Numa intervenção pública que ontem fez, Lula da Silva referiu que uma das três personalidades politicas brasileiras que sempre apreciou, mesmo quando com elas tinha tido conflitos, era Roberto Requião.
Senador e, por três vezes, antigo governador do Estado do Paraná, Roberto Requião está, nos dias de hoje, para surpresa de muita gente, nas fileiras do PT. Concorreu e foi derrotado, no domingo passado, para um quarto mandato como governador do Estado.
Mas nem sempre a sua relação com Lula foi assim foi. Ao tempo em que foi governador do Paraná, e era um militante bastante heterodoxo do então PMDB, Requião afirmava-se como uma figura bastante polémica. Autoritário e com “voz grossa” na vida pública, chegou a demitir em direto, durante uma reunião do governo estadual transmitida pela televisão, um seu governante. As suas relações com o governo central, em Brasília, foram muito difíceis e, de quando em vez, faziam títulos nos jornais os seus frequentes conflitos com os ministros de Lula.
Como embaixador, eu sempre olhei os confrontos entre políticos brasileiros como mero objeto de análise política, feita por um observador exterior. As minhas preocupações centravam-se então, no que ao governo do Paraná dizia respeito, na tentativa de defesa dos nossos interesses. E nesse âmbito, havia um sério problema: o governo de Requião recusava-se a cumprir os termos de um contrato assinado pelo Estado com uma empresa portuguesa. Porquê? Porque esse contrato tinha sido assinado pelo seu antecessor no cargo e ele não concordava com os respetivos termos.
Decidi ir ver Roberto Requião a Curitiba. Surpreendentemente, em lugar de me receber em audiência no palácio do governo, convidou-me para almoçar na sua “chácara”, nos arredores da capital. Levei isso à conta da simpatia que teria pela importante comunidade portuguesa no Paraná, um Estado que tem uma população igual à de Portugal.
Fui ao almoço com a Cônsul de Portugal, Patrícia Gaspar. A conversa, a anteceder o repasto, depois de eu ter sintetizado ao que ia, não começou muito bem. Requião fez uma diatribe sobre a atividade da nossa empresa, insinuando ter havido arranjos financeiros, por debaixo da mesa, aquando da assinatura do polémico contrato. Sem dar para isso a menor prova, claro. Por isso, disse-me, não iria cumprir os termos do contrato.
Nesse caso, e constatando estar esgotada toda a possibilidade de solução negociada, só restava à empresa o recurso aos tribunais, concluí eu.
Requião respondeu-me: “Só aceitarei decisões dos tribunais do Estado, daqui do Paraná. Não confio nos tribunais federais, lá de Brasília. Nunca respeitarei uma decisão que venha deles”. Aí, provoquei-o: “E se os tribunais do Paraná não lhe derem razão? ”. Deu uma gargalhada: “Dão, pode ter a certeza de que dão…”, deixando intuir o óbvio.
Nesse ponto da conversa, agravei o tom: “Nos últimos anos, senhor governador, o Estado português tem estimulado muito o investimento privado no Brasil. Um dos argumentos que temos dado aos empresários portugueses é que o Brasil é um Estado de direito, que aqui há um sistema judicial fiável, que existe uma segurança jurídica que permite investir e, quando há problemas, a lei protege os direitos do investidor. O que o senhor governador me está a dizer agora é que o Paraná se isenta dessa obrigação, que faz uma justiça ao seu jeito. Isso quer dizer - e lamento ter de o constatar - que o Brasil, enquanto entidade internacional de bem, passa a ter, no Paraná, uma espécie de “buraco negro”. Quero dizer-lhe que isto me surpreende muito!”
Roberto Requião olhou-me com um ar furioso. Fisicamente, ele era imenso, ao meu lado. Por um instante, temi o pior. Um ano antes, num confronto do mesmo género com o embaixador espanhol, Requião tê-lo-á ameaçado de prisão!
