domingo, outubro 23, 2022

Na morte de um cavalheiro


Com 100 anos completados há pouco, desaparece hoje Adriano Moreira. 

O ISCSP editou, há semanas, um belo livro em sua homenagem: “Adriano Moreira - Para Além da Espuma do Tempo”. Nele se inclui o texto “Pedagogo Inquieto”, da autoria de Paulo Martins, para o qual, com outros antigos alunos de Adriano Moreira, prestei um depoimento que ajuda a recortar a sua figura de professor e dirigente universitário.

Há um ano, já havia deixado aqui o meu testemunho sobre aquele que foi meu professor no final dos anos 60 e que, a partir de então, voltei a cruzar bastantes vezes. Tendo-lhe sido chamada a atenção para o meu escrito, Adriano Moreira teve a amabilidade de me telefonar, há cerca de dois meses, a agradecer a nota. Era já uma voz frágil, débil, aquela que me chegou, transportando palavras simpáticas. Depois de desligar, como muitas vezes nos acontece na vida, tive pena de não ter aproveitado para lhe dizer algumas coisas positivas que recolhera das vezes em que o tivera como interlocutor. E, em especial, de um episódio de que, muito provavelmente, ele próprio já nem se recordaria.

Foi em 1972. Adriano Moreira já havia sido afastado de diretor do Instituto que criara, a escola na Junqueira que tinha procurado converter, de centro de formação para quadros coloniais, numa faculdade de ciências sociais. A vingança política de Marcelo Caetano, pela mão de José Hermano Saraiva, tinha sido exercida sobre Adriano Moreira. Saraiva, como ministro da Educação, tambem não lhe tinha perdoado não ter dado asas às suas desmesuradas ambições académicas. 

Por esse tempo, eu vivia uma situação kafkiana, um impasse absoluto no meu curso, com um processo disciplinar às costas, movido pela sanha persecutória do sucessor de Adriano Moreira no cargo. Sem soluções e sem conhecimentos pessoais, atrevi-me a ir procurar Adriano Moreira. Fui vê-lo à Standard Elétrica, onde era administrador. 

Recebeu-me com muita simpatia. Perguntei-lhe se me podia ajudar. Estava bem informado do meu caso, que era público e notório na escola, reconhecia haver uma forte injustiça na questão que me envolvia, mas disse-me que nada podia fazer: a sua influência, no contexto que me importava, era nula. Percebi a sua posição. O que me aconselhava ele que eu fizesse? “Tente fazer a sua vida por outro lado, deixe que o tempo passe. Melhores dias acabarão por vir, vai ver”, disse-me. Isso coincidia com aquilo que pensava fazer. Empreguei-me, passei a estudante voluntário, o processo contra mim caducou, por falta de objeto, fui entretanto para a tropa e, por lá, apanhei o 25 de Abril. Melhor solução não poderia ter havido.

Tenho pena de nunca ter relembrado este episódio a Adriano Moreira.

Deixo agora o meu sincero pesar à família de Adriano Moreira, na pessoa da sua filha, Isabel Moreira.

3 comentários:

Flor disse...

Paz á sua alma.

maitemachado59 disse...

Amen to that

Conheci Adriano Moreira e sinto a sua morte

maitemachado59

Unknown disse...

Fica sempre algo por dizer ou agradecer quando uma pessoa, que estimamos, parte desta vida. Mas acho que a pessoa levou do amigo sempre o essencial e o mais importante, que às vezes não é preciso verbalizar.

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...