que ninguém o chamava diretamente dessa forma, salvo em discussões mais acaloradas pelo álcool na venda do Chico, onde o cajado era chamado a defendê-lo do apodo pelo qual, nas suas costas, ele sabia que era designado. 

Eu, que só o via à distância, por muito tempo não soube qual era o seu nome verdadeiro. Sei é que, por respeito à idade ou temor ao cajado, mas cavalgando o abuso sobre a deficiência motora do homem, me referia sempre a ele como o Senhor Catorze.

Por que diabo me fui lembrar hoje o Senhor Catorze? Porque só agora notei que, no passado dia 2 de fevereiro de 2023, este blogue “Duas ou Três Coisas” perfez 14 anos de publicação (foi iniciado em 2 de fevereiro de 2009), sem que em nenhum desses 5.110 dias alguma vez tivesse faltado à chamada. Foram cerca de 11 mil posts que aqui deixei, escritos a partir de 33 países diferentes, que originaram mais de 72 mil comentários, convocando 8,6 milhões de visitas, vindas de 178 países. E por aqui irei andando, “se a tanto me ajudar o engenho e arte” - e a paciência, minha e dos leitores “que tão generosamente me acolhem no seu seio”, como, lá na Várzea de Colares, A. B. Kotter dizia dos portugueses que lhe aturavam as caturrices.

O Senhor Catorze há décadas que deve ter uma cruz em cima da campa, no cemitério de São Martinho, morada derradeira onde estão muitos dos meus. Morreu sem que a internet existisse, sem saber o que era um blogue, sem que lhe passasse pela cabeça o que hoje é o politicamenre correto. Mas se alguém lhe chamasse Catorze, era o bom e o bonito lá por Bornes…

(ps - Ah! E por favor! Não tragam para aqui a discussão sobre se se escreve catorze ou quatorze…)

Copianço


A assistir ao “bombardeamento” americano do balão chinês, tive um “déjà vu”. Afinal, os “yankees” não são mais do que meros seguidores do nosso Presidente da República, que já disse ter como prática regular “picar o balão” para “controlar preventivamente a evolução dos acontecimentos”. Copianço!

domingo, fevereiro 05, 2023

TGAD


“Lembras-te de ali haver o “The Great American Disaster?”, disse eu para o lado.

Estávamos a passar na Elias Garcia, ontem à noite, depois de um pneu do nosso carro me ter obrigado a encostá-lo a um passeio. (A um sábado, porque estas coisas, como é sabido, acontecem sempre aos fins de semana).

Alerta à conversa no banco traseiro, porque não se espia apenas com balões de olhos em bico, o jovem condutor do Uber, pedagógico, esclareceu-nos que, “desde sempre”, o “The Great American Disaster” só existiu no Marquês. Ele recordava-se bem!

Cada vez mais, encontro gente para quem o mundo só existe depois de eles existirem. De esguelha, na noite do carro, olhei-lhe a pinta. Tinha uns vinte e poucos anos. Até era simpático na conversa, mas convencido na sabedoria que não tinha. E para se meter comigo a discutir restauração lisboeta ainda tinha de ganhar algumas diuturnidades.

O TGAD surgiu, em Lisboa, creio que em 1978, isto é, há cerca de 44 anos. Tal como acontecera em Londres, em Fulham, nos “swinging sixties”, o TGAD, com uma localização algo excêntrica na parte norte da Elias Garcia, trazia a Lisboa um modelo novo e jovem de espaço informal para comer o que era vendido como sendo aquilo que se comia na América, isto é, hamburgers e coisas assim. As paredes eram coloridas e, numa delas, ia jurar que havia o mapa que está na imagem. 

(Que me recorde - mas não garanto - outro dos escassos lugares onde, em Lisboa, nesses anos 70, se podia comer hamburguers era o Ivos’s, uma casa com poucas mesas, para onde se entrava por uma pequena escada, na Padre António Vieira, à saida da Artilharia 1. A mesma rua onde, quase ia jurar, surgiu uma das primeiras pizzarias de Lisboa.)

