domingo, novembro 20, 2022

Memória diplomática



Desde há algumas horas, podem ser consultadas aqui https://memoriaoraldiplomacia.mne.gov.pt/pt/  entrevistas com diversos protagonistas da nossa diplomacia contemporânea. 

Ainda não tive tempo de ler nenhuma mas, conhecendo a qualidade (e a memória crítica) de alguns dos meus colegas, aposto que vai ser um acontecimento...

sábado, novembro 19, 2022

Qatar


Há precisamente uma década, ocupei, por um ano, o cargo de embaixador junto da Unesco, em Paris. Um dia, procurei o meu colega do Qatar, para uma questão de interesse para Portugal. 

Recordo que era um homem simpático e muito cordial. Quando lhe expressei o que dele pretendia, abriu-se num sorriso: “Para Portugal, tudo! Nasci perto de uma fortaleza portuguesa no Qatar e o nome do teu país faz parte da minha vida”. A apoiou logo a nossa pretensão.

O meu colega qatari referia-se à fortaleza de Al Zubarah, situada a cerca de 30 kms de Doha, a capital do país, criada pelos portugueses no final do século XVI.

Talvez aos nossos compatriotas que agora irão a Qatar, para acompanhar a aventura da nossa seleção de futebol, fizesse bem passarem por Al Zubarah.

(Em tempo: As referências oficiais a Al Zubarah não a identificam como tendo origem portuguesa, pelo que admito ter interpretado mal a informação que me foi dada.)

sexta-feira, novembro 18, 2022

Pelosi

No momento em que Nancy Pelosi sai da liderança democrática da Câmara dos Representantes, é justo prestar tributo a uma senhora que, com coragem democrática, soube afrontar Trump, quando tal era necessário. O deslize da sua visita pomposa a Taiwan, contra o parecer dos responsáveis políticos e militares do seu país, é, em tudo isso, apenas um interlúdio infeliz.

O senhor guarda

A polémica dos polícias radicais levou-me, nos últimos dias, a olhar, com atenção curiosa, para os agentes que encontrei por aí. Constatei que a barba e um ar “negligé” são a aparente nova imagem de marca de muitos deles. Logo veremos no que isto dá.

“Off-side”

Até ao fim da sua vida, quase com 100 anos, o meu pai dizia “off-side”, para significar aquilo a que, no futebol, se chama vulgarmente fora-de-jogo. Ontem, ao ouvir Marcelo Rebelo de Sousa pronunciar-se sobre o Qatar, senti que, por lapso de ligeireza, se colocou “off-side”.

A sombra da farda

Só um sentido extremo de compromisso, e o temor de que alguma coisa de grave possa acontecer, estará a travar os democratas brasileiros de denunciarem, com clareza, a linguagem equívoca que os comandos militares do seu país têm vindo a usar, nos textos rebuscados que editaram e subscreveram, nos últimos dias.

Depois do vexame nacional, para um país democrático, que foi o facto de se terem auto-autorizado a fazer uma sindicância ao sistema eleitoral, as chefias militares alimentam agora uma “jonglerie” semântica que acaba por manter acesa a esperança de golpe por parte dos opositores ao regime democrático. 

Se estivessem verdadeiramente determinados a pôr um ponto final no espetáculo grotesco que se mantem em frente aos seus quarteis, afetando a imagem da democracia brasileira e a seriedade das suas instituições, bastaria aos comandos militares brasileiros recusar, de uma vez por todas, todos os apelos anti-democráticos e o ridículo das alegações de fraude eleitoral, que ninguém substanciou.

Os militares brasileiros permitem-se, além disso, enviar farpas escritas aos detentores do poder judicial, sugerindo-se como uma tutela última do sistema político. No fundo, o objetivo parece ser avisar que pretenderão manter um “droit de regard” sobre o futuro político do país.

A pergunta é legítima: depois das escandalosas colocações de militares numa multiplicidade de lugares públicos, feitas durante o consulado de Bolsonaro, estarão eles a procurar condicionar o poder político que aí virá, com vista a evitar algum natural recuo neste domínio?

Em Brasília, existe a Praça dos Três Poderes, onde três edifícios simbolizam os pilares da República: o parlamento, o palácio presidencial e o judiciário. Na sinistra ditadura militar, com ironia, dizia-se que os “três poderes”, no Brasil, eram, na realidade, o exército, a marinha e a força aérea. Será ainda assim?

A luta justa

As coisas parecem-me simples, no tocante ao envolvimento da juventude na luta climática: devemos estimular e apoiar o seu empenhamento na causa e rejeitar, sem complacências, formas de luta que infrinjam as leis da República, que a juventude deve ser ensinada a respeitar.

A guerra justa

Há um lado muito saudável na polémica que envolve o mundial de futebol no Qatar. Desde logo, a constatação de que o mundo “à parte” que o futebol parecia ser está a acabar. Depois, que a universalidade dos Direitos Humanos é uma “guerra justa” que urge difundir e promover.

quinta-feira, novembro 17, 2022

“A Arte da Guerra”


As “midterm elections” nos EUA, a conversa de Joe Biden com Xi Ji Ping e o estado da guerra na Ucrânia - temas analisados em “A Arte da Guerra”, o podcast para o “Jornal Económico”, uma conversa de meia hora com o jornalista António Freitas de Sousa.

Pode ver aqui: https://www.youtube.com/watch?v=4QCpwpqTMrs

Pátria verde

Ouço, de um empregado, no balcão da Versailles, onde fui por um bolo-rei: “4-0 em Alvalade”. Distraído, faço um imenso sorriso. Depois, caio logo em mim: é um amigável da seleção, contra a Nigéria. O sorriso amarelece. O meu patriotismo, de facto, já não é o que era…

De nada…

Tudo o que soe a Ucrânia, Rússia, Putin, Kremlin enche as montras das livrarias. Aconselho a que, antes de comprarem, consultem uma página ímpar, na abertura do livro, e vejam a data da edição. É que está a ser vendido muito gato por lebre, velho e relho por novidade. De nada…

Romance

Vão sair imensos livros de ficção tendo a Ucrânia como pretexto, do género “O Alfaiate do Panamá” ou “O Livreiro de Cabul”. Informo que iniciei a escrita de um romance que terá por título “A Cerzideira de Zaporizhzhia“. Que ninguém se lembre de copiar!

Metáfora

Não tenho nada a certeza de que a metáfora do "cão atiçado", escolhida pelo novo líder do PCP para qualificar o atual estado de espírito da Rússia, caia bem nos ouvidos da Soeiro Pereira Gomes. E não há uma segunda oportunidade para criar uma primeira impressão.

Coisas

Alguém me consegue explicar este mistério? Saramago é imensamente popular no Brasil e Lobo Antunes é bastante menos lido. Em França, passa-se o contrário.

Bom dia?


