terça-feira, janeiro 28, 2020

Confissão

 
Abomino gelatina. Nunca achei a menor graça àquela coisa tremelicante, de gosto duvidoso, que alguns se obstinam em servir, em certas ocasiões. O aspeto até pode ter a sua graça, mas eu não me alimento de graças.

Quando era miúdo, a minha mãe, nas festas que organizava para os meus aniversários, tinha por hábito rechear de gelatina colorida metades de laranja, retirando antes o seu interior, que imagino ia parar a sumos ou a saladas de fruta, partindo depois aos gomos essas metades. Eu nem tocava naquilo! Vivia na esperança de que os meus amigos de escola primária, convidados para aqueles lanches, se deliciassem e atulhassem com aquela coisa de cor viva, deixando-me a mim um maior usufruto das sandwiches, das bolachas, dos pudins, dos bolos, dos chocolates e de outras coisas verdadeiramente sérias.

Sei lá bem porquê, precisamente na data que é a de hoje, senti uma forte vontade de comer uns gomos de gelatina colorida em casca de laranja, como aqueles que a minha mãe preparava nesses dias que então eram de festa. Às tantas, isto deve ser da idade!

Rui Ramos


A colonização, no caso de África, não consistiu apenas na tutela e na presença de europeus. Assentou na menorização das populações nativas, através de constrangimentos de todo o tipo, dos quais a escravatura foi o pior, mas que incluíram também o trabalho forçado, as culturas obrigatórias e os estatutos especiais, como o do “indigenato”, que de facto excluía os nativos de uma comunidade legal e cívica reservada aos europeus e aos “assimilados” “.

Há dias, mesmo no “Observador”, em que o comentarista Rui Ramos se lembra de que também é o historiador Rui Ramos. E é um gosto lê-lo.

segunda-feira, janeiro 27, 2020

O (meu) Sporting

Deve haver uma boa razão (mas, por mais que me esforce, não consigo descobri-la) pela qual esta subida do Sporting ao terceiro lugar da tabela classificativa, ultrapassando essa potência do futebol que é o Famalicão, não me entusiasma como devia. Mas o defeito é meu, com certeza

Ainda o CDS

Achei particular graça a uma passagem do discurso final do novo presidente do CDS no encerramento do congresso do partido: “No CDS nós não nos apoquentamos com as caricaturas que uma determinada elitezinha “gourmet”, bem pensante, intelectual de esquerda, nos quer colar”. Tomei boa nota. Apesar de tudo, foi elegante.

Luís Santos Ferro


Por muitos anos, não fui sócio do Grémio Literário. Sucessivas estadas no estrangeiro e uma vida ocupada quando em Lisboa não me dariam para gozar, com calma, as delícias da Rua Ivens, pelo que, por muitos anos, fui apenas um visitante episódico daquela bela casa.

Um dia, já não sei bem quando, deixei cair, numa conversa com o Luís Santos Ferro, essa minha qualidade de não-sócio. “O quê!? Você, um queiroziano de mérito, não é dos nossos?”. O “queiroziano de mérito” tocou-me a corda da vaidade e lá entrei eu para associado do Grémio, com a absoluta certeza de ter sido proposto por ele.

Quando e onde eu tinha conhecido o Luís Santos Ferro foi sempre, para mim, um mistério. Lisboa é uma aldeia feita cidade e, tendo nós muitos amigos, interesses e tarefas que se cruzavam, terá sido algures por aí. O importante é que em boa hora o conheci, estabelecendo com ele, desde o primeiro minuto, uma forte empatia.

O Luís era a boa disposição feita pessoa, que recordo com aquele sorriso franco, que se abria quando nos encontrávamos. Divertido, com histórias magníficas, amigo do seu amigo, sempre disponível, com uma cultura multifacetada, diziam-me ser uma extraordinária mais valia no Conselho Literário do clube. “Foi o Eça quem me trouxe para o Grémio. Só estou cá por causa dele”, disse-me, um dia.

E assim era. Com o prolífico arquiteto Campos Matos, Luis Santos Ferro, um engenheiro que foi diretor da Fundação Luso-Americana, era, no meu modesto entender, das pessoas que, em Portugal, mais sabia sobre a vida e obra de Eça de Queiroz.

Grandes “estudos” fizemos para tentar perceber, à luz da interpretação de pequenos pormenores, em que casa da Rua de S. Domingos à Lapa “viveu” esse “distinto sportsman” que, em “Os Maias”, se chamou Dâmaso Salcede. Figura a que o Luís sempre se referia como “o seu vizinho”, porque moro por lá.

Quando fui para embaixador em Paris, cidade onde havíamos de nos encontrar em belas jantaradas à roda da mesa de gente amiga, o Luís tinha um pedido a fazer-me: procurar substituir a já ilegível placa colocada no local onde antes estivera a casa em que Eça tinha morrido, colocada, nos anos 50, pelo meu longínquo antecessor, o embaixador Marcello Mathias. Empenhei-me, falei com autoridades e proprietários, e, um dia, para seu imenso contentamento, consegui levar a cabo aquilo que o Luís me pedira.

Mas fiz mais: num aniversário do Eça, ainda antes de abandonar a embaixada, consegui instalar uma placa comemorativa na primeira casa em que o escritor tinha vivido, logo que acabado de chegar a Paris. Foi o Luís, claro!, a primeira pessoa a quem dei conta desta nova iniciativa de um diplomata que “conspirava” pelo escritor. “O Altíssimo nos agradecerá”, sendo que o “Altíssimo” era o Eça, porque sempre soube que o Luís era pouco dado a outros.

Há semanas, num qualquer evento, cruzei-o nas salas do Grémio. “Estive bastante doente, sabia?”. Não sabia e, sem estar a mentir, disse-lhe que, pelo contrário, o achava com excelente aspeto. “Vivo do aspeto”, retorquiu-me, com uma das suas costumeiras gargalhadas. Mas reparei que aquelas escadas já lhe estavam a ser pesadas.

Recebi há pouco a notícia de que o Luís Santos Ferro tinha morrido. Fiquei muito chocado, provavelmente até bastante mais do que a nossa limitada intimidade justificaria. Só que o Luís era já uma parte integrante e querida do mundo de amigos e conhecidos que tenho vindo a criar ou recriar, desde que, faz amanhã sete exatos anos, regressei em definitivo a Lisboa.

Agora, para mim, o Grémio, sem ele, passa a ter metade da graça. As conversas sobre o grande Eça vão tornar-se numa caturreira enfadonha. O nosso sempre adiado almoço com o arquiteto Campos Matos nunca mais se fará.

De que terá morrido o Luís? Ainda não sei. Mas, se acaso lhe tivesse perguntado sobre aquilo de que padecia, ter-me-ia talvez respondido, imitando o sentenciosismo do Conselheiro Acácio, “não há doenças, há doentes”. Desta vez, aos 80 anos, o doente era ele. Adeus, Luís!

Jantar no Porto


Fui lá, pela primeira fez, nos anos 70. O local não mudou muito, mas a sala pareceu-me ontem bastante mais pequena do que a minha recordação tinha fixado.

A vista é deslumbrante, de longe a melhor do Porto, daquele 13° andar. A noite de ontem estava límpida, mas, de dia, o panorama deve ser ainda bastante melhor. À minha volta, só havia turistas.

Aquele edificio, hoje muito datado e já bastante decadente, era conhecido como a “Cooperativa dos Pedreiros”. O nome do restaurante é “Portucale”. A decoração permanece exatamente a mesma, com madeiras e cadeiras de couro, uma espécie de Gambrinus à moda do Porto, mas apenas no estilo. Hoje, no género, creio que está sozinho no mercado, depois que o velho Escondidinho se foi.

