quinta-feira, outubro 07, 2021

Racismo


Na diplomacia, no estrangeiro, herdamos relações sociais. À volta das embaixadas, de todas as embaixadas, em todos e de todos os países, pululam figuras que, por uma qualquer razão do passado, fazem parte da chamada “lista social” da casa.

Quando chega um novo embaixador, essas personalidades locais, que tanto podem ser diplomatas reformados como “socialites” da mais variada natureza (há uma quota abundante de “singles”, que dão imenso jeito para compor mesas, em falhas de última hora), quase sempre gente educada, fazem um subtil esforço para renovar os laços com o novo chefe da missão, o que lhes permite garantir convites para os dias nacionais ou a inclusão em jantares e outros eventos da embaixada. São, em geral, pessoas muito agradáveis, mas quase sempre inúteis sob o ponto de vista de préstimos para os interesses práticos da embaixada. Contudo, é indelicado “deixar cair” essas pessoas.

Os embaixadores recém-chegados, nos seus primeiros meses em posto, são, como regra geral, convidados por elas, incluídos em ocasiões sociais em suas casas, muitas vezes organizadas em honra do próprio diplomata. E aí irão conhecer outras pessoas, algumas interessantes, outras menos, o que lhes permite ir alargando um círculo de conhecimentos locais em que também vai assentar a convivência no seu tempo em posto. Quando partem, o sucessor herda essa teia de contactos.

Muitos dos jantares para que os embaixadores são convidados acabam por tornar-se numa inenarrável seca. Outros são-no menos, havendo técnicas de conversa que, em ocasiões-limite, podem ser utilizadas para “sobreviver”. Eu, como todos os meus colegas, fui criando algumas…

Em Paris, numa dessas ocasiões, num jantar em casa de gente muito rica, fiquei em frente a um cavalheiro que, desde o primeiro momento, percebi ter uma conversa um tanto incontrolável. Era um empresário já reformado, que conhecia Portugal, e que começou por me felicitar pela “sorte” de eu ter sido compatriota de Salazar, a quem fez imensos elogios. Em especial, a política africana do ditador merecia-lhe todos os louvores - “Et je connais très bien l’Afrique, monsieur l’ambassadeur!”. Fui tentando desviar a conversa, mas o homem teimava.

A dona da casa, uma senhora simpatiquérrima, também com fortes vínculos conservadores em Portugal, percebeu que as coisas não estavam a ir no caminho certo, e procurava introduzir outros temas. Mas sem sucesso. Estava-lhe a ser impossível isolar da conversa um dos quatro temas tabu clássicos, para ambientes de gente bem educada que não se conhece bem entre si: política, religião, dinheiro e “falatório” sobre pessoas ausentes.

A certo passo, o nosso homem, quiçá animado pelo excelente vinho francês que esta a ser servido, que complementava um extraordinário champanhe que tinha sido provado à entrada, começou a falar das colónias africanas e do papel histórico aí representado pelos países europeus. E saiu-se com esta, a propósito dos africanos: “São uns selvagens! Eu, confesso, sou racista”.

Na mesa, fez-se um súbito silêncio. Os franceses têm uma expressão para caraterizar estes momentos de coletiva paralisia: “un ange passe!”. A dona da casa voltou a tentar uma manobra de diversão, carreando para a conversa outro tema. Mas, qual quê!, o palavroso amigo não desarmava. E eu voltei à ribalta: “Et vous, monsieur l’ambassadeur? Comme tout le monde, vous êtes aussi un peu raciste, non?”.

A mesa olhou para mim. Eu, sem “espaço”, tive uma súbita tentação de arrogante chauvinismo lusitano (embora a expressão seja adequadamente francesa) e, muito sério, respondi: “Moi? Non, monsieur, je suis pas raciste. Je suis portugais”. E olhei-o fixamente, com a cara fechada.

Imagino que ninguém por ali acreditasse, por um instante, que os portugueses não fossem (também) racistas. Nem eu próprio acreditava. O racismo não tem fronteiras e é óbvio que há imenso racismo para cá do Caia. A colonização portuguesa, salvo para alguns líricos ou hipócritas, está imbuída dele até às entranhas do império, com discriminações e todos os vícios de qualquer processo de colonização. (Ah! E desde já aviso que não entro na velha e relha avaliação quantitativa de que os portugueses são menos racistas do que outros povos ou que, no plano qualitativo, de que a nossa colonização foi ”melhor” do que as outras.)

Aquela minha cartada verbal defensiva foi entendida por todos, com naturalidade, como uma benévola manobra para procurar calar o meu impertinente interlocutor. Porém, ao dizer o que disse, naquele ambiente franco-francês bem conservador, eu deixava implicitamente uma nota de que ser francês talvez fosse, em matéria de racismo e (vá lá, de xenofobia) uma coisa bem diferente do que era ser português. Os portugueses que viviam em França sabiam isso bem! Só o excesso do palavroso convidado me tinha dado um alibi para dizer ali uma frase que, não obstante ser curta, era diplomaticamente bem pesada.

A conversa mudou. O homem, tanto quanto me lembro, calou-se e manteve-se, a partir daí, silencioso, pelo menos até à chegada do Armagnac, que terá vindo com o café, que foi servido depois das “profiteroles”.

Por que é que me lembrei disto? Porque me chegou ontem, pela Amazon, o último livro de Éric Zemmour, o surpreendente “cometa” que, nos últimos meses, emergiu na cena política francesa, que as sondagens, de há horas, colocam já à frente de Marine Le Pen e logo abaixo de Emmanuel Macron, para as presidenciais francesas do próximo ano. E Zemmour, esse sim, é claramente racista e xenófobo.

(Já estou a imaginar alguns amigos a perguntar: “Então mandaste vir um livro de uma figura de extrema-direita?”. Comigo a responder: “Eu quase só leio coisas com que não concordo!”)

Boa tarde


Passamos o tempo a dizer ”boa tarde” às pessoas, sem pensarmos que, às vezes, há mesmo boas tardes. Como hoje aconteceu.

Um erro desnecessário

Esteve mal António Costa ao colar-se ao mantra europês sobre o processo de adesão dos países dos Balcãs à União Europeia. E esteve ainda pior ao fazer a avaliação que fez sobre o último grande alargamento, repetindo o discurso simplista de que a União deveria ter sido aprofundada antes de ter procedido ao aumento dos Estados que fazem parte da atual União a 27. Isto é tanto mais surpreendente quanto António Costa não desconhece qual foi o sentido geopolítico que esteve subjacente àquele alargamento.

Um comentador pode dizer o que António Costa disse. Um primeiro-ministro, que se cruza na mesa do Conselho Europeu com os seus colegas que chefiam países que são hoje membros da União graças ao “timing” dos últimos alargamentos, não deve dizer que eles estão por ali por virtude de um erro temporal estratégico. E, no tocante aos Balcãs e ao eventual futuro alargamento da União a essa área europeia, António Costa deveria ter tido o cuidado de guardar os seus comentários para o recato do Conselho Europeu, não para os jornalistas.