Nunca consegui levar a sério quando, nos telefonemas de Bruxelas, alguém me diz “Bom dia!”. Sempre que pergunto, de volta, “mas está mesmo um bom dia por aí?”, a resposta, desalentada e saudosa do sol, é quase sempre “não, está a chover” ou coisas assim…

CNN


Portugal tem a sua CNN. A CNN Internacional tem, nos dias de hoje, esta excelente colaboração portuguesa.

É um pouco isto!

 


Estratégia


O prefácio foi de Adriano Moreira. No lançamento, interveio Marcelo Rebelo de Sousa. A Almedina editou o livro há quatro anos. Relendo-o agora, constato que continua muito útil. 

É isto!

A noite de terça-feira provou, nas redes sociais e em algumas televisões, que há por aí um bando de inconscientes que acham que testar uma guerrazita entre a NATO e Rússia, na lógica do “quanto pior melhor”, é uma coisa que vale a pena.

Sara Mago

Uma história verdadeira, juro! Um dia, numa cerimónia, alguém chamou ao palco “a senhora dona Mia Couto”. Ao lado, uma pessoa comentou: “Ainda vão acabar por chamar a Dona Sara Mago”…

quarta-feira, novembro 16, 2022

Saramago

Hoje é o dia em que muitos portugueses que têm opiniões muito firmes sobre a figura de José Saramago deveriam ter a coragem de começar a lê-lo.

Míssil

 Um míssil no pé.

Livro

Ainda antes de ir jantar, comprei o livro de que, por estas horas, muito se fala. Tem 382 páginas. Li, com atenção, 154 delas. Até agora, poucas novidades relevantes. Vou guardar as alardeadas polémicas para amanhã.

Erro

Ontem à noite, durante uma intervenção na CNN Portugal, ao falar e descrever os procedimentos do Artigo 5° do Tratado de Washington, da NATO, referi, por lapso, que ele nunca tinha sido invocado. 

Tratou-se de uma óbvia distração, a pensar no tempo da Guerra Fria e a esquecer a invocação feita em apoio aos EUA, depois do 11 de setembro de 2001. Acresce que, nessa data, eu era precisamente embaixador em Nova Iorque, não muito longe das Torres Gémeas. E como eu me lembro desses dias! 

Ele há coisas…

Bolas

Sou pouco sensível às narrativas explicativas sobre percurso do meu clube. Já o não sou perante os resultados da única modalidade e categoria que me importa. É injusto eu dizer isto? Talvez.

G7


Atenta a crise mundial, o G7 reuniu ontem de emergência (como faz, aliás, todas as semanas), tendo, sobre a mesa, uma agenda de trabalhos muito substancial. 

terça-feira, novembro 15, 2022

O Reino Unido em 30 minutos.

 


Mike Pence


É uma imensa falta de imaginação, mas o título do livro de Pence vai bem com o seu estilo.

“That’s life!”

Lula: a boleia no jatinho e o preço do vestido da mulher. Benvindo ao mundo de 2022, caro presidente!

Pela esquerda

É minha impressão ou o setor conservador da nossa sociedade começa a ficar temeroso de que a crescente militância da juventude em torno das questões ambientais se transforme num “contágio” de ideias mais radicais, que possa vir a configurar a sua adesão a ideais de esquerda?

Pêcêpê

Gostei da conversa do novo secretário-geral do PCP com o Júlio Magalhães, na CNN Portugal. Sem conseguir libertar-se do vazio “contra a guerra”, do recurso ao “coletivo” e a outras fórmulas obrigatórias lá por casa, mostrou desenvoltura e simpatia. Foi uma boa surpresa.

segunda-feira, novembro 14, 2022

Terra (Porto)


Em frente do sempre excelente “Cafeína”, na rua do Padrão, na Foz do Porto, fica o “Terra”, uma casa do mesmo proprietário - e ele ainda tem outras por ali, de diferente natureza. Ontem, chegado ao Porto, escolhi lá ir, com amigos. (Ainda pensei ir ao “Wish”, ao próprio “Cafeína”, mas optei pelo “Terra”). O “Terra” sem ser, como espaço, deslumbrante, tem uma arquitetura interior bastante agradável, numa curiosa casa tradicional da Foz. No primeiro andar, em cuja varanda (cuidado com o perigoso degrau, à entrada!) tinha almoçado, já há anos, existe uma sala simpática (na imagem). O serviço é atento, profissional, competente, informado. (A música anda por ali demasiado alta, vírus que também parece ter afetado o “Cafeína”, o que é escusado. Ontem, pelos ritmos oferecidos, devem ter deduzido simpaticamente que eu tinha menos 40 anos de idade…). As três pessoas à mesa comemos bem, embora, creio poder deduzir, sem direito a um “uáu!” final. Há um menu de cozinha asiática (como não sou competente, aqui passo, mas dizem-me que tem qualidade), outra assente numa lógica predominantemente portuguesa, embora com apontamentos gustativos menos óbvios, o que é sempre de saudar. Os preços? “Preços ucranianos”, isto é, com o “travo” de inflação que esta guerra está a provocar entre nós, um pouco por toda a parte. Tenciono regressar, em breve, ao “Terra”. Pode haver frase mais simpática para acabar um apontamento sobre um restaurante?

Like it or not

Quantas vezes tenho de dizer aos meus amigos que não vivo para os “likes”? Escrevo apenas para que me leiam, dando uma discreta preferência aos que não gostam daquilo que eu penso e a quem irrita muito tudo o que escrevo. E esses, claro, não “laikam” nada…

Voltamos ao “livro único”?

Ao ver, nas redes sociais, os crescentes e adjetivados ataques, às vezes em linguagem soez, a quem não segue a linha predominante sobre a questão russo-ucraniana, gostava de lembrar que já houve um tempo em que, também por cá, só era possível divulgar uma única opinião. Saudades?

O nosso PC

O PCP não consegue ter a coragem de explicar uma coisa muito simples: a sua postura envergonhada pró-Rússia, com o mantra da “paz” a servir de bengala discursiva, é apenas o modo de deixar transparecer que a sua luta é essencialmente contra aquilo que a América representa e, por essa via, contra quem a ela se alia (União Europeia, por exemplo). Isso acontece por um conjunto variado de razões, mas principalmente pelo facto dos Estados Unidos serem os principais culpados históricos pelo fim da União Soviética, que um dia lhes matou de vez o sonho e os deixou sem real propósito estratégico. Ah! Mas uma coisa necessita de ser dita: o PCP tem todo o direito de ter esta posição. Podia é explicitar, alto e bom som, as suas razões, sem se refugiar numa linguagem equívoca.

Trumpices

O que acabou por se passar nas “midterm elections” americanas foi uma bela lição. O tema do aborto acabou por desfavorecer Trump e o anúncio do seu regresso mobilizou os adversários. E como ainda há alguma justiça, a mediocridade de muitos dos seus candidatos foi-lhe(s) fatal.