No final dos anos 80, fui ali acompanhar um membro do governo de então, num almoço com o presidente do Futebol Clube do Porto, para tratar de uma questão oficial. A certa altura, entrou na sala um pequeno grupo de pessoas, em que vislumbrei um grande amigo meu. Ele olhou para a mesa, fiquei com a sensação de que me tinha visto, saudei-o, mas ele não reagiu. Minutos depois, intrigado, levantei-me e fui à mesa em que ele estava sentado. “Ah! Estavas ali? De facto, pareceu-me ver-te, mas não acreditei que estivesses com aquela companhia...” O meu amigo é um furioso adepto do Leixões e o Futebol Clube do Porto continua, até hoje, a ser um dos seus ódios de estimação.

Foi simpático voltar ontem ao “Portucale”. A comida esteve longe de deslumbrar, mas o serviço foi muito atento, com empregados antigos e sabedores, num ambiente com um “charme” burguês que nos faz regressar algumas décadas atrás.


domingo, janeiro 26, 2020

Conversas globais

Conversa com Pedro Pinto na TVI. Pode ver aqui.

Os meus amigos


Há cerca de dois anos, numa festa pelo meu aniversário, um amigo que tinha vindo propositadamente a Lisboa para a ocasião, ao olhar o conjunto das pessoas presentes, algumas figuras publicamente conhecidas, exclamou: “Mas, afinal, tu tens quase tantos amigos de direita como de esquerda!”

Lembrei-me disso, há poucos dias, quando vi uma conhecida personalidade da “esquerda da esquerda”, numa entrevista na televisão, “meter os pés pelas mãos” quando lhe perguntaram se tinha amigos de direita. E, esforçando-se para contextualizar uma razão justificativa, lá conseguiu avançar com um nome.

Não faço a menor ideia se tenho mais amigos de direita do que de esquerda. As amizades que fui fazendo ao longo da minha vida, e são felizmente muitas, nunca foram determinadas pela minha identidade ou dessemelhança ideológica com as pessoas.

Tenho amigos, alguns com décadas de convivência e forte intimidade, de quem não faço a menor ideia do seu sentido de voto, nem alguma vez nos passou pela cabeça que isso viesse à baila nas nossas conversas.

A outros, que sei de certeza segura que vivem em mundos ideológicos em absoluto contrastantes com o meu, a única coisa que sempre “exijo” é que estejam dispostos a aturar a minhas ironias e graçolas sobre as suas idiosincrasias. E estou sempre aberto, claro, a que façam o mesmo comigo.

A maioria dos amigos que, basicamente, pensam politicamente tem normalmente alguma dificuldade em entender quando lhes digo que não tenho a menor paciência para acompanhar blogues “de esquerda”, que só com grande sacrifício consigo ler artigos de gente que se situa na minha área ideológica. Quando lhes afirmo, com total verdade, que o que me diverte é ler “fachos”, que me regalo com colunas de opinião de “indignados” direitolas, que sou fiel seguidor de tudo o que escrevem alguns reacionários encartados, ficam com um ar surpreendido. Já desisti de os catequizar para esta minha bizarria.

Tenho ótimos amigos que são monárquicos ferrenhos, sendo eu um republicano quase jacobino. Crentes à quinta potência convivem, creio que muito bem, com o indefectível ateu que sempre fui. Vivo rodeado de amantes de touradas, espetáculo que eu proibiria se acaso tivesse poder para tal. Ah! E detesto a caça (exceto na mesa)! Ouço divertido as teorias dos liberais, comigo a ter vontade de decepar a “mão invisível” e de reforçar mesmo alguns poderes do Estado que eles diabolizam. Gozo imenso com os saudosos do Estado Novo e até do colonialismo, mas estou com eles e com outros, mesmo os “machistas-leninistas”, nas graças (algumas delas impublicáveis) que desafiam o “politicamente correto”, juntado-nos (clandestinamente) em gargalhadas na troca de algum anedotário e léxico qualificante hoje muito pouco em voga (e mais não digo!).

Optar por ler e ouvir aquilo que conforta o que penso poderia ser muito cómodo, mas há muito que isso deixou de ter para mim a menor graça. O que me estimula, cada vez mais, é ser confrontado com as ideias radicalmente contrárias às que eu tenho, o que só ajuda a reforçá-las. E, obviamente, não me inibo de as zurzir e causticar, quando me apetece, como é público e notório para quem me lê por aqui.

Vivo a minha vida rodeado de amigos e conhecidos bem diversos, muitos dos quais, se acaso se conhecessem entre si, acabariam, pela certa, por se detestarem - e alguns detestam-se mesmo. Tenho um assumido gozo egoísta, mas que até acho saudável, de ser eu único fator que é comum a todos - sejam eles de direita, de esquerda ou adeptos do Cascalheira. E vivo lindamente assim!

E lá se foi o CDS!

Leiam bem o que se escreve na moção que venceu o congresso do CDS, ouçam o que disse António Pires de Lima na sua intervenção e atentem no que significa para o partido que foi de Freitas do Amaral e de Amaro da Costa a vitória do berreiro demagógico e sectário, a rondar a linguagem da extrema-direita. Adeus, CDS!

Novo olhar no “Olhar o Mundo”


O “Olhar o Mundo”, para quem eventualmente não saiba, é um programa sobre política internacional que, todas as semanas, o jornalista António Mateus dirige na RTP, sendo atualmente emitido na RTP 3 e repetido em outros canais. Há vários anos que António Mateus assegura o programa, que antes teve a direção de Márcia Rodrigues e, depois, de Manuel Menezes.

Desde que António Mateus orienta o “Olhar o Mundo”, vários especialistas em relações internacionais conversam semanalmente com o jornalista sobre dois ou três temas de atualidade, num diálogo apoiado em peças televisivas (reportagens ou entrevistas), fazendo também uma análise sobre a semana anterior e deixando algumas pistas sobre a que se seguirá. Gravado à sexta-feira, cada “Olhar o Mundo” permanece atual apenas por escassos dias, porquanto a realidade internacional muda muito rapidamente. 

O que só poucas pessoas talvez saibam é que, desde sempre, todos os especialistas convidados fazem o programa sem a menor retribuição, o que julgo tornar o “Olhar o Mundo” num dos menos dispendiosos programas da empresa. Numa relação “qualidade/custo” deve ser difícil encontrar na programação da RTP algo mais eficaz.

Eu próprio fiz parte da equipa do programa durante alguns anos, tendo deixado de colaborar com regularidade no “Olhar o Mundo” a partir do momento em que assumi as funções que hoje ocupo na RTP (também sem qualquer retribuição, diga-se), como um dos seis membros do seu Conselho Geral Independente (CGI) - a entidade que escolhe a administração da empresa, que define as orientações estratégicas para a sua ação e que, em permanência, vela pelo cumprimento das obrigações de serviço público da rádio e da televisão públicas. Em princípio, nenhuma incompatibilidade existia entre as duas tarefas, mas senti-me mais cómodo ao não acumular ambas as funções.

A minha anterior ligação ao “Olhar o Mundo” torna-me assim algo “suspeito” na avaliação, altamente positiva, que faço do trabalho da equipa do programa. Assumo, sem o menor problema, esse viés, mas isso não condiciona a minha atividade na RTP, porquanto o CGI em nada interfere nos programas e na informação da estação.

É por essa razão que hoje me sinto totalmente à vontade para afirmar que o novo “recrutamento” feito por António Mateus, a professora Ana Santos Pinto, que esta semana se estreou no ”Olhar o Mundo”, constitui uma extraordinária mais-valia, por se tratar de alguém muito qualificado, com um grande rigor analítico e uma capacidade de exposição muito rara.

