Todos nos damos conta de que algumas coisas, que outros tempos admitiam como naturais, passaram a ser vistas, nos dias que correm, como ofensivas a novos padrões - hesitei em escrever valores, porque isso é mais discutível - que entretanto se ergueram e ganharam terreno, passando frequentemente a dominantes.
Vemos isso em múltiplos aspetos da nossa vida, das relações pessoais à relutância na exposição pública de certas realidades, tidas como ofensivas por alguns. Atitudes e práticas que eram correntes passaram a ser desaconselhadas ou mesmo banidas.
Em termos de evolução dos padrões geracionais, houve manifestamente um salto muito rápido no tempo, diferente das ruturas ocorridas no passado e, não por acaso, algumas dessas mudanças continuam a defrontar-se com alguma resistência. Setores das novas gerações absorvem as alterações comportamentais com maior facilidade, em alguns casos mesmo com adesão entusiástica, enquanto que pessoas mais velhas tendem resistir-lhes. Isto prende-se, em especial, com o tema da cultura que o mundo conservador qualifica como "woke", que está hoje no centro de um fortíssimo debate à escala global.
Na sábado passado, por mero acaso, cruzei-me num restaurante com o meu amigo Pedro Correia, que recentemente escreveu "Tudo é tabu - cem casos de novas censuras". O livro, muito bem escrito e muito polémico, é sobre isso mesmo. No texto, o autor sublinha o que entende serem os exageros desta onda avassaladora de pressão para a adoção de novas atitudes. Estou a lê-lo aos poucos. Há coisas com que estou de acordo, outras bastante menos. Mas recomendo francamente a leitura.
Curiosamente, eu tinha levado para esse meu almoço solitário, na "Imperial de Campo de Ourique", onde ia pelo bacalhau à minhota da dona Adelaide, um pequeno e bem antigo livro de um autor hoje quase maldito. Tinha-o descoberto há cerca de um ano num alfarrabista. O autor chama-se Taki e para os que costumam ler, com regularidade, a revista conservadora britânica "The Spectator", foi um velho conhecido, com a sua coluna "High Life".
Escrevi "foi" porque, desde o ano passado, ele interrompeu por ali a sua colaboração de décadas. De que nos falava Taki? Em síntese, da vida dos muito ricos, dos "parties", dos jantares requintados, das estadas nas estâncias de turismo de neve na Suíça, dos veleiros dos magnates amigos, dos restaurantes, hotéis e vinhos mais caros, dos automóveis e viagens de hiper-luxo e de outras coisas assim. Ele próprio milionário, Taki abordava esses temas com uma sobranceria elitista tão radical, quase obscena na sua insuportável arrogância, que a coluna acabava por ganhar a sua graça, como exercício de estilo, em especial pela imensa qualidade que imprimia à sua escrita.
Taki conhecia, e conhece, o "who's who" desse seu mundo e era temido por esse "social set" exclusivo em que se movimentava. De origem grega e americana, é um reacionário à antiga, e que não só nunca pediu desculpa por sê-lo como exagera deliberadamente, para chocar, no seu conservadorismo extremo. As desigualdades do mundo preocupavam-no muito pouco, os privilégios e a necessidade filosófica da sua preservação eram, para ele, um "fact of life". As suas crónicas, algumas vezes, passaram dos limites que o próprio "The Spectator" consentia. Taki, que em tempos chegou a estar preso e que se meteu em trapalhadas várias, saiu entretanto da revista britânica e, ao que parece, escreve hoje em publicações americanas de extrema-direita.
Mas que graça pode ter ler um tipo tão fora do tempo como Taki?, estarão a perguntar-se alguns. Vou repetir o que já por aqui escrevi por diversas vezes: gosto imenso de ler aquilo com que, à partida, sei que não vou concordar, desde que isso me divirta, pela qualidade da escrita ou pela bizarria do estilo. Para pensar como eu, basto eu.
(Fotografei um extrato do livro de Taki, onde a extrema sobranceria snob se soma a uma condescendência que roça a misogenia. Mas digam lá se o estilo não tem graça!)