quarta-feira, janeiro 22, 2020

Uma oportunidade perdida



A imagem deprimente que passou para a opinião pública do congresso do Livre, com o que daí parece ir resultar para a eficácia da sua ação futura no parlamento, terá arruinado, pelo menos por algum tempo, a capacidade de afirmação nacional do partido. Nunca se terá ouvido falar tanto no Livre, mas, com toda a certeza, quem o apoia dispensaria bem o modo como o partido surgiu em evidência mediática.

Em política, como dizia o outro, o que parece é. E, por muito tempo, o Livre pareceu ser um partido “unipessoal”, criado em torno de Rui Tavares, um historiador que o Bloco de Esquerda fez um dia eleger para o Parlamento Europeu, mas com quem viria a entrar em posterior conflito.

O Livre surgiu com um discurso de esquerda culta e inventiva, aberto às temáticas de modernidade, do ambiente às questões de género. Do PS, o Livre distinguia-se por assumir uma agenda um tanto radical, bem mais estatizante, contrastando com a matriz “aggiornata” da social-democracia que hoje prevalece no Rato. Do Bloco de Esquerda, além da herança conflitual do passado, separava-o um muito maior pendor europeísta.

A personalidade suave e dialogante de Rui Tavares, que conquistara, com inegável mérito, um alargado espaço comunicacional, grangeava ao Livre uma promissora simpatia em diversos setores. Mas Tavares e o partido cedo terão entendido que seria necessário algo mais para conseguir ter acesso à Assembleia da República.

A escolha, por sufrágio alargado de simpatizantes, de uma mulher negra para representar o partido no parlamento parecia ser uma “trouvaille” interessante, ao mesmo tempo carregada de simbolismo. A condição para o sucesso do empreendimento era, naturalmente, que a figura escolhida estivesse em consonância plena com a linha partidária que representava. Ora, como já se viu, as coisas não se passam assim.

A deputada acha, provavelmente com razão, que, sem ela, o Livre não teria conseguido eleger ninguém. E reivindica uma forte autonomia decisória. O partido, por seu turno, entende que a única pessoa que tem em S. Bento em seu nome deve defender a sua orientação política, o que também tem algum sentido.

Não parecendo possível um compromisso entre estas duas perspetivas, o resultado é uma imagem de confusão política muito pouco dignificante. No fundo, estamos perante uma oportunidade perdida para afirmar uma mensagem parlamentar diferente, no âmbito de uma esquerda que, um pouco por todo o mundo, vive, nos dias de hoje, numa crise de imaginação e de ideias criativas.

5 comentários:

Luís Lavoura disse...

uma esquerda que, um pouco por todo o mundo, vive, nos dias de hoje, numa crise de imaginação e de ideias criativas

O Livre faz parte dessa crise. A sua única ideia é que a Esquerda se deve unir para governar. Fazem-me lembrar a candidatura presidencial de Otávio Pato, há alguns decénios, cuja ideia criativa era "Vota Otávio Pato, para a Maioria de Esquerda". Um partido cujo único leitmotiv é convidar os outros partidos a unirem-se, é um partido que não tem razão para existir.

Anónimo disse...

Com a abstenção que há em Portugal, quem vota em quem? Deve ser feito tudo num aparente círculo fechado.

Anónimo disse...

No fundo, estamos perante uma oportunidade de reconhecer e corrigir a Lei Eleitoral.
Afinal qual é o estatuto, a representatividade atribuível a um deputado na Assembleia da República?.

O deputado representa o partido (e a direção do) que consta no boletim de voto, e no qual o eleitor vota em exclusividade?.
O deputado auto-representa-se, mesmo não sendo o voto uninominal?.
Mesmo estando o deputado em gritante desacordo com a direção do partido?.
Sendo estes, os partidos, afinal as únicas entidades passíveis de sufrágio?.

Não será tempo de -respeitando e responsabilizando o eleitorado- se legislarem votos uninominais?.
E legislarem a ocorrência de candidatos "independentes" patrocinados pelos partidos, mas destituíveis pelo partido promotor, como se constatou recentemente no Reino Unido?.
Será que a auto-nomeada elite política portuguêsa acha que deve continuar a tratar o eleitorado como crianças irresponsáveis?. Ou será pura auto-defesa de mesquinhos interesses?.

Anónimo disse...

Avizinham-se os dias em que esta esquerda como o Livre vai sumir. Já não há pachorra para este discurso ideológico, de racismo etc, Ou se convertem todos em ambientalistas, que é o que está a dar ou desaparecem do dia para a noite. Novos valores se vão levantar, e não são de esquerda: a segurança, o nacionalismo, alguma xenofobia, etc. O radicalismo à direita. É só esperar mais um bocadinho...

Retornado disse...

É o LIVRE, o próprio BLOCO, assim como a PSP, ninguém sabe "com quem se mete".

Enfiam cada barrete.

Dão-se aulas...mas leva anos!

O futuro