Todos os que, como espetadores, seguimos semanalmente o “Olhar o Mundo” estamos de parabéns por este valioso reforço da sua equipa. Ao António e à Ana deixo um abraço amigo, com votos de bom trabalho.

sábado, janeiro 25, 2020

Tempos interessantes


A um ano de distância, ninguém parece ter a menor dúvida de que Marcelo Rebelo de Sousa só não verá renovado o seu mandato como presidente da República se acaso decidir não se recandidatar. A sua extraordinária popularidade, mesmo que possa vir a sofrer entretanto alguma erosão, garante-lhe uma posição mais do que confortável face a qualquer putativo concorrente. Além disso, prevalece maioritário no país o sentimento de que a sua prestação, por muitas críticas que a alguns possa merecer, em especial no tocante à forma excessiva como por vezes se expõe no exercício do cargo, tem-se constituído como um contributo positivo para a estabilidade e para o apaziguamento de tensões, sempre num registo de rigor institucional.

Não anunciando por ora a sua recandidatura, o que tem toda a lógica à luz dos precedentes, o presidente tem igualmente sublinhado que a ponderação dessa decisão não está concluída, como que deixando claro que um juízo sobre as suas condições de saúde poderá sobrepor-se à sua evidente vontade de vir a exercer um segundo mandato. Neste domínio, porém, como alguém já assinalou, Marcelo Rebelo de Sousa não está totalmente “livre”. É que, no caso da decisão vir a ser negativa, o atraso no respetivo anúncio tem óbvios impactos sobre o processo de constituição tempestiva de uma alternativa no seio da sua própria família política. E todos podemos imaginar o que por aí viria, num cenário de não recandidatura do presidente! Por isso, o tempo de anúncio de uma não recandidatura terá de ser diferente do de uma decisão em sentido oposto.

Partamos, contudo, do princípio de que Marcelo Rebelo de Sousa anunciará, quando lhe aprouver, que será candidato a sucessor de si mesmo. Nem por isso as eleições deixarão de ser um tempo precioso para medir a temperatura política do país.

A quase certa vitória de Marcelo Rebelo de Sousa arrasta, aliás, consequências interessantes, em especial no lado direito do espetro político. Tal como nas últimas eleições legislativas, em que já se dava por adquirida a derrota do PSD e do CDS, muitos dos seus eleitores tradicionais se sentiram livres para fazer escolhas em novas alternativas, também em 2021 alguns dos potenciais votantes (mesmo que, no fundo, não muito entusiastas) no atual presidente poderão ser tentados a dar-se ao “luxo” de vir a oferecer o seu voto a outros candidatos da direita política.

Um partido como o “Chega” terá, como é quase certo, o seu líder como candidato, mas podemos perguntar-nos o que acontecerá àqueles eleitores de direita que, tendo justificado pudor em ir por esse caminho, mas querendo mostrar o seu desagrado face ao atual presidente (mas com a antecipada certeza de que este será reeleito), desejem robustecer com o seu voto o surgimento de um outro nome? Podemos imaginar que uma ala mais liberal (como o tempo altera os conceitos...) dentro do PSD, bem como quantos se revêem numa explícita direita política, possam ser tentados a seguir uma candidatura conservadora, com uma matriz “justicialista”, protagonizada por alguém que faça da luta contra a corrupção o seu “cavalo de batalha” (os nomes já andam por aí...). Refiro-me não apenas a quantos, num passado não tão longínquo como isso, apoiaram com o seu voto os governos Passos-Portas, mas igualmente a novos eleitores, tributários da doutrinação liberal ou capturados pelo neo-conservadorismo.

Está já muito claro que a temática do combate à corrupção, com razões justificadas pelo apelo muito forte que ela hoje tem na sociedade portuguesa, vai continuar muito presente no debate político futuro. Não é, assim, de excluir que a próxima campanha presidencial possa abrir uma discussão sobre se o papel do chefe de Estado, num regime semi-presidencialista como a “plasticidade” do nosso, em que parte do recorte funcional depende da vontade do próprio e da existência de condições políticas conjunturais para o seu exercício, não deverá colar-se a um perfil mais pró-activo no combate à corrupção. O clamor por uma maior intervenção do chefe de Estado junto do executivo, para reforço e independência das estruturas policiais e das instituições judiciais pode vir a figurar nessa agenda política de campanha.

Há boas razões para pensar que este tipo de abordagem, cujo grau de racionalidade e objetividade política sempre dependerá do nível de populismo que lhe esteja ou não associado, possa vira projetar-se transversalmente às várias áreas político-partidárias, quiçá procurando transcendê-las. Quero com isto dizer que será expectável que, ao lado de uma ou várias candidaturas de direita, que surjam com este “leit motiv” no centro da sua campanha, possam emergir candidaturas oriundas da esquerda, esperando colher apoios em terrenos próximos do PS (que, tudo o indica, não irá ter candidato próprio, mas onde se sabe haver gente relutante em votar no atual presidente), mas igualmente em outros setores políticos, como a área de votantes do Bloco de Esquerda e do Livre. A lógica explicativa da emergência de tais candidatos será muito simples: evitar que a bandeira da luta contra a corrupção fique monopolizada pela direita.

Se acrescentarmos a estes possíveis candidatos aquele que o PCP e outras formações não deixarão de apresentar, com vista a fixar, como habitualmente, o seu eleitorado, bem como os “espontâneos” do costume, está desenhado um cenário em que, ao contrário daquilo para que uma visão simplista poderia apontar, a vitória de Marcelo Rebelo de Sousa não terá a expressão estratosférica, em termos de números, que alguns vaticinavam.

Estou mais do que certo de que o atual presidente não vive com fantasmas de emulação virtual com o passado, agradando-lhe mesmo o facto de poder vir a ser o protagonista central de um momento eleitoral que coincide com um tempo político que, em face da fragmentação partidária reinante no parlamento, será de uma muito maior exigência política. E, por isso, para ele, muito mais estimulante.

Vão ser tempos interessantes para viver, pedindo de empréstimo uma velha expressão chinesa.

(Artigo que hoje publico a convite do “Expresso”)

O CDS

 

Será que o CDS perdeu, de vez, o seu lugar na sociedade política portuguesa? Depois do resultado catastrófico nas últimas eleições, a luta pela liderança, que se consumará neste fim de semana, pode, afinal, acabar num debate autofágico e autoflagelatório, que ajudará a dar cabo do que ainda resta do partido. Se assim acontecer, o novo líder que dali sair pode vir a ter uma vitória pírrica.

Pode parecer estranho que esteja aqui a preocupar-me com o CDS, mas a verdade é que se trata de um partido onde tenho alguns (e bons) amigos, cujo papel histórico no pós-25 de abril não subestimo. Não me é indiferente o futuro da direita em Portugal, porque o regime político democrático, que quero ver preservado, tem de a ter em conta, por muito que a cegueira sectária de alguma esquerda o não perceba. Por isso, o saldo do congresso do CDS interessa-me.

Se o CDS, para evitar que a direita radical se refugie no Chega, passar a mimetizar as suas causas populistas de medo e de ódio, estará condenado: os nostálgicos fascistas, os reacionários trauliteiros, preferem o original a um genérico com gente mais urbana e educada. 

Se o CDS pretende vir a ser a casa dos liberais, uma elite fina e modernaça, de camisa desapertada até ao quarto botão, pode acabar por conquistar algum do neoconservadorismo que anda pelo Twitter e por blogues residuais, bem como alguma da direita que polula na opinião do Observador e debita em certas “business schools”. Mas é claro que tudo isso, por muito barulho que faça, por muitas colunas de jornais que alimente, por muitos comentadores que promova, não enche muito mais do que um estádio de futebol. E, muito menos, o parlamento.

O CDS, que creio que há muito já percebeu que não poderá nunca titular o poder no país (quantas vezes Paulo Portas não se terá já arrependido de ter deixado a JSD?) e que só regressará ao governo como “muleta” do PSD ou em outras inimagináveis conjunturas, parece, contudo, não ter ainda entendido que, para continuar a ter um lugar minimamente relevante no espaço político, só lhe resta regressar à sua matriz ideológica original, trabalhando-a de forma contemporânea, educada, criativa, serena e dialogante. 

