sábado, abril 21, 2018

Joaquim Barbosa


Num país em que, a escassos meses da importante eleição presidencial, o leque de candidatos não para de se abrir, não significando necessariamente esse alargado espetro um refrescamento revigorador da vida política brasileira, ressurge agora o nome de Joaquim Barbosa. 

Trata-se de um magistrado negro, que chegou a presidente do Supremo Tribunal Federal, tido como um lutador contra a corrupção, como deu mostras aquando dos primeiros tempos da operação “Lava Jato”. 

O nome de Barbosa já várias vezes tinha sido citado como possível presidenciável mas, para tal, vai ser preciso “costurar” (como por lá se diz) uma base partidária mínima. E, no Brasil, essa é uma operação sempre complexa.

Ao ler estas referências a Joaquim Barbosa, recordei-me de um livro de Frei Beto, um intelectual e ativista religioso amigo de Lula, que li vai para uma década. O livro, creio, chamava-se “A Mosca Azul”, e nele Frei Beto contava que, um dia, numa fila de “check-in” de um aeroporto, ficou junto a um cavalheiro negro, com quem trocou o tipo de conversa que se tem nessas circunstâncias. A certo ponto, o homem revelou ser juíz. Frei Beto lembrou-se então de que, nos círculos próximos de Lula, não havia figuras negras na área da Justiça. Trocou contactos com o jurista e, mais tarde, proporcionou o encontro deste com Lula. 

A carreira desse juíz, Joaquim Barbosa, teve a partir daí um imenso impulso, culminando com o facto de ter sido escolhido por Lula para o tribunal máximo do país. 

A avaliar pelo seu comportamento posterior, Barbosa pode não ter agradado muito aos seus mentores, mas a vida é isso mesmo.

sexta-feira, abril 20, 2018

“Simplicidade amável”


Uma das poucas coisas que fragiliza a minha animosidade irredutível face ao Estado Novo são as nossas Pousadas. A sua criação foi iniciada em 1942, por essa curiosa figura que foi António Ferro e representa uma tentativa de dar realce às diferentes regiões do país, à diversidade da sua gastronomia e dos seus costumes, incentivando o turismo estrangeiro e um turismo interno mais exigente. 

Registo algumas das primeiras: Santa Luzia, Elvas (1942), São Gonçalo, Marão (1942), Santo António, Serém (1942), São Martinho, Alfeizerão (1943), São Braz, S. Braz de Alportel (1944), Santiago, Santiago do Cacém (1945), São Lourenço, Serra da Estrela (1948).

Vale a pena dizer que os "Paradores" espanhóis, instituídos nos anos 20, foram os verdadeiros inspiradores das nossas pousadas, mas a expansão destas foi mais rápida e sustentada do que o do (excelente, aliás) modelo vizinho, que só viria verdadeiramente a desenvolver-se a partir dos anos 70.

Ferro deixou bem claro o que pretendia das Pousadas, ao afirmar, na inauguração da primeira daquelas unidades, em Elvas: "o luxo e a ostentação, muitas vezes sem conforto nem bom gosto, não constituem, obrigatoriamente, a matéria-prima do turismo", pelo que as pousadas deveriam ser "pequenos hotéis que não se parecessem com hotéis". Embora isto possa chocar os espíritos de hoje, nada melhor para qualificar o seu objetivo do que esta sua frase: "se o hóspede, ao entrar numa destas Pousadas, tiver a impressão de que entrou num estabelecimento hoteleiro onde passará a ser conhecido não pelo número do seu quarto, mas na sua própria casa de campo, onde o aguardam os criados da sua lavoura, teremos obtido o desejávamos". E também: "o conforto rústico, bom-gosto fácil no arranjo das coisas e também no paladar, simplicidade amável, eis as grandes linhas do programa das nossas Pousadas", que se pretendiam "pequenos conservatórios da cozinha portuguesa". Os tempos mudaram muito e as pousadas também.

Inicialmente, as pousadas eram relativamente baratas e - imagine-se! - tinham um limite imperativo de três dias de ocupação por utilizador. A forma da sua gestão teve um percurso que partiu da plena dependência estatal até ao modelo atual, em que o grupo hoteleiro Pestana detém uma posição maioritária, numa forma de semi-privatização, que não deixou de ter consequências sensíveis na oferta atual de serviço e qualidade das Pousadas, sujeitas a um padrão de exploração onde praticamente desapareceram as preocupações originárias de serviço público. Algumas unidades vivem num regime de "franchising" que, igualmente, afeta a identidade do conceito. A Enatur, a empresa pública que antecedeu o grupo Pestana, já havia fechado várias unidades. O grupo Pestana, numa lógica de gestão em que o Estado não soube (ou não quis, essa é a minha conclusão) acautelar no contrato a dimensão de serviço público, fez uma razia em tudo quanto não fosse altamente produtivo.

No que me toca, só no início dos anos 70, quando tive o meu primeiro emprego, é que comecei a ser um “colecionador” de pousadas. Mas, a partir daí, passei a viciado... Durante alguns anos da minha vida, por razões que não vêm ao caso, tinha obrigatoriamente de trabalhar todos fins-de-semana, em paralelo ao meu emprego regular. As pousadas eram o meu "pouso" preferido para isso. Nesse tempo, quando os preços eram outros, cheguei mesmo a passar férias em pousadas. Por isso, tenho sobre elas muitas e diversas experiências, que vão desde grandes exemplos de profissionalismo a monumentais descasos. Mas, apesar de várias razões que possa ter em contrário, ainda hoje sou "addicted" das nossas pousadas e, sempre que posso, frequento-as.

Às vezes pergunto-me qual terá sido a primeira pousada onde dormi. Talvez na de Serpa ou na da Murtosa/Torreira*. Mas, por esses tempos, lembro-me bem de estadas em Santiago de Cacém, em Miranda do Douro, em Santo António de Serém, em Manteigas, na Caniçada*, no Caramulo. Porque as Pousadas eram então, como disse, “muito em conta”, lembro-me de passar mais de uma semana em São Brás de Alportel, na Quinta da Ortiga (perto de Sines), em Santa Clara, em Oliveira do Hospital. Das “históricas”, creio que comecei por Óbidos*, Évora* e Estremoz*. Fui também cedo a Bragança#, a Marvão* e a Elvas. Pouco tempo depois de abrirem, estive em Monsanto, em Vila Nova de Cerveira, no Bouro/Amares*, em Alcácer do Sal*, em Ourém#,em Vila Pouca da Beira, na de Viseu*, na da Serra da Estrela* (Covilhã), na da Rede (Mesão Frio), em Belmonte#, na de Vila Viçosa*, no Porto/Freixo*. Dormi também nas incaraterísticas de Condeixa#, de Almeida, de Proença-a-Nova, da Batalha. Também na moderna de Sousel e numa coisa inenarrável que abriu por um tempo em Braga. Estive muitas vezes em Viana/Santa Luzia* (antes e depois de ser pousada), fui uma vez à pousada de Beja*, outra à do Alvito*, outras ainda à de Estói* e à de Sagres*. Dormi por mais de uma vez nas duas de Guimarães, Santa Marinha da Costa* e Senhora da Oliveira, e no Vale do Gaio. Conheço bem a de Arraiolos* e a do Crato*. Tenho boas memórias da do Castelo do Bode (Tomar) e de Valença#. Estranhamente, ou não, dormi algumas vezes na Pousada do Marão, a meia dúzia de quilómetros de minha casa, em Vila Real. E, muito mais estranhamente, já dormi na Pousada do Terreiro do Paço*, em Lisboa, bem como nas de Queluz* e de Cascais*. E também em Palmela*.

Por ter sido criada e ter desaparecido num tempo em que eu ainda não era nascido, nunca estive na pousada de Alfeizerão, como não estive numa unidade que chegou a existir nas Berlengas, que rapidamente deixou de existir. E, porque nunca calhou, acabei por nunca dormir, tendo apenas almoçado, nas pousadas de Setúbal e Alijó#. E nunca estive numa pousada que houve na Madeira e nas duas que ainda há nos Açores - Terceira* e Faial*. Mas frequentei muito - fui mesmo o cliente número 1 - da primeira pousada portuguesa no exterior, em Salvador da Baía no Brasil.

Nos dias de hoje, em que muitas das pousadas acima referidas já desapareceram, ou passaram a estalagens sem marca Pousadas de Portugal, constato só me falta conhecer, no continente português, a pousada de Tavira*. Mas lá irei um dia. (Duvido que alguém me “bata” em número de pousadas visitadas em território português. Foram 53!)