Pintar o clima

Sem ser tolhidos pelo politicamente correto, devemos condenar frontalmente certo tipo de ações de vandalismo, feitos como protesto sobre a emergência climática. Mas é muito saudável que as novas gerações encabecem a denúncia da irresponsabilidade oficial a que o mundo chegou.

… que las hay…

Não sou dado a teorias da conspiração, mas lá que este atentado na Turquia dá um imenso jeito a Erdogan, lá isso dá!

Xi coração

Uma das excelentes notícias da “saison” é o encontro Xi- Biden. Por muitas razões.

The Crown

Comecei a ver a nova série “The Crown”, na Netflix. Continuo a pensar o que já pensava das anteriores: ao colar a narrativa a realidades que conhemos, a série induz-nos a criar “ideias” sobre as figuras retratadas, esquecendo que estamos perante uma ficção, não um documentário.

Cristiano, Cristiano!

Que pulsão intravável leva Cristiano Ronaldo a querer marcar esta fase da sua carreira por atitudes polémicas, agora envolvendo um clube que lhe proporcionou o palco para algumas das suas glórias? E logo agora, que estamos à porta de um mundial, no qual devia concentrar-se?

Bom regresso, Henrique!


Por razões pessoais ponderosas, Henrique Antunes Ferreira esteve arredado das redes sociais. durante alguns anos. Avisou ontem os seus amigos de que regressou ao cultivo seu blogue “A Nossa Travessa” (https://anossatravessa.blogspot.com/ ). Desejo ao Henrique um feliz retorno às lides blogueiras, embora deva avisá-lo que, nos últimos anos, os blogues praticamente saíram de moda. Este onde agora escrevo existe quase que apenas por mera teimosia pessoal - ou talvez para ir contra a corrente…

Para saudar o regresso do Henrique, vou contar uma pequena história, na qual ele acaba por ser uma involuntária personagem.

Em Junho de 1997, Dominique Strauss-Kahn assumiu as funções de ministro da Economia e Finanças do novo governo socialista francês. A liderança da França, que vivia os tempos da muito recente coabitação Chirac-Jospin, tentou rediscutir o então quase finalizado "pacto de estabilidade", o conjunto de regras para regular o acesso e garantir o comportamento dos países no seio da nova moeda única, o euro. A França conseguiu retocar o "pacto", que mudou de nome e passou a chamar-se "pacto de estabilidade e crescimento", vom o objetivo, simultaneamente, de lhe conferir um toque mais "social" e de garantir que a nova liderança francesa deixava a sua marca na decisão final sobre o assunto, nem que fosse por via semântica.

Mas a decisão ainda tomou o seu tempo. O primeiro conselho de ministros das Finanças, o "Ecofin", posterior à subida ao poder dos socialistas franceses ficou, assim, rodeado de uma grande curiosidade, em torno do que nele iria dizer o novo ministro que Paris tinha na pasta, Strauss-Kahn.

Como é de regra nestas reuniões, as câmaras de televisão entram, por uns minutos, na sala, antes do início dos trabalhos, para filmarem os responsáveis políticos, conversando entre si ou já sentados nas respetivas delegações (já um dia aqui falei de alguns "truques" dessa coreografia). 

A certo passo da cobertura televisiva dessa reunião do Ecofin - feita, entre outros, pela BBC, Sky e CNN -, as câmaras concentraram-se, com toda a naturalidade, no que era a grande novidade do dia, a entrada na sala de Dominique Strauss-Kahn.

O novo ministro, homem de porte pesado, surgiu, de passo firme, seguido de colaboradores, encaminhando-se para a zona onde se iria sentar a delegação francesa. A meio do percurso, porém, a sua cara espelhou um grande sorriso e viu-se a vedeta política do dia abrir os braços para um abraço de grande intimidade com uma outra figura, de compleição física bastante similar, de cara ornada por uma barba, com quem trocou palavras de manifesta cordialidade, fruto seguro de amizade. Quem essa pessoa? Ninguém sabia o seu nome e o mistério era tanto maior quanto, à partida, estava excluída a hipótese de se tratar de um outro ministro das Finanças dos "Quinze".

Ninguém sabia? Não! Nós, um grupo de portugueses que apreciávamos a cena, numa casa particular, em Bruxelas, sabíamos! Era o Henrique Antunes Ferreira, assessor de imprensa do nosso ministro das Finanças, António Sousa Franco.

Nesse e nos dias seguintes, as televisões universais, à falta de outras imagens sobre o novo homem-forte das Finanças francesas, repetiram à saciedade esse magnífico amplexo, que a todo o mundo pareceu selar o acolhimento europeu ao novo governante francês. E, nessas imagens, lá aparecia sempre o nosso Henrique, para eterna perplexidade do mundo da informação, mas para imenso gáudio dos seus amigos, uma legião heteróclita em cujo seio tenho o gosto de me contar.

O Henrique Antunes Ferreira foi jornalista, editou livros e está hoje reformado. Um dia, ele disse-me das razões da sua intimidade com Strauss-Kahn, mas, confesso, já as esqueci. De uma coisa tenho a certeza: o conhecimento do Henrique com o político francês era exclusivamente do domínio da atividade política deste e, claro!, nada tinha a ver com o lado mais lúbrico que veio a descobrir-se ao antigo diretor-geral do FMI. “Honi soit…”

domingo, novembro 13, 2022

Notícias do cozido


Foi ao almoço de hoje, no “Faz Figura”, com o sol a mostrar-nos dali um Tejo soberbo. O cozido do domingo, que o Jorge Dias sempre me recorda numa semanal SMS, lá estava, magnífico, com este tipo de descrição, num dos vários “mostruários”, a ajudar-me a regular o grau de colesterol que pretendo ingerir. Há coisas muito boas nesta Lisboa! 

Notícias da selva


Um amigo, que já se foi há muito, tinha uma tese: ”O nosso estatuto de cidadãos civilizados é aferido pelo modo como deixamos uma casa de banho, pública ou privada, depois de a utilizarmos. Devemos deixá-la como se toda a gente viesse a saber que fomos nós a última pessoa a utilizá-la, mesmo tendo a certeza do anonimato dessa utilização.”

Aprendi, há tempos, uma fórmula ainda mais sintética: utilize uma casa de banho como se tivesse cometido um crime; não deixe vestígios.

Lembrei-me tanto disto, há pouco, ao recorrer a uma casa de banho do Alfa Pendular…

sábado, novembro 12, 2022

O 11 de Novembro


Ontem, acordei com a data - 11 de novembro - na cabeça. À hora de almoço, “caiu a ficha”, como dizem os brasileiros: era a data da independência de Angola, claro!

Ainda há dias, ao preparar a intervenção que, na terça-feira passada, ia fazer no Centro Brasileiro de Relações Internacionais, no Rio de Janeiro, tinha-me lembrado de que, com argúcia e visão estratégica, o Brasil tinha sido o primeiro país a reconhecer a República Popular de Angola, proclamada nessa noite em Luanda. Portugal, a viver o ano da “brasa” de 1975, a 14 dias de um 25 de Novembro que iria desempatar a sua luta política interna, perdeu tempo a perceber por onde ia a História. E isso iria ter o seu preço.