Há, no entanto, uma boa notícia, na decorrência do que António Costa disse: é que, se porventura, ele tinha alguma ambição no sentido de vir a ser futuramente presidente do Conselho Europeu, essa hipótese ficou enterrada com a sua declaração de ontem. E isso permite aumentar a possibilidade de ele se manter como primeiro-ministro a partir de 2023 - e isso é uma excelente notícia para o país.

Dito isto, regresso ao que comecei por dizer: com a sua declaração de ontem, António Costa não fez um favor à política externa portuguesa, “to say the least”.

Outono?

 


O outono já não é o que era!

quarta-feira, outubro 06, 2021

“A Arte da Guerra”


Nos meios audiovisuais do “Jornal Económico”, em “A Arte da Guerra”, falo esta semana com António Freitas de Sousa sobre os “leaks“ relativos aos “paraísos fiscais” que estão a agitar a sociedade política internacional, sobre as dificuldades algo inesperadas que Joe Biden está a encontrar no seio do Partido Democrático, sobre as tímidas aberturas democráticas no Qatar e a situação nos restantes Estados do Golfo Arábico, bem como a propósito da questão das provocações militares de Beijing ao regime de Taiwan, com análise ao peculiar estatuto internacional deste território.

Pode ver o programa aqui.

terça-feira, outubro 05, 2021

Uma pergunta polémica

O tema é polémico, mas há uma pergunta simples que não vejo formulada: a frequência do surgimento de casos de pedofilia na igreja, para além dos desvios doentios de personalidade, não terá alguma coisa a ver com a manutenção desse instituto anti-natural que é celibato forçado?

É muito feio faltar a um almoço…



segunda-feira, outubro 04, 2021

Abstenção

A elevada taxa de abstenção em Portugal também se deve muito ao facto das listas eleitorais estarem desatualizadas. Não seria de refazer o atual recenseamento, pedindo às pessoas para confirmarem - num processo aberto durante alguns meses - a sua inclusão nas listas?

Futebóis

Devemos ficar muito satisfeitos com a obtenção de título mundial em Futsal. Do mesmo modo, é justo que comemoremos os êxitos obtidos em Futebol de Praia. Mas, a bem da realidade objetiva das coisas, não misturemos estas modalidades com o futebol disputado com 11 jogadores.

domingo, outubro 03, 2021

… do meio


Era uma expressão antiga, que, imagino, seja hoje politicamente incorreta mas, nem por isso, menos atual: "Esse tipo já está muito torradinha do meio"…

… e afinal não havia Super!

 


Desagravo da Bordúria


O embaixador Luís Filipe Castro Mendes publicou no Facebook o seguinte texto:

Aos nossos analistas e comentadores internacionais têm escapado completamente os graves conflitos que persistem na fronteira entre a Sildávia e a Bordúria. A paciência de Klow (que sabe que não pode contar com os seus aliados) contrapõe-se a arrogância com que a Bordúria continua a provocar incidentes e a ocupar territórios tradicionalmente sildavos. Francisco Seixas da Costa, de que estás à espera? Até quando esse silêncio cúmplice com o regime dos sucessores de Pleksy-Gladz, que mudaram o Partido Bigodista para Partido Patilhista, sem modificarem os seus métodos autoritários e arbitrários?

Respondi-lhe, naquela mesma prestigiada rede social:

É mesmo muito triste! Tenho uma vida de amizade com Luís Filipe Castro Mendes e nunca dele esperei uma coisa destas! Quando julgamos conhecer uma pessoa e críamos poder ter algumas certezas sobre a sua postura relativamente a grandes temáticas internacionais, somos surpreendidos, de chofre, por uma análise num tom e substância que só podemos qualificar por ligeiro, se não mesmo leviano. Luís Filipe Castro Mendes, ao acusar a Bordúria de atos agressivos contra a Sildávia, prestou-se a ser porta-voz de uma insinuação da maior gravidade. A Bordúria, saiba o embaixador Castro Mendes, é, como sempre foi, um Estado de bem, com uma reputação à prova de bala, como o ilustra o seu magnífico quadro de relações bilaterais, com a óbvia exceção da vizinhança pária que uma geografia madrasta lhe deixou como destino. Ou Luís Filipe Castro Mendes acha que uma entidade internacional com o prestígio da Abcásia, que desde sempre teve uma embaixada em Szohôd, brinca com essas coisas? Que outro país teve a coragem de estabelecer um consulado honorário em Stepanakert, cobrindo também a Transnístria? Quando o Bophuthatswana tentou reconhecimento internacional, foi, por acaso, bater às portas de Klow? É o vais! Que chancelaria foi procurada, como qualificado “honest broker”, dotado de uma diplomacia de fino recorte e provas dadas, para mediar o sangrento conflito entre San Théodoros e Nuevo Rico? Luís Castro Mendes, que firmou um nome na nossa diplomacia, a que seria desejável que se mantivesse fiel, devia evitar ser intoxicado pela nefasta propaganda sildava e, pior do que isso, deveria recusar-se a carrear para um espaço com o rigor e a seriedade do Facebook versões inquinadas de factos incontroversos. Ao que chegámos, meus senhores!

Este texto é ilustrado por uma clássica representação gráfica naïf da cidade de Szohôd, capital da Bordúria.

… e as Serras



Pela primeira vez na qualidade de membro do Conselho Consultivo da Fundação Eça de Queiroz, honrosa função para que fui recentemente convidado pelo respetivo Conselho de Administração, estive ontem em Tormes.

Olhando a paisagem em volta, neste Outono que já começa a merecer o nome, entende-se melhor o fascínio do escritor pelo local.

“Observare”


Sob a moderação de Pedro Bello Moraes, Carlos Gaspar, Luís Tomé e eu falámos, no “Observare” desta semana, do futuro político da Alemanha e do “namoro” entre a Turquia e a Rússia.

No que me toca, lembrei que o antigo presidente francês, Nicolas Sarkozy, foi condenado a prisão efeitiva (do que ainda pode decorrer), o que deixa uma sombra sobre a direita democrática francesa neste tempo que antecede as eleições presidenciais, bem como o facto dos chefes militares americanos terem sido chamados ao Congresso, para uma espécie de “diebriefing” explicativo sobre as razões do colapso da sua missão no Afeganistão.

Como sugestão, lembrei o último filme inspirado na figura de James Bond, que culmina quase seis décadas de um mundo mitico “a preto e branco”, feito de “bons” e de “maus” da fita, que continua a agradar a muita gente (na qual, confesso, me incluo).

Pode ver, clicando aqui.

sábado, outubro 02, 2021

“Portugal no Mundo”


O modo como nos olham de fora, o contraste com aquilo que pensamos de nós mesmos ou o confronto com aquilo que é a objetiva realidade dos factos, bem como a forma de a melhorar, tudo isso foi objecto de um debate em que participei na passada quinta-feira, com outros convidados, por sugestão da RTP. Vários estrangeiros deram também a sua visão, neste interessante exercício coordenado por Ana Lourenço, no quadro da série “Fronteiras XXI”, numa parceria com a Fundação Francisco Manuel dos Santos.