Hoje, estou a escrever naquela unidade que, como pousada, existe há 50 anos, tendo antes sido uma pequena estalagem, propriedade de um casal belga. Tem, a grande distância, a mais bela vista de todas as pousadas portuguesas. Onde é?

(Houve até hoje 61 pousadasCom um (*) assinalei as 27 pousadas que hoje ainda  integram a rede do grupo Pestana e com um (#) as 6 pousadas que já estão em regime de “franchising”. As 24 restantes que referi no texto, e não têm (*) ou (#), já não existem. Um dia tentarei listar as pousadas fechadas antes da entrada em cena do grupo Pestana, aquelas cujo encerramento ou alienação foi promovido pelo Pestana e, finalmente, aquelas que foram criadas no “reinado” Pestana .)

Chama-se a isto Europa



Manuel Valls nasceu na Catalunha. Até aos 20 anos teve apenas nacionalidade espanhola. Naturalizou-se francês e, já nessa nova qualidade, chegou a primeiro ministro da França.

(Um parêntesis para notar que acho isto seria inviável em Portugal. Não somos ainda um país preparado para aceitar que alguém, nascido no estrangeiro e mantendo apenas essa nacionalidade externa até à fase adulta da sua vida, viesse a chegar à chefia de um governo entre nós. Não posso provar isto, mas sinto-o).

Agora surge a hipótese de Valls poder vir a candidatar-se à chefia da municipalidade de Barcelona. A Europa de que eu gosto é precisamente isto.

Tradutor

Um bom tradutor é como um bom árbitro de futebol: quando chegamos ao fim da obra não damos sequer pela sua existência. E, no entanto, uma boa tradução pode fazer toda a diferença, sendo que, por razões opostas, o contrário é igualmente verdade. 

Ontem, juntamente com uma revista que adquiri, vinha uma “fatia” de um livro - nessa técnica de vendas que consiste em obrigar à fidelização, até completar a totalidade da obra. Não foi por isso que comprei a revista, nem costumo ler esses mini-volumes.

Excecionalmente, porém, deitei uma vista de olhos ao texto e logo me irritei: a obra está traduzida ”com os pés”, com expressões inadequadas. O que é típico numa má tradução, como é o caso desta, é que se consegue mesmo perceber, por detrás de alguns dos erros, o que estava escrito na língua original.

Até onde irá Macron?


Há dias, o presidente francês, Emmanuel Macron, deu uma longa entrevista televisiva, por ocasião do primeiro aniversário da sua eleição. Contrariamente a uma prática comum a muitos dos seus antecessores, que tinham quase sempre à sua frente interlocutores respeitosos, quando não dóceis, Macron aceitou que as questões lhe fossem colocadas por dois jornalistas que ele sabia, à partida, que lhe iriam ser muito incómodos. E foram. O programa chegou a ter momentos tensos, com o presidente a manter uma notável frieza. Ele, contudo, correu o risco. E ganhou.

Recordaria que Macron é um presidente de circunstância. Na primeira volta das presidenciais de 2017 teve 18% dos votos, tendo sido eleito pela lógica “tudo menos Le Pen”, que alguma direita e suficiente esquerda seguiu no segundo turno. Se François Fillon não se tivesse enredado em nepotismos, seria hoje o presidente francês. Quero com isto dizer que Macron, à época da sua eleição, não correspondeu a nenhuma “vaga de fundo” que tivesse varrido a França, numa onda avassaladora de entusiasmo em torno de uma figura providencial.

E, no entanto, Macron é, nos dias de hoje, uma surpresa. 

Ainda o estou a ver, numa sala do Eliseu, em meados de 2012, a informar os embaixadores da UE das prioridades de François Hollande no seu primeiro Conselho Europeu. Era então secretário-geral adjunto da Presidência. Apresentou tudo com grande rigor, respondeu a uma ou duas perguntas nossas com precisão e assertividade. À saída, o meu colega sueco, Gunnar Lund, comentou, para gargalhada de alguns de nós: “podia perfeitamente ser assessor de Sarkozy”.

Macron viria a afirmar não ser muito sensível à distinção entre esquerda e direita, coisa que, em França (e não só), segundo o filósofo Alain, só é dita por alguém de direita. É um liberal, com experiência no setor privado, com um programa de “modernização” (outro eufemismo conservador para o desmantelamento do Estado) do setor público, no país europeu onde ele consome maior percentagem da riqueza.

A França vive um momento interessante. Com o Brexit, passará a ser o único poder nuclear europeu, o único país da UE com direito de veto no Conselho de Segurança da ONU, com as únicas forças armadas com capacidade significativa de projeção.

Para a Europa, Macron tem propostas ousadas de reforma, embora a palavra final alemã seja determinante. Mas a sua capacidade de iniciativa em certos domínios institucionais é evidente e, para sermos honestos, muito estimulante.

Há nele qualquer coisa de Valéry Giscard d’Estaing, entre alguma arrogância, manejo fácil dos dossiês económicos e um “look” kennediano. 

Irá Macron ser um grande presidente, escorado na sua visível auto-confiança, na sua determinação? Até onde irá Macron? 

quinta-feira, abril 19, 2018

Abafado


A expressão foi: “sinto-me abafado com esta paisagem!”. Foi há muitos anos, precisamente neste mesmo local. Estávamos por aqui com uns amigos e um deles, infelizmente já desaparecido, revelou-nos o que podia ser a reação natural de um “ser urbano” a um cenário imponente de montanhas. Lembro isto porque, ao aqui chegar, há pouco, foi essa frase insólita, que trazia gravada e me veio, de súbito, à memória. Gosto imenso de cidades, admito que talvez goste mesmo bastante mais de cidades do que “do campo”. Mas a majestade deste fantástico pedaço de Portugal nunca me “abafou”, bem antes pelo contrário. A esse amigo, sim, e eu até o posso perceber: um filho do asfalto, das esquinas e das avenidas do mundo, sedento do ruído, a ele por aqui ensurdecido pelo forte silêncio dos montes. Pelo contrário, a mim, hoje, esta vista, numa estupenda temperatura primaveril, deu-me um sopro tão grande de bem-estar que logo me fez encomendar um gin tónico, em copo alto, como prolegómeno líquido a um sólido cabrito que viria ao jantar. E que bom que estava o Evel 2014!

quarta-feira, abril 18, 2018

Obama e Trump

Tenho constatado ser muito difícil explicar que a minha leitura sobre a desprezível ação externa de Trump não “valoriza”, um milímetro que seja, a opinião altamente negativa que tenho da caótica e desastrosa política externa do seu incensado e estimabilíssimo (no plano humano e das políticas públicas internas) antecessor.

América

Uma das grandes “vantagens” de Trump é que, com ele no terreno, podemos dizer todo o mal que nos apetecer sobre as políticas da América sem nos arriscarmos (salvo nas ironias por ora contidas de alguns cromos, “católicos” e “fládicos”, nostálgicos de Cheney, Rumsfeld & Cia) a ser apelidados de anti-americanos.

Marcelo a dois tempos

Gostei ontem muito das palavras do presidente da República na Cortes espanholas. E, hoje, ainda sem as conhecer, vou gostar das que ele irá, com certeza, dirigir à Procuradora-Geral da República, depois de mais uma vergonhosa exposição mediática do modo de funcionamento da dita justiça.

Tirar as palavras da boca

Só não digo que Ferreira Fernandes me "tirou as palavras da boca" porque não seria verdade. Eu não tenho um dom de escrita capaz de me comparar com a dele. Mas, confesso, gostaria de ter sido eu a assinar o texto "Marcelo em nosso nome", que ele hoje publica no seu (em que agora é diretor) "Diário de Notícias".

Imagino que haja muita gente que não concorda: com Ferreira Fernandes e com o que Marcelo Rebelo de Sousa disse ontem nas Cortes espanholas. Eu concordo. Ponto. É tudo.

Israel

Um dos mais difíceis exercícios em política é conseguir, com seriedade, denunciar abertamente as recorrentes barbaridades e a escandalosa impunidade internacional dos governos de Israel e, simultaneamente, conseguir não se ser rotulado de anti-semita. 

terça-feira, abril 17, 2018

Olhar o Mundo


Aqui fica o video da minha derradeira participação no programa Olhar o Mundo, da RTP

Um poder regional

O que (não) se passou na Síria mostrou que Obama tinha razão quando qualificou a Rússia de “poder regional”. Essa “região”, contudo, evoluiu: Moscovo está, como nunca antes esteve, no Médio Oriente. Mas tem aí um poder limitado, como os três ocidentais do CSNU agora lhe lembraram

Sócrates

Aquilo que a SIC apresentou ontem, depois do seu Jornal da Noite, com extratos video dos interrogatórios da PGR ao antigo PM José Sócrates, é um programa que, pelas mais contraditórias das razões, deve ser visto.

