sexta-feira, novembro 08, 2019

Jornalismo de emboscada

Há não muitos anos, fui a uma estação de televisão falar de um determinado assunto de política internacional. Antes de entrar no estúdio, aproximou-se de mim uma jovem que me perguntou se, no final do programa, podia gravar comigo uma pergunta e uma resposta. Dando por adquirido que o tema seria o mesmo, talvez para uma peça de noticiário, anuí.

No final, lá estava ela, de microfone em punho, com um “cameraman” ao lado. O ambiente tinha a redação da cadeia em fundo, para dar ar um ar de informalidade e de “agilidade” informativa. 

Subitamente, sem qualquer pré-aviso, fez-me uma pergunta, em tom provocatório, envolvendo-me numa daquelas intrigas que apaixonam os maluquinhos das teorias da conspiração que, com ar sempre grave e sentencioso, por aí vivem da cultura da indignação das redes sociais e que facilmente encontram quem lhes explore as insídias, numa comunicação social sedenta de escândalo.

Contive-me de dizer à senhora, “injustamente acusada de ser jornalista”, como dela diria Batista-Bastos, o que pensava da sua tentativa de “golpe” filibusteiro. Limitei-me a virar-lhe as costas, tendo pena que, dias depois, não tivesse tido a coragem de pôr essa imagem no programa em que reportou as canalhices.

Lembrei-me desta atitude quando, há dias, vi uma pessoa, que havia sido convidada para ir a uma televisão falar de um determinado assunto, ser quase “assaltada” por perguntas que nada tinham a ver com esse tema específico. A cara dela denunciava o incómodo e a surpresa, por ter sido apanhada num “truque” baixo. Louvei-lhe a contenção.

O jornalismo tem regras claras, mas quem teria obrigação de as lembrar e fazer respeitar seriam os próprios jornalistas. Mas o “corporativismo”, já se sabe, não morreu com o Estado Novo.

11 comentários:

Patrick disse...

Ontem, numa emissora bolsonarista, essa prática foi levada a um novo patamar. A emboscada incluiu uma agressão física ao jornalista - originário dos EUA mas residente no Brasil - Glenn Greenwald.

Anónimo disse...

Se foi o caso Ministro do Ambiente, no telejornal da TVI, a ser entrevistado por Miguel Sousa Tavares, achei muito bem que o MST lhe tivesse colocado aquelas perguntas, que aliás deveriam envergonhar o Ministro Matos Fernandes (que pelos vistos não tem vergonha nenhuma daquilo que ouviu), bem como o Governo em geral. Como é possível que em Portugal e sobretudo num País com um Governo dito progressista, permitir-se a escravatura e situações que MST chamou à colação e aliás são conhecidos das autoridades portuguesas que NADA fazem para acabar com esse calvário e essa inqualificável situação social. O Ministro embatucou, reagiu mal, embora comedido, mas sobretudo nada nos disse sobre como combater, ou o que iria fazer para acabar de vez com aquele tipo de situações que aliás consubstanciam um crime público.
Em minha opinião, um Ministro, PM, etc, embora possa saber sobre aquilo que vai ser qustionado, para estar preparado para responder e esclarecer o grande público, não deve esquivar-se a responder a outros assunto, sobretudo, como aqueles que MST colocou a matos Fernandes, que são de uma extrema gravidade e só deveriam envergonhar o Ministro, o Governo e o Páis por tabela.
a)Jorge Albuquerque

Anónimo disse...

Vi uma dessas situações num "assalto" de Felgueiras a João Galamba...

David Caldeira

Arber disse...

Vi essa vergonha da "entrevista"(?) ao Ministro do Ambiente, que foi massacrado com perguntas a que nem sequer podia responder, porque os "entrevistadores"(?) não deixavam.
Vergonha para Miguel Sousa Tavares e Pedro Pinto.

Anónimo disse...

Suponho não se estar a falar do jornalismo altamente agressivo tipo "Hard talk" , um programa interessantíssimo da BBC, mas violento para os entrevistados que se não estiverem preparados ....

João Vieira

Francisco Seixas da Costa disse...

João Vieira. Não confunda o “Hard Talk” com um simples noticiário

João Cabral disse...

Não confunda as coisas, senhor embaixador. Um detentor de um cargo público tem a obrigação de responder a qualquer pergunta ou tema, previamente acordado ou não, sobre a actividade que executa nesse âmbito. Mal habituados estão os servidores públicos portugueses no que diz respeito ao escrutínio, à prestação de contas e à divulgação pública daquilo que o deve ser.

Anónimo disse...

Voltámos ao tempo do "A senhora não pode sair detrás de um automóvel a fazer-me perguntas!" ?

Anónimo disse...

Em breve o jornalismo de alçapão ?!

AV disse...

O corporativismo é um dos maiores obstáculos para Portugal viver uma democracia plena. Isso e o ideal que tem sobre a normalidade.

Anónimo disse...

Não entendi. É suposto haver um guião previamente combinado com o entrevistado? Estamos mal habituados. É que a tradição portuguesa sempre foi o dos jornalistas pé de microfone. Sim, o entrevistador deve ser um embaraçado para o entrevistado. É assim que se faz. Ninguém fez ao ministro perguntas sobre a sua vida pessoal, mas sobre politica pura e dura. Temos ainda muito a aprender com jornalismo inglês, por exemplo.

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...