quinta-feira, setembro 30, 2021

O fenómeno Zemmour


     

Nos anos em que vivi em França, assistia, com regularidade, a um animado e interessante programa televisivo semanal, com entrevistas e debates, intitulado “On n’est pas couché”. Por ali passava tudo quanto “estava na berra”, da política à literatura, do teatro ou cinema à música.  O programa tinha então dois comentadores residentes, que liam e analisavam, de forma muitas vezes cáustica, mas sempre inteligente, os livros que iam saindo, o comportamento das figuras da política, etc. Durante alguns anos, o dueto foi constituído por Éric Naulleau e Éric Zemmour (depois, foram variando). 

Nollau era ensaísta e editor, com uma visão de esquerda, mas frequentemente muito crítica para a própria esquerda. Zemmour era jornalista e autor de vários livros, extremamente conservador e soberanista. Mais tarde, criaram, em outra estação, um programa intitulado “Zemmour & Naulleau”. Eram ambos figuras brilhantes, por muito polémicas que as suas opiniões fossem.

Com o regresso a Portugal, perdi de vista Naulleau, mas cada vez tenho ouvido falar mais de Zemmour, embora nem sempre pelas melhores razões. As suas posições foram-se tornando mais extremadas, algumas foram lidas como xenófobas e mesmo racistas, o que levou a condenações judiciais e ao seu afastamento de vários órgãos de comunicação.

Mais recentemente, Zemmour surgiu na vida política francesa como um possível candidato à presidência da República. Um livro que lançou, “La France n’a pas dit son dernier mot”, na sequência de vários outros que foram imensos êxitos editoriais, está a ser visto como uma possível rampa de lançamento para o Eliseu. Zemmour é hoje um fenómeno de que toda a França fala.

Há sondagens que o creditam com 11-14 % de intenções de voto, já muito próximo da candidata do “Rassemblement National” (antigo “Front National”), Marine Le Pen. Mas o grande embaraço parece estar a atingir o campo político da direita tradicional, o partido “Les Républicans”, antes liderado por Nicolas Sarkozy e, depois, por François Fillon (ambos hoje a braços com a Justiça), atravessado uma luta fratricida para escolher um candidato para o representar nas eleições presidenciais de abril/maio de 2022. O discurso de Zemmour, que chega a reivindicar-se do gaulismo, parece estar a fazer o seu caminho no eleitorado desse setor conservador.

Zemmour é demasiado elaborado para poder ser tido como uma espécie de Trump “à francesa”. Mas a sua postura, chauvinista, abertamente anti-islâmico, tradicionalista e com apelo ao saudosismo identitário, tem um acolhimento potencial que está a baralhar os dados da política interna francesa.

6 comentários:

Luís Lavoura disse...

xenófobas e mesmo racistas

É curioso ser racista, porque ele mesmo é judeu.

JM Bombordo disse...

Penso que se esta à referir ao Eric Naulleau, com o qual até tenho a mesma Alma Mater, Paris Nanterre.
Quanto a sua reflexão acho a um tanto simplista, Zemmour é um produto criado pela televisão com a finalidade de aumentar as audienças nos sítios onde aparece.
Primeiro numa versão soft no “On n´est pas couché”, depois um pouco mais dura na RTL, no Le Figaro e no Paris Première no “Zemmour et Naulleau” depois mais hard, no C News.
Hoje aparece um Zemmour 2.0 muito mais hard, obsessivo, pouco intelectual mais populista pronto a tudo. Como no mais recente exemplo de terça feira passada : depois de na semana anterior ter falado mal do Qatar (acusando com razão essa monarquia de financiar os Irmãos muçulmanos) passado alguns dias esta no Parc des Princes a dar vivas ao produto mais visível desse estado o PSG.
Propagando fakes news e versões inexactas da historia aparecendo com apoios como o Philippe de Villiers e o Patrick Buisson para ocupar a direita da direita republicana (LR) e a esquerda da extrema direita (RN).
Não tem programa só umas ideias “attrape tout” com algum “echo” em sectores mais velhos da população, onde o antes era melhor ainda tem expressão.
Dito isto, não creio que esta figura tenha hipótese de ir até as urnas, face as figuras da direita republicana em corrida para a presidência, neste momento, ambas já com programa definido e obra feita na presidência das regiões que são Xavier Bertrand e Valerie Pécresse. Devo dizer que não votaria para nenhum dos três aguardo um candidato de esquerda.

Jaime Santos disse...

E depois, Luís Lavoura? Por que razão um judeu não pode ser racista? As opiniões que muitos nacionalistas israelitas têm dos árabes podem ser consideradas racistas. Daniel Barenboim, entre outros, classificou a lei do Knesset que negava a autodeterminação em Israel a outros que não os judeus como racista.

Pode-se naturalmente perguntar se tal posição é coerente ou sequer inteligente, já que os judeus são alvo habitual de racismo, mas o mundo é um lugar complicado. Os Portugueses são ainda objeto de racismo noutras paragens e também por cá temos os nossos Zemmours...

José disse...

Ó Lavoura, racismo é uma coisa, xenofobia é outra e, finalmente, antissemitismo é outra!

Luís Lavoura disse...

José

racismo é uma coisa, xenofobia é outra e, finalmente, antissemitismo é outra

Não bem. Antissemitismo é uma forma de racismo. Não são, portanto, coisas completamente distintas.

Luís Lavoura disse...

Jaime Santos

Evidentemente que um judeu pode ser racista. Mas, na Europa, em particular em França, país no qual o antissemitismo já foi muito virulento, não é de esperar que um judeu seja racista - pois sabe que esse racismo se pode virar contra si mesmo.

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