Não há almoços grátis!

Tem alguma graça a ingénua indignação de quantos se acham “pirateados” e invadidos na sua privacidade pela empresas proprietárias das redes sociais.

Será que andavam, há anos, a usar e-mails à vontade e achavam que isso era ”à borla”, só pelos seus lindos olhos?

E quem seria o “benemérito” que, sem pagarem um tostão, os deixava trocar conversas no Facebook, mandar bitaites no Twitter, contar histórias nos blogues e colocar inspirados pôr-do-sol no Instagram?

Não há almoços grátis! Aprendam!

segunda-feira, abril 16, 2018

"From Russia with love..."

Quanto russófilo de nova geração por aí anda, apenas porque Putin parece aborrecer Trump!

A Rússia de Putin é, nos dias que correm, o "next best" de quantos têm saudades do muro de Berlim, dos anti-yankee "de carteirinha", dos eurocéticos ferozes.

Ser pró-Putin é assim como estar "um pouco" com Guevara na floresta Bolívia, com Giap nos túneis do Vietcong, com a Pasionaria às portas de Madrid.

Estas novas Brigadas Internacionais da tecla e do sofá colam-se hoje ao KGB reconvertido em estadista com ar grave, borrifam-se para os jornalistas liquidados nas noites de Moscovo, para os opositores encarcerados, para as barbáries da Chechénia.

A América é para eles, desde sempre, o inimigo principal e, agora com Trump, nunca se pôs mais a jeito...

PPMO

Ainda sou do tempo em que falar do “processo de paz do Médio Oriente” (PPMO, para os iniciados) era referir o conflito israelo-palestino. Onde isso vai!

Questão

Ainda não vi isto respondido de forma serena e convincente: se o governo de Assad estava, como tudo indica que continua a estar, com a situação sob crescente controlo, no caminho para uma vitória militar, que interesse teria em provocar o mundo com uma ação com armas químicas, de cuja não utilização o seu parceiro russo era garante?

TV Damasco

As televisões sírias que cobrem as manifestações de apoio a Assad seguem o “método” das nossas televisões durante as campanhas eleitorais: filmam de frente e de perto, com a câmara baixa, para ajudar à ideia de que está muita gente a assistir. Lá pode ser por medo, cá por que é?

Dormi melhor!

O modo como correu o ataque ocidental à Síria deixou-me bastante mais descansado: houve um cuidado extremo em não atingir forças ou pessoal russo. As “rules of engagement”, pelos vistos, ainda seguem as boas regras da Guerra Fria. E isso são muito boas notícias.

Os pequenos grandes

Reino Unido e França, que “no grupo dos pequenos fazem papel de grandes” (dizia um MNE com quem trabalhei), têm de fazer “prova de vida” para justificarem o seu lugar no CSNU. Ao serem “úteis” a Trump, limitam o unilateralismo americano e condicionam a dimensão das ações. É bom!

A França e a guerra

Foi interessante a posição francesa no caso Sírio. Até Trump citou a França antes do Reino Unido! Macron, contando com o Brexit e inexistência militar da Alemanha, está-se a sugerir como o parceiro europeu, simultaneamente fiável e eficaz. E a Arábia Saudita e Israel agradecem.

O Irão e guerra

Veremos se um dos “preços” que Trump vai ter de pagar pelo apoio franco-britânico na Síria não será no dossiê nuclear com o Irão. O teste está aí em semanas: se o “State Department” confirmar uma vez mais que o Irão está a cumprir o acordado, Paris e Londres (e Berlim) ganharam.

O Reino Unido e a guerra

A Theresa May saiu a Taluda com estas “oportunas” crises, ironicamente todas à sombra das armas químicas. Se a isso somarmos as trapalhadas de Corbyn com Israel, deve ir festa rija em Downing Street. Mas Berlim não deixará de cobrar, no Brexit, o seu apoio a Londres, podem crer!

A Rússia e a guerra

A reação russa à iniciativa ocidental na Síria foi do género “agarrem-me senão bato-lhe!” Com um pé no Médio Oriente como nunca antes teve (recordo-me do seu papel irrelevante no “Quarteto” para o processo de paz), Moscovo percebeu que a sua reação só podia ser retórica.

Publicidade enganosa

Andam aí falsos “artigos” com a indicação de “conteúdo patrocinado”. Por que razão a ERC não obriga a chamar “os bois pelos nomes” e a forçar a identificação real desses conteúdos: publicidade?

Centeno

Tenho Mário Centeno na mais elevada conta. Não sendo minimamente qualificado para julgar a sua competência técnica, enquanto cidadão parece-me que tem feito um lugar excelente, com a conjuntura a ajudar, naturalmente.

Foi uma bênção para o país esta excelente escolha de António Costa.

Não fui, contudo, dos portugueses que ficaram mais satisfeitos com a ida de Centeno para a presidência do Eurogrupo. Porque temi que, no seu louvável esforço para mudar, naquele contexto, a imagem de Portugal, ele pudesse ser tentado a alguns excessos de zelo. E que, nessa mesma onda, pudesse ser seduzido por hipóteses futuras em lugares de maior influência, embora não desconheça o efeito positivo que tudo isso pode vir a ter para a imagem e os interesses a longo prazo do nosso país. Mas eu sou um cético do longo prazo...

Confio - mas confio mesmo! - em que António Costa e Mário Centeno acabarão sempre por tomar as melhores decisões. Mas gostava que ambos nunca se esquecessem de que esta nossa gente e este nosso país vivem aqui, hoje e nos amanhãs imediatos que contam (mesmo que eles já não “cantem”), não a um prazo longo em que, como bem lembrou Keynes, todos estaremos mortos.

"Estou aqui!"

É quase sempre um ano e picos antes das eleições que começam a surgir entrevistas e artigos de deputados, nacionais ou europeus, mostrando-se e passando “a mão pelo pêlo” aos respetivos líderes, sugerindo-se subliminarmente para mais um mandato. Foi sempre assim! Este ano são ainda poucos. Estou mesmo a estranhar...

Uma boa ideia

Rui Rio disse ontem uma coisa bem sensata: é preciso saber os nomes dos grandes devedores (e dos beneficiários de perdão de dívida) da Caixa Geral de Depósitos, que os contribuintes foram chamados a refinanciar. O argumento de que isso dificultava o refinanciamento já não é válido. Quem tem medo?

Parlamento

Há algo que não honra a imagem do nosso parlamento: o surgimento regular de dúvidas sobre viagens, subsídios, ajudas de custo e similares dos deputados. É assim desde sempre. Fica mesmo a ideia de haver um “omertà” transpartidário para evitar a fixação de regras estritas e transparentes. Não quero crer que seja verdade.‬ Mas será?

Em chávena quente

Vou episodicamente a esse café. Fui lá hoje, ainda não eram nove horas.

De dentro do balcão, vinha uma voz "encarnada", furibunda. A conversa, com um colega adverso que atendia às mesas, ia pesada, ouvida por toda a sala, com indiferença ou com sorrisos, alguns dos quais só íntimos, como era o meu caso. Tratava-se do alegado "roubo" do penalti, ontem. 

Foi então que entrou o "senhor engenheiro". Pediu uma bica e um queque. De trás do balcão, sorridente e solícito, o empregado "encarnado" tinha dito: "Bom dia, senhor engenheiro! O costume?". E para o lado: "Tira aí uma bica curta em chávena aquecida, aqui para o senhor engenheiro". E acrescentou, acolhedor: "Tem ali o "Público", se quiser, senhor engenheiro!"

O senhor engenheiro estava com pressa. Mas não resistiu à conversa cruzada que atravessava o balcão. Enquanto escorropichava a bica, saiu-lhe: "Aquilo ontem, vendo bem, não foi penalti!".

De dentro do balcão, feita súbita trincheira, o empregado urrou: "Não foi penalti? Essa agora! Foi um roubo, uma vigarice, uma falta descarada que ficou por marcar! Querem dar o campeonato àqueles morcões! Isto é tudo um bando de gatunos!"

O senhor engenheiro, não tendo apreciado o "outburst", de cara fechada, já limpava as migalhas do queque no sobretudo quando, imprudente, adiantou, salomónico: "Cada um olha as coisas como lhe parece. Bom dia!" e, moedas postas sobre o balcão, foi saindo.

