sábado, março 28, 2020

Miranda Calha


Com pouco mais de 72 anos, morreu Júlio Miranda Calha. 

Constituinte em 1975, foi deputado até 2019. Foi vice-presidente da Assembleia da República e, durante muitos anos, foi uma das figuras proeminentes do Partido Socialista no distrito de Portalegre. Era um reputado especialista em questões de Defesa, área em que teve responsabilidades de governo.

Os meus sentimentos à sua família.

Uma crise com barbas


Não, a crise não acabou. Quem dera que cheguemos, em breve, àquele momento em que possamos dizer: “Esta crise já tem barbas!”. Infelizmente, ainda não chegámos lá.

Estou a referir-me às “barbas da crise”, àquelas pilosidades que alguns, por comodismo, deixam crescer pelo rosto, nestes dias de confinamento caseiro. 

Uns vão descobrir que lhes dá charme, até arriscam um toque “hipster”, para armar ao novo, embora conseguir isso sem mão profissional seja complicado. 

Outros, quando perceberem que afinal a barba nasce branca, que ficam com ar de avô da Heidi, vão repensar a ideia. É que, no regresso ao trabalho, na ritual troca malandra de olhares com a dra. Sandra, a ruiva com sardas do “contencioso”, que já prometia alguma coisa, arriscam-se a que ela fique a matutar: “Afinal, o tipo é muito velho...”

Está aí “à bica”!


Como o tempo passa: são já quatro horas da tarde de sábado (e logo à noite vamos “ganhar” uma hora, não se esqueçam!). Vai-se a ver, daqui a umas semanitas, estamos a ver se os cremes para a praia estão dentro da validade. Não desanimem!

O barman holandês


É bom termos a sorte de nos lembrarem cenas em que participámos, mas que já havíamos esquecido! Há tempos, um estimado colega (cujo nome não refiro, porque não cuidei em lhe perguntar se o podia fazer) recordou-me uma história passada numa reunião da Conferência Intergovernamental para a negociação daquilo que viria a ser o Tratado de Nice, ao tempo em que eu era o representante do governo português nessa tarefa.

A presidência rotativa semestral da União Europeia pertencia então à Holanda - ou, fazendo-lhe a vontade na semântica - aos Países Baixos. Discutia-se a eventual alteração do modelo de voto nas decisões comunitárias, que teria de passar por uma "reponderação" da força relativa de cada Estado no processo decisório. O tema era muito polémico. Mudar a relação de forças entre os países foi sempre uma questão delicada e divisiva no seio da União Europeia.

Um dia, a presidência holandesa decidiu, sob a sua responsabilidade, colocar sobre a mesa uma proposta algo radical que, em especial, alterava a relação interna de poder entre os três países do Benelux (Bélgica, Países Baixos e Luxemburgo), que tinha sido mantida intocada desde a criação das Comunidades Europeias. Para os negociadores holandeses, chefiados pelo embaixador Ben Bot, que anos depois haveria de ser chefe da diplomacia do seu país, haveria que retificar essa relação, por forma a dar uma maior consideração ao fator demográfico. Nessa perspetiva, os Países Baixos eram beneficiados, porque tinham uma população substancialmente maior que a dos seus dois outros parceiros do Benelux. Exclusivamente nessa lógica, as coisas tinham uma certa racionalidade, só que a lógica em que as coisas se apoiavam estava muito longe de ser única e, muito menos, de ser consensual.

Assumir uma presidência na União Europeia implica respeitar uma certa neutralidade naquilo que se propõe. Não se espera que o país que a detem apresente, de uma forma ostensiva e despudorada, ideias que diretamente a possam beneficiar. Foi isso, contudo, que, nesse dia, os holandeses fizeram.

Acabada a intervenção de Ben Bot, o delegado belga, uma grande e experiente figura da diplomacia europeia, o embaixador Philippe de Schoutheete, um amigo que já desapareceu em 2016, pediu a palavra e, com a inteligência, franqueza e humor que todos lhe conhecíamos, disse, muito simplesmente: "Senhor presidente. Tomámos boa nota da proposta que acaba de nos apresentar em nome dos Países Baixos. O único comentário da Bélgica ao que acaba de dizer é o seguinte: o senhor portou-se como uma barman que se serviu a si próprio antes de servir os clientes".

E a proposta holandesa morreu aí. Lembrei-me disto agora, sei lá bem porquê!

O contexto

“Está descansada! Um destes dias, quando tiver tempo, eu arrumo isso!”. Não gosto que citem velhas frases minhas, fora do contexto.

sexta-feira, março 27, 2020

Países Baixos


Um dia, em Salvador da Bahia, no Brasil, à saída do Hotel Convento do Carmo, uma unidade das Pousadas de Portugal, dirigida pelo grupo Pestana, dei com esta bela placa. Nela se comemora a derrota dos holandeses, no termo da sua frustrada tentativa de dominar o Brasil. Verdade seja que o Portugal desse tempo vivia o “tempo dos Filipes”...

A maior ironia é que, em frente ao edifício onde está afixada esta placa, estava (está?) instalado o Consulado da Holanda - ou dos Países Baixos, como agora querem ser chamados, porque acham que o primeiro nome tem má fama.

Coitado do Cônsul! Numa cidade tão grande, logo haviam de pôr o seu escritório junto a um local onde se consagra a humilhação do seu país.

Por que diabo me terei lembrado disto hoje?

Humor sportinguista

Será proibido, à luz das leis de exceção, cantar o nosso hino. “Só eu sei por que não fico em casa”?

Será?

Dei comigo a pensar que isto deve ser a coisa mais parecida com estar em casa com pulseira eletrónica.

Ora bem!

A FPF decidiu não atribuir o título este ano. Como sportinguista, não posso deixar de constatar que este foi um ano em que ninguém conseguiu fazer melhor do que nós. Essa é que é essa!

Diplomacia e frontalidade

Alguns espíritos sensíveis escandalizaram-se com o facto de António Costa ter considerado “repugnante” o comentário do ministro das Finanças holandês sobre a dívida espanhola. E alguns, por cá, apenas porque não gostam do primeiro-ministro que temos, logo avançaram que Costa teria sido “pouco diplomático” e que isso, a prazo, poderia vir ter consequências negativas para os interesses do país.

As relações entre os Estados obedecem a um conjunto não escrito de regras que se destinam a preservar um terreno último de entendimento, por forma a manter abertos canais de contacto, muito importantes em tempos de divergência e até de conflitualidade aberta. Os diplomatas são aliás treinados para servirem como última linha de defesa desse diálogo. Os políticos, sendo os primeiros a dever estar atentos aos interesses dos países que lhe cabe representar, devem ser particularmente atentos à preservação desses canais. Pelo que, nas intervenções que fazem, devem ter sempre o sentido da medida. 

Há uns tempos, como alguns recordarão, um ministro holandês das Finanças, de nome impronunciável, fez no Parlamento Europeu algumas considerações preconceituosas sobre os países do sul da Europa. Agora, um seu sucessor, foi no mesmo sentido, desta vez cumulando, ao preconceito, uma imensa falta de sensibilidade, perante a situação trágica que a Espanha atravessa. 

Como nota pessoal, não é nada que me espante, vindo de alguma gente da Holanda, que agora quer ser chamada apenas “Países Baixos” - e, às vezes, como o foi neste caso, até merece ser qualificada assim, embora não sei se a tradução em holandês do que isto por cá pode significar será entendida na Haia. 

António Costa é um político com grande traquejo, nomeadamente internacional. Ao dizer o que disse, sei que mediu bem as palavras. Mais do que isso: sabia que estava a traduzir a forma de sentir, não apenas de muitos dos seus compatriotas, mas igualmente de muitos outros europeus, que não estão dispostos a conviver com a impunidade de um discurso marcado pela frieza cruel de um calvinismo cínico. Quem não se sente, não é filho de boa gente e, nós, portugueses, somos. A frontalidade é também uma das armas da diplomacia.