Pode ver clicando aqui.

A capa

Uma das duas revistas semanais de informação da nossa praça trouxe ontem uma capa (porque é da capa, e só dela, que falo) sobre Carlos Moedas que é o retrato exato da indignidade em jornalismo.

Tenho bastante pena pela revista, de que sou leitor desde o número um e de que, há muitos anos e em outras encarnações editoriais, cheguei a ser colaborador. 

Conheço por lá gente que me merece consideração pessoal (não obstante eu próprio por ali ser zurzido, de quandoem vez, risco que agora deve aumentar), que lamento ver deslizar no plano inclinado para a mediocridade jornalística.

Espero que não surjam desculpas esfarrapadas, arguindo que, no texto que figura no seu interior, nada do que se escreve é repreensível e que o que se assinala na capa apenas reflete aquilo que a própria figura visada já tinha tornado público!

Não brinquemos! Se a revista finge não perceber a gravidade daquilo que fez - pior, se vier a procurar desculpar-se com “technicalities” e alibis de pacotilha - então apenas confirmará aquilo que muitos suspeitavam e que alguns teimavam em acreditar que não podia ser verdade: que se converteu, irremediavelmente, a uma conhecida e “infamous” escola de “jornalismo”, que, nos dias de hoje, representa o pior daquilo que existe na comunicação social portuguesa - e todos sabemos do que estou a falar!

Mas há uma esperança: a revista ainda vai a tempo de pedir desculpas formais a Carlos Moedas. Terá essa coragem ou assumirá o desplante, num editorial cheio de soberba, no seu próximo número, de achar que tinha consigo a razão? Vai ser um belo teste. Ficamos à espera!

sexta-feira, outubro 01, 2021

Expo Dubai


Tive o gosto de integrar, durante alguns anos, o Conselho Consultivo da estrutura que preparou a presença de Portugal na Expo no Dubai, que hoje se inaugura.

Foram bastantes e muito interessantes as reuniões em que um grupo alargado de conselheiros, retribuídos apenas pelo gosto de ajudar o nosso país a marcar uma participação com dignidade no certame (que foi adiado, devido à pandemia, de 2020 para 2021), procurou definir o conceito do nosso pavilhão, dos seus conteúdos e das mensagens que, através dele e de uma multiplicidade de eventos que ali decorrerão nos próximos seis meses, iremos transmitir. Da economia à gastronomia, da música à literatura, da arquitetura à memória histórica, estou confiante de que Portugal vai deixar uma bela marca nesta exposição.

Neste momento em que encerro a minha colaboração, quero deixar uma palavra de gratidão ao Celso Guedes de Carvalho, o primeiro comissário do evento, que me formulou o honroso convite para participar, bem como ao presidente da AICEP e atual comissário, Luís Castro Henriques, e à comissária adjunta, Francisca Guedes de Oliveira. Uma outra palavra, desta vez de saudade, a dois amigos que integravam o Conselho Consultivo mas que, entretanto nos deixaram: João Vasconcelos e António Silva.

Desejo o maior sucesso à nossa “aventura” nacional na Expo Dubai. É bom ver Portugal regressar às grandes exposições internacionais.

quinta-feira, setembro 30, 2021

O fenómeno Zemmour


     

Nos anos em que vivi em França, assistia, com regularidade, a um animado e interessante programa televisivo semanal, com entrevistas e debates, intitulado “On n’est pas couché”. Por ali passava tudo quanto “estava na berra”, da política à literatura, do teatro ou cinema à música.  O programa tinha então dois comentadores residentes, que liam e analisavam, de forma muitas vezes cáustica, mas sempre inteligente, os livros que iam saindo, o comportamento das figuras da política, etc. Durante alguns anos, o dueto foi constituído por Éric Naulleau e Éric Zemmour (depois, foram variando). 

Nollau era ensaísta e editor, com uma visão de esquerda, mas frequentemente muito crítica para a própria esquerda. Zemmour era jornalista e autor de vários livros, extremamente conservador e soberanista. Mais tarde, criaram, em outra estação, um programa intitulado “Zemmour & Naulleau”. Eram ambos figuras brilhantes, por muito polémicas que as suas opiniões fossem.

Com o regresso a Portugal, perdi de vista Naulleau, mas cada vez tenho ouvido falar mais de Zemmour, embora nem sempre pelas melhores razões. As suas posições foram-se tornando mais extremadas, algumas foram lidas como xenófobas e mesmo racistas, o que levou a condenações judiciais e ao seu afastamento de vários órgãos de comunicação.

Mais recentemente, Zemmour surgiu na vida política francesa como um possível candidato à presidência da República. Um livro que lançou, “La France n’a pas dit son dernier mot”, na sequência de vários outros que foram imensos êxitos editoriais, está a ser visto como uma possível rampa de lançamento para o Eliseu. Zemmour é hoje um fenómeno de que toda a França fala.

Há sondagens que o creditam com 11-14 % de intenções de voto, já muito próximo da candidata do “Rassemblement National” (antigo “Front National”), Marine Le Pen. Mas o grande embaraço parece estar a atingir o campo político da direita tradicional, o partido “Les Républicans”, antes liderado por Nicolas Sarkozy e, depois, por François Fillon (ambos hoje a braços com a Justiça), atravessado uma luta fratricida para escolher um candidato para o representar nas eleições presidenciais de abril/maio de 2022. O discurso de Zemmour, que chega a reivindicar-se do gaulismo, parece estar a fazer o seu caminho no eleitorado desse setor conservador.

Zemmour é demasiado elaborado para poder ser tido como uma espécie de Trump “à francesa”. Mas a sua postura, chauvinista, abertamente anti-islâmico, tradicionalista e com apelo ao saudosismo identitário, tem um acolhimento potencial que está a baralhar os dados da política interna francesa.

“A Arte da Guerra”


No “ A Arte da Guerra” desta semana, falo com António Freitas da Costa sobre as perspetivas políticas na Alemanha depois das eleições legislativas, os pontos mais salientes dos discursos na Assembleia Geral da ONU e as recentes movimentações político-militares na Coreia do Norte.

Pode ver clicando aqui.

terça-feira, setembro 28, 2021

Uma memória do 28 de setembro de 1974


Depois da derrota política sofrida no dia 28 de setembro de 1974, o general António de Spínola, presidente da República, na ressaca dos acontecimentos e das manifestações desse dia que ficou histórico, tinha convocado o Conselho de Estado para 30 de setembro. Foi anunciado que, nessa ocasião, faria uma comunicação ao país pela televisão e rádios, diretamente de Belém.

Eu andava pelo palácio da Cova da Moura, onde era adjunto da Junta de Salvação Nacional, instituição a que Spínola ainda presidia, mas que, tudo o indicava, tinha a sua existência a prazo. Juntámo-nos uns tantos, de tendências político-militares bastante diversas e até antagónicas, em torno de um televisor, para ouvir a intervenção do chefe de Estado.

