terça-feira, novembro 19, 2019

José Mário Branco


Não deviam faltar muitos anos para o 25 de abril. No programa “Página Um”, da Rádio Renascença, ouvi um dia José Manuel Nunes apresentar o primeiro trabalho editado por um compositor e cantor português, que não estava presente no estúdio e de quem eu nunca tinha ouvido falar. 

Tratava-se do primeiro disco de José Mário Branco. Foi então referido, com toda a naturalidade, que o autor não podia estar ali em estúdio, pelo facto de viver no estrangeiro. O verdadeiro motivo foi discretamente iludido: ele estava exilado em Paris.

Lembro-me, como se fosse hoje, da interessante peça instrumental “Gare de Austerlitz”, com que o disco abria: era um som ambiente, com ruídos de multidão e de comboios, que depois se iam enchendo progressivamente de música. Austerlitz era o nome da estação onde, em Paris, desembarcavam todos os portugueses que iam em busca de uma nova vida. Ou da liberdade.

Desde esse dia e até hoje, segui com algum cuidado o percurso de José Mário Branco, do trabalho que fez no exílio com Sérgio Godinho até às belas derivas que, como compositor, com Manuela de Freitas como letrista, empreendeu pela área do fado, de que Camané acabaria por ser um grande beneficiário. Pelo meio, nos anos 80, tivemos direito ao chocante “FMI”, um disco que me recordo de ter levado comigo para Angola e de ter ali o ouvido com amigos, em “alto berros”, que era como aquela peça de indignação radical merecia ser escutada.

Ao vivo, creio só ter visto José Mário Branco uma única vez, num espetáculo no CCB, já há muitos anos. Sempre o achei muito melhor compositor do que intérprete, embora ele soubesse tirar bom partido melódico daquela sua voz rouca e grave.

José Mário Branco morreu. Era de uma geração, a que também pertenço, que está agora de saída, embora com legítimo orgulho do legado que deixa.

Recordo-o aqui com uma canção divertida, de ritmo de marcha alegre, ancorada na geografia de Lisboa, que diz bastante mais do que aquilo que parece dizer: “ “Qual é a tua, ó meu?”. 

O clássico chunga “Tira a mão da popeline!”, que surge dito a meio da música, ficou ali consagrado para sempre.

18 comentários:

Anónimo disse...

Pensamento: no tempo da ditadura os nossos artistas e os nossos políticos "exilavam-se" e ninguém lhes contesta o estatuto. Ninguém lhes chama cobardes por não terem ficado a lutar em Portugal e terem acabado na prisão orgulhosamente mártires. Curiosamente, as mesmas pessoas que enaltecem os exilados do Estado Novo chamam "fugitivos" e "cobardes" aos catalães independentistas que se refugiaram em vários países europeus para não serem presos em Espanha. Há aqui qualquer coisa esquisita...

Luís Lavoura disse...

Um homem do Porto, um homem livre.

Luís Lavoura disse...

Anónimo

as mesmas pessoas que enaltecem os exilados do Estado Novo chamam "fugitivos" e "cobardes" aos catalães independentistas que se refugiaram em vários países europeus para não serem presos em Espanha

A que pessoas, concretamente, se refere? Dê exemplos por favor.

Anónimo disse...

Uma bonita homenagem ao Zé Mário. Também, na minha geração, o ouvi tantas vezes. Sobretudo naqueles anos que seguiriam ao 25 de Abril. Os da nossa geração irão recordá-lo com saudade.
A propósito do Zé Mário, ainda hoje me custa a ausência do Zeca Afonso!

Laura Ferreira disse...

Um Homem Grande.

António Barata disse...

Caro Embaixador, embora não seja relevante, o espectáculo a que se refere foi no Campo Pequeno, chamava-se "três cantos" e foi em 2009 (já lá vão 10 anos). Estava, e ainda estou, a trabalhar em Luanda e alterei uma ida a casa para poder assistir a este grande espectáculo de 3 enormes artistas.

Anónimo disse...

Um bom compositor mas um homem do PREC, de uma época que já não volta mais...

aamgvieira disse...

Paz à sua alma.

Cantor do PREC.

Era contra o 25 de Novembro de 75, data que permitiu o fim do PREC, mesmo mantendo o PCP, o preço a "pagar" pela garantia dada a Cunhal por Melo Antunes....

Anónimo disse...

Ó Luís Lavoura, você, agora, é inquisidor? Quer nomes de quem? Do Zé, do Manel, da Ticha e da Penicha? Quer um rol de comentários no Facebook? Quer um elenco de comentadores televisivos? Você quer o quê, exatamente?

Não lhe chega a constatação óbvia feita aqui por alguém? Você não tem ouvidos? Não vive na mesma sociedade que nós? Não anda "por aí"? Quer... "nomes"?

Francisco Seixas da Costa disse...

Escrevi aqui, há horas, que vi JMB num espetáculo no CCB, com Fausto e Sérgio Godinho. Equivoquei-me. Vi JMB, de facto, num espetáculo no CCB, mas sozinho. Tenho é o disco de um espetáculo com os outros dois artistas, mas que não vi. Agradeço a correção a António Barata.

Anónimo disse...

Eu sempre disse que a minha vinda a salto para França tinha sido para fugir á tropa e não ir parar a Angola. Afinal sou refugiado politico. Um destes dias vou ser condecorado.

Francisco Seixas da Costa disse...

O anónimo das 01:22 canta? Ficámos a saber

Luís Lavoura disse...

Anónimo, sim, quero os nomes das pessoas que fizeram aquilo que você diz que fizeram.
Por uma razão muito simples: quero saber se essas pessoas existem mesmo, ou se foi você (um anónimo) que as imaginou, ou se essas pessoas não passam de personagens inventadas nas redes sociais.

Anónimo disse...

Luís Lavoura, você não quer nada. A ignorância é muito triste. Nunca lhe contaram acerca dos milhares de mancebos, que nos anos sessenta do seculo passado emigraram, das mais diversas formas legais e ilegais, para não irem para a guerra colonial?

Luís Lavoura disse...

Anónimo, claro que sei disso. Na terra do meu pai havia um homem, já de meia idade quando o conheci, que falava permanentemente com voz rouca, quase inaudível; a minha mãe contou-me que, para fugir à guerra colonial, ele se tinha enfiado uma noite inteira nos arrozais, com água fria até ao pescoço, na véspera de ir à inspeção militar - ficou de tal forma doente que, não só se salvou da tropa, como nunca mais recuperou a voz.

Anónimo disse...

O Lavoura, por vezes, padece de excesso de energia comentadora. Talvez ganhasse (e nós, também), em descansar um pouco.

Anónimo disse...


"19 de novembro de 2019 às 13:16"

"as mesmas pessoas..."

As mesmas pessoas? A sério?

Anónimo disse...

Quando surgiu o FMI, trabalhava numa instituição pública. Uma colega, decidiu convocar a equipa completa para ouvirmos uma cantiguinha. A equipa era um arco-iris - havia colegas desde a extrema direita assumida (um até usava um chapéu idêntico ao Salazar), da direita envergonhada, e esquerda .. recordo-me que 3 colegas, incluindo a Chefe de Divisão, ouviram e calaram estoicamente, olhos no chão... no final até acharam divertido!

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...