O TGAD da Elias Garcia não deve ter durado muito nesse local e com esse nome. O seu homólogo do Marquês existe desde o início dos anos 80. Substituiu ali o snack-bar do Flórida, histórica sede informal da estimabilíssima “Intervenção Socialista”, equivocamente chamada de “GIS”, com os seus membros, também erradamente, a serem chamados de “ex-MES”, embora nenhum deles alguma vez tenha chegado a pertencer ao MES (afastaram-se na reunião fundacional do Movimento de Esquerda Socialista) - Jorge Sampaio, Nuno Brederode Santos e outras notáveis e algumas já saudosas figuras, quase todos eles meus amigos e companheiros de futuras jornadas políticas conjuntas.

Isto de se ter alguma idade - talvez o triplo da do rapaz do Uber - dá-nos alento às lembranças. E, depois, vai-se à tecla e é como as cerejas…

Ah! Até hoje, nunca consegui saber por que diabo a cadeia de restaurantes “The Great American Disaster” se chama assim. A menos que tivesse sido inspirada em Saigão ou em Cabul…

É isto que penso

Cada vez mais valorizo restaurantes de qualidade com uma “cozinha auto-explicativa”. Casas com uma carta cujos pratos dispensam qualquer recitação oral sobre a sua elaboração, numa exegese muitas vezes pretensiosa sobre produtos e artes culinárias. Se um prato não consegue “falar” por si…

sábado, fevereiro 04, 2023

Já vale tudo, não é?

Nas últimas horas, uma suposta frase do CEO do Santander andou por aí a ser glosada em todos os tons. Decidi ir ouvir e, afinal, o que ele diz tem um sentido completamente diferente do que lhe é atribuído. Para as redes sociais, a verdade é o que der jeito ao preconceito.

sexta-feira, fevereiro 03, 2023

Olhó balão!


O balão espião chinês sobre os EUA foi um ato de uma extrema gravidade. Sendo a América um país ao qual, ao longo da História, nunca alguma vez passou pela cabeça espiar quem quer que fosse, compreende-se que tenham ficado melindrados. Isto não se fazia! Malandros dos chineses…

Luís Moita

Ao aprovar hoje, por unanimidade, um voto de pesar pela morte de Luís Moita, a Assembleia da República honrou-se a si própria. A circunstância de ter sido o próprio presidente do parlamento a propor esse voto confere um simbolismo acrescido a este voto. Santos Silva, no dia da morte de Luís Moita, tinha já dito o essencial: “Luís Moita continuará bem vivo na memória dos que com ele aprenderam a estar no lado certo da história: na luta pela paz, a descolonização, a democracia mais avançada possível, a espiritualidade viva. Antes e depois do 25 de Abril, uma referência cívica e moral de várias gerações".

"A Arte da Guerra"


No "A Arte da Guerra" desta semana, o podcast sobre questões internacionais do Jornal Económico, converso com António Freitas de Sousa sobre o processo de armamento da Ucrânia, a ação externa de Israel e a visita do MNE russo a Angola. Ver aqui

quinta-feira, fevereiro 02, 2023

“Trrim!”


“Não atendas! Deve ser da MEO, da Iberdrola ou da Deco…”. É assim que, cá por casa, dada a experiência dos últimos meses, se reage ao inesperado toque do telefone fixo. Antes, o aparelho tinha uma centralidade dominante na sala. Agora, o pobre anda perdido pelos cantos. “Trrim!”

Dia mundial dos dias mundiais?

É minha impressão ou cada vez há mais “dias mundiais” de qualquer coisa? Ontem era o “dia mundial da leitura em voz alta”. Imaginem! Quem será o génio que inventa estas coisas?

quarta-feira, fevereiro 01, 2023

Saudades do Carteiro

Ontem, na reunião periódica na empresa, onde, nos últimos sete anos, o fui encontrando, com regularidade, não o vi. Estava doente, disseram. Por detrás do olhar de quem o disse, pareceu-me descortinar alguma coisa mais.

Era um homem aproximadamente da minha idade. Especialista na área técnica em que, desde há décadas, colaborava com a empresa, foi essencial para me ajudar a entrar nas minhas novas funções. Caloroso, bem disposto e com um permanente sorriso, retribuí-lhe um dia toda a sua simpatia convidando-o para um almoço, que acabou por ser muito divertido, num restaurante que ele próprio me revelou, "O Carteiro".

Fomos íntimos? Longe disso! Tratávamo-nos pelo nome próprio, trocávamos mensagens, em especial durante a pandemia, que acabou por atingi-lo. Falávamos, às vezes, pelo telefone. Uma vez ligou-me de Moçambique, outras do Alentejo, onde gostava de sossegar a vida. Sempre bem disposto, sempre positivo.