Os tempos eram muito tensos, o ambiente político era de cortar à faca. Naquela sala estava gente cujo futuro iria ser, a partir desse dia, muito díspar. Lembro-me de que havia por lá um general do Exército, cujo nome não consigo recordar, recém-regressado de uma Angola em convulsão, que sabíamos ser um "spinolista" ferrenho. Estava acolitado por figuras que não conhecia, com cara patibular, de quem tinha ficado do lado dos derrotados nas “batalhas” das vésperas.

Todos antecipávamos as palavras do "velho" (como os "spinolistas" gostavam de chamar à sua figura tutelar). A ideia mais comum era a de que se demitiria em direto das funções, mas outros cenários, nomeadamente de alguma resistência à recente derrota nas ruas dos seus apaniguados, ainda eram plausíveis.

O discurso começou, com a voz rouca de Spínola, naquele registo épico e um pouco teatral que era o seu, a dramatizar, como era de esperar, a situação política, na exata linha das suas anteriores frustradas tentativas de fazer levantar a suposta "maioria silenciosa" do país.

O diagonóstico que saía da sua boca era ácido e impiedoso para os vencedores dessas horas. Todos olhávamos o aparelho de televisão mas, verdadeiramente, policiávamo-nos pelo canto do olho, sabendo que cada um lia as palavras de Spínola de forma diferente. Para mim, como jovem militar "a prazo", que me via do lado vencedor da contenda, o momento era excitante.

A certo passo da intervenção, mas ainda antes do anúncio da demissão do "caco" (como Spínola também era conhecido, por virtude do seu monóculo), um homem da Marinha, Duarte Lima (não, não é esse!), não se conteve e fez ecoar pela sala alguns adjetivos qualificativos, muito pouco abonatórios para o presidente da República e presidente da Junta de Salvação Nacional, a cujos quadros pertencíamos e em cuja sede estávamos.

Praticamente, ninguém o acompanhou na expressão vocal dos sentimentos que o motivavam, os quais, no fundo mas apenas no íntimo, creio que eram partilhados pela maior parte dos presentes. Mas, com os diabos!, Spínola era um derrotado daqueles dias e havia outras maneiras de, como dizem os militares, "explorar o sucesso", tanto mais que "não se dispara sobre ambulâncias". 

Duarte Lima, porém, estava imparável, indignado com os ataques de Spínola ao MFA, e não se calava, nos insultos que ia proferindo, em crescendo. O general chegado de Angola, a alguns metros dele, fervia de raiva, marcada pela impotência que Spínola confessava no seu discurso. Os seus escassos acompanhantes remoíam em silêncio.

Quando tudo terminou, depois de Spínola ter anunciado a sua demissão, todos nos levantámos, ainda um pouco aturdidos com o início de uma nova fase da Revolução que o seu gesto prenunciava. O tal general, lívido, passou pelo Duarte Lima e, num assomo de autoridade, lançou-lhe: "Você devia ter vergonha pelo que disse". A compostura militar impôs-se e Duarte Lima não reagiu. Ou melhor: deixou sair o superior da sala e comentou, para nós: "Estive para o mandar à ....". Mas não mandou. E ainda bem. O general já tinha tido a lição dos factos.

segunda-feira, setembro 27, 2021

“Fronteiras XXI”


Eça agora


Que terei eu dito que levou a esta reação hilariante de Luís Castro Mendes, meu parceiro na palestra sobre ”Eça diplomata e a diplomacia em Eça”, no passado dia 16, no Grémio Literário?

Democracia


A beleza inultrapassável da democracia é colocar na mão dos eleitores, por um dia pessoas iguais umas às outras, no exato momento em que colocam o seu voto na urna, o poder de decidirem quem vai gerir o seu destino coletivo por algum tempo. É essa imprevisibilidade do “humor” dos cidadãos que torna genuíno e legítimo o desfecho do seu exercício de vontade. Para alegria de uns e para tristeza de outros.

Ontem, as cores políticas que são as minhas tiveram algumas vitórias e derrotas. Bastantes mais vitórias do que derrotas. Senti algumas dessas vitórias como muito reconfortantes, mas devo confessar que tive uma derrota que muito me custou. A perda da Câmara de Lisboa para uma coligação que, ideologicamente, está nos meus antípodas, é um momento de tristeza que não posso nem quero esconder. 

Fiz parte da Comissão de Honra do meu amigo Fernando Medina nas duas eleições que disputou. Fi-lo convictamente, porque considero - pelos vistos, ao contrário de uma maioria dos votantes de ontem, nesta minha cidade - que ele foi um excelente presidente da Câmara de Lisboa. É um homem e um político de uma grande seriedade e com um elevado sentido de serviço público. Deu tudo a Lisboa e dedicou-se ao seu trabalho com todo o empenhamento. Os lisboetas tiveram outra leitura das coisas, o que temos de respeitar. Como referi no início deste texto, a liberdade de escolha, a cada instante, é a grande virtualidade da democracia.

Os votantes lisboetas optaram por Carlos Moedas, figura que eu, equivocadamente, julguei ser um erro de “casting”, para o exercício deste cargo em particular. Como sempre afirmei, foi um excelente Comissário Europeu, é uma pessoa de bem e um amigo que prezo. Ele sabe que a sua vitória não me deixou feliz, como também sabe que é com grande sinceridade que, a bem de Lisboa, ao felicitá-lo, lhe desejo as maiores felicidades no seu trabalho nos tempos que terá pela frente.

A vida continua.

domingo, setembro 26, 2021

A sério

Sei que irrita muita gente ouvir isto, mas eu repito: quem não vota tem um “capitis diminutio” moral para criticar a ação dos políticos eleitos pelos outros.

Lembrando

“O voto é uma arma do povo”, era o slogan oficial nas primeiras eleições em liberdade, em 1975. 

“Se votas, ficas sem arma…” era uma “boca”, meia anarca, que se via pintada pelas paredes.

A votação foi esmagadora.

Tvês

Por que será que os repórteres que entrevistam os políticos à entrada ou saída de qualquer local se sentem na obrigação de nos repetir, logo de seguida, aquilo que acabámos de ouvir?

Unir as nações


Muitas pessoas se interrogam sobre a razão pela qual, todos os anos, em setembro, chefes de Estado e de governo, ministros e suas comitivas rumam para Nova Iorque, para a Assembleia Geral das Nações Unidas. Sabe-se que alguns, ”de fora”, acham aquilo um espetáculo dispensável, uma “feira de vaidades” sem sentido, uma perda de tempo e dinheiro.

Há pouco, encontrei esta fotografia que ajuda a responder, em parte, à questão. A imagem mostra as divisórias montadas na sede da ONU, para encontros bilaterais, que duram, em média, 20 minutos cada. Cada um daqueles espaços tem uma agenda, com marcação prévia, com a devida antecedência. Dentro estão sofás e cadeiras. Fora estão a segurança e os assessores dispensáveis para a ocasião.

Uma das funções da semana ministerial da AG da ONU é precisamente proporcionar aos responsáveis políticos a possibilidade de se encontrarem frente a frente. São muitas centenas, se não milhares, as reuniões que assim se processam, naqueles dias, no “palácio de vidro”. Em algumas horas, é possível desenvolver um conjunto de contactos que ajudam a resolver uma imensidão de problemas. Desta forma se evitam viagens entre países, perdas de dias de trabalho, e até se limita fortemente a “pegada ecológica” das viagens aéreas entre capitais. 