Ao longo da minha carreira, assisti a várias receções comemorativas da data, promovidas por embaixadores angolanos, em diversos lugares do mundo. Mas a mais memorável dessas ocasiões foi mesmo em Luanda, em 1982, poucos meses depois da minha chegada, exatos sete anos depois da independência de Angola.

Nesse dia de há precisamente 40 anos, o embaixador Silva Marques chamou-me para me informar que teria de representá-lo na receção que o governo de Angola oferecia ao corpo diplomático estrangeiro, ao final da tarde, no Hotel Costa do Sol. Não podendo ser o ministro conselheiro, Fernando Cardoso, por uma qualquer razão, a substituí-lo, competia-me a mim a tarefa.

Eu estava na carreira há pouco tempo, aquele era o meu segundo posto. Angola estava em guerra civil, a Luanda política era uma realidade política que eu procurava conhecer, pelo que a ocasião acabava por ser muito interessante para observar os circuitos diplomáticos e oficiais locais.

Em Luanda, os estrangeiros viviam em bolsas de contactos, quase sempre muito diversas e distantes entre si, as entidades políticas locais refugiavam-se em circuitos pouco acessíveis. Romper essas fronteiras era um processo complicado, pelo que encarei a tarefa com grande curiosidade. E, pela tarde, ainda com uma bela luz, lá fui, no meu vetusto Volkswagen “carocha” preto, com um buraco no chão por onde às vezes entravam baratas, que tinha sido herdado da tropa colonial, guiando pela Corimba e pela Samba, a caminho do Costa do Sol, na estrada costeira para sul.

À chegada, como era de regra, depois de uma inspeção de segurança nada rigorosa para os tempos que se viviam, fomos recebidos pelo Protocolo e encaminhados para o que recordo ser um espaço exterior. Por ali estavam os diplomatas estrangeiros e, presumo, gente do Ministério das Relações Exteriores de Angola. Algumas senhoras davam graça à festa, mas poucas.

Numa Luanda tensa, em conflito, não era de estranhar que os convidados se juntassem em grupos, por afinidades óbvias: europeus e outros “like-minded” a um lado, diplomatas dos países socialistas a falarem entre si, com alguns africanos a dividirem-se. Sendo dos mais jovens dos presentes, conhecendo ainda poucos embaixadores, devo ter acostado a alguns “encarregados de negócios” desemparelhados, suplentes como eu era.

Embora recentemente terminado, depois de anos de obras paradas, o Costa do Sol estava longe de ser o principal hotel da cidade. Acima dele, na hierarquia das unidades hoteleiras de então, estavam os hotéis Presidente, Trópico e Panorama. O edifício não deixava de ter a sua graça, situado num lugar cimeiro sobre o mar, um pouco antes do Futungo de Belas, que era o antigo conjunto turístico então ocupado pelo presidente da República.

Naquele hotel, pouco tempo depois, viriam a ser alojados militares portugueses na reserva, que foram para Angola ao serviço da Coteco, que dava treino técnico ao militares angolanos, empresa que creio ligada ao almirante Rosa Coutinho. Um desses oficiais era um amigo pessoal dos tempos do 25 de Abril, o piloto da Força Aérea, Arlindo Ferreira, que infelizmente já lá vai, há muito. Por razões a que a política da época não era alheia, esses militares, por regra, teimaram sempre em evitar todo e qualquer contacto com a nossa embaixada. A exceção era o Arlindo que, com alguma regularidade, vinha jantar a minha casa, comigo a ir uma vez ou duas ao Costa do Sol, a seu convite. Mas isso só iria acontecer meses mais tarde.

A receção oferecida pelas autoridades angolana no Costa do Sol era de pé, um cocktail tradicional. De início, surgiram canapés e, claro, bebidas. Dizia-se que, mais tarde, ia haver um jantar. O convite anunciava isso.

O dia caiu, rápido, como acontece em África. A certo ponto, já na noite, passada mais de uma hora desde que por ali errávamos, de copo na mão, enfardando alguns escassos croquetes e salgados, vagueando entre conversas, detetou-se uma agitação e correrias de pessoal, prenunciando o óbvio: a chegada das autoridades.

Foi então que vimos um grupo de uma boa dúzia de governantes atravessar, com alguma ligeireza, a zona onde nos encontrávamos, para o que abrimos alas. À frente, vinha o presidente José Eduardo dos Santos, que nos saudou com um sorriso e um gesto de cabeça, sem cumprimentar nem dizer nada a ninguém, como aliás sucedeu com todos os que o acompanhavam. Duas ou três senhoras integravam o séquito.

O grupo dirigiu-se de imediato para uma mesa que estava alinhada num dos lados da receção e abancou. Os seus componentes ficaram sentados ao longo da mesa, mas só de um lado, ficando a olhar para as centenas de pessoas presentes, num modelo “última ceia”. Perante a multidão de gente de pé, eram os únicos sentados.

De imediato, do edifício do hotel, como que por milagre, surgiu um batalhão de empregados, que serviu essas pessoas, que começaram logo a comer. Nós, imagino que algumas escassas centenas de convidados, ali ficámos, a olhar a ceia do senhor presidente e do seu grupo, com os nossos copos na mão, quiçá já vazios, porque ninguém cuidava de nós. Não voltávamos as costas à mesa presidencial, por respeito, pelo que ali ficámos impotentes espetadores do voraz assalto feito às vitualhas pelas autoridades. O nosso apetite, valha a verdade, ia crescendo, na constante visão do grupo oficial bem saciado.

E foi assim que tudo se passou durante mais de meia-hora, durante a qual alguns embaixadores, menos preocupados com as consequência de uma saída “à francesa”, foram abandonando discretamente a cena, a caminho dos seus carros, cansados da deselegância a que eram sujeitos. Os diplomatas mais júniores - e, como é natural, o jovem primeiro-secretário de embaixada representante do poder colonial recém-cessante que eu era - mantiveram-se em jogo.

O ágape das autoridades terminou no momento em que o presidente decidiu levantar-se da mesa, com os seus restantes convivas a seguirem-no. Depois de uns instantes com seguranças em correrias, as autoridades abalaram com a prestreza com que tinham chegado, a caminhos dos Mercedes cheios de luzinhas azuis e vermelhas a brilhar que se viam ao fundo.

