segunda-feira, julho 07, 2025

A (não) fazer


Ontem, a meio da tarde, tive uma sensação estranha: ou era eu quem me estava a esquecer de alguma coisa ou, de facto, não tinha rigorosamente nenhum compromisso de escrita pendente. Era a primeira vez, desde há bastante tempo, que tinha essa sensação.

Passo a explicar. Na minha vida na última dúzia de anos, houve sempre textos que me tinha comprometido a escrever: artigos, intervenções, pareceres profissionais, palestras, prefácios ou coisas similares. Sempre que me libertava de algo que tinha acabado de completar, consultava uma temível e sempre mutante lista que trago no telemóvel, que tem por título imperativo "A fazer", em cujo topo estão os textos que tenho de escrever.

(Esclareço que tenho também no telemóvel listas bem mais agradáveis, como "Restaurantes a visitar", "Livros a considerar comprar" e "Ideias para fins de semana e férias"). 

Contudo, na tal lista de coisas "A fazer", lá estavam sempre: uma aula a preparar, um texto para um livro que prometera ("Escreva quando lhe der mais jeito! Não tem a menor pressa!"), uma croniqueta que ficara de enviar para uma publicação e outras coisas assim. Quem me manda a mim aceitar essas coisas?!

Durante anos, em especial quando mantinha colunas regulares em jornais, tornou-se quase angustiante, Depois, quando decidi acabar com esse tormento datado, sentava-me algumas vezes num sofá e exultava intimamente: "Magnífico! Até ver, não tenho mais nada que me tenha comprometido a escrever". Para, logo no segundo seguinte, sentir que tinha alguma coisa que estava, "on the back of my mind", a atazanar-me o pretendido sossego. E ia ao "A fazer". E, claro!, ainda faltava "aquele" texto!

Ontem, vi e revi a temível lista e concluí, com uma genuína embora efémera felicidade: "Não tenho nenhum compromisso pendente, em matéria de escrita". Desde há muito, é esta, verdadeiramente, a primeira vez que isto me acontece. Vou para férias de verão liberto de qualquer preocupação desse género. Mas outras tenho, claro, porque a vida não brinca em serviço.

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A (não) fazer

Ontem, a meio da tarde, tive uma sensação estranha: ou era eu quem me estava a esquecer de alguma coisa ou, de facto, não tinha rigorosament...