Fez assim muito bem António Costa ao considerar “repugnantes” as declarações do ministro holandês. Porque o foram. E espero que o embaixador dos Países Baixos em Lisboa, meu vizinho de bairro, diga à sua capital que o país que tão generosamente o acolhe no seu seio partilhou visivelmente a indignação do seu primeiro-ministro. 

Nos últimos anos, aprendi muito mais sobre a Holanda do que aquilo que já sabia do contacto profissional com muitos diplomatas holandeses, com que a vida me fez cruzar. Um excelente escritor transmontano com muitos anos daquele país, Rentes de Carvalho, explicou-o bem em alguns dos seus livros. Por tudo o que sei, e sei alguma coisa, a Holanda merece melhor do que esse senhor que transitoriamente lhe trata das contas. E merece que lhe respondam à letra, como António Costa fez.

A besta

- Por que é que usas sempre apenas a palavra vírus para referires o cronavírus?

- Ora essa! É para não dar confiança a essa besta! Era só o que faltava, estar a chamá-lo pelo nome próprio!

A nova América

Sempre houve quem alimentasse teorias conspirativas sobre o caráter “predatório“ da ação dos EUA pelo mundo. A gestão Donald Trump “desmascarou” isso: é isso mesmo, é “America first” por todo o lado e em tudo. Esse é o corpo de “princípios” que hoje por lá vigora. Claro como água.

quinta-feira, março 26, 2020

EUA - China, os efeitos da crise


Leonídio Paulo Ferreira, jornalista do “Diário de Notícias” especializado em temas internacionais, ouviu diversas pessoas, numa reflexão prospetiva sobre os efeitos geopolíticos desta crise no equilíbrio entre os EUA e a China. Tive o gosto de ser uma delas, no capítulo “É a economia que, no final de contas, vai contar”. Pode ler aqui.

À espera da Itália

Nesta crise, há algo que tenho por claro: a Itália é a nossa grande defesa. Se o seu peso económico no contexto europeu não conseguir funcionar como argumento “ad terrorem” para forçar uma solução criativa, não será o nosso caso, nem sequer o espanhol, que “comoverá” ninguém.

Ramos-Horta


Bela e nobre atitude de José Ramos-Horta, a condenar a hostilização de que estão a ser vitimas os cidadãos portugueses que estão a trabalhar em Timor, acusados injustamente pela “vox populi” de serem os propagadores do vírus.

Um abraço amigo de agradecimento, José Ramos-Horta.

Perguntadores

Eu sei que muitos não vão gostar, mas aí vai: quem interroga os especialistas nas conferências de imprensa não deveriam ser jornalistas com um mínimo de formação em questões de saúde?

Dá ideia, algumas vezes, que tanto podiam fazer isso como entrevistar um cantor pimba...

Quando se trata de entrevistar alguém sobre assuntos europeus ou temas culturais, os jornalistas são, em geral, gente que domina razoavelmente a matéria.

Se o assunto é saúde, não devia ser da mesma forma?

Os poetas contra o vírus (2)


O AMOR NA BICHA DO SUPERMERCADO EM TEMPOS DE QUARENTENA

Não me aproximei de ti,
guardei devida distância,
mas na hora que te vi
nasceu em mim esta ânsia.


O teu corpinho de licra
vestido e teu olhar manso
é imagem que em mim fica
e me deixa sem descanso.

Amanhã irei de novo
ao mesmo supermercado,
guardando no meio do povo
o recato aconselhado.

Esperarei que tu venhas,
por isso fico na caixa
atrapalhando nas vendas;
olho pela esquerda baixa

e não vejo teu sorriso
nem teu corpo iluminado.
Resmungam todos comigo,
que atrapalho ali parado.

Mas eu espero que venhas
com teu corpinho na licra
e em arco-íris acendas
o fogo na minha vida.

Assim volto cada dia
a este supermercado
à espera que sorrias
um dia a este meu fado.


Luís Filipe Castro Mendes

Os poetas contra o vírus



O meu amigo Manuel Alberto Valente publicou no Facebook, numa “desgarrada” de poetas que por aí anda (que pena tenho que o António Russo Dias não ande a versejar os nossos dias), esta letra magnífica de fado. Não resisti a reproduzi-la, como farei a outras a que ache graça, para benefício dos utentes deste blogue que, nos últimos dias (alguma vantagem colateral terá o vírus!) ronda os 2000 leitores diários:


SEMPRE FADO

Já houve um fado operário,
anarquista, lutador,
que tinha como ideário
fustigar o opressor.

Já houve um fado calado
pela mordaça e pelo medo,
um fado no chão deitado,
de lamechice e putedo.

Com Marceneiro gritou,
com Maurício foi genica,
e até a Bica inventou
o tal Miúdo da Bica.

Mas veio Amália e depois
o fado foi outro fado,
passou a valer por dois,
já estava livre e curado.

Por isso já pôde rir
esse Homem na Cidade
que nunca deixou cair
a palavra liberdade.

E o fado do Camané,
da Aldina, de tantos, tantos?
O fado fica de pé
por mais que chorem os santos.

E mesmo nos tempos duros,
com quarentena e temor,
o fado ultrapassa muros
e ajuda a vencer a dor.

Por isso, gente, de pé!
Cantem alto, corações!
O Chico do Cachené
e a Rosinha dos Limões.



Manuel Alberto Valente

O Carlos Eurico e a pesca


Carlos Eurico da Costa, sucessiva ou simultaneamente, jornalista, poeta surrealista, publicitário

e gestor empresarial, morreu em 1998. Já por aqui falei dele, no passado.

O Carlos, que tinha a “qualidade” de ser meu primo direito, que acumulava com o privilégio que eu tinha de ser um seu grande amigo, era um caçador e um pescador de eleição.

À primeira das práticas, nunca teve coragem de sugerir que aderisse. No tocante à segunda, recordo uma jornada à beira-Tejo, algures a montante do Barreiro, nos anos 70, cujo insucesso, no que pessoalmente me toca, me permitiu ter um alibi para escapar a um vício que não tinha, assim podendo usufruir de uma imensidão de manhãs domingueiras na cama, nos anos desde então.

Sobre a primeira dessas artes, Carlos Eurico da Costa escreveu “A Caça em Portugal”, que quem disso sabe diz ser uma obra de referência. Sobre a pesca, não lhe conhecia nada escrito.

Até ontem, quando o seu filho Paulo me revelou um curto manuscrito em que o pai lhe dava dicas para pescar. É do tempo em que o Carlos tinha uma casa de fim de semana na Herdade do Pinheiro, a sul de Setúbal, por onde apareciam José Saramago, Cardoso Pires e “tutti quanti” de um mundo literário lisboeta onde se moveu desde sempre. É um texto quase poético, como o leitor avaliará:

Paulo

É aquela ágil e também mental forma de pressentir onde está o peixe: o vento, a cor da água, o seu revoltear, a sensibilidade para pressentir onde está a presa. “Cheira-se” o vento, regarda-se a espuma das águas nas rochas, a sua transparência. E depois - é pelo instinto. Olhar sempre as núvens e nunca estar de costas para o mar, para a onda. 

Agosto 89



quarta-feira, março 25, 2020

Helpline

No início de abril, por várias razões, muitas famílias podem ver-se desmunidas de recursos para o básico do seu dia-a-dia, para alimentação e outras despesas básicas.

Não seria de criar uma “helpline” que permitisse às autoridades e às IPSS darem ajuda pontual de emergência?

A certificação dessa necessidade poderia, com alguma facilidade, ser feita pelas Juntas de Freguesia. Uma ajuda em “cash” ou em espécie poderia ser dada a essas pessoas.

O excedente de ontem

É de saudar o excedente orçamental de 2019. Foi produto de um trabalho magnífico, de uma sábia gestão política e todos nos devemos congratular com o conseguido. 

Mas permitam-me que, nestes dias que correm, me não apeteça comemorar muito. É que o que aí vem...