Finalmente, nós, afinal os convidados para o evento, íamos ter o nosso prémio, embora em modelo de “terminação”, como na lotaria: o tal batalhão de empregados surgiu com pratos e travessas para servir os resistentes que estoicamente tinham aguentado a sessão, diplomatas e pessoal angolano, unidos pela fome. Mas, claro, não tendo direito a mesas e muito menos a cadeiras, contentámo-nos com uma refeição volante, naquele modelo onde se tenta dar garfadas e partir a comida com uma só mão, segurando o prato com a outra, com o copo, em regra, num equilíbrio instável entre dedos sobejantes, na ausência de uma terceira mão com que a natureza, desatenta às das exigências do protocolo, não nos brindou. Mas teve de ser rápido: o recolher obrigatório já vinha a caminho. 

Foi assim o meu primeiro 11 de Novembro oficial.

Eureka!

Estava agora a olhar para o meu teclado e, finalmente, percebi, por que, quando as raízes nortenhas se impõem, troco os “b” pelos “v”: é que ficam lado a lado…

sexta-feira, novembro 11, 2022

Lula e o mercado


Nem tudo começa bem no Lula “parte 3”: declarações do próximo presidente, afetando a imagem de responsabilidade orçamental do futuro governo, deixaram os mercados inquietos. Há quem pense que é errado deixar que os mercados comandem o jogo. Liz Truss (lembram-se?) pensava assim…

e é assim!

 


Constituição

Como documentos estáticos, as constituições sofrem sempre de alguma “décalage” face à realidade. Se, pontualmente, o articulado constranger algumas questões essenciais, elas devem ser revistas, mas sempre por acordo amplamente maioritário. Se não, estejam quietos! É o caso atual.

quinta-feira, novembro 10, 2022

Desgoverno

Um governo com uma das mais confortáveis maiorias absolutas de sempre, com uma oposição de “trazer por casa”, inventa-(se) casos e casinhos, dá regulares tiros nos pés, mantendo um ruído permanente à sua volta. Seria possível fazer pior? Era, mais devia dar muito trabalho.

quarta-feira, novembro 09, 2022

Num Uber

 Num Uber, no Rio de Janeiro. Perante um trânsito intenso, lembrei-me de perguntar:

- Sabe se ainda há pessoas em frente às instalações militares, aqui no Rio? 

- Sim. E está lá muita gente.

Pausa, e continuou:

- O senhor não viu nada nos “mídia”, não é?

- Não vi nada, mas também não segui o assunto com cuidado.

- Mesmo que procurasse, não encontrava nada. As televisões não passam isso.

- Será mesmo assim? 

- É. No Brasil já ninguém acredita na “mídia”. Só acreditamos nas redes sociais. A verdade só está lá. No país do senhor, lá em Portugal, é também assim, não é?

- Nunca pensei muito nisso, mas, em Portugal, se um canal de televisão escondesse um assunto era um escândalo! Outro canal passava logo a notícia. Não me parece que as redes sociais tragam coisas escondidas pelas televisões ou pelos jornais. Ou, se trazem coisas novas, as televisões “pegam” logo nelas.

- Cá não é assim. O brasileiro já não acredita na “mídia”.

E passou a contar-me, com pormenor, uma “live” que tinha visto na internet, em que um argentino (!) descrevia como metade as urnas eletrónicas mais modernas do Brasil não podiam ser auditadas e permitiam fraudes.

- … é por isso que as pessoas acham que houve fraude e que o Bolsonaro devia ter sido reeleito.

Cansei-me:

- Mas se, por acaso, houve mesmo fraude, como é que pode ter a certeza de que a fraude prejudicou o Bolsonaro? Não pode ter havido fraude para prejudicar o Lula?

Silêncio até ao fim da viagem.

“Entre Amigos”


Quando, em 2018, no Rio de Janeiro, desapareceu o afamado restaurante de origem portuguesa “Antiquarius”, a cidade perdeu um ícone social quase sem par. Criado por Carlos Perico, chegado ao Brasil na vaga pós-25 de Abril, o “Antiquarius” passou a ser um “must” carioca, com a Lisboa que detestava a Revolução - mas não só! - a fazer dali um pouso saudosista. Mas quem gostava de Abril também por lá passava, quando podia. Eu, por exemplo.

Hoje, almocei num dos restaurantes que foram criados por gente saída da boa escola do “Antiquarius”, o “Entre Amigos”. O espaço, no meio de Botafogo, é simples, em termos de decoração. Mas tem duas coisas muito importantes: boa comida e um serviço de excelência, com uma imensa simpatia às mesas. Vivesse eu no Rio e por ali faria uma das minhas cantinas.

Carlos Perico chegou ao Brasil vindo daquela que havia sido a primeira pousada portuguesa, a Pousada de Santa Luzia, em Elvas, que tinha sido criada em 1940. Constatei que o “Entre Amigos” mantinha no “cardápio” o famoso bacalhau dourado da pousada de Elvas. Decidi arriscar e não me arrependi. Posso dizer uma coisa? Raramente tenho encontrado, em Portugal, um bacalhau dourado tão bom.

Travessuras

 


Modesta por fora, gloriosa por dentro, a Travessa de Botafogo (e lá vou eu pagar excesso de bagagem!)




“Escama”


Dela ideia dar o nome de “Escama” a um restaurante de peixe, aqui no Rio de Janeiro, junto ao Jardim Botânico. E fazer acompanhar a refeição com um “Alvarinho” local foi uma combinação bem achada.

Educação a sério!


O que se descobre no semanário salazarista “Agora”, em março de 1961!




terça-feira, novembro 08, 2022

Brasil e Portugal


Foi um belo debate aquele que tive o prazer de manter, esta manhã, no Rio de Janeiro, com o embaixador Rubens Ricupero, uma grande figura da diplomacia brasileira, docente universitário e antigo membro do governo. As nossas intervenções foram comentadas pelo embaixador Marcos Azambuja.

O evento, organizado pelo Cebri - Centro Brasileiro de Relações Internacionais, inseriu-se nas comemorações dos 200 anos da Independência do Brasil. Colaboraram nesta organização a embaixada de Portugal em Brasília e o consulado-Geral de Portugal no Rio de Janeiro.

O embaixador Ricupero desenvolveu uma interessante reflexão sobre a relação entre o tempo da emancipação brasileira e a eclosão da revolução liberal em Portugal. A minha intervenção assentou nos vários olhares portugueses sobre o Brasil, desde a independência do país até aos dias de hoje, na perceção pública e na atitude da elites. A conversa, atravessada por questões do público, evoluiu depois para aspetos relacionados com a situação política atual no Brasil, as eleições intercalares americanas e os desafios da segurança europeia, com o conflito no Leste do continente como pano de fundo.

“La Fiorentina”


A boémia carioca mudou muito, mas o “La Fiorentina” continua a ser um marco histórico, com a praia do Leme ali em frente.

segunda-feira, novembro 07, 2022

“Agora”


Não deve haver muitos leitores deste espaço que se recordem do jornal “Agora”. Foi preciso vir ao Brasil para encontrar uma edição encadernada do melhor que o reacionarismo salazarista sabia produzir. 