Para isso, o CDS não pode ser um partido “caceteiro” e ultramontano, deve largar a demagogia barata que o fez afundar nas duas últimas eleições, deixar-se de slogans demagógicos e de atitudes histéricas, e, acima de tudo, deve manter um respeito por si próprio, pela sua história, pelo que foi nos tempos em que chegou a ter um papel significativo na democracia portuguesa. E nestes não incluo os tempos da “troika”, bem entendido.

Domingo, logo se verá por onde o CDS quer ir. Ou se, afinal, não irá a parte nenhuma.

Conversas globais



 

Durante 25 minutos, estarei na TVI 24 à conversa com o jornalista Pedro Pinto, no programa “Conversas Globais”.

Falaremos da “guerra” EUA-China, da globalização, dos desafios da competitividade europeia, das oportunidades para Portugal no mercado global, etc.

O programa será transmitido na TVI 24 no domingo, dia 26 janeiro, à 01:10 e às 17:30, estando depois disponível no TVI Player.

sexta-feira, janeiro 24, 2020

Aniversários


Nos idos de 1980, colocado na embaixada em Oslo, coube-me preparar a visita de Estado de Ramalho Eanes, então presidente da República, à Noruega.

Personalizo a frase porque, durante alguns meses, estive quase “home alone” na função: o anterior embaixador, Fernando Reino, tinha sido transferido para Lisboa (onde passou a ser, precisamente, chefe da casa civil de Eanes), e o novo embaixador, Cabrita Matias, só chegaria a Oslo poucas semanas antes da chegada do presidente. Assim, por ali estive sozinho, ainda com limitada experiência diplomática, com escassíssimo apoio, numa embaixada “microscópica”, como “encarregado de negócios”, a ter de acordar com os noruegueses todos os pormenores da organização de uma visita presidencial. Mal eu sabia que, no futuro, me caberia ter de organizar outras visitas presidenciais, bem mais complexas.

O meu interlocutor no palácio real norueguês foi Magne Hagen, um militar que, à época, era chefe de gabinete do rei Olavo V. Os noruegueses cedo tinham percebido a minha relativa “solidão” nas discussões sobre os temas em análise, que iam da clássica “marchandage” das trocas de condecorações aos pormenores protocolares e à agenda de conversas. A situação era tanto mais complexa quanto, em Lisboa, havia então uma forte conflitualidade entre o presidente e o governo, comigo a receber, por vezes, instruções contraditórias, umas das Necessidades, outras de Belém. Mas os noruegueses foram sempre de uma extrema simpatia.

Um jovem colega e amigo do nosso Protocolo seria entretanto enviado de Lisboa, por uns dias, a poucas semanas do evento, para nos ajudar a fixar os últimos pormenores: chamava-se José de Bouza Serrano, viria a ser embaixador e chefe do protocolo do Estado português. Sei que ele se lembra bem desses tempos.

Como resultado do frequentes contactos profissionais que fui mantendo com Hagen, acabámos por nos transformar em bons amigos. Da parte dele, uma prova dessa amizade seria o convite, no ano seguinte, para passarmos os dias da Páscoa com a sua família, na sua “hytte”, as cabanas de madeira nas montanhas que os noruegueses gostam sempre de ter. Não é muito fácil entrar na intimidade dos nórdicos mas, uma vez franqueado esse passo, revelam-se quase sempre gente de uma imensa franqueza e generosidade.

Por que é que me lembrei disto agora? Porque amanhã é 25 de janeiro. Nesses dias de junho de 1980, durante a estada de Eanes em Oslo, num dos intervalos do programa, apresentei-lhe Magne Hagen, sublinhando o papel decisivo que ele tivera na impecável organização da visita. Eanes agradeceu-lhe e eu aproveitei para assinar a coincidência do presidente e de Hagen fazerem anos no mesmo dia, 25 de janeiro.

(Meses depois, no final de 1980, Eanes iria disputar uma tensa campanha política para a sua reeleição, marcada pela morte de Sá Carneiro, com um adversário oriundo da direita militar, Soares Carneiro, que morreu em 2014. Curiosamente, Soares Carneiro tinha nascido... a 25 de janeiro.)

António Ramalho Eanes faz amanhã 85 anos e a História contemporânea do nosso país consagra já dele uma imagem de estadista e de uma personalidade de imensa probidade, muito por cima de todas as divergências que a sua ação, em determinados momentos, possa ter suscitado em vários setores, comigo incluído. O melhor elogio que lhe posso fazer é dizer que fazem muita falta a Portugal figuras com a sua estatura e integridade política.

Magne Hagen, o meu grande amigo norueguês, teve os últimos tempos da sua vida marcados por ocorrências de saúde que lhe tornam o quotidiano bastante difícil. Ainda há poucos anos, fomos visitá-lo à sua casa em Strømmen, perto de Oslo. Amanhã, telefonar-lhe-ei para o felicitar pelos seus 82 anos.

Curiosidades da vida.


quinta-feira, janeiro 23, 2020

Discutir Trump em Lisboa



Jerusalem


Vai por França uma forte polémica pelo facto de Emannuel Macron ter tido hoje uma altercação com a polícia israelita, em Jerusalem, que pretendia impedi-lo de seguir numa determinada direção. Alguns acusam o presidente francês de ter artificialmente construído um “remake” de uma cena similar passada na mesma cidade, mas com Jacques Chirac, em 1996.

Quem sabe se Chirac não se terá inspirado num episódio ocorrido com Mário Soares, meses antes, em novembro de 1995, quando este insistiu em subir o percurso do Monte das Oliveiras, não obstante a tentativa de uns imensos “bodyguards” de óculos escuros de o impedirem de prosseguir? Soares deu dois berros em português, afastou os polícias e fez, com toda a delegação, o caminho que lhe apeteceu fazer.

Afinal, Macron não só copiou Chirac, como Chirac já tinha copiado Soares.

(Uma imagem desses dias)

quarta-feira, janeiro 22, 2020

Que raio de país este!

Há gente já com netos que nasceu depois de ter sido anunciado que o novo aeroporto de Lisboa seria na Ota. Foram estudos e mais estudos, especialistas e mais especialistas, debates intermináveis e contestações múltiplas. Um dia, a ideia da Ota acabou. Depois foi o projeto de Alcochete. A “novela” foi parecida, embora mais breve. Caiu-se, finalmente, na solução Montijo, embora por aí agora se fale também da ideia de Portela + Alverca. Não sei se me esqueci de alguma coisa mais. Quando os estudos acabam e todas as audições terminam, quando parece estar prestes a surgir uma decisão final, lá recomeça a contestação. E, como regra, os governos acobardam-se e, como nos jogos de tabuleiro, tudo regressa à primeira casa.

Que raio de país este!

Uma oportunidade perdida



A imagem deprimente que passou para a opinião pública do congresso do Livre, com o que daí parece ir resultar para a eficácia da sua ação futura no parlamento, terá arruinado, pelo menos por algum tempo, a capacidade de afirmação nacional do partido. Nunca se terá ouvido falar tanto no Livre, mas, com toda a certeza, quem o apoia dispensaria bem o modo como o partido surgiu em evidência mediática.

Em política, como dizia o outro, o que parece é. E, por muito tempo, o Livre pareceu ser um partido “unipessoal”, criado em torno de Rui Tavares, um historiador que o Bloco de Esquerda fez um dia eleger para o Parlamento Europeu, mas com quem viria a entrar em posterior conflito.

O Livre surgiu com um discurso de esquerda culta e inventiva, aberto às temáticas de modernidade, do ambiente às questões de género. Do PS, o Livre distinguia-se por assumir uma agenda um tanto radical, bem mais estatizante, contrastando com a matriz “aggiornata” da social-democracia que hoje prevalece no Rato. Do Bloco de Esquerda, além da herança conflitual do passado, separava-o um muito maior pendor europeísta.

A personalidade suave e dialogante de Rui Tavares, que conquistara, com inegável mérito, um alargado espaço comunicacional, grangeava ao Livre uma promissora simpatia em diversos setores. Mas Tavares e o partido cedo terão entendido que seria necessário algo mais para conseguir ter acesso à Assembleia da República.