Dias difíceis

Penso no que deve ser a dificuldade da vida de pessoas que vivem em casas minúsculas, com a agitação dos filhos a perturbar o teletrabalho de alguns, o inevitável stress familiar provocado pelo confinamento e, muitas vezes, a angústia do seu futuro económico.

Escrever na água


Com o mundo a mudar de forma tão rápida, sem que ainda saibamos quanto e para onde, alinhar ideias sobre o quotidiano é um exercício arriscado. Sinto-me a escrever na água. Mas é necessário ir refletindo sobre esta mudança.

Fala-se bastante, nos últimos dias, na possibilidade de uma alteração da relação geopolítica de forças à escala global, por virtude desta crise. Nessa leitura, o mundo ocidental, com os EUA em maior evidência, seria a principal vítima e a China o grande beneficiário.

A equação para análise desta questão tem duas variáveis essenciais: a economia e a política, esta como resultante do choque humano e social.

O primeiro é facilmente comparável. Daqui a uns meses, será mais claro o estado em que ficaram as grandes economias, embora não devamos esquecer que, numa escala global interdependente, a “saúde” de umas dependerá muito do estado das restantes.

A segunda variável é de uma mensurabilidade mais complexa. As ditaduras, como a da China, têm uma capacidade de contenção rápida dos efeitos políticos de uma tragédia. As democracias, porque tributárias da liberdade de opinião, acomodam de forma diversa essas consequências. Se parece evidente que a China não deve sofrer abalos políticos por virtude desta crise, no mundo ocidental tudo está em aberto. Trump será reeleito? A União Europeia continuará a ser digna do nome ou “balcanizar-se-á”, por falta de consenso (relembro, porque é feita de democracias)?

Devo dizer – e aqui entro na especulação – que a História nos mostrou que a natureza da economia americana, na crueldade do seu modelo de capitalismo, muito tributário da teoria da “destruição criativa” de que nos falava Schumpeter, sempre mostrou uma capacidade maior de reinvenção do que qualquer dos seus parceiros de sistema, talvez com exceção dos “tigres asiáticos”. Há uma flexibilidade no modelo americano que os faz sair mais cedo das crises. Mesmo daquelas em que foram os principais protagonistas, como em 1929 e 2008.

Por tudo isso, a menos que o fizessem por deliberada abdicação, na qual não acredito, estou em crer que os EUA, devendo sair enfraquecidos economicamente desta conjuntura, não vão ser afastados do seu papel de potência dominante. Como o caso russo hoje demonstra, numa escala menor, a economia não determina, por si só, a capacidade de expressão de poder de uma entidade internacional. Se isso assim acontecesse, a União Europeia, uma das grandes forças económicas do mundo, seria um formidável poder. E é o que é.

terça-feira, março 24, 2020

Cabelo e amizade


Telefonou-me há pouco o meu barbeiro. Para saber como eu estava. Na realidade, quem me telefonou foi o meu amigo Joaquim Pinto, que, há décadas, é o meu barbeiro, ali no Apolo 70.

(Diz-se cabeleireiro de homens, mas eu habituei-me assim, e ele não se importa).

É muito bom ver a nossa vida pontuada por gestos simples desta natureza, de gente com a qual, de um relacionamento que começou por ser profissional, passou há muito a haver uma amizade.

Quando vou ao meu barbeiro - e que precisado que estou, por estes dias! - sei que vou conversar com um amigo. Nunca falamos de política nem de futebol, falamos da vida e dos amigos comuns. Esta é também a Lisboa que me faz muita falta! Lá virá!

Os olás dos dias

Nos Natais, as saudações aos amigos são mais curtas, mais sintéticas e com um discurso ritualizado. Nestes dias, vamos tendo mais tempo para a conversa. Prouvera (alguns já nem se lembram da palavra) que todos tenhamos saúde.

Parlamento

Alguns estranham que a Assembleia da República continue a reunir, num tempo de confinamento generalizado. É bom perceber-se que, precisamente pelo facto de alguns direitos constitucionais estarem restringidos, é essencial que o parlamento esteja ativo. Ele é a casa da democracia!

Astérix


Um ataque cardíaco matou o desenhador Uderzo, com 92 anos. Era o sobrevivente de uma dupla cujo humor ajudou a educar mais do que uma geração, cujo trabalho funcionava também como uma subliminar lição de História. Há já muito tempo, em 1977, que Uderzo perdera a “outra mão”, Goscinny, e, tal como aconteceu com o “renascimento” da banda desenhada de “Blake & Mortimer”, Astérix e Obélix e Idéfix nunca mais foram a mesma coisa. Hoje, vou ler/olhar para dois ou três álbuns. É o lado positivo da quarentena.

Costa

Será porque me sinto politicamente próximo dele, tornando-me por isso suspeito aos olhos de quem dele não gosta, que acho que António Costa está a fazer um excelente trabalho nesta crise, mostrando um grande sentido de responsabilidade e transmitindo confiança aos portugueses?

DGS

Sei que isto não é apenas geracional, é também “de grupo”, mas a mim, quando estou distraído e oiço “segundo a DGS”, toca-me ainda uma certa “campaínha” histórica.

Distância oficial


Ainda não tenho os reflexos do vírus interiorizados. Demorei alguns segundos até achar justificável a distância entre Marcelo e Centeno.

O meu fuso

É-me cada vez mais difícil falar com alguns amigos sobre a crise do vírus. Eles citam e pedem-me para comentar o que viram ou ouviram, “ainda há pouco”. Ora eu não vejo mais do que meia hora de televisão sobre o assunto, e sempre ao final do dia. Optei por viver noutro “fuso”.

Dois choques

No 11 de setembro, vivia em Nova Iorque. O choque foi imenso, mas foi súbito e as pessoas foram-se adaptando. Este é crescente e a angústia sobe dia após dia.

segunda-feira, março 23, 2020

Higiene

A melhor dia foi a daquele cidadão que limpou a sua televisão com um desinfetante e, em seguida, deu-se conta que a CMTV tinha desaparecido dos canais.

Olímpica ilusão

Só pela cabeça teimosa dos japoneses passava pela cabeça ainda poder realizar as olimpíadas. Mas compreende-se que deve ser terrivelmente frustrante para quem andou anos a treinar ver cancelados os Jogos.

O que aí virá

A euforia dos anos de normalidade que tivemos faz-nos esquecer a tragédia que vai ser o inevitável aumento do desemprego: pobreza das famílias, custos sociais, aumento da criminalidade, rejeição xenófoba dos (“ameaçadores”) estrangeiros. E vai ser preciso apoiar muito as IPSS!

Beijos e abraços

Há já por aí uma escola higienista radical que acha que, passada esta crise, vai-se manter a prática de “distanciação social”. Era só o que faltava! Em tempos normais, sem pandemias e com risco normais, continuarão os beijos e abraços.

Mudar?

É talvez cedo para falar disto, mas creio haver uma grande inocência por parte de quantos pensam que, passada a crise do vírus, o mundo vai “tomar consciência” e mudar radicalmente de hábitos. Alguns o farão, a esmagadora maioria voltará ao “business as usual”. Só que mais pobres.

Só sábios éramos muitos

O que mais cómico é que num tempo em que ninguém tem certezas de nada, nos surjam comentadores que têm ideias definitivas sobre tudo.

Ai, Europa!

O Eurogrupo flexibilizou as regras do Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC). (Para quem não saiba, o PEC são as regras de “comportamento” para quem quer estar no euro). A linguagem (confiram) foi ligeiramente menos aberta do que a da Comissão Europeia, pela voz da sua presidente, como se previa. Aí pesou, seguramente, o rigor da Europa do norte. Mas, pelo lado do Eurogrupo, está feito, por agora, o que era indispensável.

Da parte do Banco Central Europeu já havia sido anunciado o reforço do “quantitative easing”, isto é, a aquisição “voluntarista” de dívida aos bancos dos Estados, o que, sendo indispensável, também não deixa os “rigoristas” muito cómodos. E está longe de ser suficiente para suportar a situação que se vive.