Ontem, ao final da manhã, saí daquela reunião com um mau pressentimento. Mas, disse para mim, eu é que sou um incurável sismático - como o meu pai designava aqueles que ficam a remoer tudo na negativa. 

À noite, chegou-me a notícia. O Carlos Bernardes tinha morrido. O velório foi hoje, o funeral será amanhã.

É assim a vida, é assim a morte.

Um passado demasiado presente

Boris Johnson, com toda a sua retórica e coreografia auto-póstuma no plano internacional, mina a credibilidade do atual primeiro-ministro e está a ser um imenso embaraço para a política externa britânica. Chama-se a isto, muito simplesmente, falta de sentido de Estado.

O nosso amor brasileiro


Naquele final de tarde de 2009, em Paris, na residência em que Calouste Gulbenkian guardou por muitos anos a sua fabulosa coleção de arte, percebi um pouco melhor o que a nossa cultura podia representar para o mundo exterior à língua portuguesa. 

Cleonice Berardinelli, a decana dos estudos portugueses no Brasil, num francês límpido e culto, com uma assertividade e um rigor que desmentiam por completo o que o calendário lhe atribuía como idade, revelou com extremo brilho, para um interessado público francês, a universalidade de Camões. Ela era ali o que do melhor a lusofilia cultural nos podia oferecer.

Eu tinha nascido para Cleonice ao tempo em que fui embaixador luso por terras do Brasil, a partir de 2005. Quem a “apresentou”, ainda antes de a conhecer pessoalmente, foi João Pedro Garcia, diretor internacional da Fundação Calouste Gulbenkian, que me havia chamado a atenção para o trabalho notável que a professora Cleonice Berardinelli vinha a fazer, por décadas, no meio académico e editorial brasileiro, pela literatura portuguesa.

Encontrando-a depois, ouvindo-lhe em muitas ocasiões o discurso solto, pontuado por um inesquecível sorriso, belo e ladino, servido por uma memória prodigiosa e um sentido raro de observação, dei-me conta de estar ali o melhor que Portugal, num discreto e às vezes involuntário proselitismo, podia receber de quem se sentia tributário da riqueza gerada através da língua que nos é comum.

Tive um dia o gosto de ver aprovada pelo Estado português a proposta que fiz para que a Cleonice fosse atribuída a mais alta distinção que, nas “artes e letras”, Portugal lhe poderia conceder: a Grã-Cruz da Ordem Militar de Sant’Iago da Espada. E guardo ainda as palavras com que, no ambiente único do Real Gabinete Português de Leitura, no Rio de Janeiro, em 2006, ela recebeu essas insígnias, reiterando, como se tal fosse necessário, o amor à literatura a que dedicou toda a sua vida.

A sua graça e o seu humor estão bem representados naquilo que disse quando, em 2009, ascendeu a uma vaga aberta entre os 40 “imortais” da Academia Brasileira de Letras: “Mas eu sou quase uma vaga…”

A minha amiga Cleonice Berardinelli - porque tive o privilégio de ser seu amigo - desapareceu agora, aos 106 anos, depois de algum tempo já de afastamento do mundo.

Portugal honra-se em ter podido contar Cleonice Berardinelli entre as suas amizades mais fiéis. Cleonice foi, verdadeiramente, o nosso amor brasileiro.

terça-feira, janeiro 31, 2023

Feito!


Foi na tarde de hoje que o grupo encarregado pelo atual governo de preparar as bases para o novo Conceito Estratégico de Defesa Nacional, para vigorar nos próximos 10 anos (2023/2032), fez entrega do seu relatório à ministra da pasta, professora Helena Carreiras. Noto que, da equipa indicada em 2012, pelo governo de então, para preparar o anterior Conceito (2012/2022), transitaram para este grupo três pessoas: o professor Nuno Severiano Teixeira, que agora presidiu ao grupo, e dra. Leonor Beleza e eu próprio.

Com forte e muito eficaz contributo do Instituto de Defesa Nacional, o grupo trabalhou, ao longo dos últimos meses, num processo de aproximação progressiva de posições, analisando diversos contributos, o que permitiu chegar ao relatório que hoje apresentado. O governo é o destinatário desta nossa contribuição, que será depois sujeita a apresentação e debate parlamentar. Para obviar à especulação típica dos tempos que correm, notaria que este nosso trabalho foi feito sem qualquer retribuição nem o menor encargo financeiro para o Estado.