Café da manhã


 

domingo, novembro 06, 2022

Falta de respeito


Os passaportes eletrónicos foram criados para evitar filas. Agora, com imensas máquinas avariadas, há filas na zona dos passaportes eletrónicos. Chama-se isto falta de respeito pelos utentes.

"Queixe-se, se quiser", disse-me um fâmulo de t-shirt. E estamos assim...

Ainda o PCP

Acho graça que gente que detesta o PCP, que nunca lhe passou pela cabeça nele votar, se sinta no direito de mandar bitaites sobre quem os comunistas deveriam ter escolhido para líder. A regra, aliás, é muito simples: um partido nunca deve escolher para líder alguém preferido por quem é seu adversário. “Mind your business!”, diria o “Morning Star”, se isso acontecesse aos comunistas da ilha lá de cima.

Confesso…

 


Pecador político me confesso: nunca tinha ouvido falar do nome do novo secretário-geral do PCP. 

Vemo-nos por lá na terça-feira…


 

Jerónimo de Sousa


Acabo de ouvir, na rádio, que Jerónimo de Sousa deixou de ser secretário-geral do PCP.

Daqui a horas, vou estar no Rio de Janeiro. E lembrei-me de que foi precisamente no Rio de Janeiro que conheci pessoalmente Jerónimo de Sousa.

Em 2007, ao tempo em que ali era embaixador, tive a notícia de que Jerónimo de Sousa ia ao Brasil, a convite do Partido Comunista do Brasil (PC do B). 

O comunismo brasileiro teve, entre outras, duas linhas que se confrontaram. A mais histórica, pró-soviética, foi o Partido Comunista Brasileiro (PCB), o "partidão", cujo líder foi o mítico Luiz Carlos Prestes, retratado literariamente por Jorge Amado como o "cavaleiro da esperança". Na ala pró-chinesa, veio a surgir o PC do B. Nas últimas décadas, por razões que creio ligadas à descaraterização política do PCB, o PC do B terá passado a ser o interlocutor brasileiro do Partido Comunista Português. 

Contrariamente ao que da designação e da origem se possa deduzir,  O PC do B, aliado de Lula da Silva, está muito longe de poder ser considerado como um partido radical. Quando estive no Brasil, tinha, como líder, Aldo Rebelo, um homem moderado e dialogante, que chegou a presidente da Câmara de Deputados e que, bastante a contento das chefias militares, chegou a ministro da Defesa de Lula. Curiosamente, Aldo Rebelo veio a ser uma das personalidades políticas brasileiras com quem, nesses anos que estive no Brasil, estabeleci melhores relações pessoais, que, no seu caso, chegaram mesmo a um registo de amizade. É uma figura que, ainda nos dias de hoje, convoca imenso respeito e goza de elevado prestígio no país. Nos dias de hoje, deixou o PC do B e está no PDT, o partido criado por Leonel Brizola.

Voltemos ao princípio do texto. Aquela visita de Jerónimo de Sousa a Brasília coincidia, precisamente, com a comemoração do 10 de junho, que a nossa embaixada organizava. Mandei ligar ao PCP, em Lisboa, e pedi que transmitissem a Jerónimo de Sousa o meu convite para estar presente na comemoração, lado a lado com ministros e outras figuras institucionais brasileiras. Infelizmente, fui informado de que a agenda de Jerónimo de Sousa, que só previa escassas horas em Brasília, era incompatível com uma presença no evento. Tive bastante pena, confesso.

Dois dias depois, eu tinha de deslocar-me ao Rio de Janeiro, para uma cerimónia na Academia Brasileira de Letras. Soube, entretanto, pelos jornais, que, duas horas antes dessa sessão, Jerónimo de Sousa ia proferir uma conferência na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, a convite do PC do B. Sendo-me de todo impossível assistir a toda a conferência, entendi ser meu dever, como embaixador português, ir cumprimentar o líder do PCP, reiterando-lhe que a embaixada estaria à sua plena disposição para o que de dela necessitasse.

Jerónimo de Sousa, como constatei ser seu timbre pessoal, acolheu-me com grande simpatia, agradecendo muito a minha presença, para ele claramente inesperada. Devo dizer que pressenti que ficou surpreendido ao ver o principal representante diplomático português naquele país surgir naquele evento. 

A nossa ordem constitucional funciona hoje com toda a normalidade, mas arrisco afirmar, com boa dose de probabilidade, que se devem contar pelos dedos de uma mão, em quase cinco décadas de democracia, as ocasiões em que um embaixador de Portugal esteve presente num evento público em torno de um líder dos comunistas portugueses. Por mim, achei perfeitamente natural fazê-lo e, como é de regra, informei posteriormente Lisboa do facto. Contudo, a distância física não me permitiu assistir ao provável cerrar de alguns sobrolhos. Foi, porém, como compreenderão, o lado para que dormi melhor...

Jerónimo de Sousa é uma figura importante da nossa história democrática. Constituinte de 1976, é totalista de todas as legislaturas parlamentares. Depois de Álvaro Cunhal e de Carlos Carvalhas, teve um longo consulado à frente do PCP. Sente-se que é uma pessoa respeitada pelos seus adversários democráticos - e só esses é que contam. Foi um dos inspiradores da Geringonça, modelo político que apoiou até ao momento em que entendeu que, na relação custo-benefício, o PCP estava a perder com o “negócio”. 

Tenho grande respeito pessoal e político por Jerónimo de Sousa. À sua maneira, dedicou a vida a defender o que considerou serem os interesses dos portugueses. Tenho a certeza de que António Costa e Marcelo Rebelo de Sousa vão sentir saudades políticas de Jerónimo de Sousa.

sábado, novembro 05, 2022

sexta-feira, novembro 04, 2022

Américas


Creio que, na Europa, não existe uma real consciência sobre o que se passa na vida política americana. Dir-se-á que esse é um problema deles. Os quatro anos de Trump provaram que não é assim. A crispação entre Republicanos e Democratas acarretará consequências para a Europa.

Há hoje duas Américas e as pontes entre elas são muito frágeis. Há relevantes setores do Partido Republicano, com suporte na opinião pública, que continuam a entender que a eleição de Joe Biden foi uma fraude.

Se, como tudo indica, os Republicanos vierem a ganhar as eleições na Câmara dos Representantes, no dia 8 de novembro, há sinais de que poderão iniciar um processo de “impeachment” a Biden, sob um pretexto qualquer, para “vingar” a derrota de 2020.

Embora as possibilidades de afastamento de Biden sejam remotas, o desgaste e fragilização que um processo de “impeachment” provocará terão forte um efeito negativo sobre a sua autoridade política, nos dois anos anos que lhe restam de mandato.

O re-surgimento de Trump, até ao final do ano, como putativo candidato republicano, no caso de uma derrota clara dos democratas nas “midterm elections”, é uma forte possibilidade. Nada indica que, no campo republicano, qualquer outra opção tenha hipóteses.