A escolha, por sufrágio alargado de simpatizantes, de uma mulher negra para representar o partido no parlamento parecia ser uma “trouvaille” interessante, ao mesmo tempo carregada de simbolismo. A condição para o sucesso do empreendimento era, naturalmente, que a figura escolhida estivesse em consonância plena com a linha partidária que representava. Ora, como já se viu, as coisas não se passam assim.

A deputada acha, provavelmente com razão, que, sem ela, o Livre não teria conseguido eleger ninguém. E reivindica uma forte autonomia decisória. O partido, por seu turno, entende que a única pessoa que tem em S. Bento em seu nome deve defender a sua orientação política, o que também tem algum sentido.

Não parecendo possível um compromisso entre estas duas perspetivas, o resultado é uma imagem de confusão política muito pouco dignificante. No fundo, estamos perante uma oportunidade perdida para afirmar uma mensagem parlamentar diferente, no âmbito de uma esquerda que, um pouco por todo o mundo, vive, nos dias de hoje, numa crise de imaginação e de ideias criativas.

terça-feira, janeiro 21, 2020

Médio Oriente


Hoje, terça-feira, 21 de janeiro, pelas 14 horas, estarei no programa “Sociedade Civil”, na RTP 2, dirigido por Luís Castro, a discutir a situação no Médio Oriente com Ana Santos Pinto, Armando Marques Guedes e Francisco Caramelo.

Regina Duarte


Foi em julho de 1992. Eu vivia então em Londres e fui uns dias, em férias, a Nova Iorque. Na Broadway, estava uma peça teatral de grande sucesso, “Death and the Maiden”, para a qual tive a sorte de conseguir arranjar bilhetes. Era a história de uma mulher que encontra, em sua própria casa, trazido casualmente pelo seu marido, o homem que a tinha torturado e violado, anos antes, durante um período de ditadura política. Sem que isso fosse explicitado, tudo apontava para situar o episódio no Chile de Pinochet, tanto mais que o autor da peça era dessa nacionalidade. O elenco era de luxo: Glenn Close, Gene Hackman e Richard Dreyfuss.

Sentámo-nos no teatro e, por uma imensa coincidência, ao meu lado ficou Regina Duarte, a excelente atriz brasileira, que tinha entrado em várias novelas que tínhamos visto na televisão. Não sou muito dado a esse tipo de gestos, mas não resisti a falar-lhe, expressando a minha admiração pelo seu trabalho como atriz. Foi muito simpática.

No final da peça, Regina Duarte chorava. Fiquei com grande respeito por aquelas lágrimas. O peso insuportável das ditaduras latino-americanas de extrema direita estava ali todo, naquela sala. Percebi que uma mulher e atriz brasileira, que também tinha passado por um regime similar àquele, sentia, como ninguém, a situação que ali via retratada.

Há horas, foi anunciado que Regina Duarte aceitou ser secretária da Cultura de Jair Bolsonaro.

Às vezes, há coisas que não rimam.

segunda-feira, janeiro 20, 2020

Unidos por Trump


Muitos dão a Stalin o crédito de ser um dos “cimentos” da construção europeia. Na mesma lógica, foi Trump, cujos três anos de mandato hoje se “comemoram”, a razão que reuniu esta manhã, no Salão Nobre da Universidade de Lisboa, um conjunto de palestrantes, convidados por Eduardo Paz Ferrreira, presidente do Instituto Europeu da Faculdade de Direito, para fazerem, cada um a seu modo, o “saldo” do mandato presidente americano e as perspetivas que isso traz para o nosso futuro.

domingo, janeiro 19, 2020

Alentejo




Nunca fui um fã da paisagem alentejana, devo confessar. O campo “a sério”, para mim, tem de ter montes e vales pronunciados, penhascos, imensas subidas e descidas, coisas agrestes, rochedos. Como acontece em Trás-os-Montes, claro.

E, dito isto, o Alentejo (já Alto, é verdade) estava soberbo, como eu nunca o tinha visto, neste fim de semana que por lá passei. Talvez pela chuva recente, os verdes estavam imbatíveis, as planuras até me fizeram esquecer o meu Marão. E não sou fácil de contentar!

Justiças

Quando o processo Manuel Vicente transitou para Angola, ao abrigo dos acordos bilaterais existentes, muitos por cá afirmaram não confiar na justiça angolana. Agora que essa mesma justiça pode vir a acusar Isabel dos Santos, essa justiça, afinal, já merece confiança?

Isabel dos Santos


Um grupo de órgãos de comunicação internacional de vários países começou hoje a divulgar documentos que transmitem fortes indícios de que a conhecida fortuna de Isabel dos Santos poderá ter assentado em benefícios ilegítimos, proporcionados pelo apoio do seu pai, durante o imenso tempo em que este presidiu aos destinos de Angola.

A confirmarem-se essas suspeitas, elas apenas virão confortar a perceção, muito generalizada, naquele país e fora dele, de que tão imenso património dificilmente poderia ter crescido, da forma como cresceu, se não tivesse tido “impulsos” políticos muito fortes. A documentação que já se conhece vai, contudo, mais longe, ao adiantar elementos que, na perspetiva dos jornalistas, podem configurar, não apenas privilégios, mas igualmente a prática de delitos de diversa natureza. Essa é agora uma questão para a justiça angolana, que já tinha procedido ao arresto de muitos dos bens de Isabel dos Santos.

As últimas semanas tinham já mostrado Isabel dos Santos num esforço para contestar publicamente as ações da justiça angolana face ao seu “império” económico-financeiro. Perante o detalhe destas últimas acusações e a montanha documental avassaladora que deve vir por aí, o caso promete poder entreter-nos por muito tempo.

Na África descolonizada, o cíclico rodar dos “alcratruzes da nora”, em matéria política, criando contrastes entre os ciclos sucessivos de poder, com consequências judiciais, é quase uma regra. Mas, a acreditar nos vultuosos valores que parece estarem envolvidos neste caso particular, a questão Isabel dos Santos tem uma tal dimensão que arrisca tornar-se jm “modelo” histórico quase sem precedentes.

Olá, António!


Passaram dois anos, mas parece que foi ontem! Deixámos de ter as tuas ironias, as tuas indignações, a tua inteligência, as tuas memórias. Só não deixámos de ter saudades tuas, António.

A observar

Ontem, atravessaram uma noite eleitoral penosa. O domingo vai servir para lamber as feridas. Na segunda, entrarão na redação, mais uma vez, de orelha murcha. Tanto esforço para nada! Ainda com as olheiras mentais da ressaca, debitarão, para a rádio matutina, a sua enésima frustração. Depois, cabisbaixos, afiarão a tecla e, em tremendistas opiniões, avançarão com a tese simples, à medida do seu desgosto: assim não “vamos” lá! É que não vão mesmo! Não deve ser nada fácil regressar às trincheiras de uma guerra perdida, condenados a ficar por ali a observar...

sábado, janeiro 18, 2020

Rui Rio

Rui Rio perdeu uma oportunidade: anunciar que, se Marcelo Rebelo de Sousa decidir recandidatar-se, o apoiará. Se o fizesse, obrigaria Marcelo a agradecer-lhe e seria o primeiro a fazer esse anúncio. Mas não o fez...

PSD

... e agora, o PSD derrotado vai esperar por um mau resultado de Rio nas autárquicas e ficar à espera que Pedro Passos Coelho se disponibilize para cumprir o sebastianismo que por ali está ainda muito vivo

E nós falámos!


Liberdades

O Livre é talvez o partido português que tem mais gente a mandar bitaites sobre a sua vida interna do que todos os seus militantes e simpatizantes somados.

