sexta-feira, novembro 18, 2022

A sombra da farda

Só um sentido extremo de compromisso, e o temor de que alguma coisa de grave possa acontecer, estará a travar os democratas brasileiros de denunciarem, com clareza, a linguagem equívoca que os comandos militares do seu país têm vindo a usar, nos textos rebuscados que editaram e subscreveram, nos últimos dias.

Depois do vexame nacional, para um país democrático, que foi o facto de se terem auto-autorizado a fazer uma sindicância ao sistema eleitoral, as chefias militares alimentam agora uma “jonglerie” semântica que acaba por manter acesa a esperança de golpe por parte dos opositores ao regime democrático. 

Se estivessem verdadeiramente determinados a pôr um ponto final no espetáculo grotesco que se mantem em frente aos seus quarteis, afetando a imagem da democracia brasileira e a seriedade das suas instituições, bastaria aos comandos militares brasileiros recusar, de uma vez por todas, todos os apelos anti-democráticos e o ridículo das alegações de fraude eleitoral, que ninguém substanciou.

Os militares brasileiros permitem-se, além disso, enviar farpas escritas aos detentores do poder judicial, sugerindo-se como uma tutela última do sistema político. No fundo, o objetivo parece ser avisar que pretenderão manter um “droit de regard” sobre o futuro político do país.

A pergunta é legítima: depois das escandalosas colocações de militares numa multiplicidade de lugares públicos, feitas durante o consulado de Bolsonaro, estarão eles a procurar condicionar o poder político que aí virá, com vista a evitar algum natural recuo neste domínio?

Em Brasília, existe a Praça dos Três Poderes, onde três edifícios simbolizam os pilares da República: o parlamento, o palácio presidencial e o judiciário. Na sinistra ditadura militar, com ironia, dizia-se que os “três poderes”, no Brasil, eram, na realidade, o exército, a marinha e a força aérea. Será ainda assim?

2 comentários:

aguerreiro disse...

Tudo muito certo tudo muito legal e tudo mui democrático. Mas quem tem a força tem que ter força anímica e mental para não a usar, digam o que digam as leis ditas fundamentais. E também tem o direito de as expressar. São eleitores e votantes, mas não lacaios de qualquer política e conduzida por megalómanos e esquizofrénicos, que induzem o populacho com promessas mirabolantes

Nuno Figueiredo disse...

ironia...?

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...