Foi então que ouviu, gritado, bem alto, de trás da trincheira, com a ousadia da raiva: "Ó senhor engenheiro! Vá mas é ao oculista!"

Fiquei convencido - pelos olhares, eu e vários clientes - que o senhor engenheiro, amanhã, é capaz de mudar de café. 

domingo, abril 15, 2018

Jornalismo


O jornalismo televisivo tem três básicas componentes: a política (nas últimas horas, a guerra), os desastres e “o que corre mal” e o futebol. O que sai disto é quase irrelevante e atirado lá para o fundo dos alinhamentos, para que não se diga que não se mencionou. Em particular, se for algo “positivo”, que vai a contra-ciclo do sentido dessa informação.

Hoje, é o dia em que as televisões se dedicam a “isto”, depois de terem andado com o presidente do Sporting ao colo noticioso por quase uma semana.

Em lugar de 90 minutos de transmissão de um jogo, seguido de uma análise serena de meia hora de comentário por quem sabe, sem emblemas nem tribos, temos estas horas de enxurrada de imagens de adeptos, javardice, emoções insultuosas.

As nossas televisões, todas sem exceção, embora umas mais do que outras, são cúmplices objetivos deste clima balcanizado que atravessa o país. São parceiros da violência e da agressividade. Companheiros da vergonha em que a exploração do futebol de transformou.

Uma tristeza!

Fernando Reino (1929/2018)



Morreu Fernando Reino. Era um transmontano de Felgar. Foi o meu primeiro embaixador quando, em meados de 1979, fui colocado na Noruega. Trabalhámos pouco tempo juntos. Menos de um ano depois, Reino viria a ser chamado por Ramalho Eanes para chefe da sua Casa Civil. Mas, desde os fiordes, ficámos amigos para sempre.

Fernando Reino, como já aqui escrevi, foi um excelente diplomata, com grande sentido de Estado e dos interesses nacionais, com uma muito exigente leitura do serviço público, que impunha aos seus colaboradores. Aprendi imenso com ele. Era uma “força da natureza”, incansável e absorvente, com um ritmo de atividade difícil de acompanhar. Não era fácil trabalhar com Fernando Reino, mas, no que me respeita, foi sempre muito bom, profissional e humanamente.

Europeísta e profundamente empenhado na reforma e modernização da nossa máquina diplomática, via o país em grande. Ainda na semana passada, em Madrid, olhei o prédio onde ele um dia sonhou, quando aí foi embaixador, concentrar todos os serviços oficiais portugueses - da embaixada e consulado às áreas de turismo, comércio externo e até a TAP. As “capelinhas” de Lisboa impediram a concretização desse sonho, a fixação de uma prestigiante centralidade lusitana na capital espanhola.

Como diplomata, Fernando Reino começou por estar colocado na NATO (então ainda em Paris), em Tóquio (recordo-me da sua bela coleção de leques japoneses e das memórias sobre seu primo orientalista, Armando Martins Janeira), em Madagascar, no Cabo, em Tunis (curiosamente, foi diplomata português dentro da embaixada espanhola, que então cuidava dos nossos interesses) e na missão junto da CEE, onde viria a apurar o europeísmo que passou a ser a sua imagem de marca. 

Com o 25 de abril, uma das grandes alegrias da sua vida, coordenou a Comissão Nacional de Descolonização, tendo participado na Conferência do Alvor. Amigo próximo de Melo Antunes, tinha uma excelente relação com Mário Soares e esteve sempre identificado com a ala mais progressista dentro do MNE. 

O seu primeiro posto como chefe de uma embaixada foi em Oslo, em 1977, onde com ele colaborei, tendo daí passado a Belém, por cerca de um ano. Foi depois para Genebra, onde representou Portugal junto de diversas organizações internacionais. Daí, viria a transitar para a embaixada em Madrid, tendo concluído a sua brilhante carreira em Nova Iorque, como embaixador junto das Nações Unidas.

Tenho muita pena que Fernando Reino não tenha deixado obra publicada, como testemunho do muito que viu, das figuras com quem se cruzou, dos momentos históricos em que participou e teve mesmo papel destacado. Falámos muitas vezes da algumas ideias que tinha nesse domínio. Era dono de uma memória privilegiada, como pude constatar em dois agradáveis almoços que, nos últimos anos, tive com ele e com dois diplomatas e seus grandes amigos, João Niza Pinheiro e Alfredo Duarte Costa, que muito vão sentir a sua falta. Agora, ficou para nunca mais o novo repasto que estávamos a organizar.

Deixo um abraço sentido de pesar à Ana Isabel e à Sofia, agora que à saudade da mãe Maria Gabriela juntam a do pai.

A festa grisalha


Ontem, em Coimbra, almocei com um grupo de umas dezenas de vila-realenses, natos ou adotivos, que comigo têm de comum o facto de terem passado um dia pelo velho Liceu Camilo Castelo Branco. 

Alguns são do “meu tempo”, outros mais velhos, nenhum é de uma geração mais jovem. Somos, assim, os últimos nesta bela aventura de amigos. 

Ao longo dos anos, em que por razões atendíveis fui muito relapso, alguns foram desaparecendo dos encontros, outros, nos dias de hoje, já não podem comparecer. Sei lá bem porquê, “eles” são sempre bem mais facilmente identificáveis do que “as belas do meu tempo”, para utilizar o qualificativo clássico do Fernando Assis Pacheco. Há caras de que me lembro muito bem, sem contudo lhes conseguir colar um nome. Outras, permanecem um mistério. Ainda outras, saltam-me de repente à memória, chamando episódios, mais ou menos recortados de verdade ou fantasia. Estas são sempre jornadas com muita graça, de saudável nostalgia, de que cada um leva para casa retratos falados muito diferentes.

Pelo que me toca, fico muito grato a quantos conseguem, generosamente, juntar-nos e organizar estes encontros. Nunca lhes agradeceremos o suficiente.

Ontem, encontrei por lá o Ilídio. Demos conta de que já nos não víamos vai para quatro décadas. Nesse tempo de liceu, ele era uma figura imensa, um bom “gigante”, que sempre revejo embrulhado na capa preta, arruando pelos Primeiros de Dezembro. 

O Ilídio era uma fator de ligação entre todos nós, tinha uma grande paciência para os mais novos, em que eu me incluía. Tinha uma graça infinda, a que a sua figura física ajudava, e disso dava testemunho nos “saraus” estudantis desse primeiro dia do último mês do ano. Para a história académica de Vila Real, ficaram para sempre os seus mano-a-mano com o Zé Amaral, diálogos que, estou certo, o eterno encenador dessas sessões, o Achilles, não conseguia controlar nem disciplinar.

Grande Ilídio! Combinámos encontro para o próximo Primeiro de Dezembro. Etapa a etapa se faz a caminhada, companheiro, por mais dura que ela às vezes vá sendo. Até lá, caro Ilídio!

O Nintendo e o álcool


Este aparelho com quase três décadas ajudou-me a perceber uma coisa essencial.

Creio que em 1990, em Londres, houve alguém que me ofereceu um “Game Boy”. Em semanas, nele me tornei um especialista no jogo “Tetris”, com resultados cada vez mais espetaculares, que me tornavam orgulhoso dos meus reflexos. Batia recordes uns atrás dos outros e a abstração das chatices que a máquina me proporcionava constituia-se como um agradável fator des-stressante de desconcentração.

Um dia, porém, comecei a constatar que, sempre que praticava o jogo depois de um jantar, com vinho seguido de um whisky, um cognac ou um vodka, os meus resultados, por mais que tentasse, nunca eram tão notáveis. 

E dei comigo a pensar: se isto sucede com o “Nintendo”, como estarão, realmente, os meus reflexos na condução do meu carro, depois de uma refeição bem bebida? Os tempos (ainda) eram outros em termos de controlo de taxas de alcoolémia (e os diplomatas eram menos escrutinados), mas eu aprendi rapidamente a lição. Felizmente sem custos...

Onde é que andará o meu “Nintendo”?

sábado, abril 14, 2018

Os raios do “Sol”


O “Sol” zangou-se hoje comigo. Por, neste blogue, eu ter antecedido o nome do jornal de um inocente artigo “o”, e por ter cometido a graça de qualificá-lo de “clandestino”. E lembrou, não fosse eu esquecê-lo, que me entrevistou um dia, em 2016.

Não se amofine o “Sol” por tão pouco! 

A referência ao artigo é manifestamente um preciosismo, eufemismo para picuinhice, ó “Sol”! Ficou-me de um programa radiofónico dos “pioneiros” do MPLA, que se chamava “O Sol”. É que pensei que não se importassem, mosquitos me mordam! 