Resta agora a cobertura da dívida suplementar que tem de ser feita, por virtude das consequências da atual crise. Se não houver uma mutualização dessa nova dívida (e há que ter consciência que não existe ainda um instrumento institucional para a gerir, nem é claro como, a haver um acordo, as ratificações nacionais se farão - em muitos países têm de passar pelos parlamentos), o uso individualizado da ”liberdade” ora obtida cairá, de imediato, sobre cada dívida soberana de “per si”. Lembremo-nos que foi esse o resultado do acordo Merkel-Sarkozy em outubro de 2010, em Deauville.

Ora isso acabará por ser trágico para os Estados que têm mais dívida, como é o nosso caso. Se não houver para isso uma rápida resposta europeia - ou o seu anúncio, com forte solenidade - os mercados, que não são nem europeístas nem solidários, “saltarão” sobre as dívidas soberanas mais expostas, fazendo subir as suas taxas de juros, alargando os “spreads” entre elas, que estavam a encurtar nos últimos anos.

A Europa tem de apressar-se e, nela, quem tem mais pressa somos nós, felizmente acompanhados pela Itália, cujo peso no contexto da economia europeia pode ser um fator importante para convencer os países que estão menos desconfortáveis e, por essa razão, tendem ainda a ser menos solidários e mais reticentes face à “criação” de dívida europeia, os tais Eurobonds. Não há muito tempo,

Europe needs a new scale of stimulus — and cash not credit

Wolfgang Munchau, que ainda há pouco tempo esteve em Portugal, para participar num debate organizado pelo Banco de Portugal, que tive o gosto de moderar, escreveu ontem no Financial Times um artigo que vivamente recomendo, especialmente centrado nas respostas possíveis da Europa perante esta crise. Leia-o aqui:

For the eurozone, this is not the 2010-2012 crisis all over again. It is far worse. The coronavirus will prove to be an economic shock, a corporate solvency crisis and a political crisis all folded in to one.

The good news is that it will probably not become a sovereign debt crisis. The European Central Bank last week did the right thing and has reduced that probability. Its pandemic emergency purchase programme will help governments raise money for healthcare and a first set of economic measures. What it will not, and cannot on its own, address is the wider macroeconomic impact of coronavirus. That will require a different set of tools.

The German government will on Monday agree a supplementary budget for just under 5 per cent of gross domestic product, and will set aside additional funds for equity stakes in companies and loans.

But beware. What is often oversold as a bazooka tends to come with awkward conditions in the small print.

Much of the money is credit, not grants. If a business borrows money while profits fall, solvency deteriorates. This was Italy’s problem after the eurozone crisis. Austerity left the economy in a weaker position to pay down debt.

This crisis could easily end up adding 20 to 50 percentage points to Italy‘s debt-to-GDP ratio over a number of years. If another episode of austerity follows, Italy will be trapped in a vicious cycle. This is why I do not see any merit in a programme of credits by the European Stability Mechanism, the eurozone’s rescue umbrella.

What the eurozone needs is cash, not credit. But credit is what it is good at. Bailouts are frowned upon on the grounds that they constitute moral hazard. So is the economic concept of a helicopter drop, or the US idea of stimulus by mailing cheques to households.

European countries do have well functioning fiscal stabilisers such as unemployment insurance. These economic shock absorbers are designed to deal with normal fluctuations. But they are not big or strong enough for emergencies like this one.

The fiscal framework of the eurozone has some built-in flexibility, but it is not set up for discretionary stimulus. A 10 per cent fall in GDP will require it. If governments cannot do this on their own, it will have to be done at EU level.

We could employ some creative financial wizardry involving one or several EU institutions and the ECB together. This could take the form of a one-off fiscal facility partially bankrolled by the ECB. The key characteristics should be: money, not credit; direct cash payments to citizens, households and companies; and, yes, the liability should be mutualised. It should be backed, without limits, by the ECB.

The biggest economic risk right now is not just the steep decline in output, but also the permanent shock it could suffer afterwards. The primary purpose of a discretionary stimulus should be to ensure that the recovery is V-shaped. But there are a number of reasons to fear that the recovery will peter out. Some of us will be travelling less. Some might seek a different trade-off between work and leisure. European car manufacturers might use Covid-19 as an expedient moment to reduce their structural overcapacity.

As to size, if you expect an economic shock of up to 10 per cent of GDP, a discretionary stimulus to the tune of 5 to 10 per cent of GDP is hardly disproportionate. A payment of €1,000 for each citizen would cost just under 3 per cent of eurozone annual GDP. Alternatively, but with less immediate impact, the funds could be used to generate a huge post-crisis investment programme.

What I have already noticed is that the debate about the future of the eurozone is back. Not everyone will want to be locked in a monetary union with countries like the Netherlands, whose prime minister is ideologically opposed to mutual risk-sharing. This sort of unwilling partnership is not sustainable.

It is not just the scale that is different between today and the crisis of 2012. The politics have also changed. A recent poll registered a rise in the number of Italians who regard belonging to the EU as disadvantageous, from 47 per cent in November 2018 to 67 per cent now. Italy, at the centre of Europe’s coronavirus outbreak, has more pressing problems to deal with at the moment.

But be prepared for more in-out debates as a direct result of this crisis. And that is another reason why we should think about stimulus, not credit.

Perder cardeais


Como se sabe, Portugal “ganhou” há pouco um cardeal. E que cardeal! Uma figura intelectual muito interessante, que escreve lindamente e para cujo futuro na Cúria se olha com imensa atenção.

Não era sobre esses ganhos & perdas de cardeais, que hoje venho aqui falar, nesta nota leve, para amainar estes tempos terríveis.

Havia - desconheço se ainda há - uma velha tradição na Embaixada de Portugal junto da Santa Sé: sempre que um cardeal vinha jantar à Embaixada, dois empregados, fardados à antiga, deslocavam-se até ao portão de entrada, munidos de duas tochas ardentes, e acompanhavam os "príncipes da Igreja" até à escadaria do edifício. Posso imaginar que outras representações diplomáticas procedam de maneira idêntica.

A história que me chegou, já com bastantes anos, diz respeito a um desses jantares, a que dois cardeais iriam estar presentes, a convite de um nosso embaixador.

Presumo que tal evento constitua um momento especial, pelo que é sempre digno do maior cuidado protocolar. Porém, nessa noite, algo terá corrido menos bem e os arranjos coreográficos de recepção, com vista a garantir o acolhimento dos cardinalícios comensais pelos fâmulos de serviço, acabaram por não se conjugar de forma harmoniosa.

Por uma qualquer razão, quiçá devida a uma informação errada recebida ao portão, os cardeais, logo que entrados no jardim, e porque não tinham os tocheiros à sua espera, decidiram meter-se a caminho, em direcção à residência. Fizeram-no, porém, por um percurso ínvio que os acabaria por fazer entrar na casa por uma porta lateral e aceder a uma sala vazia, onde serena e discretamente se acomodaram, esperando que alguém os viesse receber.

Entretanto, o embaixador foi alertado pela portaria, embora com algum atraso, de que os cardeais tinham entrado no jardim. Logo partiram pelo jardim os fâmulos de libré, com as chamas das suas tochas ao vento, quais portadores de facho olímpico. Porém, chegados ao portão, são informados que as eminentíssimas visitas já teriam dado entrada no jardim.

O pânico criado pela "gaffe" do porteiro acelerou-lhes então o passo e, diz-se, o espectáculo seguinte foi digno de opereta: sob o olhar ansioso dos embaixadores e convidados, o breu do grande jardim da Embaixada passou a ser cruzado, durante minutos, por duas nervosas e lépidas tochas ardentes, que corriam atarantadas de um lado para o outro, espiando todos os escaninhos possíveis, na desesperada e cada vez mais angustiada e vã busca das figuras cardinalícias perdidas.

O resto da história não a conheço, mas podemos imaginar que, descobertos finalmente por alguém no aposento onde esperavam, com a infinita paciência que a sua instituição lhes incutiu, aos nossos cardeais tenha entretanto chegado um reconfortante Porto ou, pelo menos, um vero limoncello...

domingo, março 22, 2020

Saudades da quarentena

Foi um belo tempo, a minha quarentena. Depois, um dia, tudo acabou. Fiz 50 anos.

