domingo, novembro 06, 2022

Jerónimo de Sousa


Acabo de ouvir, na rádio, que Jerónimo de Sousa deixou de ser secretário-geral do PCP.

Daqui a horas, vou estar no Rio de Janeiro. E lembrei-me de que foi precisamente no Rio de Janeiro que conheci pessoalmente Jerónimo de Sousa.

Em 2007, ao tempo em que ali era embaixador, tive a notícia de que Jerónimo de Sousa ia ao Brasil, a convite do Partido Comunista do Brasil (PC do B). 

O comunismo brasileiro teve, entre outras, duas linhas que se confrontaram. A mais histórica, pró-soviética, foi o Partido Comunista Brasileiro (PCB), o "partidão", cujo líder foi o mítico Luiz Carlos Prestes, retratado literariamente por Jorge Amado como o "cavaleiro da esperança". Na ala pró-chinesa, veio a surgir o PC do B. Nas últimas décadas, por razões que creio ligadas à descaraterização política do PCB, o PC do B terá passado a ser o interlocutor brasileiro do Partido Comunista Português. 

Contrariamente ao que da designação e da origem se possa deduzir,  O PC do B, aliado de Lula da Silva, está muito longe de poder ser considerado como um partido radical. Quando estive no Brasil, tinha, como líder, Aldo Rebelo, um homem moderado e dialogante, que chegou a presidente da Câmara de Deputados e que, bastante a contento das chefias militares, chegou a ministro da Defesa de Lula. Curiosamente, Aldo Rebelo veio a ser uma das personalidades políticas brasileiras com quem, nesses anos que estive no Brasil, estabeleci melhores relações pessoais, que, no seu caso, chegaram mesmo a um registo de amizade. É uma figura que, ainda nos dias de hoje, convoca imenso respeito e goza de elevado prestígio no país. Nos dias de hoje, deixou o PC do B e está no PDT, o partido criado por Leonel Brizola.

Voltemos ao princípio do texto. Aquela visita de Jerónimo de Sousa a Brasília coincidia, precisamente, com a comemoração do 10 de junho, que a nossa embaixada organizava. Mandei ligar ao PCP, em Lisboa, e pedi que transmitissem a Jerónimo de Sousa o meu convite para estar presente na comemoração, lado a lado com ministros e outras figuras institucionais brasileiras. Infelizmente, fui informado de que a agenda de Jerónimo de Sousa, que só previa escassas horas em Brasília, era incompatível com uma presença no evento. Tive bastante pena, confesso.

Dois dias depois, eu tinha de deslocar-me ao Rio de Janeiro, para uma cerimónia na Academia Brasileira de Letras. Soube, entretanto, pelos jornais, que, duas horas antes dessa sessão, Jerónimo de Sousa ia proferir uma conferência na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, a convite do PC do B. Sendo-me de todo impossível assistir a toda a conferência, entendi ser meu dever, como embaixador português, ir cumprimentar o líder do PCP, reiterando-lhe que a embaixada estaria à sua plena disposição para o que de dela necessitasse.

Jerónimo de Sousa, como constatei ser seu timbre pessoal, acolheu-me com grande simpatia, agradecendo muito a minha presença, para ele claramente inesperada. Devo dizer que pressenti que ficou surpreendido ao ver o principal representante diplomático português naquele país surgir naquele evento. 

A nossa ordem constitucional funciona hoje com toda a normalidade, mas arrisco afirmar, com boa dose de probabilidade, que se devem contar pelos dedos de uma mão, em quase cinco décadas de democracia, as ocasiões em que um embaixador de Portugal esteve presente num evento público em torno de um líder dos comunistas portugueses. Por mim, achei perfeitamente natural fazê-lo e, como é de regra, informei posteriormente Lisboa do facto. Contudo, a distância física não me permitiu assistir ao provável cerrar de alguns sobrolhos. Foi, porém, como compreenderão, o lado para que dormi melhor...

Jerónimo de Sousa é uma figura importante da nossa história democrática. Constituinte de 1976, é totalista de todas as legislaturas parlamentares. Depois de Álvaro Cunhal e de Carlos Carvalhas, teve um longo consulado à frente do PCP. Sente-se que é uma pessoa respeitada pelos seus adversários democráticos - e só esses é que contam. Foi um dos inspiradores da Geringonça, modelo político que apoiou até ao momento em que entendeu que, na relação custo-benefício, o PCP estava a perder com o “negócio”. 

Tenho grande respeito pessoal e político por Jerónimo de Sousa. À sua maneira, dedicou a vida a defender o que considerou serem os interesses dos portugueses. Tenho a certeza de que António Costa e Marcelo Rebelo de Sousa vão sentir saudades políticas de Jerónimo de Sousa.

1 comentário:

Francisco de Sousa Rodrigues disse...

Subscrevo na íntegra.

Sai um Kennedy!

Kennedy na equipa de Trump! Ouviram-no durante a campanha? Tudo isto pode vir a ser dramático, mas lá que vai ter piada de observar, lá isso...