E não me venham com a história de que, no futuro, tudo se fará à distância, em modelo de conferência Zoom ou similar! Só quem não conhece a realidade da vida internacional pode pensar que alguma vez o contacto pessoal é totalmente substituível.

As nações não estão sempre unidas e a diplomacia existe para tentar lutar contra isso.

Votem!

“Mesmo que não encontres o partido dos teus sonhos para votar, não deixes de votar contra os que causam pesadelos”

“Observare”


Com Luís Tomé e Carlos Gaspar, sob a moderação de Filipe Caetano, abordei, no “Observare” desta semana, na TVI 24, o acordo estratégico dos EUA com o RU e a Austrália, as perspetivas para a vida política alemã depois das eleições de hoje e a importância da Assembleia Geral da ONU. Pela minha parte, falei ainda das tensões em quatro países do Magreb e as novas ofertas americanas de vacinas anti-Covid.

Pode ver aqui: https://tviplayer.iol.pt/programa/observare/5f998d910cf203abc5a

sábado, setembro 25, 2021

Game over!


“Então passa-se um dia como o de hoje e não pões nada no blogue?”

Reflexão

Que os atos públicos de propaganda das campanhas eleitorais sejam suspensos na véspera imediata do sufrágio, vá que não vá! Que, neste dia “de reflexão”, os cidadãos sejam tratados como crianças, sem maturidade para poderem continuar a discutir o sentido do seu voto, é ridículo!

sexta-feira, setembro 24, 2021

Vila Real


Por muitos anos, em democracia, o PSD venceu as eleições para a presidência da Câmara Municipal de Vila Real.

Embora essa persistente tendência desagradasse a quem se opunha aos social-democratas, como foi sempre o meu caso, e não fossem muito evidentes as razões objetivas que a justificavam, nada se podia objetar: tratava-se do livre exercício da vontade popular, que nesse sentido se manifestava e assim ia tendo os consequentes resultados. Vila Real tinha o que queria. A democracia é isso mesmo.

A oposição protagonizada pelo Partido Socialista, por esses mesmos anos, mostrou-se sempre incapaz de gerar uma alternativa que convencesse os eleitores. Tentou-o por várias vezes, com vários protagonistas, no seu legítimo direito de mostrar que tinha um melhor projeto. Eu próprio procurei “ajudar”, chefiando, em 1997, como independente, a lista do PS à Assembleia Municipal. E perdi. Assim, por erros próprios ou por mérito de quem estava então no poder - cada um terá a sua interpretação - o domínio do PSD foi-se mantendo. Até 2013.

Nesse ano, Rui Santos, um jovem engenheiro com um percurso profissional e político feito na cidade, liderou uma lista que, finalmente, convenceu os munícipes do concelho de que o Partido Socialista, à época na oposição ao governo do país, tinha as soluções certas para a condução dos destinos do município.

Tive o gosto de ir então a Vila Real apoiar essa candidatura, que me pareceu a solução certa para mudar, com projetos novos, o rumo da autarquia. Uma maioria de vila-realenses pensou da mesma forma e Rui Santos foi eleito presidente, com o PS a reverter por completo o anterior domínio do PSD. Em 2017, a expressão numérica da sua reeleição foi ainda mais forte, o que prova a grande confiança que essa alternativa gerou nos eleitores.

Rui Santos concorre agora a um terceiro - e último, por lei - mandato. Tudo aponta para que, no próximo domingo, se processe a sua segunda reeleição, com números igualmente muito confortáveis. 

Já não voto em Vila Real, como fiz por alguns anos. Se o fizesse, o meu voto, sem a menor hesitação, iria para Rui Santos. Para quem me conhece, não seria necessário afirmar isto, mas quis deixar aqui expresso o meu total apoio à lista que o Partido Socialista apresenta em Vila Real. E enviar a Rui Santos o meu abraço solidário.

quarta-feira, setembro 22, 2021

“A Arte da Guerra”


Na edição desta semana de “A Arte da Guerra”, falo com o jornalista António Freitas de Sousa sobre o novo acordo estratégico entre os EUA, o Reino Unido e a Austrália, as eleições legislativas na Rússia e a aparente tendência para o regresso ao poder da social-democracia em países nórdicos. Pode ver aqui: https://lnkd.in/gXfKM5Xm

Ele há lá um céu como este!

 


“A Arte da Guerra”


Hoje, às 19 horas, em “A Arte da Guerra”, nas plataformas do “Jornal Económico”, falo com o jornalista António Freitas de Sousa sobre o novo acordo estratégico entre os EUA, o Reino Unido e a Austrália, as eleições legislativas na Rússia e a aparente tendência para o regresso ao poder da social-democracia em países nórdicos.

terça-feira, setembro 21, 2021

O que dou

Há pouco, num encontro casual na Estufa Fria, dei um abraço, muito sincero, ao meu amigo Carlos Moedas, um homem de bem, que foi um excelente comissário europeu.

No domingo, nas eleições, vou dar o meu voto, também muito sincero e com todo o empenho cívico, ao meu amigo e correligionário (gosto imenso da palavra) Fernando Medina, que tem sido e vai continuar a ser um excelente presidente do município de Lisboa.

Cada um dá o que quer e a quem quiser.

Notícias da terra

A Covid anda por aí a matar em barda, o Afeganistão está no estado em que está, no Médio Oriente as coisas estão empatadas mas sempre à bica de poderem explodir, na Ucrânia vive-se a paz podre de há muito, os islamistas desestabilizam o Sahel e espalham-se como azeite por outra África, a Europa política, depois do Brexit, está dividida e num coma de projeto disfarçado pela retórica auto-congratulatória e pelos lucros do euro, Putin ganhou com fraudes e Bolsonaro e outros Maduros do género autocrático lá vão andando, os EUA e os seus amigos assustados do Oriente “fazem peito” e desafiam agora uma China cada vez mais deslumbrada com o seu poderio, a ONU, coitada, faz o que pode e, infelizmente, pode pouco e queixa-se muito. Também sei que as desigualdades globais, em matéria de riqueza, não se atenuaram ou até se agravaram, que há muita fome no mundo dito em desenvolvimento e uma crescente exclusão nos países mais ricos, que há muitos e cada vez mais refugiados à procura de abrigo e milhões de deslocados internos pelo mundo, que continua a morrer gente a atravessar o Mediterrâneo, que os extremismos atiçam cada vez mais ódios e potenciam os medos, levando a um alheamento cívico preocupante. Sei tudo isso, mas gostava de dar uma “novidade”: nunca tanta gente viveu tão bem em todo o mundo e raramente se atravessou um período de paz e redução de luta armada aberta como aquele que vivemos. Sei que isto “não dá jeito” e vai a contraciclo do sentimento prevalecente na maioria, que parece viver confortavelmente deprimida, num discurso catastrofista e tremendista, acossada por alguns receios concretos mas em geral difusos, para quem os factos são, afinal, um pormenor que não pode abalar as convicções que já têm adquiridas como verdade. Repito: pode parecer o contrário, mas é assim mesmo. Pensem nisto!