Brexit - três anos depois


Comentário, esta tarde, na CNN Portugal. Pode ver aqui.

Antes do Brexit


Faz hoje três anos que o Reino Unido abandonou a União Europeia. Muitos balanços se farão, em Londres e pelo mundo, sobre os efeitos dessa drástica decisão britânica.

A maioria das análises concluirá pelo efeito negativo do Brexit sobre a economia britânica e também, de certo modo, sobre a própria União Europeia - embora, com o tempo, comece a criar-se a sensação de que o clube europeu não foi tão afetado como, à partida, se temia.

A figura britânica tida como o principal responsável pela ocorrência do Brexit foi David Cameron, o primeiro-ministro conservador que, curiosamente, terá pretendido, ao ter a iniciativa de convocar um referendo, ancorar, de uma vez por todas, o Reino Unido à União Europeia.

Cameron tinha medido mal o sentimento da população do seu país e, nos meses que antecederam o escrutínio, esforçou-se por obter dos seus parceiros europeus um conjunto de concessões que pudessem vir a funcionar como argumentos para convencer os eleitores da bondade da permanência na União. Portugal foi, naturalmente, um dos países alvo desse lóbi.

Um dia, o então ministro dos Negócios Estrangeiros britânico veio a Portugal, no tempo da transição do PSD para o PS. “Dividir para reinar” é, teoricamente, uma boa divisa para ser seguida por países com monarcas. Os britânicos confiavam que, numa sociedade politicamente tão polarizada como era então a portuguesa, ser-lhes-ia possível introduzirem uma fissura entre os dois maiores partidos políticos portugueses.

Na noite da sua passagem por Lisboa, o governante britânico reuniu, à volta de um jantar na sua embaixada, quatro figuras que tinham tido responsabilidades políticas em governos PS e PSD, duas de cada área política, todas com experiência internacional relevante. Nessa escolha, a embaixada britânica terá partido da assunção de que essas pessoas podiam ter algum papel de aconselhamento das respetivas áreas políticas.

Nenhum dos convivas sabia que os outros iam lá estar, pelo que ninguém tinha combinado rigorosamente nada, nem com o setor político do qual estava mais próximo, nem, em especial, com o outro parceiro da sua área que ali estava sentado. Seguramente que isto havia sido assim pensado.

O ministro britânico elencou então algumas questões que, dias depois, Cameron iria propor aos seus homólogos, uma lista de concessões europeias que, muito em especial, fragilizariam alguns direitos futuros dos cidadãos dos restantes “vinte e sete” no Reino Unido.

Cada uma das pessoas, à volta da mesa, foi depois convidada a pronunciar-se sobre o que ouvira. O espetáculo foi digno de se ver.

Os quatro convidados, sem a menor combinação entre si, cada um a seu modo, explicaram ao chefe da diplomacia britânica a impossibilidade do que ele solicitava vir alguma vez a ser aceite por parte de Portugal. Não dispunham de nenhum mandato para o que afirmavam, mas todos tinham a perfeita consciência de que nunhum governo português, com o mínimo sentido de responsabilidade, aceitaria tais concessões.

O responsável de Londres pareceu ter ficado surpreendido com a sintonia total de posições. Dias depois, o seu primeiro-ministro, em Bruxelas, iria confirmar isso mesmo. E, não tendo convencido os seus eleitores, David Cameron, a partir daí, viria a perder a cadeira onde se sentava, não apenas em Bruxelas mas também em Downing Street.

( Artigo publicado no site da CNN )

Uhf!

Um alerta noticioso esta manhã: Portugal teve um crescimento da sua economia como já não se via desde os anos 80. Pensei: como é que "eles" vão sair disto? Agora chegou outro alerta: o desemprego aumentou. Uhf! Era só o que faltava haver uma notícia positiva sem um "mas"...

Para adormecer


Ontem, dormi com isto sobre a cabeceira da cama. Tentei assobiar a música, mas não consegui.

Não, obrigado

Referendar o direito à eutanásia? Não. Basta corrigir a lei. Ponto.

segunda-feira, janeiro 30, 2023

Erratas

Sei que é muito impopular, em certos meios, ouvir isto, mas eu digo: o Tribunal Constitucional tem toda a razão. Uma lei desta natureza não pode assentar na menor ambiguidade. E a Assembleia da República sabe muito bem o que há que fazer.