O termo” clandestino”, que é uma palavra com uma história muito nobre, foi usado a propósito das baixas tiragens que me consta que o jornal está a ter, pelo facto de não conseguir consultar em parte alguma esses números (mas admito que seja defeito meu). Se e quando houver números comprovados para aqui apresentar e comparar, estou ao dispor!

De uma coisa pode o “Sol” estar descansado: cá em casa, chova ou vente, o “Sol” entra em todas as manhãs de sábado. Não será por minha culpa que as tiragens não sobem!

“Olhar o mundo”



Gravei há poucas horas aquela que foi a minha última participação regular no programa de relações internacionais “Olhar o Mundo”. O programa pode ser visto este sábado, às 14.30, na RTP3.

Foram mais de quatro anos de conversas com Antonio Mateus, a quem agradeço a amável hospitalidade que deu às minhas opiniões. Tive um imenso gosto em fazer parte desta bela aventura televisiva.

Embora com assumida nostalgia, tomei a decisão de pôr fim a esses comentários, por ter constatado, de forma crescente, uma incompatibilidade entre as datas de preparação e gravação do programa com outros compromissos por mim assumidos, muitas vezes fora de Lisboa. No calendário dos próximos meses, novas sobreposições vinham já a caminho.

Quero agradecer a constante adaptabilidade do António Mateus e dos meus companheiros de programa, ao longo dos últimos anos, alguns dos quais, por mais de uma vez, sacrificaram as suas agendas em benefício da minha. 

Esse “dream team”, um magnífico grupo de especialistas de relações internacionais, teve ao longo do tempo Ana Isabel Xavier, Catarina Albuquerque, Felipe Pathé Duarte, Luis Tomé, Monica Ferro, Teresa Anjinho e Tiago Moreira de Sá. Foi para mim um privilégio trabalhar com esta nova e competente geração de académicos. Em todos, sem exceção, fiz excelentes amigos.

Felicidades para o “Olhar o Mundo”, um excelente programa, como não há outro na cena televisiva portuguesa, que ajuda a interpretar a vida internacional, com rigor, independência e seriedade.

Em tempo: afinal, o programa passou para as 11.30 de domingo... Se não houver uma transmissão de uma partida de matraquilhos! 

sexta-feira, abril 13, 2018

13

Para sexta-feira 13, o dia até não correu muito mal...

Marvila


Há não muitos anos, se alguém dissesse, em Lisboa, que havia algo de divertido para fazer em Marvila passava por lunático. 

De Xabregas ao Beato, passando pelo Grilo, do Poço do Bispo a Marvila, a Lisboa oriental era apenas um amontoado de fábricas, silos, armazéns e casas de uma vida suburbana sem qualidade. Depois, já mais para longe, era o Braço de Prata, a Matinha, Cabo Ruivo e Beirolas - hoje, o Parque da Nações, ainda Expo para muitos.

No meu tempo de faculdade, em que vivia nos Olivais, ia de manhã cedo a Moscavide apanhar o “28” para o Restelo, que me iria deixar na Junqueira. Para lá chegar, porém, tinha de começar por atravessar toda essa zona. 

No autocarro, cheio de gente sonolenta, fechávamos bem os vidros para inspirar, o menos possível, o cheiro que nos vinha com o fumo das refinarias da Sonap, olhávamos o cais abandonado onde jazeu por muitos anos a carcaça do último hidroavião para a Madeira, fazíamos graças entre nós sobre um eventual uso de uvas nos armazéns de vinho do Abel Pereira da Fonseca, víamos os motoristas “aviarem-se” no urinol (ainda lá está, é o último de Lisboa, creio) no largo do Poço do Bispo. E, bem incómodos, no irregular do empedrado, íamos como sardinhas em lata verde da Carris, na caloraça do verão ou no gelo húmido do inverno. Nem com esforço tenho saudades desses tempos, confesso!

Olhei há pouco a capa da excelente “Evasões” de hoje e fiquei a saber que Marvila - onde foi criado o histórico Oriental, o Clube Oriental de Lisboa - agora está na moda. Galerias, lojas, restaurantes, um mundo novo! 

Grande Lisboa!

Olá, vizinho!


As plantas do horto estavam, há minutos, a entrar-lhe para a nova casa, a dois passos da minha.

“Soyez le bienvenu” ao bairro, Eric Cantona!

Tiago Moreira de Sá


Tiago Moreira de Sá tem sido, desde há anos, um companheiro no grupo que, a convite de António Mateus, faz o “Olhar o Mundo”, na RTP.  É um professor universitário que tem já importante obra publicada, com uma atenção particular nas relações luso-americanas, tema em que se converteu no maior especialista nacional.

Recordo-me que, há poucos meses, no pátio da Universidade Nova, tive uma conversa com o Tiago sobre Rui Rio, ainda a montante do anúncio da decisão deste de se candidatar à liderança do PSD. Notei a leitura positiva que fez sobre o perfil político daquele que agora é líder da oposição e como contrariou alguns argumentos críticos que eu então adiantei sobre ele.

Tiago Moreira de Sá surgiu ontem no Conselho Estratégico do novo PSD de Rui Rio, responsável pela área das Relações Externas. Dificilmente o principal partido da oposição poderia ter encontrado uma figura mais competente e com uma visão clara sobre os interesses nacionais naquele domínio. Digo isto com a maior sinceridade.

Desejo ao Tiago, nas novas e futuras funções, todas as felicidades que forem compatíveis com o meu desejo político de que o PSD se mantenha, por muitos e bons anos, na oposição. É que, com gente da sua qualidade a titular essa mesma oposição, as coisas tornam-se bem mais difíceis para quem pensa como eu...

Um forte abraço, Tiago!

A segunda fronteira da Rússia

Barack Obama afirmou um dia que a Rússia se tinha transformado numa potência regional. Tecnicamente, a “boutade” provocatória podia ter algum sentido, mas a região a que o antigo presidente americano se referia era então muito mais limitada do que aquela em que poder militar de Moscovo hoje se afirma. Por ironia, iriam ser as inconsequentes opções políticas do próprio Obama que acabariam por oferecer à Rússia um papel central numa área geopolítica onde a sua presença era até então bem menos relevante: o Médio Oriente. 

Obama herdou um mundo em que os Estados Unidos vinham a tentar libertar-se do custo político-militar de uma ocupação arbitrária do Iraque, sem mandato internacional, com as desastrosas consequências que isso veio a ter no equilíbrio estratégico da região. As pessoas podem já ter esquecido o Estado Islâmico, mas essa sinistra organização, responsável por inomináveis barbáries e por um proselitismo fanático que a Europa sentiu na pele, foi uma óbvia consequência dos vazios de poder gerados por aquela ação. E o perigoso “tandem” entre os turcos e os curdos mais não é do que uma decorrência disso mesmo.

Em cenários de elevada tensão, a vida internacional há muito que ensinou que há equilíbrios em que é irresponsável tocar, sob pena do resultado de uma rotura poder vir a desencadear efeitos mais gravosos do que a situação precedente. No limite, há mesmo que ter o realismo de admitir que determinados problemas não têm uma visível solução. Nesse caso, a sensatez recomenda que nos habituemos a viver com a existência dos conflitos, apenas garantindo que a sua baixa intensidade é preservada, sem prejuízo de continuar a tentar resolvê-los. 

Os Estados Unidos, contudo, parece não terem aprendido a lição do Iraque. Derrubar ditadores e provocar mudanças de regime é sempre uma opção tentadora e, em geral, traz aplausos fáceis. Mas o dia seguinte é imprevisível, como a História o tem demonstrado. George W. Bush colocou a América a cometer esse erro. E Obama repetiu, noutra escala: veio a dar cobertura ao grave erro estratégico de dois impulsivos líderes europeus que embarcaram numa acção na Líbia que, ninguém hoje o duvida, tornou a emenda bem pior que o soneto. O caos no Sahel e o agravamento exponencial do drama das migrações transmediterrânicas resultou diretamente daí. 

Convirá recordar que a aventura líbia havia sido abençoada por um mandato do Conselho de Segurança da ONU, aprovado com luz verde da Rússia. Mas o facto dos poderes ocidentais terem ultrapassado tal mandato, que simplesmente previa a defesa da Cirenaica contra a agressão da Tripolitânia, aproveitando para se verem livres de Kadhafi, fez a Rússia aprender a lição. Por isso, quando Assad, na Síria, esmagou violentamente os alvores de uma “primavera” política, a Rússia não permitiu, com o seu veto na ONU, a repetição do cenário. Terá feito isso apenas por “amor” a Assad? 

