domingo, julho 20, 2025

Tremores e temores


Um dia, há mais de 30 anos, cruzei-me num corredor da OCDE, em Paris, com um diplomata islandês com quem, em outras reuniões, tinha estabelecido uma boa relação. Não guardei o seu nome, mas tenho ideia de ser uma das figuras mais prestigiadas da diplomacia do seu país. Era embaixador em Paris e fora secretário-geral do seu ministério dos Estrangeiros - lugar de topo da respetiva carreira diplomática. Com uma estrutura pequena em termos de relações externas, a Islândia apostava em profissionais muito qualificados. Esse era claramente um dos casos.

Na conversa, o homem inquiriu: "Então o meu amigo recusou o convite que eu lhe tinha feito para ir a Reikjavik, para consultas sobre temas europeus?! Lembra-se que, há uns meses, em Estrasburgo, à margem de uma reunião do Conselho da Europa, tinha acedido a ir?" Lembrava-me do convite, mas não recordava ter recusado. Ao que parece, haveria uma carta do meu gabinete nesse sentido.

Chegado a Lisboa, fui ver o que se tinha passado. Lá estava a cópia da carta e a minha resposta negativa, através de uma comunicação do meu chefe de gabinete. 

O Miguel Almeida e Sousa, um excelente diplomata que tinha servido no gabinete de Cavaco Silva e que, para surpresa (e até escândalo) de muita gente, convidei para meu chefe de gabinete no primeiro governo de António Guterres, explicou: "A sua agenda estava muito cheia, a Islândia é longe, implica perder quase quatro dias e havia outras coisas prioritárias. Disse-lhes que, para o ano, pensaríamos na viagem". 

A justificação tinha alguma lógica, porque, de facto, a minha vida, em termos de compromissos externos, era, por esse tempo, muitíssimo complicada. E o Miguel, que muitas vezes me acompanhava nas viagens, tinha essa cuidada gestão a seu cargo. E eu dava-lhe imensa liberdade para decidir. 

Mas um ligeiro sorriso na sua cara fez-me pressentir que haveria por ali algo mais. "Foi só por isso que recusou a viagem?" A cara do Miguel abriu-se: "Foi também pelos tremores de terra! Parece que aquilo treme a toda a hora. E os vulcões estão sempre a rebentar!". Vim a constatar, nesse instante, que ele era um "empanicado" com esse tipo de eventos naturais e que, por tabela, me tinha querido "proteger". E acabei por nunca ir à Islândia como secretário de Estado.

Fui lá esta semana, agora como turista. Não senti nenhum tremor de terra mas, de facto, vi ao longe este vulcão em atividade (a fotografia não é minha). Coisa que, creio, o Miguel nunca viu em parte alguma. E imagino que não deva ter pena.

Sem comentários:

Tremores e temores

Um dia, há mais de 30 anos, cruzei-me num corredor da OCDE, em Paris, com um diplomata islandês com quem, em outras reuniões, tinha estabele...