Conversas

Dizia-me uma amiga há pouco: “Nunca pensei contar e ouvir pelo telefone tantas histórias simples do dia-a-dia, da ida às compras, dos passeios pela vizinhança...”

Expresso


Ontem, neste retiro forçado, alguém me trouxe o “Expresso” a casa. Está na moda dizer mal do “Expresso”. Eu também digo, muitas vezes. Mas compro-o, sempre. Em papel, claro. Alguns não vão acreditar: desde o nº 1! Isso mesmo, leram bem, desde 6 de janeiro de 1973. Quando o aparecimento do “Expresso” mudou a imprensa em Portugal. Há 2473 semanas, sem ter falhado uma única vez. (Acho que já disse isto por aqui, mas repito-me, o que é coisa de velho - qualificação que a minha quarentena prova).

No estrangeiro, por onde andei, chegava-me por mala diplomática - a Oslo, a Luanda, a Londres, a Nova Iorque, a Viena, a Brasília. Em Paris, tinha-o reservado num quiosque perto da Étoile. Quando por Bruxelas, se o não apanhava numa loja na cidade, chegava a ir a Zavantem buscá-lo. Em Genève, numa estada longa por lá, descobri uma tabacaria que o tinha. Um dia, em Vila Real, meti-me no carro para ir à Régua comprá-lo.

O “Expresso” acompanhou-me toda a vida. Às vezes, confesso, mal o leio, dou uma vista de olhos pelos títulos e o jornal jaz durante uns dias por um canto, vou-lhe pegando de quando em vez, até que o fazem desaparecer, sem me perguntarem nada.

Se ainda gosto do “Expresso”? Já gostei muito mais, todos gostámos muito mais. Acho, aliás, que esse sentimento, no íntimo, deve atravessar alguns que por lá estão e quase todos os que de lá saíram. O “Expresso”, desde há bastantes anos, anda diferente, raramente traz “caixas”, novidades, coisas em primeira mão. Sendo um “berliner” no tamanho, às vezes parece um “tablóide” nos títulos e em alguma especulação fácil em que cada vez mais cai. É pena. Ao longo do tempo, foi perdendo alguns excelentes jornalistas, mas tem ainda por lá gente bastante competente, alguma da qual, por essa mesma razão, tinha a obrigação de conseguir fazer, todas as semanas, um jornal melhor.

Mas eu, repito, compro sempre o “Expresso”. Até para poder dizer mal dele, quando me apetece. Não faço parte da escola dos “não li e não gosto”. Eu, se às vezes não gosto do que o “Expresso” publica, é porque li. Acho que, apesar de todos os seus defeitos - muitas vezes até por causa deles! -o “Expresso” deve ser lido.

Mariana Vieira da Silva


Um abraço a Mariana Vieira da Silva, uma pessoa com uma imensa dedicação ao serviço público. A caravana passa, Mariana!

Páginas do diário

Ontem, houve cá por casa uma “dieta” a 100% de televisão. Nem sequer filmes! Alguma (pouca) rádio, muita música, livros (o que se descobre que temos!) e bastante net. Hoje, entra em vigor um novo “protocolo”: reduzir fortemente as horas no laptop e iPad. A sanidade é também isso.

Este estranho silêncio

Hoje, lembrámo-nos de que o silêncio que agora se “ouve” na Lisboa onde vivemos recorda o da residência da nossa embaixada em Brasília (Helena, Delfina, Zé e Romário, como estarão a viver isto?). Recolhida nas “quadras” internas do Lago Sul, naquela casa acordava-se com o cantar das aves e raramente se ouvia um carro. Como panorama sonoro de fundo, nunca ali se tinha o “bruá” tradicional das cidades. Mas Brasília é uma cidade muito atípica, até nisto. E aquele era um silêncio bom.

Por cá, pelo meu jardim, as aves foram sempre poucas, salvo quando o jardineiro levanta a terra e elas, depois, procuram alimento. Mas, por qualquer misteriosa razão, raramente nos dão música. Isso agora nota-se mais, pois este silêncio que temos é diferente, é pesado e lúgubre. 

Foram poucos dias, mas já me faz falta o barulho dos elétricos a passarem em frente à janela, o coro da pequenada do infantário aqui ao lado, o ronco dos paquetes no Tejo, até o ruído dos aviões. Faz-me falta a outra Lisboa. E isto só agora começou...

sábado, março 21, 2020

A senhora presidente

Desde Jacques Delors, habituei-me a relativizar a importância das declarações dos presidentes da Comissão Europeia, salvo quando elas já traduziam um prévio acordo franco-alemão. 

Por princípio, não gosto de ver uma figura alemã à frente da CE, mas levo muito mais a sério o que a ela diz

E as flores?


Estive a ler a lei e, sem surpresas, as floristas (já viram esta delicadeza? Ninguém se lembra de dizer os floristas!) não fazem parte dos serviços essenciais, neste tempo de vírus (eu já só o trato pelo apelido).

É pena, as flores são fundamentais. Para honrar as vítimas e alegrar os vivos.

Há pouco, aqui em casa (“where else?”), entrei numa sala e deu-me vontade de a ver cheia de flores. Mas a vida é o que é. Pronto, lá avançam os jarros do jardim!

E, já que estou “com a mão na massa”, ouçam uma conhecida canção de outros “tempos de chumbo” (que nada indica não reapareçam algures) o “Pra não dizer que não falei das flores”. Aqui

A leitora

Nos jantares diplomáticos, há por vezes que fazer conversa “de chacha”. É que nem sempre quem nos calha ao lado é capaz de manter um diálogo interessante, capaz de sustentar uma hora de convívio ocasional. (Imagino bem que os outros digam isso de nós).

Aquele escritor, intelectual elaborado, até algo macambúzio e pouco dado ao “small talk” típico dessas ocasiões, que já havia aceitado o convite para a embaixada com alguma relutância, acabou por ter o azar de ver sentada a seu lado uma “socialite” que rapidamente veio a revelar-se do mais profundo vazio.

Depois das banalidades do costume, veio à baila a vida de cada um. A senhora lá falou da existência que levava, com as férias “estupendas” em evidência, inquirindo depois sobre o que fazia o seu vizinho de mesa:

“Sou escritor”, disse o nosso homem, em voz discreta.

“Ah! Mas que interessante! E escreve o quê?”, ouviu da voz ao lado.

“Escrevo livros”, disse o outro, sorrindo de obviedade.

“Que giro! E agora anda a escrever alguma coisa?”

“Normalmente escrevo romances, mas, desta vez, estou a escrever uma autobiografia”, adiantou o homem, surpreendido com a sua própria franqueza.

“Ah! Mas isso é fascinante! E o livro é sobre quê?”

O escritor achou este jantar afinal tão divertido que não se cansa de falar dele.

Elogio do medo

Um amigo que andou na guerra a sério, nas bolanhas da Guiné, disse-me um dia uma coisa que nunca esqueci: “O que me valeu foi ter medo. Era o medo que me protegia. Vi morrer colegas que o não tinham, que arriscavam. Que só acontecia aos outros”. Tenho-me lembrado muito dele.

Bond


My name is Bond, EuroBond!

sexta-feira, março 20, 2020

O euro

Estarei a exagerar ou a crise de 2008 é uma história de crianças comparada com o que aí está e o que aí pode vir? É minha impressão ou a solidez do euro está cada vez mais em causa?

O papel do papel

Deve haver poucas pessoas que gostem mais de jornais em papel do que eu. Mas, com sinceridade, acho que esta crise vai ser uma machadada para esse setor. Eu remo contra a maré...

Pimba

Temo cada vez mais que os cantores pimba se ponham para aí a fazer concertos grátis para “ajudar”. E temo muito mais que as televisões os transmitam. Um plano “de contenção” da má música devia fazer parte da legislação de exceção.

E o silêncio dos grunhos?