Na área democrática, a tradição manda que ninguém se oponha a um presidente em busca de reeleição. Mesmo que Biden pareça hoje cada vez mais frágil, e as eleições confirmem isso, só um “landslide” catastrófico poderia abrir caminho a outro nome.

A Europa tem de começar a pensar que um cenário americano de novo com Trump não é implausível. E, por isso, vai ter de fazer pela vida. Será capaz?

Comum, não única

Há por aí uma confusão que os alemães se estão a encarregar de esclarecer. Aquilo que se afirma como “política externa e de segurança” na Europa é aquilo que é “comum”, isto é, com que todos concordam. Não há uma política externa “única”, salvo quando todos concordarem.

Ucrânia

Zelensky afirmou que Ucrânia não irá à reunião do G20 na Indonésia se a Rússia estiver presente. É compreensivel, mas convem notar que a Ucrânia não faz parte do G20 e era apenas um país convidado. “Just for the record”.

Itália no “Clube de Lisboa”

 


Daqui a poucas horas, 30 minutos com o essencial.

“A Arte da Guerra”


“A Arte da Guerra”, cerca de meia hora de conversa semanal, com o jornalista António Freitas de Sousa, sobre temas internacionais, para os meios digitais do “Jornal Económico”, aborda esta semana a eleição presidencial no Brasil, as expectativas nas “midterm elections” nos EUA e as resultantes, em termos de futuro governo, das eleições legislativas que acabam de ter lugar em Israel. Pode ver e ouvir clicando aqui.

Prova fotográfica


Geraldo Alckmin, o nome que Lula foi buscar para vice-presidente, é um homem afável, uma figura serena, com muito bom “trânsito” (a expressão é brasileira) em vários meios sociais e políticos. 

Disputou contra Lula as eleições presidenciais de 2006, com os debates televisivos a processarem-se com elevação, não obstante as picardias próprias desse tipo de ocasiões. Médico de profissão, regressou à vida comum depois de sair dos anteriores cargos políticos, o que muito lhe preservou a imagem. Foi um claro valor acrescentado para a candidatura de Lula.

Aquando dessa eleição de 2006, Alckmin veio a Portugal, numa deslocação pela Europa. E pediu para ser recebido pelo primeiro-ministro José Sócrates. 

Lisboa consultou o embaixador em Brasília: devia o primeiro-ministro português receber, em audiência, o opositor do chefe de Estado brasileiro, um presidente que se estava a destacar por uma imensa atenção para com Portugal. Não seria isso considerado, por Lula, um gesto inamistoso? 

Expliquei que não havia maneira de saber, excluindo eu, em absoluto, a hipótese, que nem sequer foi colocada, de se sondar o gabinete de Lula a esse propósito. Essa teria de ser uma decisão nossa.

Disse "a Lisboa" que o primeiro-ministro português não podia deixar de receber o candidato do partido de Fernando Henrique Cardoso. Alckmin era um democrata que, no termo da eleição, que tudo indicava, aliás, que ia perder, representaria quase metade do eleitorado brasileiro, no qual se inseria uma parte significativa da comunidade portuguesa ou luso-descendente.

Lisboa - “Lisboa” é aqui o símbolo do meu interlocutor de então, pessoa que, confesso, já nem sei quem foi - questionou: “Mas não será desagradável para Lula deparar, nos jornais, com uma fotografia de Sócrates e Alckmin, a cumprimentarem-se com sorrisos, a poucos dias das eleições?”

Tive que concordar que sim, da mesma maneira que também achava inevitável que o encontro tivesse lugar. E, nesse instante, tive uma ideia: “Não deixem entrar fotógrafos”. E assim aconteceu…

quinta-feira, novembro 03, 2022

Onde isto chegou!


Numa rede social cujo nome, de momento, me escapa, acabei de ler isto. É a prova do ambiente de degradação cívica que atualmente se vive no parlamento francês.

Listen…


A república de Listenburgo começa, finalmente, a ter o devido reconhecimento internacional. Depois das manifestações por parte da Sildávia e da Bordúria, espera-se, a todo o momento, uma reação por parte dos pujantes Estados de Khersen e de Zaporizhzhya. (Ver o governo aqui: https://listenbourg.org). A mim, confesso, continua a preocupar-me a difícil gestão da fronteira entre Portugal e Listenburgo, situada perto das Fisgas de Ermelo.

Quem seria?

“Every politician in the world knows who committed sabotage in the Baltic Sea against the Nord Stream and Nord Stream 2 gas pipelines, but everyone hypocritically stays silent” disse o presidente sérvio Aleksandar Vucic.

A Dinamarca e a Suécia, junto de cujas costas passam os gasodutos, fizeram já uma apuração de responsabilidades, mas, estranhamente, recusam-se a divulgar as conclusões a que chegaram. Por que será?

Israel

Em Israel, tiveram lugar as quintas eleições legislativas em pouco mais de três anos. O sistema político israelita exige apenas 3,25% dos votos para que um partido possa estar representado no parlamento, o que faz que haja um imensa fragmentação partidária, obrigando, desde sempre, a governos de coligação. A estabilidade política ressente-se imenso, mas obviamente que não haverá nunca um entendimento maioritário para mudar esse ponto da lei, porque, ao fazê-lo, alguns partidos “suicidar-se-iam”.

Um dia, comentei esta bizarra situação com uma judia americana que vivia em Israel. Achei curiosa a resposta que me deu. Na sua opinião, o sistema israelita acaba por ser muito mais democrático do que o sistema americano. Neste último, uma qualquer causa temática que se procure impor, no seio de um dos dois grandes partidos, tem uma grande dificuldade em ser acolhida, por se perder na amálgama daquelas grandes máquinas. 

Em Israel, há partidos “de causas”, até de micro-causas. Desde que obtenham aquela base mínima, essa causa passa a ter voz no parlamento. Mas, claro, não podia deixar de reconhecer que havia o outro lado da moeda, a instabilidade por esse motivo induzida na governação do país, pelo facto de ter praticamente deixado de haver grandes partidos.

quarta-feira, novembro 02, 2022

“It’s the economy, stupid!”

Jair Bolsonaro re-emergiu nas redes sociais. Num tom sereno que não costuma ser o seu, falou para os manifestantes que saíram às ruas, a apelar à reversão do resultado das urnas, que não fizessem bloqueios nas estradas, os quais provocaram, em três dias, imensos prejuízos, lançando um ambiente de desordem e tensão, fora da legalidade, por todo o pais. Bolsonaro acabou por ser sensato? É bom que as pessoas tenham consciência que, se o presidente cessante tivesse, de imediato, reconhecido a sua derrota, nada disto se teria passado. Fê-lo agora sob pressão dos aliados e dos meios económicos, prejudicados nos seus interesses pelo bloqueio das estradas. 

(Dei a este texto o título de “It’s the economy, stupid!”, mas não tenho a certeza de que algumas pessoas saibam que esta é uma frase que ficou histórica, há precisamente 30 anos, por parte de um assessor de Bill Clinton, James Carville.)

