terça-feira, outubro 25, 2022

Russos lá por casa


”Vou aí falar com os russos”. Quem me dizia isto, de Lisboa, pelo telefone, era o meu colega António Monteiro.

Eu estava então em Londres, na nossa embaixada, nessa primeira metade dos anos 90. A discreta conversa que ele ia ter com uma delegação russa, vinda expressamente de Moscovo, era sobre Angola, nesse tempo em que Portugal estava a ter um papel central nas tentativas para a paz naquele país, tarefa de que António Monteiro foi o grande obreiro negocial, no caminho para o Acordo de Bicesse.

“Tens de nos arranjar um lugar calmo para a conversa”, disse-me o António. A minha sugestão de que fosse na embaixada não lhe pareceu uma boa ideia. “Pensa numa outra solução!”

O António chegou no dia seguinte. “Então onde é que podemos reunir?” Em minha casa, sugeri, num pequeno almoço de trabalho. 

António Monteiro achou bem. Era preciso avisar os russos: lembro-me de termos ido deixar o meu endereço num hotel num “crescent” onde eles se instalavam, perto de Marble Arch.

Como a minha mulher estava em Portugal, fui eu quem deu as instruções práticas à nossa empregada para preparar as coisas para o pequeno almoço, no dia seguinte. Só que quando lhe disse que, além de três portugueses, ia haver na mesa três russos, foi o bom e o bonito! 

A Adelaide assustou-se: “Vêm russos?” Expliquei-lhe que os russos, ao contrário do que se dizia, não “comiam criancinhas” ao pequeno almoço, pelo que o menu ia ser mais ligeiro. Mas a Adelaide, em face do anúncio da presença dos “vermelhos”, os quais, por essa época, já tinham a sua cor muito desmaiada, mantinha ainda reflexos antigos. 

Na manhã seguinte, sempre desconfiada, lá serviu a reunião. Mas o olhar que deitava aos russos, quando passava o chá, o café ou o sumo de laranja, era digno dos ambientes da Guerra Fria, coisa que ela nem desconfiava que tinha acabado algum tempo antes.

Nos dias que correm, não tenho dúvidas que a boa da Adelaide, uma amiga que ficou em Londres e que nos telefona algumas vezes ao ano, de cujo filho Francisco sou padrinho, deve ser uma fã acrisolada de Zelensky e, lá por casa e para os amigos, deve dizer agora dos russos aquilo que não teve coragem de dizer alto há 30 anos.

5 comentários:

Joaquim de Freitas disse...

Reacção característica dum povo atrasado...A maioria dos portugueses, quando eu andava na escola primária...era assim! Não podia ser doutra maneira, quando a cartilha é rezada todas as manhãs e mesmo durante o dia nas igrejinhas de Portugal.

José disse...

Mais um texto anti-ucraniano associando a simplicidade da "criadagem" à pouca simpatia pela Rússia. Ao contrário, as pessoas sofisticadas, cultas e educadas abrem os braços a esse grande país que tanto fez e faz pela Humanidade (entenda-se por aquela parte da Humanidade que o país maravilhoso não se entretém a matar).

Francisco Seixas da Costa disse...

O José está a delirar. Onde é que a Ucrânia é afetada neste texto?

manuel campos disse...


Também quero comentar este texto.

Cristo morreu, Marx morreu e eu também não me sinto lá muito bem (Anónimo).

Não vem a propósito do texto, que é simples de entender?
Pois não vem, mas eu não quis destoar.



José disse...

"A maior manha do diabo é convencer-nos de que não existe".

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