Ninguém tem uma palavra de conforto para esses grupos de bem que são as claques de futebol, agora recolhidas ao silêncio, sem estações de serviço para assaltar, sem bilhetes para traficar, agora reduzidas ao pó... das casas?

E a China?

Se o comportamento chinês em matéria de ajuda a alguns países, durante esta crise, vier criar-lhe uma nova e positiva imagem perante o mundo, não poderá isso ter consequências na futura atitude de alguns Estados em face dos interesses geopolíticos da China?

Ai Brasil!

O Brasil declarou o Estado de “calamidade pública”. Tendo em atenção que as Forças Armadas são a única estrutura de segurança pública a nível federal, não nos admiremos se vier a assistir-se ao reforço súbito do seu papel de exceção. E, naquele país, a História prova que “o diabo veste farda”...

Setores em carência

Na imprensa francesa, um artigo sobre os estragos que esta situação causa aos “arranjinhos“ e aos “amantes”. Haja quem esteja atento a estes setores em estado de carência!

Injustiças

Por estes dias, recordo-me de que Baptista-Bastos falava de “umas pessoas injustamente acusadas de serem jornalistas”.

Um livro


Chegou-me há pouco a casa, pela UPS, vindo da Alemanha. É resultado de um trabalho, desenvolvido ao longo de 2019, promovido pela Fundação Bertelsmann e pelo Center for European Policy Studies, de cujo capítulo sobre Portugal sou co-autor, com Patricia Magalhães Ferreira.

Você

Disseram-me agora, mas não consegui confirmar, que o governo tenciona decretar, à luz das medidas de emergência, que passa a ser obrigatório o tratamento por “você”. Diz que é para manter as distâncias sociais.

A cidade imaginária


Cá em casa, desde há vários dias, há um jogo: onde vamos comer fora?

Nos primeiros dias deste confinamento caseiro, surgiu a ideia: “Com este sol, aquela janela da Tágide deve estar com uma vista lindíssima!” E “fomos”. Depois, no dia seguinte, deu-nos vontade do bacalhau à minhota que a dona Adelaide faz na Imperial de Campo de Ourique. Numa destas noites, o eleito foi o “rollsbeef” de Lisboa, no Café de São Bento. Mas também já nos apeteceu a esplanada do Faz Figura, as empadas que o Duarte faz no Salsa e Coentros, os secretos do Magano ou uns filetes no Montemar, regados a vinho verde. Neste fim de semana, logo se vê!

Ainda não decidimos onde “vamos” hoje. Com esta chuva, às tantas, ainda nos dá para comer em casa. Mas temos “ido” a sítios magníficos!

A chuva


Os dias andavam sombrios, mas o sol alegrava-os. Agora, a chuva.

4ª Conferência de Lisboa


A 4ª Conferência de Lisboa, organizada pelo Clube de Lisboa, que deveria ter lugar na Fundação Calouste Gulbenkian nos dias 14 e 15 de maio próximo, sob o tema “A Aceleração das Mudanças Globais”, mudou de data, por óbvias razões.

A 4ª Conferência terá lugar no dia 30 de setembro e 1 de outubro, no mesmo local. Oportunamente, serão dados pormenores sobre o programa definitivo e participantes.

quinta-feira, março 19, 2020

As medidas

Parecem muito sensatas e equilibradas as medidas hoje anunciadas pelo governo, ao abrigo do estado de exceção.

Todos os mitos que correm, relativamente a um possível atentado às liberdades e direitos fundamentais, por exagero na aplicação de decisões, são assim descabidos.

Posso estar enganado, mas acho que a maioria das pessoas não se deu ao trabalho de ler o diploma e “fala de ouvido”.

Os amigos do 28


O humor ajuda a aguentar a crise. Um amigo, com uma preocupação “essencial”: “Não achas estranho que não tenha havido uma única palavra para a quebra de recursos de uma rapaziada que ganhava o seu dia a “operar” no 28, aliviando os turistas de alguns trocos que traziam em excesso?”

A casca da banana

O Skype tem ajudado a percebermos as bibliotecas de muita gente. Ontem, numa televisão, havia um conhecido comentador que tinha-se esquecido de uma casca de banana numa prateleira atrás de si. Isso evitou que corrêssemos (eu, que o conheço de gingeira, não corro) o risco de tropeçarmos nela ao ouvi-lo.

E a Caixa?

Na negociação do processo de recapitalização, a CGD ficou de “mãos atadas” pelas regras de concorrência europeias para poder ajudar às políticas públicas, porque seriam consideradas ajudas de Estado e distorções à concorrência.

O governo não podia pedir agora um levantamento desta restrição colocada ao único banco do Estado? Vivemos uma situação excecional.

Os nossos restaurantes


Costumo falar por aqui de restaurantes. Frequento-os bastante, de Norte a Sul do país. Procuro, em especial, sublinhar o trabalho de muitos que, em localidades fora dos grandes centros, têm dado um imenso contributo à preservação da verdadeira culinária portuguesa. Mas também de quantos, nas grandes cidades, em especial em Lisboa e no Porto, foram, pela sua modernidade, projeção e prestígio, uma fantástica ajuda para potenciar a onda turística que muito beneficiou o país, nos últimos anos.

Em dias como os que correm, sinto uma grande solidariedade com essas pessoas, em que conto muitos amigos, pelo forte abalo que a situação provoca no seu negócio, pelas dificuldades que afetam o seu pessoal e as suas famílias, pelos encargos acrescidos que todos agora suportam. 

Só lhes posso dizer, como toda a certeza: dias melhores virão! Se o turismo foi uma fonte essencial para o sucesso recente da nossa economia - através da restauração, bem como da hotelaria e dos transportes - ele vai inevitavelmente ser uma das alavancas essenciais da recuperação que aí terá de vir, passada que seja esta crise.

As “vítimas” da Fox

Nestes tempos em que as séries televisivas enchem o ócio forçado de alguns, fazendo bem as contas, o número de “mortos” na Fox Crime já deve ter excedido o de vítimas do vírus.

Hoje, no “Diário de Notícias”



Seixas da Costa: "Exceções existem para serem usadas nas situações de exceção".

Um decreto equilibrado, bem delineado e com sentido de proporcionalidade, que elenca medidas a tomar à medida das necessidades. Assim vê Francisco Seixas da Costa o documento assinado por Marcelo Rebelo de Sousa que decreta o estado de emergência em vigor no país nos próximos 15 dias. "Dá-me todas as garantias de respeito pelos direitos dos cidadãos e é adequado à calamidade que estamos a viver", afirma o embaixador, que faz questão de frisar que não é especialista em direito constitucional e fala como cidadão.

O embaixador Seixas da Costa considera que o decreto do estado de emergência é equilibrado e tem sentido de proporcionalidade.

O embaixador considera ainda que vivemos tempos de estabilidade democrática plena - a prova é um Parlamento ativo e o facto dos cargos do Estado e da oposição serem ocupados por figuras com credenciais democráticas.

"O estado de emergência é decretado não por um cataclismo de natureza política, mas de natureza sanitária. E o decreto é cauteloso ao prever que o prolongamento dos 15 dias seja feito nos termos da lei, ou seja, que o mesmo procedimento terá de ser retomado", assinala.

Francisco Seixas da Costa não deixa referir o sentimento de preocupação que atravessa alguns portugueses de que se poderá estar perante uma suspensão da ordem constitucional e dos Direitos Liberdades e Garantias, nomeadamente quando se prevê restrições à liberdade de circulação e a suspensão do direito à greve. "Prezo muito a liberdade, lutei à minha medida por essas liberdades, mas exceções existem para serem usadas nas situações de exceção."

"Temos todos que perceber isto: há uma liberdade fundamental que é a vida."

(Graça Henriques /DN)

As tertúlias


Estes dias virulentos tiram-me das minhas tertúlias.

