segunda-feira, outubro 03, 2022

“Fringe talks”


Começou ontem, em Birmingham, terminando na 4ª feira, a conferência anual do Partido Conservador britânico.

A recém-eleita líder “tory”, Liz Truss, vai ter ali uma difícil prova de fogo, imediatamente após ter recuado face a uma medida de extremismo liberal que provocou a revolta nas hostes conservadoras: a brutal redução de impostos para os mais ricos, a ser financiada com endividamento público. Truss já não vai ter uma segunda oportunidade para retificar a má primeira impressão que já deixou.

Vai para trinta anos, quando trabalhava na nossa embaixada em Londres, fui a uma dessas conferências, que teve lugar em Blackpool. O partido tinha saído do longo período de liderança de Margareth Thatcher e o governo era chefiado por John Major, o nome “lackluster” de compromisso encontrado pelos “grandees” do partido para evitar que Michael Heseltine, com credenciais europeístas, chegasse a primeiro-ministro.

Nesse tempo, a conferência anual dos conservadores era um dos poucos momentos em que as estruturas locais, as “constituencies”, tinham oportunidade de se misturar com quem, verdadeiramente, era o dono da condução da máquina partidária: o grupo parlamentar. Embora lhes competisse selecionar os candidatos a deputados, as bases conservadoras estavam então excluídas, por completo, de intervir na escolha do líder, usando a convenção como a rara oportunidade para passar a suas preocupações políticas. Nos dias de hoje, as coisas são um pouco diferentes, e bastante mais democráticas, como recentemente se constatou: os deputados, por eliminação sucessiva de candidatos, chegam a uma “short list” de dois nomes, competindo ao militantes, por voto secreto, escolher um deles para líder. Foi dessa forma que Liz Truss chegou, há semanas, à liderança.

As conferências são uma imensa “feira”, no bom sentido. Há, no plenário  animação, muita cor (com o azul predominante), tendo mais interesse e graça quando o partido está no poder. Algumas “constituencies” e alas ideológicas do partido organizam interessantes debates setoriais temáticos, os “fringe meetings”, de acesso livre, onde se expressam os defensores de linhas que estão longe do “mainstream” dominante no poder central, em Londres.

Lembrando (o que muitos ignoram) que o partido conservador também tem oficialmente no seu nome a palavra “unionista” (promotor da ligação da Irlanda do Norte à Grã-Bretanha), os debates sobre a temática irlandesa eram interessantíssimos, com o reverendo Ian Paisley em destaque, com a sua voz tonitruante. A Europa era, já então, bem diabolizada, com figuras como Bill Cash e outros eurocéticos (a quem Major chamava, em privado, os “bastards”) a darem o tom. Nesses escassos dias em Blackpool, aprendi mais sobre os conservadores britânicos do que em muitas horas de leitura de livros ou jornais. E fiquei fã, não dos conservadores (credo!), mas do acompanhamento possível das suas conferência, mais serenas nos liberais-democratas, mais ideologicamente bizarras, no limite do extremismo heterodoxo, nos antigos trabalhistas.

Nesse ano, nos corredores de um desses "fringe meetings", entre os quais eu saltitava para apanhar os programas mais divertidos, com os oradores mais apelativos, numa troca de apresentações, num grupo de diplomatas, apertei a mão a um desconhecido que me disse:

- Sou o adido militar da Indonésia em Londres. De que país é?

- Sou um diplomata de Portugal. E quero dizer-lhe que acho muito curioso conhecer um militar indonésio. Nem imagina quanto, por estes dias, se fala dos militares indonésios lá pelo meu país...

O massacre de Santa Cruz, levado a cabo pela repressão militar indonésia em Timor, estava na memória recente de todos.

Disse aquilo e fiquei impávido. O homem olhou-me, de esgar vidrado, sem saber como reagir. Outros colegas estrangeiros, rápidos na perceção da situação, ficaram à espera de um qualquer "follow-up". Que não houve, claro. Cada um de nós foi para seu lado.

5 comentários:

João Cabral disse...

Só vejo falar-se dos consevradores, e os trabalhistas onde andam? Que soluções propõem? Como prevêem combater estas medidas? Até parece que Rui Rio se transmutou e foi viver para Inglaterra...

maitemachado59 disse...

Os trabalhistas hoje, com o "leader" que teem andam pelas ruas da amargura.

maitemachado59

Francisco Seixas da Costa disse...

Cara maitemachado59. Com a atual liderança, os trabalhistas têm 33 pontos mais nas sondagens do que os conservadores.

maitemachado59 disse...

Caro embaixador tem razao, ha sondagens que manifestam os 33 pontos. Mas ha outras que nao estao de acordo. Como sabe, as sondagens podem ser manipuladas!E, veja bem, eu sou trabalhista, de cartao e roseta vermelha.

maitemachado59

Anónimo disse...

A má impressão criada pelo Lyz Truss é "apagada" pelo facto de ter reconhecido publicamente (registado em vídeo) que é "uma grande sionista". A estas pessoas, o futuro apresenta-se sempre risonho.

João Miguel Tavares no "Público"