Estávamos na Zâmbia, a meio de uma longa viagem governamental por vários países africanos. Não faço ideia a quem, naquele caso, competia a responsabilidade pelas reservas, mas a verdade é que, chegados bastante cedo ao Hotel Intercontinental de Lusaka, idos de Harare, naquele final dos anos 80, nos demos conta de que faltavam dois quartos para a delegação portuguesa.
Arrumados os membros da delegação mais afortunados, eu e o Duarte Ivo Cruz, que ali representava a AIP (Associação Industrial Portuguesa) constatámos que, para nós, não havia quartos. Ou melhor: havia uma vaga promessa de poderem "aparecer". Para utilizar uma expressão que o então jovem chefe da delegação portuguesa viria, décadas depois, a tornar popular noutro contexto, nós podíamos dizer que sabíamos que íamos ter um quarto, só não sabíamos é quando.
A visita oficial comportava, entretanto, alguns "números", entre os quais uma visita ao presidente Kenneth Kaunda, bem como reuniões e uma multiplicidade de contactos. Intercalando tais eventos, fazíamos passagens pelo hotel onde a delegação se acolhia. Mas não toda a delegação, não! A maioria da delegação! Porque eu e o Duarte continuávamos com as nossas malas recolhidas em quartos alheios e, nesses intervalos, contactávamos, com progressivo desespero, a receção ou a direção do hotel, metíamos "cunhas" através de empresários locais e da nossa embaixada, sempre em diligências cada vez mais ansiosas, porque a noite se ia aproximando. E, perante o olhar descansado (e demasiado sorridente, parecia-nos) dos nossos colegas, que se regalavam com bebidas no bar e conversavam entre si relaxados, nós os dois andávamos, de um lado para o outro, labutando verbalmente por uma cama onde descansar a noite.
O jantar oficial nem nos caiu bem, porque, acabado este, lá voltámos nós, ansiosos, ao lóbi do hotel. E seria já depois das 11 da noite que, já numa taquicardia angustiada, finalmente, recebemos as chaves dos nossos quartos, para logo constatarmos, com forte choque, que deles haviam sido literalmente "despejadas" minutos antes duas famílias africanas, com filhos, que foram dormir sabe-se lá para onde. Mas, àquela hora da noite, devo confessar que o nosso limiar de solidariedade Norte-Sul estava já ultrapassado pela lei da sobrevivência.
Foi nessa altura, culminadas que haviam sido com as dezenas de diligências feitas, junto de imensos interlocutores, que o Duarte Ivo Cruz, que comigo brindava o mútuo "sucesso" com um merecido whisky, se saiu com uma frase que recordo até hoje: "Só agora percebi, verdadeiramente, por que razão a esta área dos hotéis se chama "lóbi". Foi isso mesmo que nós os dois andámos o dia inteiro a fazer..."
Um abraço de Bom Ano para si, caro Duarte!
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