Decidi não insistir no ponto. Consegui distender a conversa e, um quarto de hora depois, já após a análise de outros assuntos menos contenciosos, convidou-me a ir com ele à sua adega, para escolhermos um bom vinho francês para a nossa refeição. Disse-me que, todos os anos, fazia “expedições” com o filho a França, onde se enchiam de ostras e ele comprava ótimos vinhos.
O almoço acabou por ser simpático, embora com ainda com uma pequena picardia, quando Requião considerou o Vinho do Porto um “melaço imprestável”, o que levou a uma leve indignação da nossa parte.
No tocante ao motivo central do encontro, Requião tinha feito o seu ponto e eu tinha feito o meu. O assunto seguiu para a justiça e, creio, só se resolveu depois da minha saída do Brasil.
Fui do Brasil para França. Nunca me cruzei com Requião em nenhum restaurante de ostras ou numa qualquer cave de vinhos franceses. Gosto pouco de ostras e, na minha casa em Paris, só se bebiam vinhos portugueses. E Vinho do Porto, claro.
5 comentários:
Ainda que um pouco a despropósito mas mesmo assim a propósito dos poucos conhecimentos que há uns bons anos havia no Brasil em matéria de vinhos - facto que tem melhorado mas a que os preços lá não ajudam - venho com uma história já velha.
Um enólogo português de visita lá foi convidado por um produtor local para num jantar muito concorrido provar a sua última criação e dar a sua abalizada opinião sobre o néctar.
Provada a bebida o nosso conterrâneo ficou estarrecido, era algo de intragável para os nossos gostos mas o facto era que umas dezenas de olhos o olhavam ansiosamente à espera do veredicto.
Após um momento de pânico lá se recompôs, teve uma inspiração e disse "Nunca bebi nada igual!" perante a alegria esfusiante do anfitrião e os aplausos dos convivas.
Já tenho usado este truque para nem mentir nem ser corrido a pontapé de provas de vinhos "caseiros" aí pelo país.
De notar que a situação, tanto pela América do Sul como pela costa oeste dos EUA, evoluíu imenso e por essas bandas produzem-se hoje belíssimos vinhos que, por força de políticas de marketing bem conduzidas, têem feito muita sombra aos nossos (demasiada até) por esse mundo fora.
Manuel Campos
o nosso conterrâneo ficou estarrecido, era algo de intragável para os nossos gostos
Tal como o Francisco já aqui nos relatou a propósito de um vinho grego que ele provou, os nossos gostos nem sempre coincidem com os gostos de outros povos. Um vinho que na Grécia é muito apreciado pode deixar um português estarrecido.
Se bem me recordo, eu uma vez provei um vinho italiano de muito boa qualidade (para os italianos) mas que me deixou pessimamente impressionado.
Luís Lavoura
Isto é uma anedota antiga, mais antiga que você, é uma alegoria por assim dizer relativa ao "atraso" em matéria
de apreciação de vinhos que nós atribuíamos aos brasileiros há 50 anos, uma "vingança" das anedotas que eles contavam sobre nós.
Quanto a vinhos é isso mesmo mas não tem necessáriamente a ver com outros povos, mesmo aqui dentro isso é válido entre mim e o vizinho do lado ou entre um alentejano e um beirão, a partir do momento que gostamos de (e nos habituamos a) um determinado vinho.
Bolsonaro, Lula e Putin:
"farinhas do mesmo saco"
A.Vieira
Manuel Campos,
nos Açores é muito apreciado o chamado "vinho morangueiro", que é vinho feito com uvas de casta americana. Eu já consumi durante algum tempo (atualmente a sua venda é proibida pela União Europeia, por motivos protecionistas que ela lá sabe) e até nem me desagradava, mas não duvido que para a maioria dos continentais aquilo seria considerado uma zurrapa intragável. Mas os açorianos preferem-na...
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