Uma pega de uma gralha

Os franceses, para quem não saiba, usam a expressão “nom d’oiseaux” para significarem um insulto. Esta deriva ornitológica surgiu-me agora à ideia. Num texto que alinhavei por aqui, cometi, há dias, uma gralha. Sim, uma gralha! Imaginem que escrevi “precalço” em lugar de grafar “percalço”. E logo um periódico, ladino, feroz, de lápis azul afiado, fez notar o erro crasso, embora de forma sibilina. Já estou a ver o leitor a exclamar, indignado: “O quê! Um embaixador, que representou o país pelo mundo, que deve trazer a língua portuguesa ao peito, comete um erro desse calibre?!” Imagino mesmo o meu amigo Albano Bessa Monteiro, daqui a dias, por via postal, a zurzir-me, em papel timbrado do seu escritório de advogado: “Então tu, aluno do meu pai em Português (bem sei que nunca passaste de 14, mas mesmo assim!), caíste nessa coisa miserável de trocar a posição do “e” com a do “r”, pensando talvez que ias safar-te com o alibi de alguma dislexia de velhice? Valha-nos a imprensa, atenta, alerta, à cata desses imperdoáveis deslizes. No final de contas, tu és é um imenso ignorante! O meu velho pai e teu professor, se soubesse desta tua calinada, do tamanho de um andor da Senhora da Pena, teria um imenso e justificado desgosto. Digo-te mais, Francisco, eu já tinha notado a fragilidade que te abala a escrita, logo a ti, que há dias cometeste um livreco: aqui há uns anos, insensatamente, escreveste “insenso” em lugar de “incenso”. O que diria o padre Henrique! E, noutra ocasião (nunca to disse, por pudor), escreveste “idiossincrasia” só com um “s”! Calei então a minha indignação, mas digo-to agora, revelando o quão chocado fiquei. Como compreenderás, a partir deste momento, as nossas relações nunca mais poderão ser as mesmas.” É assim a vida! Ornitológica e graficamente, em “nom d’oiseaux”, quase que se podia dizer que foi uma pega de uma gralha.

segunda-feira, setembro 20, 2021

A utilidade marginal das imagens


Em 2017, fiz ver por escrito à CMTV que era uma desnecessária e preguiçosa atitude, sempre que aquele canal fazia uma peça sobre reformas ou pessoas idosas, apresentar umas imagens captadas no Jardim da Estrela, em que surgia Rui Mário Gonçalves à conversa com José-Augusto França. Creio não ter tido o menor êxito.

Dado que o primeiro tinha morrido uns anos antes, parecia-me indelicado, para a respetiva família, que essas imagens se repetissem, tanto mais que o nome dos “figurantes” não vinha sequer ao assunto. O “cameraman” terá filmado aqueles ”velhotes” como podia ter filmado outros quaisquer. E, no entanto, ali estavam duas figuras importantes da escrita sobre a arte portuguesa, por mera obra do acaso.

Ora bem! Com a morte de José-Augusto França, surge agora uma bela ocasião para aquelas imagens da CMTV saírem do arquivo. Procurem pela palavra ”reformados” ou “idosos” ou “velhos”. Vão ver que encontram.

domingo, setembro 19, 2021

A conterrânea de Steinbroken



Devo ter ainda numa estante qualquer, já nem sei onde, "A Musa Irregular", de Fernando Assis Pacheco. Há muito tempo.

Há minutos, na "Travessa" (nunca devemos perder a esperança no futuro de um país onde há livrarias que estão abertas ao domingo), vi uma edição do livro de 2019, da "Tinta da China". Compro? Não compro? Dizia na capab"edição aumentada", o que foi um alibi para desculpar a aquisição.

Quando vale em euros uma hora de belo pousio, nesta tarde de sol estupenda (a palavra já se usa pouco, mas tem uma sonoridade que me agrada), ali no Príncipe Real? Mas será que há lugares nos bancos de jardim ou a chusma de franceses que por aí anda e as holandesas de perna ao léu já terão ocupado tudo? Mas vale, com certeza, o preço deste livro de um poeta que me deu sempre muito gozo ler e que tenho a sensação de que escrevia com um prazer imenso. 

Comprei e fui lendo - em voz alta, porque gosto da poesia falada, mas em tom suficiente baixo para não parecer maluquinho diante de quem passava. E não é que, na página 243, dei com um poema a uma "pen pal" finlandesa?! 

É que eu, ao tempo da minha juventude mais jovem, também troquei cartas (julgo já ter contado isso por aqui) com uma loirita gordaça da terra de Steinbroken, da qual, ao contrário de Assis Pacheco, nem por sombras me apaixonei. Não era com certeza a mesma, porque me recordo que finlandesas à procura de correspondentes latinos era "mato", à época. E logo a nós, que, por essa altura, só sonhávamos com suecas! 

Aqui fica a inveja assumida a quem fez os "versinhos".

sábado, setembro 18, 2021

José-Augusto França


Há coincidências do diabo! Há dois dias, depois do jantar, saído do Grémio Literário, depois de charlar com um amigo para umas dezenas de pessoas, sobre o diplomata que Eça de Queirós também foi, veio-me à memória, de repente, José-Augusto França. Que seria feito dele? Sabia que estava doente, há já bastante tempo, algures em França, onde vivia.

Acabo de saber que morreu, aos 99 anos.

É que tinha sido precisamente no Grémio Literário que eu tinha sido apresentado a José-Augusto França, nem sei bem em que contexto. Fiquei então satisfeito por lhe poder dizer que, além de conhecer muita da sua obra, ainda antes do 25 de Abril lia, com grande interesse, crónicas que ele publicava, creio que no “Diário de Lisboa”, sobre questões de património e arte.

Lembrava-me, aliás, de que fora ele quem, numa delas, dera o alerta para o facto da antiga igreja, junto à Praça do Município, onde hoje está o Museu do Dinheiro, e que era à época uma garagem do Banco de Portugal, ter surgido com as respetivas pedras numeradas. Isso significava que estava prestes a ser demolida e transportada, ao que julgo, para a zona de Benfica.

França escreveu então um artigo a insurgir-se contra o que achava ser um atentado ao património. O que hoje é coisa banal na nossa imprensa - alertar para uma decisão passível de contestação - era então, não apenas coisa rara, mas algo de corajoso. A verdade é que o assunto foi travado e o edifício ficou por lá. Muito graças ao alerta de José-Augusto França.

Nessa minha conversa, que julgo que teve lugar durante um jantar, aproveitei para lhe contar um episódio que ele desconhecia. Uma cena que eu tinha testemunhado, numa noite de 1970 ou 1971, no Centro Nacional de Cultura.

Francisco Salgado Zenha, advogado de renome, oposicionista à ditadura e que, em democracia, foi depois “número dois” do PS e candidato presidencial, intervinha num ciclo de palestras. O regime não iria deixar durar muito essa iniciativa do Centro.