A Rússia não tem menos receio do que os ocidentais no tocante aos riscos do extremismo islâmico. Receia que uma eventual afastamento do poder de Assad possa vir a converter o espaço da Síria num terreno vizinho de instabilidade. Moscovo já percebeu que os EUA – e os seus aliados da NATO – vão deixar um caos no Afeganistão, onde foram à caça legítima dos responsáveis pelo 11 de setembro, e que isso acabará por sobrar para eles. Do Médio Oriente ao Cáucaso, que é a sua fronteira sul, a Rússia sabe que é um passo muito curto – e já viu o que sucedeu na Chechénia, no Daguestão e na Ossétia do Norte. O islamismo radical espreita também a Rússia na fragilidade da Ásia Central.

O poder em Moscovo explora o sentimento de humilhação que os russos sentem pela derrota na Guerra Fria. E usa bem o espetro de cerco que derivou da chegada da NATO e da União Europeia a escassas centenas de quilómetros da sua capital. Depois da descarada tentativa ocidental de instabilizar a Ucrânia em seu favor, a Rússia “empatou” o jogo por ali, criando um “conflito congelado”. Mas percebeu que vale mais ser temida do que respeitada. Já tinha testado os ocidentais na Geórgia, e ganhou. Tomou a Crimeia com um custo razoável – as sanções e o afastamento do G8. A Síria transformou-se agora na sua segunda fronteira. 

Não perceber a Rússia é meio caminho andado para não a conseguir enfrentar.

“The Economist”


A guerra dos outros


Anteontem, ao final do dia, alguém me dizia: “Vamos ver se já há imagens do ataque à Síria”, que se presumia para essa noite. Mas a pessoa ia fazer “zapping”, para ver o resumo alargado do Real-Juve.

É impressionante o modo quase indiferente como o nosso mundo olha, nos dias de hoje, para o risco real de guerra que se perfila no Médio Oriente. 

Leem-se as notícias, as bravatas twitadas pelo presidente americano e tudo nos parece uma realidade quase virtual, que nunca nos afetará. Ouviu-se Putin anunciar, com deslumbre tecnológico, um mar de armas “inteligentes” e ficou-nos a sensação de estar a ver um documentário de conquistas científicas. 

As gerações europeias que aí estão perderam, por completo, a memória da guerra e, por isso, nem sequer a imaginam plausível. A guerra, para os europeus contemporâneos, é sempre a guerra dos outros. O mais próximo que a sentiram, foi nos Balcãs ou no leste da Ucrânia. Banalizaram, pela televisão, os mortos alheios no Iraque ou no Afeganistão, a tragédia síria, o caos líbio. E, por terem visto os Estados Unidos e a Rússia a lançar mísseis à distância, e a enviar drones para proceder a “extra-judicial killings”, acham que tudo se passará sempre com essa “limpeza” estratégica. E, claro, com as vítimas de que nunca conhecerão os nomes.

E, no entanto, de há muito que uma guerra não estava tão próxima. Não sabemos que tipo de guerra, não sabemos mesmo se haverá alguma, e, se houver, o que ela poderá vir a ser. Pensamo-la sempre limitada, distante de nós, como se houvesse um escudo protetor que dela nos afastasse. E, inconscientemente, excluímos um conflito nuclear, pensamos que a dissuasão o afasta do cenário de hipóteses. Damos por adquirido que o poder militar limite está sempre em mãos responsáveis.

Ora, no caso americano, a guerra ou a sua ausência estão nas mãos de um megalómano desequilibrado, cada vez mais rodeado de belicistas. No terreno russo, num autocrata que tem menos fatores de controlo do que tinham os dirigentes soviéticos ao tempo da Guerra Fria. Em seu torno, para além de um assassino sanguinário que, na Síria, segue as passadas criminosas do pai, encontramos hoje um líder turco com ambições desmedidas e incontroladas e aquele que é, talvez, o mais radical dirigente na história de Israel. A isso se soma a tensão extremada entre o Irão e a Arábia Saudita.

O mundo está perigoso. Com sorte, a guerra não virá. Sem ela, poderá surgir. Com grande azar, poderá envolver-nos. Em qualquer caso, não a vemos chegar.

quinta-feira, abril 12, 2018

Mau!


Então fartaram-se de se queixar da seca e agora, que a chuva aí está a compensá-la, andam a protestar que nunca mais deixa de chover?! Que país de mal-agradecidos!

quarta-feira, abril 11, 2018

Cunha Rego



É hoje apresentada uma antologia de textos de Victor Cunha Rego.

Cunha Rego é uma figura que me habituei a detestar politicamente. Por razões assumidamente ideológicas. Sempre o vi a representar quase tudo aquilo com que eu não concordava. Não o conheci pessoalmente e tenho a firme convicção de que nos teríamos dado mal, se acaso isso tivesse acontecido. Mas li muito do que escreveu e disse publicamente e julgo que conheço bem, por testemunhos vários, os diversos tempos do seu percurso. Reconheço-o como um patriota, um homem muito inteligente, uma figura culta, com uma escrita límpida. 

Nasceu politicamente de uma esquerda com toques maoístas, sempre anti-soviética, passando depois para o socialismo reformista, deste para uma postura progressivamente liberal, acabando num conservadorismo radical, com nuances quase místicas. Foi um cético e também, à sua maneira, um snobe, sobranceiro nas ideias, porque tinha em alta valia as suas próprias convicções. Creditam-se-lhe os amores, melhor, as paixões, os arrebatamentos, femininos e políticos. Foi fiel apenas a si próprio, ao seu ego e à sua coerência íntima. Não é coisa pouca, convenhamos, mas não chega para o fazer entrar numa História em que teve um papel entre portas, de conselheiro discreto, muitas vezes frustrado, do poder do ciclo.

Esteve com o “reviralho” português no Brasil, ao tempo de Delgado e Galvão. Veio a juntar-se ao PS de Soares, sempre “pela direita”. Alinhou com a conspiração de Spínola, no 11 de março de 1975, figura por quem tinha uma manifesta atração. Depois de ter sido embaixador de Soares em Madrid, foi seduzido por Sá Carneiro, andou pela AD, “assaltou” ao seu serviço a RTP, apoiou Soares Carneiro contra Eanes, afastou-se deste. 

Enquistou-se depois no Portugal conservador, ao lado dos estrangeirados ácidos e dos “vencidos da vida” a quem o país não deu o palco que achavam merecer. O Estado era o seu inimigo permanente, quem o combatesse tinha o seu crédito garantido. Teve presença relevante na imprensa, até quase ao final dos seus dias. Morreu sem “éclat” público, mas é reverado ainda hoje pelos seus amigos.

Não creio entrar em nenhuma contradição se disser que estamos perante uma personalidade muito interessante, quase de exceção, uma figura intelectual de grande qualidade. E uma bela pena, o que me diz muito. Porém, a sua ideia do país, do seu futuro e das opções para lá chegar - e, em especial, com quem contar para isso - está muito longe de ser a minha. 

Comprei, já há semanas, o “pavé” de quase 900 páginas onde, sob um título magnífico - “Na prática a teoria é outra” - são coletados textos seus desde o histórico “Diário Ilustrado” até tempos mais recentes, com muitos inéditos. Está lá muito do que nos permite fazer hoje o retrato do autor. Devem faltar algumas coisas dos tempos mais idos - e é pena. Seria importante termos uma visão mais representativa deste virtuoso da escrita, deste “Maquiavel” da democracia que temos, que também foi construída graças a gente como ele mas, igualmente, apesar deles.

terça-feira, abril 10, 2018

Universidade Nova de Lisboa

Encerrou-se ontem o meu mandato de quatro anos como membro externo do Conselho de Faculdade, da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (FCSH), da Universidade Nova de Lisboa. 

Foi para mim uma experiência muito interessante e enriquecedora, que veio a somar-se à que já tinha tido, por período idêntico, como presidente do Conselho Geral da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro.

Desejo aos novos órgãos eleitos para o Conselho de Faculdade os maiores sucessos, na condução da magnífica estrutura universitária que é a FCSH, sob a muito competente direção do professor Francisco Caramelo. Na sua pessoa, quero testemunhar o gosto que tive em poder ser útil à instituição, de que sou admirador e onde só deixei novos e velhos amigos.

O desastre e o presidente

Ontem, ao ver os três telejornais das 20 horas (por “truque”, uns começam mais cedo) interroguei-me sobre a informação a que, nos dias de hoje, temos direito.