É uma verdade que a do Procópio já tinha estioloado quase de vez, desde que o Nuno Brederode Santos a tinha abandonado. Mas, às vezes, ainda passava por lá, para conversa com a Sedonalice e dois ou três resistentes. À da Parreirinha, em que que o número de mulheres sempre suplanta o dos homens, tenho sido mais relapso e, um destes dias, ainda perco lugar cativo à mesa. Aquela que é de longe a mais constante e persistente, a que flutua, hebdomadariamente, entre o Nobre e o Solar dos Duques, depois de ter perdido o poiso no “falecido” Rota das Sedas, com passagens pelo Apuradinho, continuava em grande forma, sempre diplomaticamente organizada pelo grande Zé. A dos Vila-realenses da nossa geração, que mão amiga oriunda da “Bila” assenta, de quando em vez, no Dom Feijão, é talvez a mais irregular e espaçada. A dos primos, de longe a mais bem regada, acontece também “quando o rei faz anos“, andando do Raposo para a Delícia de Moscavide, do “falecido“ Zé do Cozido para o Sé da Guarda, Tasquinha do Lagarto” e outros poisos também estimáveis, como o Gambrinus. A da Ópera, no hotel homónimo, onde as jantaradas são temáticas e os convidados “tenores” da política, tinha andado um tanto parada, mas anunciavam-se novos episódios. A do Antigo Primeiro de Maio, mais esquerdalha, andava nos últimos tempos fulgurante e continuava barulhenta, como de costume, e sempre semanal, depois de anos passados num tal Chiado que afinal era na Baixa, com outras incursões pelo Bairro Alto e Largo do Carmo e um whisky final, em dias de sol, na esplanada da Brasileira. Da do “Grupo Amizade”, sempre na Trattoria, tenho sido pouco assíduo, mas é daquelas onde às vezes há belas charlas e sempre se come a preceito. A dos três Franciscos, mais aperiódica, vagueia do LX Factory para o Café In, do Vela Latina para o Café Lisboa, tendo passado pelo Círculo Eça de Queiroz. A Academia Portuguesa de Gastronomia, a mais exigente em termos das vitualhas e álcoois servidos ao nosso palato, continuava a saltitar entre os locais lisboetas da mais refinada amesendação, cujos nomes prefiro omitir para não escandalizar, com o Grémio Literário como único lugar de regular passagem. Finalmente, a dos divertidos conjurados do 25 de Abril, homens “sem sono“ e hoje também sem farda, luzia, alternadamente, entre uma excelente Messe de uma unidade que não revelo e o Clube Militar Naval, tendo o almoço anual das alheiras como ponto alto.

Com o diabo do vírus por aí, vão-se as conversas, restam, à distância, os amigos. “Saúde e Fraternidade” para eles, como jacobinamente me habituei a dizer.

quarta-feira, março 18, 2020

O discurso

Não fui um crítico da comunicação por Skype que Marcelo Rebelo de Sousa há dias fez e que muitos não apreciaram. Achei que a sua palavra era então necessária, não obstante o seu estado de obrigatório confinamento doméstico. Olhar essa mensagem à luz das condições técnicas utilizadas, sem atentar no seu conteúdo, revela curteza de vistas.

Dito isto, o discurso que fez esta noite foi, numa só palavra, exemplar. Foi a mensagem certa, feita com grande sentido de Estado e, em especial, com imenso sentido de responsabilidade. O país, num momento dramático como o que atravessa, sabe que tem à sua frente um chefe de Estado em plena sintonia com as suas preocupações.

O decreto

Não sou constitucionalista, nem sequer licenciado em Direito. Assim, apenas como cidadão que aprendeu a ler legislação, fico com a sensação de que o diploma hoje aprovado é muito equilibrado, procura garantir a proporcionalidade das medidas e tem todas as salvaguardas necessárias para não ser usado de forma inadequada. Satisfaz-me, em especial, que tenha uma duração muito limitada no tempo e que a sua eventual prorrogação tenha de passar por um procedimento formal idêntico ao hoje utilizado, salvo na convocatória do Conselho de Estado. Mas a minha principal garantia assenta no facto de o país estar na mão de personalidades cujo apego à democracia é incontestável. Finalmente, para os catastrofistas que acham que, com a entrada em vigor deste diploma, “Abril acabou”, gostaria de lembrar que quem viesse a morrer, pelo facto de não terem sido tomadas as medidas, mesmo que compulsórias, consideradas necessárias pelas autoridades de saúde, poderia ter tido, até ao fim da sua vida todos os direitos, liberdades e garantias, mas não teria o direito à vida.

A lei falsa

O “projeto” de decreto presidencial sobre o estado de emergência que anda pelas redes sociais é falso, avisam de Belém e de S. Bento.

A assim ser, não deixa de ser interessante que um qualquer “maduro” se tenha dado a um imenso trabalho de escrita legal... apenas para o mostrar depois aos amigos.

É que, aqui entre nós, aquilo até nem está mal feito...

“Só para ti”

Vou desiludir alguns amigos, mas eu nem abro, quanto mais divulgo, informações ”de fonte limpa” e que “ninguém sabe”. 

Havia um cartaz pelas paredes, no tempo da outra senhora: ”O boato é inconsciência e crime”. Lá por serem ”fachos” eles não deixavam, às vezes, de ser sensatos...

Saída do país

Muitos cidadãos portugueses e estrangeiros que se encontram em Portugal estão bloqueados na fronteira, sem possibilidade de atravessarem a Espanha, de regresso aos países em que vivem na Europa. Percebe-se bem a precaução das autoridades espanholas, com uma situação dramática no seu território. Questiono-me, no entanto, por que razão não se cria um “corredor” (a História está cheia de exemplos), através de estradas determinadas, um percurso obrigatório vigiado pela polícia, com “guias” de apresentação imperativa na fronteira de saída para França. A segurança é um bem essencial, mas os interesses da vida dos cidadãos comuns também têm de ser acautelados.

Sobre o estado de emergência


O Grupo Cruz Vilaça Advogados, um conceituado escritório com reputados e experientes especialistas legais, produziu o seguinte parecer, que julgo interessante divulgar

“O estado de emergência é declarado quando se verifiquem ou ameacem verificar casos de calamidade pública. É menos grave do que o estado de sítio, que vigorou alguns dias no pós-25 de novembro de 1975, e apenas determina a suspensão parcial dos direitos fundamentais. Aplica-se a todo ou a parte do território nacional e tem a duração máxima de 15 dias, prorrogáveis por períodos iguais, mantendo-se as causas determinantes.

Vigora a lei 44/86, de 30 de setembro, nos termos do artigo 19º da Constituição da República, que prevê o estado de sítio e de emergência; este é declarado com os mesmos pressupostos do estado de sítio, embora com menos gravidade, sendo relevante apenas a calamidade pública. A declaração compete ao Presidente da República após audição do governo e autorização da AR. Nos termos do artigo 14º da lei referida, a declaração deve conter todos os elementos relevantes, incluindo fundamentação, duração, direitos, liberdades e garantias suspensas ou restringidas, bem como o grau de reforço dos poderes das autoridades administrativas e do apoio que lhes será dado pelas FA, se for o caso.

À renovação do prazo da declaração aplicam-se os mesmos trâmites, não sucedendo o mesmo quanto à modificação e revogação eventuais, que operam por decreto do PR. A concretizar-se a declaração do estado de emergência, deverão ser claros os limites das restrições às liberdades, direitos e garantias, não criando mais alarme social mas estabelecendo de forma clara as regras a seguir. E lembrando que essas restrições não são plenas e têm em conta o princípio da proporcionalidade.

Os Tribunais continuam a funcionar. O Conselho de defesa nacional mantém-se em reunião permanente. A Procuradora-geral da República e o Provedor de Justiça ficam em funções de forma permanente. Não há limitação à atividade dos partidos e sindicatos. Não acatar a proibição de livre circulação de pessoas ou veículos é crime de desobediência.

Num recente artigo, o constitucionalista Bacelar Gouveia referia as vantagens da declaração do estado de emergência, limitando alguns direitos: “a certeza da extensão da limitação dos nossos direitos pelos poderes públicos, como a aceitação da legitimidade da sua intervenção”.