Já não recordo qual era o tema da palestra de Zenha, mas lembro-me bem de que, a certa altura, ele citou, com ironia, uma frase que ouvira a José Augusto França, segundo a qual os portugueses viviam divididos entre “dois santos”: São Bento, para quem era atraído pelo poder, e Santa Apolónia, para os que viviam na permanente miragem de Paris.

Nessa altura, ouviu-se, do fundo da sala, a voz forte, quase de tribuno, do advogado, jornalista e político Francisco Sousa Tavares, que também ali estava, ao lado da sua mulher, a escritora Sophia de Mello Breyner, a interromper o orador: "O José-Augusto disse isso? Essa agora!? Logo ele, que nunca usa o comboio, que vai sempre de avião para Paris!" A sala desatou em gargalhadas. 

Divertidíssimo, França confirmou-me que, de facto, contava, às vezes, essa graça. Mas estava longe de supor que Sousa Tavares o citara.

José-Augusto França era um homem fascinante. Historiador de arte, mas também memorialista e ficcionista, teve um papel muito ativo no nosso panorama cultural, tendo chefiado o Centro Gulbenkian em Paris. É um nome grande que se vai.

“Observare”


O trio costumeiro - Luís Tomé, Carlos Gaspar e eu -, desta vez sob a moderação de Pedro Belo Moraes, regressou, nesta ”rentrée”, ao “Observare”.

Falámos de vários temas, comigo a abordar a saída de Ângela Merkel e as próximas eleições na Alemanha, as decorrências do regresso ao poder dos Talibãs no Afeganistão, os rumos do Brasil na espécie de “fuga em frente” de Bolsonaro e o regresso de José Eduardo dos Santos a Angola.

Pode ver o programa clicando aqui: 

Sobre o imenso perigo das dicas

                    

"Não fales de coisas boas e baratas para comer! Espalhas as dicas e, depois, enchem aquilo tudo e não há lugares!"

Há dias, alguém me dizia isto, num jantar no "Raposo", perto do Jardim Constantino, um pouso culinário a que, por tempos, me esqueço de ir e que vivamente recomendo. 

Lembrei-me hoje deste recado na "Imperial de Campo de Ourique", também conhecida pela "Tasca do João", um lugar onde, sempre que posso, aos almoços de sábado, vou comer o "bacalhau à minhota" da dona Adelaide.

Pedi uma mesa à porta, com o fresco da rua, e por ali estive, de babete no peito, para evitar pingos de azeite sobre a camisa. 

Um destes dias, irei contar por aqui as histórias de vida do João, um homem de Ponte da Barca que, há muito, fez de Campo de Ourique o seu mundo. Que ali foi feliz (vai ser avô, de novo, em breve), cuidando da felicidade gustativa dos outros.

Deixo-os, por ora, com a fotografia do petisco de hoje e de sempre.

Das Ordens


O Presidente da República e Grão-Mestre das Ordens Honoríficas Portuguesas conferiu posse, em cerimónia realizada no Palácio de Belém, aos vogais dos três Conselhos das Ordens, nomeadamente Conselho das Antigas Ordens Militares, Conselho das Ordens Nacionais e Conselho das Ordens de Mérito Civil.

Ler aqui:

sexta-feira, setembro 17, 2021

Acabou-se o papel


Não se assustem com o título deste texto!

Num dia de 2013, recebi um convite do diretor do “Diário Económico”, António Costa, para escrever uma coluna no seu jornal. Iniciei aí uma interessante atividade regular, a que decidi pôr termo, dois anos mais tarde, por razões pessoais. Já não me recordo se a minha coluna tinha algum nome.

“Transferi-me”, em 2016, para o “Jornal de Negócios”, acolhido pela então diretora, Helena Garrido, órgão onde me tenho mantido, até hoje, com a coluna a que dei o nome pouco original de “Duas ou Três Coisas”, dado ser essa a designação do blogue que escrevia desde 2009.

Entretanto, ainda em 2015, quando dirigia o “Jornal de Notícias”, Afonso Camões tinha-me proposto escrever também uma coluna semanal. Chamei-lhe “Uma Segunda Opinião”. Trezentos e tal artigos depois, já no início deste ano, essa coluna chegou ao fim, como tudo na vida.

Já mais recentemente, em 2018, o semanário “Jornal Económico”, através do seu diretor, Filipe Alves, convidou-me para passar a escrever aí uma coluna, a que chamei “Antes que me esqueça”. E por aí também fiquei, até hoje.

No dia de hoje, publiquei no “Jornal de Negócios” e no “Jornal Económico” dois artigos que tomei a decisão que iriam ser os últimos. 

Porquê esta paragem? José Gomes Ferreira (não, não é esse, é o poeta) dizia que “viver sempre também cansa”; eu acho que escrever sempre também me estava a cansar. A obrigação ritual de ter de preencher, em datas certas, uns milhares de carateres, começou a dar-me menos prazer do que a angústia das “deadlines” me estava a criar. 

Informei disso, hoje mesmo, os diretores dos dois jornais - Diana Ramos no “Negócios” e Filipe Alves no “Económico”. A ambos e às suas equipas, fico imensamente grato pelo acolhimento e, em particular, pela extrema simpatia e elevado profissionalismo com que, em ambas as “casas”, sempre fui tratado. 

Decidi assim fazer uma pausa na escrita, em termos regulares, em papel. Mas, como dizia o outro, “vou andar por aí”, escrevinhando de quando em vez, se me quiserem aturar.

Ah! E, claro, também vou ficando por estas plataformas luminosas em que agora me estão a ler, enquanto me apetecer.

As lições de Cabul


O que se passou em Cabul, com a atabalhoada saída dos americanos e o colapso, praticamente sem resistência, de uma administração local apoiada por umas forças armadas que se presumia já capazes de suster uma guerrilha, maculou seriamente a imagem dos EUA no mundo.

Observar aquela que é, a grande distância, a maior potência mundial, a cair num erro de cálculo daquela dimensão, induz uma inevitável sensação de fragilidade, quase de “naïveté”, que contrasta muito com o retrato que os americanos sempre se dedicaram a projetar de si próprios.

O temor ao poderio das grandes potências foi sempre uma das mais relevantes componentes da dissuasão. Mostrar “pés-de-barro”, sob os holofotes, não é nada prestigiante.

Gostaria, no entanto, de deixar aqui uma nota de prudência. O saldo do Afeganistão para os americanos, sendo indiscutivelmente penoso, tem leituras algo diferentes dentro e fora da América.

Muito em especial depois da aventura iraquiana, a tendência dominante, na opinião pública americana, vai no sentido de favorecer um recuo da afirmação militar do país pelo mundo, em especial no modelo “boots-on-the-ground”.

A eleição de George W. Bush em 2000 já havia sido, aliás, uma resposta àquilo que muitos consideravam ser o excessivo envolvimento externo que, em parte dos seus oito anos, Clinton tinha protagonizado na Casa Branca.