Tejo muito além


sexta-feira, janeiro 17, 2020

O Portugal dos cafezinhos

Sai um cafezinho, bem cheio, p’ró senhor Madureira!” “Aquele Trump, só a tiro!” “Eu cá, acho que a história do gajo do Irão está mal contada...” “E ninguém fala de Israel, que esteve por detrás daquilo tudo?” “Você absolvem os aiatolas, mas aquilo no Irão é uma ditadura!” “Está bem, está, mas se fôssemos matar todos os ditadores, nunca mais se acabava...” “Então e o Trump não andou aos beijinhos com o maluquinho da Coreia, o das bombas?!” “Os americanos é para o lado que lhes dá mais jeito. Tanto apoiam ditadores, como os perseguem.” “E o Putin? Está ali, está para ficar para sempre!” “Às tantas, se não criar mais chatices, até é bom que fique”. “Viram a entrevista da engenheira de Angola? Aquilo é que é uma santinha!” “Da Ladeira, digo eu!”. “Sorte para logo, ó Leitão! É bom ser do Belenenses, nestes dias!” “De qual Belenenses. Agora há dois, não é?” “Mau, mestre! Lá começam as provocações”.

A coreografia dos cafés, dos croissants com fiambre, da meia de leite, da torrada “em pão de forma, com manteiga só de um lado”, do pingado “ali para a senhora dona Amélia”, foi abafando a sociedade das nações em que aquele espaço se tinha transformado, por minutos, esta manhã. A conversa já ia no futebol, único tema em que, em geral, o lado de dentro do balcão se sente tentado a intervir, em tudo o resto patrão e empregados só se autorizam alguma exclamação ou contribuem com esgares de leitura não unívoca. Quando saí para a rua, a violência doméstica do Armando Gama começava a aceder ao “hit parade” dos comentários. A menina Adelaide, que chegava para o seu queque tradicional, diria alguma coisa sobre o tema?

É este o Portugal dos “cafezinhos”. Gosto imenso deste país lisboeta de bairro, de quem conhece o outro mas não muito (e, se calhar, ainda bem), dos “vizinhos” de quem não sabemos o nome mas que há anos cumprimentamos (e de quem passamos a íntimos, se cruzamos na praia ou no estrangeiro), das sorridentes cumplicidades implícitas com algumas pessoas (quase sempre, por inferência intuitiva), mas também das antipatias nunca explicadas (“não gosto da cara daquele gajo, pronto!”). Lisboa é imbatível!

O Norte Desportivo


Ontem, por razões óbvias, lembrei-me muito de “O Norte Desportivo”. Era um jornal portuense retintamente portista, num tempo - anos 50 e 60 do século passado - em que os émulos de Lisboa não assumiam claramente as suas cores afetivas, embora toda a gente soubesse que “A Bola” era maioritariamente benfiquista, que no “Record” se exultava com as vitórias do Sporting e que “O Mundo Desportivo” tinha de tudo um pouco, desde os dois rivais lisboetas ao Belenenses.

Joaquim Alves Teixeira era o diretor e, dizia- se, o grande redator de “O Norte Desportivo”, um jornal que tinha a interessante particularidade de ter uma edição ao final da tarde de domingo, que trazia os resultados das partidas. Estas tinham lugar, impreterivelmente, às três da tarde de domingo. A variedade de dias e de horas, por que, nos dias de hoje, se distribuem as jornadas futebolísticas, foi o resultado de uma deriva progressiva, muito motivada pelas transmissões televisivas.

Quem andava nessa altura pelo Porto tinha, nos domingos, a opção, mais barata, de ir saber os resultados “da bola” (como então se dizia muito) junto à porta de “O Comércio do Porto”, nos Aliados, onde, num papel afixado, estava quantificada toda a jornada, logo depois das cinco da tarde. Muitos ficavam por ali em grupo, a comentar.

Outros acabavam por descer para a Praça, esperando, junto ao Imperial, pela edição da “folha” de Alves Teixeira, que por ali chegava um pouco depois das seis, com a tinta ainda por secar, sujando as mãos dos leitores. O jornal, que nem era caro, lia-se num ápice, porque era pouco dado às “literatices” dos colegas de Lisboa.

Eram muito curiosos os relatos ali escritos sobre os jogos principais. Ao ler essas crónicas, notava-se que eram feitas pela cumulação sequencial de textos ditados pelo telefone, todos os cinco minutos, que iam sendo de imediato compostos pelos tipógrafos, para não atrasar a saída do jornal. Às vezes, as coisas acabavam por não “rimar” umas com as outras, o que tornava as crónicas algo divertidas.

Durante anos, Alves Teixeira tinha um mote regular: apelar ao regresso ao Porto de Yustrich, um disciplinador treinador brasileiro, que tinha dado algumas alegrias ao clube das Antas. Esses tinham sido também os tempos de Jaburu, um excelente jogador, também brasileiro, em quem se dizia que Yustrich batia. Era uma coisa quase certa: sempre que as cores azuis entravam em declínio num campeonato, o que então era vulgar, lá vinha ele com a ideia do retorno do treinador.

Um dia, Yustrich acabou mesmo por vir. E foi um fracasso. 

Dificilmente se é feliz duas vezes no mesmo sítio.

quinta-feira, janeiro 16, 2020

Notícias da bola


Por alguma razão, o meu nome vai surgir, nas horas mais próximas, associado por aí ao mundo do futebol, como alguns irão notar. É a vida, como dizia o outro!

Aproveitemos então o ensejo, com toda a tranquilidade, para exercitar um pouco a memória.

Gosto muito de futebol, desde que me conheço. O meu pai levava-me, em miúdo, ao campo do Calvário, onde o Sport Clube de Vila Real - o clube mais antigo de Trás-os-Montes, que, daqui a pouco, festejará o seu centenário - disputava então, em regra, a segunda divisão, antes do destino o ter feito cair, inexoravelmente, para a terceira e depois para os distritais. (Ficou famosa, por ali, uma frase lançada um dia por um adepto, muito entusiasmado mas pouco realista, quando, a dez minutos do fim de um jogo, até então teimosamente empatado, a nossa equipa marcou finalmente um golo: “Vamos à dúzia!”)

Na minha infância e juventude, as vitórias do “Sport Clube” (como se dizia em minha casa) animavam a cidade, em especial se fossem sobre o Chaves, à época o seu grande rival. Qualquer feito notório do clube era festejado com receção no Alto de Espinho, o ponto mais elevado da estrada que liga Vila Real a Amarante. Autoridades e “forças vivas” iam receber os jogadores e diretores, imagino que com cerimónia posterior nos “paços do concelho”, com direito a discursatas gongóricas.

Na cidade, os adeptos do Benfica eram dominantes. Depois, vinha o Sporting, com o Porto então num distante terceiro lugar, em matéria de fãs. Esses eram os dias em que a liderança no futebol português se decidia no “derby” de Lisboa. “A Bola” e o “Record” dominavam em vendas, com “O Norte Desportivo”, do infatigável Alves Teixeira, a defender as então muito minoritárias cores das Antas. O meu pai “levou-me” cedo para o Sporting e por aí fiquei, sempre com imenso gosto e orgulho, por muito que a posterior carreira do clube pudesse apontar noutro sentido.

Fui sempre um medíocre praticante de futebol, desde a escola primária. Tinha a “mania” que era defesa lateral direito, mas algumas experiências, ainda em Vila Real e, mais tarde, quando estudava no Porto, fizeram-me constatar a minha inabilidade. Outras jogatainas, já na tropa, confirmaram essa minha perceção. Terminei cedo a minha “carreira”...

Continuo a gostar imenso de ver futebol, um espetáculo desportivo que acho sem par. Sou, contudo, um feroz adepto de sofá, raramente de bancada. Porém, sempre que ponho em causa a minha comodidade e decido ir a um estádio, apanho um banho de alegria e de vida. Ainda estive no velho Wembley, no Parc des Princes e em algumas outras “catedrais”, mas nunca me perdoarei por ter perdido o Maracanã. Admito que é na televisão que se consegue “ler” melhor um jogo, mas não há nada melhor do que entrar no ambiente de um estádio cheio, para sentir o verdadeiro futebol!