Mas não é suficiente o estado de alerta em vigor, decretado pelo governo?

A Lei de Bases da Proteção Civil (Lei nº 27/2006 de 3 de julho), determina que a declaração da situação de alerta pode ser feita por presidentes de câmara ou pelas entidades responsáveis da proteção civil; conferem poderes alargados face a “acidente grave e catástrofe”, tendo as decisões e atos legislativos efeitos imediatos. Pode ser declarada face à ocorrência ou iminência de acidentes graves e catástrofes, prevista no artigo 3º da Lei, e visa adotar medidas preventivas ou especiais. A declaração aciona as estruturas de coordenação institucional territorialmente competentes e articula os meios de proteção e socorro adequados. Obriga à colaboração dos meios de comunicação social.

Há na proteção civil dois níveis de declaração face a acidentes ou catástrofes superiores ao de alerta: a situação de contingência e a de calamidade, esta da competência do governo, que pode estabelecer inúmeras medidas como a mobilização civil de pessoas ou o livre acesso dos agentes de proteção civil à propriedade privada. Prevê ainda a possibilidade da requisição temporária de bens ou serviços.

O problema principal é saber até que ponto são legais – leia-se constitucionais - limitações a direitos fundamentais protegidos constitucionalmente com base num princípio de necessidade sem que o instituto que a Constituição prevê para que essas limitações sejam possíveis, isto é, o estado de emergência, esteja em vigor.

Muitos constitucionalistas (e nós próprios) acreditam que não o são e por isso se justifica, nomeadamente para limitar o direito de livre circulação se vier a ser necessário, a declaração do estado de emergência.

António Vieira Monteiro


Quando o assunto eram “contas”, Francisco Pinto Balsemão, que presidia ao Conselho da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, da Universidade Nova de Lisboa, voltava-se sempre para António Vieira Monteiro, CEO do Santander, e perguntava: “E agora, qual é a opinião do nosso ‘ministro das Finanças’ ?”. E esse nosso colega naquele simpático grupo lá dava o seu avisado conselho sobre o andamento dos dinheiros da casa, para a qual, aliás, o seu banco também contribuía com bolsas de estudo.

Era um homem muito rigoroso, num estilo determinado, pouco expansivo, mas com grande simpatia e um fino sentido de humor, que bem usava em alguns momentos. Era também, na opinião de quem disso sabe, um notável profissional, que muito contribuiu para o extraordinário sucesso que o seu banco tem hoje em Portugal.

Acaba de saber-se que António Vieira Monteiro foi hoje mais uma vítima mortal do vírus que, com razão, cada vez mais assusta o país. Os meus sentimentos à sua familia.

Um país feliz


Dizer que somos um país feliz, nos dias que vivemos, parece sem sentido. Mas somos. Somos um país com uma sólida estrutura democrática, com um sistema político, desde há décadas, sem uma única falha institucional grave, com uma separação de poderes que oferece garantias, com uma lisura exemplar nos processos de escrutínio da vontade dos cidadãos. Estamos integrados numa aliançapolítico-económica europeia marcada pelos melhores valores, temos um excelente quadro de inserção externa, não temos ameaças diretas à nossa soberania.

Vivemos então num oásis, é isso que quero dizer? Não, não é. Somos um país pobre, o mais pobre da Europa ocidental, temos uma dívida monstra para pagar, uma economia dependente do menor abalo em escassos setores, com baixa competitividade, alimentamos uma cultura comportamental com laivos “terceiro-mundistas” (não se usando, é a palavra que quero usar), marcada por inúmeros vícios e um modo de estar na vida que, se facilita o dia de hoje, compromete bastante o de amanhã. Por tudo isso, acrise aí instalada vai atingir-nos em cheio.

Mas, mesmo assim, somos um país feliz? Somos. No quadro de uma pandemia de proporções extremas, operamos em estreita ligação com Estados e fontes de conhecimento técnico do melhor que o mundo pode proporcionar, dentro do mar de incertezas em que todos vivem, dispomos de um sistema público de saúde que, por muitas fragilidades que tenha, tem a humanidade de não exigir cartão de crédito à entrada dos hospitais, que é igualitário e justo – repito, à medida dos recursos que são os nossos e não os de países mais ricos do que nós.

Hoje, o presidente da República pode vir a decidir o estado de exceção, dando ao governo e às forças de segurança, sob a sua tutela, poderes acrescidos. Comocidadão, não me custa aceitar que as autoridades democráticas do país possam, nas presentes circunstâncias, vir a adotar medidas excecionais. Sempre com conta, peso e medida, limitadas no tempo e com a sua eventual renovação sujeita a todo o formalismo usado aquando da sua imposição.

Somos um país feliz por termos um parlamento livre, presidido por um homem que lutou toda a sua vida pela liberdade. Por termos um governo chefiado por um dos mais competentes políticos da nossa História recente. Por termos como líder da oposição um homem de bem, com uma exemplar folha cívica. Por termos na chefia do Estado um cidadão com indiscutíveis credenciais democráticas, um patriota, uma pessoa que gosta do seu país como ninguém. Somos um país feliz.

terça-feira, março 17, 2020

As idades da diplomacia

Um jovem diplomata, acabado de chegar a um posto, quase sempre procura conhecer as melhores discotecas e locais de convívio da gente mais nova.

Com os anos, chegado o período intermédio da sua carreira, o tempo de conselheiro, um diplomata tem como interesse coletar a lista dos melhores restaurantes da cidade onde é colocado.

E um embaixador? Chegado ao seu novo posto, que lista procurará estabelecer, em prioridade? A dos melhores médicos locais!

Bolas!

António Costa, na entrevista à SIC, assegurou que o mundo do futebol estava excluído das ajudas públicas. Hoje, a Liga já veio resmungar. 

Era só o que faltava que quem se endivida em milhões para pagar ao seu pé-de-obra viesse a ter um cêntimo que fosse de dinheiro público!

O reino

Só não entendo porque razão não se denuncia mais a filosofia malthusiana seguida até agora pelo governo britânico na questão do vírus, numa atitude de irresponsabilidade quase criminosa.

Cruz Vermelha

Excelente decisão do Hospital da Cruz Vermelha Portuguesa, ao colocar-se, por iniciativa própria, na rede de combate ao vírus. Parabéns, Francisco George!

À distância


De manhã pelo Zoom, de tarde pelo Skype, participei hoje em duas videoconferências. Um amigo disse-me estar já a dar aulas, a dezenas de alunos, exclusivamente por este meio.

Creio bem que a presente crise vai potenciar, ainda mais, o hábito dos contactos à distância, com a consequente limitação das viagens de trabalho.

Há três anos, para o livro “Olhar o Mundo”, coordenado por António Mateus, escrevi um texto sobre o futuro da diplomacia, de que agora respigo (gosto desta palavra do antigo jornalismo) o seguinte:

Muito do que se passará no futuro da diplomacia vai ter que ver com uma dimensão que nem uma versão contemporânea de Jules Verne poderá prever com um mínimo de rigor. Refiro-me à evolução da tecnologia das comunicações, ao aperfeiçoamento que cada vez mais se pressente dos mecanismos para colocar em contacto pessoas situadas à distância física, em moldes muito mais eficazes e operacionalmente mais cómodos do que os que hoje existem e que, de certo modo, ainda forçam à execução de penosas e desgastantes deslocações. Se e quando uma tecnologia de contacto à distância vier a ser substancialmente melhorada, o recurso à mediação pelos diplomatas residentes tenderá a diminuir ainda mais e um acentuar da relevância do trabalho direto das capitais pode vir a afirmar-se em seu detrimento.”

Não faço ideia se a diplomacia presencial algum dia acabará de todo, mas que o papel de agente de um “soberano” colocado fisicamente próximo do outro tenderá a esbater-se, disso não tenho a menor dúvida.

Confesso os figos

Ontem, uma prima ofereceu-me duas sacas de figos secos. Não lhes digo quantos já comi. Há poucas coisas no mundo gustativo de que eu goste m...