Os três canais hesitaram entre dar destaque de abertura à patética novela mexicana em que se transformou a presidência do Sporting ou à tragédia que envolveu uns inconscientes que foram andar de parapente para o Meco. Escuso de referir as prioridades editoriais da CMTV.

Ontem, dia 9 de abril, celebrava-se o centenário daquela que foi uma das batalhas mais trágicas da história das forças armadas portuguesas. Num gesto raríssimo, o chefe de Estado francês, acompanhado do seu homólogo português e do chefe do governo, deslocaram-se ao cemitério da Flandres em estão os que se sacrificaram pela pátria. A comunidade portuguesa em França, a mais significativa em número em todo o mundo, ficou extremamente prestigiada pelo gesto do presidente francês.

Mas as nossas televisões remeteram as suas peças sobre o evento em Richebourg para o meio da “tabela” dos seus telejornais. Para a informação dos três canais, o ”desastre” não foi La Lys, foi o Meco, e o “presidente” que mereceu destaque foi BdC, não Marcelo ou Macron.

O papel da imprensa





À sede da OSCE (Organização para a Segurança e Cooperação na Europa), em Viena, tinham chegado repetidas informações segundo as quais, no Quirguistão, um país da Ásia Central, a oposição se via impedida de publicar a sua própria imprensa. O embaixador desse país junto da OSCE negava a existência dessas dificuldades e a missão local da organização transmitia-nos versões contraditórias.

Por essa razão, o grupo de cinco embaixadores, que eu integrava, e que nesse ano de 2004 se deslocou a toda região, numa “fact-finding mission”, levou o assunto na sua agenda.

Os cinco Estados da Ásia Central (Casaquistão, Quirguistão, Tajiquistão, Turquemenistão e Usebequistão), resultantes de antigas Repúblicas da União Soviética, tendo embora diferenças entre si, são todos regidos por regimes de contornos ditatoriais, com as liberdades públicas mais ou menos postas em causa, nalguns casos de forma muito grave. Mas todos pretendem ter credenciais democráticas e defendem-se de quem os acuse do contrário. Porém, os direitos das oposições, bem como das instituições independentes da sociedade civil, são fortemente limitados. Em nenhum deles, por exemplo, as vozes adversas ao poder são admitidas nas televisões, sob vários pretextos, com a lisura nos processos eleitorais a ser também geralmente contestada. Por isso, a plausibilidade da acusação era muito elevada.

À nossa chegada a Bishkek, capital do país, fomos recebidos pelo respetivo ministro dos Negócios Estrangeiros e colocámos abertamente a questão. A reação foi perentória, quase indignada: não havia a menor limitação à publicação de jornais da oposição. Ora essa! E citou legislação que, na sua perspetiva, fundamentava a posição do governo.

No dia seguinte, tivemos um encontro com os líderes da oposição quirguiz. Nem todos, porque alguns estavam na prisão... Confrontámo-los com as afirmações do ministro. Um deles, com um sorriso triste, disse-nos: “De facto, a lei não nos impede de publicar um jornal e até já tínhamos conseguido garantir uma tipografia disposta a imprimi-lo. Mas surgiu um problema impossível de resolver”. Ficámos suspensos do resto da narrativa do homem. “Não há papel!”.

“Não há papel, como?!”. A explicação era muito simples: o governo controlava administrativamente as importações, nesse país onde não existiam fábricas de papel. A lista dos importadores autorizados era baseada no “histórico” de aquisição pelos jornals existentes, que esgotavam a 100% as quotas de papel autorizadas. Argumentando com a balança de pagamentos, o governo não deixava importar mais papel. Por isso, eram “perfeitamente” autorizados os jornais, só que não havia “matéria” onde fazê-lo.

É talvez por isso que se diz que o “papel” da imprensa é “difícil”.

segunda-feira, abril 09, 2018

Richebourg


Um excelente momento para a comunidade portuguesa em França

O “9 de abril”


Na minha adolescência, todos os anos, pela primavera, no dia 9 de abril, uma cerimónia tinha lugar em frente a minha casa, em Vila Real. Com alguma tropa, pompa e autoridades, o monumento a Carvalho Araújo, um valente marinheiro vilarrealense, que havia sido morto por um bombardeamento da Marinha alemã, em 1918, quando o seu navio protegia um barco de passageiros em pleno Atlântico, era coberto de coroas de flores. Era assim que Vila Real honrava a memória de muitos transmontanos que, nessa que era a data da batalha de La Lys, tinham morrido pela pátria.

Nas vésperas, a Liga dos Combatentes da Grande Guerra andava pelas casas e cafés a pedir alguma ajuda financeira, dando em troca uns pequenos capacetes verde-e-preto, com um alfinete, para colocar na lapela. A Legião Portuguesa, a partir de certa altura, passou a intervir nessa ação. (Lembro-me bem da indignação do meu pai: “Estes tipos da Situação querem ficar com a História para eles”).

No seio das figuras que faziam parte regular desta celebração anual, lembro-me bem de um velhote que se evidenciava pelo elevado número de medalhas que trazia ao peito. Havia também por ali alguns outros soldados da guerra 14/18, mas o mais medalhado destava-se. Era Aníbal Augusto Milhais, dito o “soldado Milhões”, de Murça, que se distinguira como ninguém pelo seu heroísmo naquela terrível batalha na Flandres francesa. Era o único que possuia a Torre e Espada de Valor, Lealdade e Mérito, a mais alta condecoração nacional. Morreu em 1970.

Hoje, 100 anos depois da batalha de Lys, é justo recordá-lo.

domingo, abril 08, 2018

Paris - Roubaix



Não me perdoarei o suficiente por nunca me ter mobilizado, quando vivi em França, para acompanhar a prova ciclística Paris-Roubaix, grande parte da qual feita em terreno empedrado ou do género que a imagem mostra. Cheguei a ter um convite do “maire” de Roubaix para o evento e não o aproveitei. E até com esse grande fã e conhecedor do ciclismo que é Eduardo Marçal Grilo apalavrei uma jornada para ver a prova.

No dia de hoje, dia do evento, não perco a cobertura televisiva deste espetáculo de um ciclismo já pouco comum e que nos remete para a “pré-história” da modalidade.

A idade e as ideias

A idade das pessoas que Rui Rio convidou para o seu Conselho Estratégico está a ser objeto de comentários negativos, em setores de imprensa claramente ligados à defunta direção de Passos Coelho. Isso fez-me lembrar uma curiosa história.

Creio estar ainda na memória de muitos uma questão, trazida a público por Bagão Felix, há já alguns anos. Num determinado momento, alguém deu conta que, da forma como uma determinada legislação elaborada durante a governação de Passos Coelho estava redigida, tornava-se impossível a um aposentado da função pública exercer qualquer outro cargo dependente de nomeação do Estado. 

Uma lei anterior, já do tempo do governo de José Sócrates, impedia que quem usufruísse de uma pensão de aposentação pudesse ter uma ocupação remunerada no Estado. Algumas exceções havia, mas essa era a regra. O princípio era, em si mesmo, eticamente justificável: abria-se a possibilidade de dar emprego a novas pessoas. Nada a objetar, portanto.

Porém, a tal legislação posterior, publicada pela direita então no poder, ia mais longe. Na letra dessa lei, mesmo lugares não remunerados passavam a estar abrangidos, pelo que tarefas de natureza consultiva - repito, “pro bono” - passavam a ser proibidas. A questão colocou-se a muitas pessoas que se haviam disponibilizado a colaborar benevolamente com várias entidade públicas, nomeadamente nos Conselhos Gerais de universidades. É que, nos termos dessa legislação, poderia ser-lhes suspendida a sua pensão de aposentação, por estarem a exercer outra função pública ... embora gratuitamente! 

Bagão Felix suscitou publicamente a questão, que foi controvertida na imprensa por uns dias, e o executivo de Passos Coelho lá recuou, já não sei por que forma de aclaração da legislação. Foi dito tratar-se de um “erro”. E tudo voltou à estaca zero: apenas ficaram abrangidas as funções remuneradas.

Tempos mais tarde, comentei casualmente o assunto com alguém, jovem, ligado ao governo de Passos Coelho. E obtive uma revelação interessante: não tinha sido “erro” nenhum, tinha sido uma decisão maturada e tomada em plena consciência. Com dois objetivos.

O primeiro objetivo era reservar para os “mais novos” esses lugares, mesmo que não pagos. Porquê? Porque ao ingressarem nessas funções, ainda que sem remuneração, essas pessoas iam ganhando linhas formais de “experiência”, o que lhes permitiria darem progressiva substância aos seus “curricula vitae” e, nessa lógica, iam criando “lastro” para ascensão a futuros lugares remunerados. 