Moradas

Um amigo bastante conservador dizia-me há pouco que a sua casa é na rua Salvador Allende. Quando reagi, com um “bem feito!”, ele esclareceu, a rir, que, antes, a rua chamava-se Oliveira Salazar. É em Caxias. Uma terceira pessoa comentou: “Salazar em Caxias! Que imenso sonho!”

domingo, janeiro 29, 2023

A cama comum

Desconfiem sempre de quem passa o tempo a equiparar a extrema-esquerda à extrema-direita. Todos sabemos com quem essas pessoas, no fim do dia, acabarão por se “deitar”. Se tiverem paciência para elas, perguntem-lhes se a extrema-esquerda é racista, xenófoba e homofóbica.

Contrição

A presença do governo e do PS no encontro do Chega foi um imenso erro. Ficaria bem a António Costa, a Ana Catarina Mendes e a Eurico Brilhante Dias, depois daquilo a que se assistiu, o reconhecerem. Nem sempre persistir no tradicional discurso do não arrependimento, clássico no discurso do poder, é a solução.

Fascismo à portuguesa

Este fim de semana foi um tempo de glória televisiva para o mundo que alimenta e se alimenta da azia adjetivada das caixas de comentários, para os enraivecidos que já não se acham representados pelos políticos do sistema, os quais, agora, para tentarem recuperar esses seus votos e chegar ao poder, passarão a ser tentados a dizer coisas basicamente iguais às que se leem nas caixas de comentários.

Títulos

O Luís Paixão Martins deve estar a pensar que deveria ter dado por título ao seu livro “Como perder uma eleição ganha”…

sábado, janeiro 28, 2023

Luís Moita



Em 5 de Outubro de 2022, escrevi por aqui isto:

“Quando revemos aquele fantástico filme da saída dos últimos presos de Caxias, surge por ali a cara sorridente e confiante de um homem alto, com ar determinado, a caminhar para a liberdade por que tanto tinha lutado. É o Luís Moita.

Há muito que, à distância, eu sabia quem era aquela figura que, saída do catolicismo crítico, enveredara, entre outras, pela tarefa difícil, mas essencial, de ajudar à luta anti-colonial na terra do colonizador. A repressão, que bem conhecia a sua determinação, não o poupou.

Imediatamente após Abril, cruzei o Luís em algumas noites agitadas desses dias sem par. Mas, com a minha itinerância, os nossos destinos perderam-se, por algum tempo.

O Luís, com uma admirável coerência e grande dignidade, fez, a partir daí, o percurso cívico que a consciência lhe ditou, ligando-se, sempre com aquele contagiante entusiasmo juvenil que é o seu, a algumas causas que entendeu como nobres e necessárias.

Sempre do lado certo da História, com aquele sorriso bom e o seu modo suave e amável de estar com os outros, o que o torna apreciado e respeitado em insuspeitados quadrantes, o Luís foi fazendo o seu caminho, envolvendo-se em áreas da dinamização da sociedade civil, ao mesmo tempo que ia construindo uma carreira académica de sucesso.

Foi em alguma limitada ligação minha ao mundo universitário, a seu convite, na última década, que me aproximei mais do Luís. E em que desenvolvi com ele a forte relação de amizade que hoje nos une. Tenho, além disso, pelo Luís Moita, uma consideração e uma admiração que dedico a muitas poucas pessoas - e digo isto com grande sinceridade.

Durante anos, eu achava que o Luís “não tinha idade”. A sua vitalidade e capacidade de trabalho projetavam nele um “boyish style” que quase me levou a não acreditar quando, um dia, ele me convidou para a festa dos seus 80 anos.

A saúde pregou, entretanto, algumas partidas recentes ao Luís. O seu quotidiano futuro vai ter algumas limitações, o dia a dia já não vai poder ser aquilo que, até há pouco, foi e em que ele se sentia confortável. A universidade já não poderá contar com aquela sua generosa e proverbial disponibilidade. Mas, como canta o nosso amigo Fausto, “atrás dos tempos vêm tempos e outros tempos hão-de vir”. “

Não vieram. O Luís Moita morreu hoje. Pouco consigo dizer, além de enviar um abraço de muito pesar à Ana e à sua família.

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...