Andava eu pelo liceu quando o meu tio Luís, que vivia em Lisboa, num Natal, ofereceu ao meu pai, conhecido na família como francófilo, um livro da escritora francesa Françoise Sagan. O livro chamava-se “Aimez-vous Brahms..”
O meu pai agradeceu muito a gentileza do cunhado. Minutos depois, fez uma observação, mais ou menos assim: “É curioso, o título deste livro. Desde logo porque tem dois pontos a seguir às palavras. Ora isso “não existe” em pontuação: ou é um ponto ou são três pontos, as reticências. Mas é ainda mais estranho por outra razão. Se o título quer afirmar, devia ser “Vous aimez” e não “Aimez-vous”. Se tem o “Aimez-vous”, se é uma questão, deveria ter um ponto de interrogação.”
Fixei aquilo e, sempre que, nos anos seguintes, olhava para o livro, lembrava-me do “mistério” do título. Para quem for mais curioso, o “tio Google” explica que, ao longo dos tempos, não foi só o meu pai a ficar intrigado. A história é conhecida e há hoje títulos publicados da mesma obra para todos os gostos. Mas não é essa a questão de hoje.
Ontem, estava a assistir à interpretação de uma obra de Mahler e, de repente, lembrei-me da pergunta: “Você gosta de Mahler?”
Quem colocou essa questão, em meados dos anos 90, dirigida a um candidato ao acesso ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, foi o embaixador Luís Navega, que representava o secretário-geral da casa no júri de um concurso para a seleção de futuros diplomatas.
Tratava-se da prova então chamada “de apresentação”, em que se procurava, em 20 minutos, perceber, de forma algo impressionista, se o candidato tinha conhecimentos culturais mínimos. Gostar de Mahler estava, claramente, fora desse âmbito. Eu, que também integrava esse painel, fiquei banzado com o rigor da questão. Recordo-me de ter trocado olhares com outros membros do júri. Já não sei o que o candidato respondeu. De uma coisa há a certeza: ele não reprovou por causa disso, porque, acabada a prova e fechada a porta, todos os restantes membros do júri manifestaram, em coro, a sua surpresa pela questão de Luís Navega. Tanto mais surpreendente quanto ele era sempre um homem muito sensato.
Como se diz no bilhar, fiquei com aquela de Mahler “à marca”. Minutos depois, na entrevista com o candidato seguinte, puxei a conversa para outro tipo de música e saí-me com esta: “Você gosta de Sérgio Godinho?”. Olhei de viés para o embaixador Navega. Como bom profissional, afivelava um sorriso “giocôndico”, o que era uma resposta ínvia à minha óbvia provocação. Para a pequena história: o candidato gostava muito de Sérgio Godinho. Não faço ideia sobre se entrou para as Necessidades.
3 comentários:
Eu não gosto mesmo nada de Mahler. Acho que o homem exagerava no número de membros da orquestra.
Digamos que exagerava um pouco no número de membros da orquestra e exgerava muito no número de membros do coro,
veja-se o exemplo da Sinfonia nº8 (justamente alcunhada como a "Sinfonia dos Mil", em que houve interpretações com quase 200 instrumentistas e 800 coralistas.
Vergonhosamente e contra o que é o meu hábito não revi o texto de ontem,
para além de ter que alinhar o texto de outra forma quando o escrevo pois
não poucas vezes sai como agora, com uma linha ou outra a escorregar.
Em relação ao Mahler adianto que, se estava a ouvi-lo onde eu penso que
estava, a questão de muita gente no palco não se punha desta vez, bem
pelo contrário.
Enviar um comentário