Ninguém suspeitaria, há uns meses, que a eleição de Joacine Katar Moreira para o parlamento português pudesse dar origem a uma controvérsia como aquela que entretanto se gerou em seu torno. Acho, aliás, que a questão da gaguez da deputada foi, neste contexto, um mero fator de diversão para algo mais essencial.
Joacine Katar Moreira é negra, feminista e, com frequência, tem deixado claro que pretende vir a utilizar aquela tribuna para abordar, numa perspetiva radical, algumas temáticas menos consensuais, tal como para fazer uma leitura, muito marcada pela sua experiência pessoal, sobre o fenómeno da exclusão rácica em Portugal, com as decorrências que daí advêm para a revisitação do colonialismo português e das suas sequelas contemporâneas. Recordo, a propósito, como o surgimento de uma bandeira da Guiné-Bissau, na noite da sua eleição, logo provocou uma patética histeria nacionalista e xenófoba, atitude contra a qual, aliás, me insurgi publicamente.
Mas, afinal, perguntar-se-á o leitor, a que propósito vem o título deste artigo? Qual é o “mal” de Joacine? Vou ser muito claro: temo que o radicalismo recorrente do discurso da deputada, a sistemática colagem do sensível tema racial a uma postura confrontacional e divisiva, que por muita gente, mesmo aquela que se considera moderada, pode vir a ser lida como estimuladora de um anti-portuguesismo no seio das comunidades imigradas de outras etnias, acabe por ser um adubo fácil para a doença que é o nacionalismo primário, cuja face política ela encontrará do outro lado do hemiciclo onde se senta.
Ao olhar as redes sociais e alguma imprensa, noto que a postura de Joacine Katar Moreira deu azo à emergência de algum racismo alarve que vivia escondido em certas catacumbas da nossa sociedade, até aqui travado na sua expressão pública por um mínimo de vergonha, o que já era um considerável ganho civilizacional. Vejo, contudo, que alguns iluminados entendem que o “outing” desse primarismo miserável acaba, no fundo, por ser clarificador e separador das águas. A mim, que não me apetece viver num Portugal transformado num “ringue” de tensões sociais e de ódios, de “vendettas” históricas e de ajustes de contas intelectuais com o passado, isso parece-me péssimo.
Joacine Katar Moreira, hoje deputada com toda a legitimidade, tem, é claro, o direito de pensar de forma diferente. Espero, com sinceridade, que, a prazo, não venha a arrepender-se por poder vir a ser a responsável por ter soltado por aí alguns perigosos demónios.