Nos dias de hoje, o meu Sport Clube de Vila Real já não joga no campo do Calvário (na imagem, o pórtico de entrada, desenhado por um tio meu). Por muito tempo, os meus pais viviam num andar que dava sobre esse campo de futebol. De uma ampla varanda, era possível ver quase 90% (ia a escrever “do relvado”, mas era um campo pelado!) do terreno. Um dia, já há muitos anos, estando de visita a Vila Real, ia haver por ali um qualquer jogo, creio que de juniores. Ao ver sair com pompa, do balneário, a equipa de arbitragem, dei-me conta de que o árbitro era meu amigo de infância, uma pessoa que, desde sempre, ia encontrando pelas ruas da cidade. Ele olhou para a varanda, viu-me e acenámos um para o outro. Foi um mar de olhos virados para cima, para tentar perceber quem é que o “senhor árbitro” (como o jogo ainda não tinha começado, ainda era tratado com esse respeito...) estava a saudar! 

São assim as cidades pequenas, que nos trazem grandes memórias.

quarta-feira, janeiro 15, 2020

O dilema de Rio


Terá desaparecido a possibilidade de haver maiorias absolutas de um só partido no sistema político português? O futuro ao eleitor pertence mas, no plano das probabilidades, tudo assim o indica. A atomização vigente no parlamento, sendo sintoma da existência de cada vez mais votantes que se não se sentem representados pelas duas principais forças do sistema tradicional, não obsta a que estas tenham de continuar a ser as âncoras de qualquer solução, mais ou menos duradoura, de estabilidade.

O desafio para cada um desses dois partidos, em termos de apoio parlamentar potencial, mudou muito, contudo, nos últimos anos.

Os socialistas tiveram a histórica ousadia de derrubar o muro, que parecia eterno, à sua esquerda, tendo governado uma legislatura completa com o suporte parlamentar de duas forças que, no juízo definitivo de muita gente, estavam para sempre excluídas do “arco da governação” em democracia. Esses partidos não integraram o executivo, mas puderam reivindicar o resultado de algumas das suas políticas, o que os aproximou dos corredores do poder, aos olhos exteriores e na sua própria perceção. As últimas eleições revelaram que o PS terá sido o mais beneficiado com o “negócio”, razão pela qual parte dessa “esquerda da esquerda” o não quis renovar formalmente. Os socialistas, para recuperarem uma imagem mais “centrista”, não insistiram num novo entendimento formal, esperando que esses seus antigos parceiros acabem, no fim de contas, por preferi-los no governo a vê-los substituídos por forças mais à direita. Mas não é de excluir, em absoluto, que o juízo sobre as vantagens de desencadear uma crise política, provocando eleições antecipadas, possa um dia vir a ser diferente no PS e nos seus antigos aliados.

Para o PSD a questão que se coloca é a do tipo de coligações que lhe permitam o retorno ao espaço do poder. O espetro de opções à sua direita sofreu uma grande alteração, com a simultânea anulação da importância do mais moderado CDS e a emergência do mais radical Chega, o qual, tal como a Iniciativa Liberal, foi “pescar” votos ao seu eleitorado tradicional ou a um novo eleitorado que, normalmente, acabaria por se abster, votar CDS ou apoiá-lo. Qualquer aliança com esse setor dará ao PSD uma imagem clara de “viragem à direita”, precisamente num tempo em que Rui Rio anuncia o seu desejo de levar o partido mais para o centro político. Assim, ou Rui Rio se desdiz e perde a face ou se entrega a um “namoro” ao PS. A alternativa é ficar sozinho na praça.

Líbia


1976. Na longa estrada de Misrata para Tripoli, o carro em que eu seguia era conduzido por um engenheiro líbio, formado no Reino Unido. Havíamos feito um desvio para visitar as magníficas ruínas de Leptis Magna (na imagem), a majestosa cidade de colonização romana, situada a mais de uma centena de quilómetros da capital líbia. 

Íamos os dois sós. Os restantes membros da nossa delegação seguiam em outros carros. Falámos bastante, da vida e do mundo, com ele sempre a mostrar-se orgulhoso do seu país e das suas realizações. Não tinha um discurso apologético àcerca de Kadafhi, mas não se lhe notava qualquer pendor para a dissidência. À passagem pela cidade de Homs (homónima da da Síria, da mesma forma que há outra Tripoli no Líbano), a densidade de cartazes e "outdoors" com a face do líder líbio, legendados em árabe, tornava-se muito evidente. Ousei então perguntar: "Kadafhi é mesmo popular? As pessoas gostam dele?".

O meu interlocutor, cujo nome devo ter ainda em alguma parte, mas de quem nunca mais tive notícias, ficou silencioso por alguns instantes, olhando a estrada. Depois, retorquiu:

- Se gostam de Kadafhi? Gostam de quem lhes dá casas, como Kadafhi lhes dá. Gostam de quem lhes dá escolas para os filhos, como Kadafhi lhes dá. Gostam dos novos hospitais, que Kadafhi está a construir, bem como destas estradas, que antes não tínhamos. Já andou de avião dentro da Líbia, não andou? Os pobres agora viajam de avião.

De facto, as minhas duas ou três experiências nas linhas internas da Libyan Airlines tinham-me mostrado que os aviões estavam transformados numa espécie de autocarros de província, com imensos beduínos, transportando mesmo gaiolas com galinhas! Os preços deviam ser muito acessíveis.

Começava a chegar à conclusão de que o meu condutor, homem com mundo e um excelente inglês, era, afinal, um fiel apoiante do coronel Kadafhi.

- Kadafhi dá muita coisa ao povo. Paga tudo com o petróleo e há muita gente contente com ele. Você já leu o "Livro Verde"? 

Fiquei num certo embaraço. De facto, havia passado os olhos por aquela "obra", escrita num estilo delirante, de quem tinha "descoberto a pólvora" política, desenhando uma terceira via entre o comunismo e o capitalismo. Kadafhi era uma espécie de "genérico" de Nasser: abolira uma monarquia corrupta, afastara os americanos da base americana de Wheelus (por esses dias, eu estava alojado no "Beach Hotel", ao lado da antiga base, antes frequentado quase exclusivamente pelos militares dos EUA) e julgava-se fadado a ser um federador do mundo árabe. Mas estava muito longe da dimensão histórica do líder egípcio. O "Livro Verde" havia aparecido em Portugal pela mão de um jornalista já desaparecido, Cartaxo e Trindade, que cheguei a encontrar, numa outra ocasião, em Tripoli.

Sobre o "Livro Verde", eu não sabia o que dizer ao meu interlocutor. Não queria hostilizá-lo, nem parecer complacente. Devo ter dito uma coisas "redondas" sobre a "originalidade" das ideias expressas no livro. Mas também não era preciso, como verifiquei pelo que ele me disse a seguir, sempre olhando a estrada em frente:

- Kadafhi é um fanático que se acha mais inteligente que todos os outros. O povo líbio não tem grandes queixas materiais, mas não tem, nem percebe que não tem, uma coisa importante que vocês agora já têm: a liberdade. Mas se "eles" sonhassem que lhe estava a dizer isto, eu seria preso.

Calou-se. Percebi que tinha ido tão longe quanto lhe era possível. Talvez mais longe do que a prudência aconselhava. A viagem continuou, connosco em longos minutos em silêncio. Voltei a encontrar esse engenheiro líbio em algumas reuniões técnicas posteriores. Todas já há muitos anos. Nunca mais regressámos ao registo daquela nossa conversa entre Misrata e Tripoli. Que lhe terá acontecido?

terça-feira, janeiro 14, 2020

Lóbi


Estávamos na Zâmbia, a meio de uma longa viagem governamental por vários países africanos. Não faço ideia a quem, naquele caso, competia a responsabilidade pelas reservas, mas a verdade é que, chegados bastante cedo ao Hotel Intercontinental de Lusaka, idos de Harare, naquele final dos anos 80, nos demos conta de que faltavam dois quartos para a delegação portuguesa.