Brasil

Amigos brasileiros mostram a sua surpresa ao terem conhecimento de que as televisões portuguesas estão a dar uma imensa cobertura à situação política no Brasil. Não conseguem perceber porquê, tanto mais que isso nunca aconteceu no passado. Eu sei por que é, mas não lhes digo.

Bolsonaro

Ao não reconhecer explicitamente a derrota, aceitando, contudo, que se inicie o processo de transição institucional, Bolsonaro pretende evitar que os seus apoiantes o vejam “deitar a toalha ao chão”. No fundo, é uma postura “à Trump”, tentando garantir-se como líder futuro da oposição “de direita”. Há, porém, uma sensível diferença, face ao caso americano: na América, o Partido Republicano é só um, no Brasil há uma constelação de formações, parte das quais poderão realinhar-se com o novo poder.

O novo Brasil

A assunção de uma postura de abertura e responsabilidade na sensível questão climática , nomeadamente no tocante à Amazónia, por parte de Lula da Silva, mesmo a montante da sua tomada de posse em 1 de janeiro de 2023, pode garantir-lhe uma visibilidade positiva da maior importância, prenunciando o regresso do Brasil como ator internacional. Mais complexa será a gestão da atitude futura da nova administração face à questão ucraniana.

Coreia

Um desafio estratégico cada vez mais complexo é o comportamento errático da Coreia do Norte, com posturas militares provocatórias, não apenas face ao seu vizinho do sul mas, igualmente, no tocante ao Japão. Torna-se difícil, para os interlocutores, gerir a imprevisibilidade do seu líder, tanto mais que não surge, da sua parte, um corpo coerente de propostas em que possa assentar uma discussão racional.

terça-feira, novembro 01, 2022

À vida…

Quando Getúlio Vargas se suicidou no Catete, deixou escrito, numa frase de compreensível vaidade: “Saio da vida para entrar na História”. Bolsonaro, se alguém o tivesse ensinado, poderia ter dito: “Saio da História e regresso à vida”. É que ele foi, de facto, à vida…

As Forças Amadas do bolsonarismo

 

Re-Obama?

Barack Obama mostra-se tão, mas tão, entusiasmado em empunhar, por estes dias, a bandeira dos democratas americanos que muitos, na América, perguntam-se se uma candidatura presidencial da sua mulher, Michelle, não poderá ainda vir a estar nas contas de 2024. E isto apenas porque, contrariamente ao Brasil, a Constituição americana impede mais de dois mandatos.

Um herói improvável

A democracia brasileira pode ter ficado a dever a sua preservação a um homem de coragem, o juíz Alexandre de Moraes. Daqui a uns anos, assente que seja a poeira levantada por estes tempos desaustinados, os livros de História talvez venham a reconhecer isso.

segunda-feira, outubro 31, 2022

Lula e o traumatismo ucraniano


O mundo ocidental reagiu positivamente à vitória de Lula. Trata-se de alguém reconhecido como nunca tendo posto minimamente em causa a estabilidade democrática, no seu país, nos oito anos em que passou pelo poder. Alguém que, durante esse período, levou à prática, sem a menor turbulência, um corpo de políticas sociais sensatas, que as instituições internacionais reconheceram ir no sentido certo. Alguém que desenvolveu uma ação externa tida como altamente responsável, quer bilateralmente, quer nos quadros regionais ou multilaterais em que se envolveu. 

Muitos, inevitavelmente, continuarão a alimentar para sempre reticências sobre o seu percurso controverso pelos terrenos da justiça: essa é uma sina que não o abandonará, para sempre. O efeito Bolsonaro foi, contudo, tão negativo, tendo tornado de tal modo infrequentável o Brasil por todos estes anos, que o regresso de Lula ao Planalto, através da legitimação pelo voto, como que acaba por absolvê-lo em definitivo, sendo uma notícia a festejar.

Este ambiente vai manter-se? Posso estar enganado, mas não é de excluir, em absoluto, que esta possa ter sido uma alegria breve, em que emergirão “mixed feelings”. Por que é que digo isto? Porque o mundo em que o Brasil de Lula se moveu, entre 2003 e 2011, já não existe, nos seus equilíbrios básicos. O tempo sereno dos BRICS e do IBAS, dos abraços à hora do café do G7, dos consensos fáceis no G20, já lá vai. Hoje, há por aí uma guerra, sedeada na Ucrânia, na qual os EUA, os seus amigos íntimos europeus e outros Estados dependentes estão de um lado e, do outro, está uma Rússia acossada, com grande parte do sul a abster- se de tomar posição. 

Para os EUA, bem como para uma União Europeia que hoje vive sob a sua, uma vez mais óbvia, tutela de segurança, não parece haver espaço para dúvidas: quem não está por nós está contra nós. A Lula, que já emitiu sinais de que o seu Brasil desejaria poder permanecer sobre o muro (nisso não diferindo muito dos sinais emitidos por Bolsonaro), apoiado em alguma ambiguidade, vai ser pedido, seguramente, que desça dessa posição equívoca e que diga, com total clareza, em qual dos dois lados se situa. Posso estar enganado, mas a diplomacia brasileira vai, nos tempos mais próximos, ser sujeita a um traumatismo ucraniano.

Entre bênçãos

Custa-me dizer isto com esta crueza, mas, por muito que entenda que a eleição de Lula foi um facto imensamente positivo para o Brasil, sinto que o afastamento de Bolsonaro foi uma benção ainda maior - para o Brasil e para o mundo.

Brasis

Lula faz muito bem em sublinhar que “não existem dois Brasis”. É que alguma narrativa “sulista”, azeda com a derrota, que se observa em setores preconceituosos do Rio ou S. Paulo, sustenta que este é um presidente “nordestino”.

Números

1,8 % de votos foi a percentagem que separou Lula de Bolsonaro. Foi muito próximo? 

Em 1974, Giscard ganhou a Mitterrand por 1,62%. 

E, já em 1960, Kennedy tinha ganho a Nixon por 0,17%. 

Bizarro, mas são as consequências do sistema, foi, em 2000, Bush filho ter derrotado Gore, embora este tivesse obtido mais 0,5% de votos.

domingo, outubro 30, 2022

… e foi assim!

 


É tudo muito simples


O general Villas Boas foi a figura militar que, na ascensão de Jair Bolsonaro, teve o papel central na mobilização dos “impedidos” castrenses que acolitaram o candidato. Sabia-se, no essencial, o que pensava. Agora, numa implícita assunção da iminência de uma derrota, Villas Boas colocou um texto no Facebook que é auto-explicativo, pelo que recomendo muito a sua leitura.

Estados de alma

Há uns anos, tivemos por cá uma amostra paroquial de um governo que detestava o Estado a dirigir esse mesmo Estado. Era a lógica de "me...