Notei ao meu interlocutor que, dessa forma, ficava em absoluto posto de lado o interesse em usufruir da experiência de quem tinha tido carreiras ricas e se mostrava disponível para partilhar as “lessons learned”, sem quaisquer encargos. 

E foi então que tive uma surpresa ainda maior. É que esse era, precisamente, um segundo objetivo da medida “jeuniste”: pretendia-se evitar que quem vinha do “passado” pudesse “poluir” as instituições com as suas ideias “retrógradas”, dando assim “lugar ao novos”, como se o novo fosse, sempre e necessariamente, só por ser novo, melhor que o antigo.

Tem graça lembrar isto, agora que o PDS, para a definição das suas políticas, está a chamar gente mais experiente. Este será, pelos vistos, mais um contraste nas filosofias que se defrontam dentro do PSD.

Sábado

Acaba-se o sábado sem um post. Era só o que faltava.

sábado, abril 07, 2018

Ainda é sábado



Acaba-se o sábado sem um post? Era só o que faltava! Ouçam e vejam aqui o que, com Bernardo Pires de Lima, disse há pouco na RTP sobre o Brasil e a prisão de Lula.

sexta-feira, abril 06, 2018

A tia Zé e a Senhora da Agonia


A tia Zé era a irmã mais velha do meu pai. Vivia com a minha avó, em Viana do Castelo, e, após a morte desta, passou os seus últimos anos na casa de irmãos. Era uma pessoa frágil, com uma evidente debilidade psicológica, o que fazia com que, desde sempre, tivesse sido confinada às tarefas domésticas mais simples: a “gestão” do pão e os cafés eram os seus dois indiscutíveis “pelouros”.

Era uma mulher pequena, que o tempo enfeiara, o que era agravado por um persistente buço que ninguém tinha a coragem de lhe pedir para tirar. Tinha um feitio muito irritadiço e, não raramente, vocalizava estados de alma com grande e expressiva facilidade. A deselegância de um “raisteparta!”, que às vezes lhe saía e direção a um sobrinho mais atrevido (e eu fui-o, várias vezes), era nela perdoada pelo estatuto que o seu infortúnio lhe criara.

A tia Zé nunca terá tido um namorado, não tinha amigos ou amigas que não fossem os visitantes da casa da minha avó e, depois, dos meus tios. E, desde os tempos de Ponte de Lima, de onde a família saiu em 1912 e se dizia que convivia com uma filha dos donos da vizinha pensão Clara Penha, nunca saía de casa. 

Havia, contudo, uma exceção. Uma vez por ano, nas vésperas dos dias de Festas da Senhora da Agonia, a tia Zé tirava-se dos seus cuidados e saía da velha casa do largo Vasco da Gama, subia pela rua de Altamira, atravessava o jardim dom Fernando e ia depositar uma esmola à capela da Senhora. A “operação” não demorava muito tempo, mas todos nós sabíamos fazer parte de uma rotina piedosa anual. 

No seu regresso, o meu pai e os irmãos não deixavam de inquirir, curiosos, as impressões da “Maria Zé”, como era tratada, sobre como correra a “expedição” à capela. E queriam saber pormenores, se ela vira a nova montra da loja do Julião, o que achara do arranjo do largo de São Domingos e coisas assim, como que a testarem a atenção que ela prestava a um quotidiano urbano de que era rara visitante. Mas a tia Zé pouco adiantava, recordo-me.

Numa dessas vezes, a Tia Zé contou ter tido dificuldade, dentro da igreja, em encontrar a caixa das esmolas. Tímida e metida em si como era, não inquiriu por algum tempo do paradeiro do recetáculo dos óbulos. Mas a sua hesitação não passou despercebida. Um cavalheiro, “de respeito e muito bem parecido” (palavras dela), aproximou-se e perguntou-lhe se necessitava de alguma ajuda. A tia Zé, à época já bastante idosa, explicou o seu embaraço para poder fazer a oferta anual à santa. O interlocutor revelou-lhe então que o pároco da Senhora da Agonia o tinha “encarregado” de estar por ali a recolher as oferendas. E, “simpático e prestável” (sic), prontificou-se a receber o montante que a tia Zé tinha naquele ano destinado para esse fim, dizendo-lhe que podia “ir descansada”...

E a tia Zé lá regressou a casa, “descansada” e desembolsada, com a certeza absoluta de que o cavalheiro seria um fiel depositário da sua esmola. 

Qualquer que tenha sido o destino do dinheiro, um juízo de razoabilidade, mesmo para quem não é “dessa freguesia”, levará facilmente a concluir que a Senhora da Agonia terá, com toda a certeza, registado o óbulo a desconto dos poucos pecados que a tia Zé devia ter a débito na sua conta-corrente de deveres celestiais. 

Uma coisa ficou claro: a tia Zé nunca colocou em causa a honorabilidade do cavalheiro “de respeito e muito bem parecido”, que tão tocantemente a auxiliara. E ficou famosa a fúria com que recebeu as graçolas dos irmãos, que cruelmente a gozaram pela sua ingenuidade.

(Mal a tia Zé sabia que, muitos anos mais tarde, este seu ímpio sobrinho iria ter o orgulho vianense - em Viana, diz-se “chieira” - de ser presidente da Comissão de Honra das Festas da Senhora de que era tão devota. Como eu gostaria que ela soubesse!)

Lembrei-me há pouco da tia Zé, ao ler no JN que as caixas de esmolas da capela da Senhora da Agonia, lá por Viana, foram assaltadas na noite de ontem. Terá sido obra de parentes do cavalheiro que ajudou a tia Zé? No fundo, bem parecidos ou não, os gatunos são feitos da mesma massa...

(Dedico este texto ao meu primo António, a quem a tia Zé devotava o maior amor dentre os sobrinhos, neste que, por razões que não vêm à conta, não foi para ele um dia fácil.)

Diplomacia democrática


Há dois dias, adquiri no aeroporto de Madrid um livro de memórias de Jorge Dezcallar, um credenciado diplomata espanhol. Ao lê-lo, pude recordar como é diferente a cultura política que se instalou no nosso país, no tocante à gestão da carreira diplomática. No nosso vizinho peninsular, as mudanças drásticas de governo têm muitas vezes consequências dramáticas nas escolhas de chefias internas e na titularidade das representações diplomáticas, num registo que induz fortes tensões e a perspetiva de repetição simétrica no futuro.

Graças a Mário Soares, no pós-25 de abril, a estrutura essencial da nossa máquina diplomática foi preservada, com o novo poder político a ter rápida consciência de que teria ao seu dispor, em geral, um corpo qualificado de funcionários, devotado a servir lealmente o Estado e os interesses nele projetados por quem, a partir daí com total legitimidade, o passava a dirigir. Houve exceções, claro, mas essas baixezas morais acabaram-se por se autoqualificar, na memória deontológica das Necessidades.

Portugal vive hoje tempos de uma diplomacia democrática: os governos mudam, os embaixadores não mudam necessariamente com eles. A rotação destes processa-se, em regra, nos ritmos normais, sem sujeição necessária aos ciclos políticos. 

Mas, para sermos francos, há que dizer que os riscos não desapareceram, por completo. Uma cultura democrática demora muito tempo a impor-se. Vemos que ainda ressurge, a espaços, a tentação, nos fins de ciclo, de colocar à pressa alguns peões, por parte dos executivos que estão de saída. Este, aliás, não é um pecadilho com particular coloração ideológica, persistindo em todos os partidos que passam pelo poder.

Suscito este tema, motivado pelas tais memórias, que têm por título “O antiquário de Teerão”, porque me parece importante que esta questão, tal como recentemente o foi a defesa do exercício exclusivo de cargos de chefia diplomática pelos profissionais que fizeram uma carreira especializada para tal, venha a ser assumida como axial na ação das estruturas sindicais que representam o pessoal diplomático. 

Por isso, porque a independência política da diplomacia é um bem a garantir no nosso serviço público, é imperioso preservar a carreira diplomática profissional da instrumentalização política. Um diplomata não é um eunuco político, pode e deve ter uma ideologia. Mas deve interiorizar que o seu único dever de obediência é perante o interesse do Estado, de que o governo de turno é apenas um ocupante episódico. Convém que se lembre sempre disso e que o recorde aos governos com os quais se cruzar.

"Antes que me esqueça"

Faz hoje um ano. Com um prefácio de Jaime Gama, apresentado por Jaime Nogueira Pinto e José Ferreira Fernandes, lancei, numa Fundação Calous...