Arrumados os membros da delegação mais afortunados, eu e o Duarte Ivo Cruz, que ali representava a AIP (Associação Industrial Portuguesa) constatámos que, para nós, não havia quartos. Ou melhor: havia uma vaga promessa de poderem "aparecer". Para utilizar uma expressão que o então jovem chefe da delegação portuguesa viria, décadas depois, a tornar popular noutro contexto, nós podíamos dizer que sabíamos que íamos ter um quarto, só não sabíamos é quando.

A visita oficial comportava, entretanto, alguns "números", entre os quais uma visita ao presidente Kenneth Kaunda, bem como reuniões e uma multiplicidade de contactos. Intercalando tais eventos, fazíamos passagens pelo hotel onde a delegação se acolhia. Mas não toda a delegação, não! A maioria da delegação! Porque eu e o Duarte continuávamos com as nossas malas recolhidas em quartos alheios e, nesses intervalos, contactávamos, com progressivo desespero, a receção ou a direção do hotel, metíamos "cunhas" através de empresários locais e da nossa embaixada, sempre em diligências cada vez mais ansiosas, porque a noite se ia aproximando. E, perante o olhar descansado (e demasiado sorridente, parecia-nos) dos nossos colegas, que se regalavam com bebidas no bar e conversavam entre si relaxados, nós os dois andávamos, de um lado para o outro, labutando verbalmente por uma cama onde descansar a noite.

O jantar oficial nem nos caiu bem, porque, acabado este, lá voltámos nós, ansiosos, ao lóbi do hotel. E seria já depois das 11 da noite que, já numa taquicardia angustiada, finalmente, recebemos as chaves dos nossos quartos, para logo constatarmos, com forte choque, que deles haviam sido literalmente "despejadas" minutos antes duas famílias africanas, com filhos, que foram dormir sabe-se lá para onde. Mas, àquela hora da noite, devo confessar que o nosso limiar de solidariedade Norte-Sul estava já ultrapassado pela lei da sobrevivência.

Foi nessa altura, culminadas que haviam sido com as dezenas de diligências feitas, junto de imensos interlocutores, que o Duarte Ivo Cruz, que comigo brindava o mútuo "sucesso" com um merecido whisky, se saiu com uma frase que recordo até hoje: "Só agora percebi, verdadeiramente, por que razão a esta área dos hotéis se chama "lóbi". Foi isso mesmo que nós os dois andámos o dia inteiro a fazer..."

Um abraço de Bom Ano para si, caro Duarte!

segunda-feira, janeiro 13, 2020

Viva o ar condicionado!


Acabo de ler que, no Rio de Janeiro, a sensação de calor foi superior a 50 graus. E recordei uma tarde, de 2006 ou 2007, em que, por ali, de fato e gravata, tive a imprudência, no centro da cidade (o conceito de “centro da cidade”, no Rio, é um pouco estranho: o centro é geograficamente ”de lado”), de dizer ao motorista que queria visitar dois ou três “sebos” (nome brasileiro para alfarrabistas), que trazia em agenda, e que me aparecesse apenas uma hora depois.

Estava imensamente adiantado face ao momento de uma palestra que devia proferir na Associação Brasileira de Imprensa, pelo que achei que escarafunchar em prateleiras de livros antigos seria a coisa certa a fazer para ocupar o tempo. O motorista tinha-me ido buscar ao aeroporto, tendo eu sido iludido pela temperatura interior do carro. Mal saltei para fora e o vi partir, comecei a ser invadido por uma sensação de calor como nunca tinha sentido. E ali estava eu, engravatado e vestido de fato claro, no meio daquele inferno.

O primeiro “sebo” (e depois o segundo e o terceiro) não tinha ar condicionado, apenas uma ventoínha apontada à figura física dos vendedores. Era um bafo quente e húmido que se fazia sentir e me começou a invadir. Comecei a ficar progressivamente encharcado, com o suor a transferir-se para o casaco. Tirei-o, até porque as manchas de humidade já se viam do exterior, coloquei-o às costas, o que, por sua vez, passou a incomodar-me a pesquisa livresca. Dei por mim a maldizer-me da “brilhante” ideia que tivera, de ir aos sebos numa semelhante tarde.

Por um azar monumental, não tinha tomado nota do “celular” do motorista, que, com inveja, logo imaginei refastelado num qualquer “boteco”, com um geladinho “chope” à ilharga. Assim, não o podia chamar de volta, para me resgatar da insensata jornada em que me tinha metido.

O lenço com que procurava secar a cara e o pescoço assemelhava-se a uma trouxa húmida. No saltitar entre os “sebos”, ainda tentei vislumbrar um café ou um bar que tivesse as portas fechadas para a rua, onde pudesse beneficiar do frio artificial, que estava a ser minha ideia conjuntural de felicidade. Mas eram tudo coisas tropicais, ao ar livre, se bem que à sombra, com pouca gente, porque os “cariocas” sabiam como evitar uma imprudência como a minha. E, os que o faziam, andavam com escassa roupa, de bermudas e alpargatas. Só eu, feito parvo, vestido “de embaixador” (a gravata, claro, estava já num bolso), por ali me permitia andar, sob os seus olhares curiosos, fixados naquele cidadão que vestia um traje insólito para o tempo que fazia. Ainda parei num desses lugares, bebi uma cerveja, mas isso só me fez acelerar o débito de suor. Estava inapresentável!

A hora de espera do motorista demorou horas a passar. Quando, finalmente, o vi surgir, entrei disparado no carro, passei para o banco de trás, pedi-lhe para pôr o ar condicionado no máximo e, dizendo-lhe para “não estranhar”, tirei a camisa encharcada, pendurei-a nas costas do banco em frente e devo ter dado algum “espetáculo” aos (felizmente anónimos) passantes: o embaixador de Portugal no Brasil, em tronco nu, passeando-se de carro pelas ruas do Rio. Uma fotografia na imprensa portuguesa, tirada por algum turista, teria sido um gozo nacional!

Arriscando uma pneumonia, fui-me assim secando, por largos minutos, conduzido pelas ruas do Rio, até chegar a hora da cena na ABI, onde entrei com um aspeto de que guardo algures uma fotografia da cerimónia, comigo desgrenhado, com ar de quem saía de uma indizível e bizarra experiência.

Há dias assim, que se há-de fazer! Viva o ar condicionado!

domingo, janeiro 12, 2020

Royals

Há muito de gosto pelas “soap operas”, misturado com a curiosidade saloia com vida das Kardashians, no modo como se vê discutir por aí o novo “o príncipe e a americana”. O facto da “piquena” ser etnicamente diferente do resto de Buckingham dá ainda um toque modernaço ao “remake”.

Rádio

Fico furioso comigo mesmo: constato que só ouço rádio no carro. E, as mais das vezes, ouvir rádio é excelente. “Vamelaver”, como diz o nosso PM, se consigo ouvir mais rádio em 2020.

Primeira dama

Tenho uma embirração antiga com o conceito de “primeira dama”. Para além do pretensiosismo do termo, fico sempre com uma dúvida: há por ali sempre uma segunda dama?

Direitas

Os novos partidos de direita radical, surgidos nas últimas eleições, foram a pior notícia que a direita tradicional podia ter. Retiram-lhe votos que, à partida, seriam dela, potenciam uma competição que é sempre desgastante e fragmentam esse campo político.

Rua

Para fazer esquecer que o PCP se absteve no orçamento, nada melhor do que dar luz verde para que a central sindical que controla inicie um novo ciclo de greves. A política portuguesa, de tão previsível, quase que perde a graça.

O outro 25

Se a manifestação dos 50 anos do 25 de Abril foi o que foi, nem quero pensar o que vai ser a enchente na Avenida da Liberdade no 25 de novem...