O Iraque era uma espinha encravada na memória da família Bush, mas convem lembrar que o adversário favorito dos “falcões” que acompanhavam o débil presidente - Cheyney, Rumsfeld e os teóricos “neocon” - já era então a China. Foi o 11 de setembro que inverteu conjunturalmente as prioridades.

O recuo desta deriva começa a ser feito por Obama, um presidente que demonstrou uma patética incapacidade para ler os sinais do tempo internacional, deixando a América, pelo mundo, num estado bem pior do que aquele em que a encontrou. É verdade que a emergência de Trump como que veio “absolver” quase tudo, mas há que ser fiel a essa verdade.

Obama, depois Trump e, agora, Biden, ao prosseguirem uma linha de recuo no envolvimento militar, respondem a um sentimento profundo que prepondera na opinião pública americana: “bring our boys back”.

Volto ao que atrás escrevi. O mundo interpretou o que se passou no Afeganistão como uma imensa humilhação para os americanos - com tristeza para os amigos e aliados da América, para quem Washington é um chapéu de proteção e com quem há sempre algum grau de sintonia, mesmo nos piores dias, mas com um “esfregar-de-mãos” de satisfação por parte de quantos, ainda que deste lado do mundo, têm a americanofobia como a sua doença infantil de estimação.

Mas não nos enganemos: mesmo que Biden tenha descido nas sondagens depois do fiasco de Cabul, o sentimento interno americano sobre esse desaire teve um impacto substancialmente menor do que aquele que se projetou pelo mundo. Repito: os americanos, em geral, gostaram de ver os EUA fora do Afeganistão, naturalmente tendo preferido que isso tivesse ocorrido de outra maneira. Mas o essencial, para a opinião pública americana, era que as suas tropas saíssem.

Agora, no quadro das reflexões dos “think tanks” americanos, mais democráticos ou mais republicanos, vamos assistir a exercícios de “lessons learned”, que não deixarão de ter consequências na reformulação da própria doutrina operativa futura das forças armadas e da “intelligence” dos EUA.

As lições de Cabul, contudo, vão ser apreciadas, com grande atenção, em outras geografias, já não num registo analítico frio, mas num quadro de alguma angústia.

Se pensarmos que os EUA têm hoje previstos movimentos de “desengajamento” de tropas, embora parcial e faseada, de vários teatros geopolíticos (Alemanha, Japão, Coreia do Sul, Bahrein, Kuwait, Arábia Saudita), onde a sua presença funciona como um conforto de segurança para aliados, que se consideram sob riscos que não se atenuaram e, em alguns casos, até se agravaram pela leitura receosa que fazem da nova assertividade da China e das tensões com o Irão, teremos de concluir que a quase complacência americana com o regresso dos talibãs vai fazer soar algumas campainha de alarme. Desde logo, muito em especial, em Taiwan.

“A Arte da Guerra”


As eleições legislativas na Alemanha, o surgimento de uma candidatura da esquerda francesa para as as presidenciais do próximo ano e a situação político-militar no norte de Moçambique ocupam o “A Arte da Guerra” desta semana, na conversa habitual com António Freitas de Sousa.

Pode ver aqui: https://fb.watch/84fivWNeTe/

Não foi assim


Em 31 de agosto último, uma cerimónia serena, congratulatória, teve lugar no aeroporto Hamid Karzai. As últimas tropas americanas abandonavam o Afeganistão.

Não obstante alguns focos localizados de insurgência talibã, o governo de Cabul, apoiado pelo seu formidável aparelho militar, de centenas de milhares de homens, equipado, treinado e municiado pelos Estados Unidos, ao longo de uma vintena de anos, conseguiu instaurar segurança numa grande parte do país.

Com todas as suas insuficiências, a democracia foi fazendo o seu caminho na sociedade afegã, as mulheres afirmaram os seus direitos, o ensino passou a abranger, sem limitações, ambos os sexos e até a luta contra a corrupção, um cancro eterno no país, começou a impor-se.

Não foi fácil a vida em Cabul e no resto do Afeganistão, ao longo destes 20 anos. Mas valeu a pena o esforço. A Al Qaeda, que os talibãs protegiam, foi desmantelada por ali, não obstante ter gerado “metástases” noutros locais, em especial fruto do erro na abordagem ao caso iraquiano.

Bin Laden desapareceu de cena e os “splinter groups” têm, apesar de tudo, um potencial de desregulação violenta muito diferente daquele que produziu o 11 de Setembro.

O regime afegão vai respeitando, “tant bien que mal”, a separação de poderes e compromete-se cada vez mais a um esforço acrescido em termos de Direitos Humanos, sob o olhar dos países e instituições doadoras, que observam regras de condicionalidade da ajuda.

Com a promessa de um substancial apoio internacional, que o inigualável peso político americano irá favorecer pela sua influência nas instâncias multilaterais, a economia afegã vai ser estimulada em diversos setores, com a luta contra a exportação ilegal de droga a começar a fazer doutrina na vida do país.

O Paquistão, pressionado fortemente pelos Estados Unidos, irá quebrando o apoio de back-up com que os seus serviços secretos estimulam a insurgência talibã.

A Rússia, recetora de lições antigas, tem vindo a reforçar o apoio ao governo do Tajiquistão, para quebrar circuitos de réditos que as papoilas garantiam à guerrilha. Ainda há muito a fazer, mas está tudo bem encaminhado.

Joe Biden pode dizer finalmente aos americanos que fez regressar “our boys”, tal como a sociedade estado-unidense exigia, deixando ali a prova provada de que, afinal, um trabalho paciente pode levar a um “nation building” eficaz, num modelo democrático, com cada caso a revelar as suas caraterísticas, reeditando exemplos de sucesso como, no longínquo passado, haviam sido o Japão ou a Coreia do Sul, ou mesmo a Alemanha.

A ideia de que, com persistência, a “exportação” da democracia se podia fazer, não era um mito. Os aliados dos Estados Unidos, por seu lado, podem também dizer às suas opiniões públicas que a operação afegã não foi um mero seguidismo a Washington, mas representou um compromisso com uma agenda de projeção da paz, digna dos melhores princípios.

Vistas bem as coisas, o trabalho das operações militares, levadas a cabo à distância, por forças armadas empenhadas em objetivos que a comunidade internacional tinha como finalidades “do bem”, não foi um trabalho em vão. Valeu a pena.

Mas não foi assim.

quinta-feira, setembro 16, 2021

Religião

Há mais de quinze anos, quando conheci pessoalmente o então presidente Lula, ainda antes de lhe apresentar credenciais como novo embaixador português no Brasil, a primeira pergunta que me colocou foi saber qual era o meu clube, em Portugal: “o Benfica ou o Porto?”

Expliquei-lhe que não era nenhum dos dois e estranhou quando lhe respondi que era adepto de “um clube essencialmente católico, porque que só ganha quando Deus quiser”. E acrescentei, para ele perceber melhor: “Um pouco como o seu Corinthians…”

Ontem à noite, lembrei-me bem daquela conversa com Lula.

Roménia e Irlanda - o futuro no boletim de voto.

  Ver aqui .