segunda-feira, janeiro 13, 2020

Viva o ar condicionado!


Acabo de ler que, no Rio de Janeiro, a sensação de calor foi superior a 50 graus. E recordei uma tarde, de 2006 ou 2007, em que, por ali, de fato e gravata, tive a imprudência, no centro da cidade (o conceito de “centro da cidade”, no Rio, é um pouco estranho: o centro é geograficamente ”de lado”), de dizer ao motorista que queria visitar dois ou três “sebos” (nome brasileiro para alfarrabistas), que trazia em agenda, e que me aparecesse apenas uma hora depois.

Estava imensamente adiantado face ao momento de uma palestra que devia proferir na Associação Brasileira de Imprensa, pelo que achei que escarafunchar em prateleiras de livros antigos seria a coisa certa a fazer para ocupar o tempo. O motorista tinha-me ido buscar ao aeroporto, tendo eu sido iludido pela temperatura interior do carro. Mal saltei para fora e o vi partir, comecei a ser invadido por uma sensação de calor como nunca tinha sentido. E ali estava eu, engravatado e vestido de fato claro, no meio daquele inferno.

O primeiro “sebo” (e depois o segundo e o terceiro) não tinha ar condicionado, apenas uma ventoínha apontada à figura física dos vendedores. Era um bafo quente e húmido que se fazia sentir e me começou a invadir. Comecei a ficar progressivamente encharcado, com o suor a transferir-se para o casaco. Tirei-o, até porque as manchas de humidade já se viam do exterior, coloquei-o às costas, o que, por sua vez, passou a incomodar-me a pesquisa livresca. Dei por mim a maldizer-me da “brilhante” ideia que tivera, de ir aos sebos numa semelhante tarde.

Por um azar monumental, não tinha tomado nota do “celular” do motorista, que, com inveja, logo imaginei refastelado num qualquer “boteco”, com um geladinho “chope” à ilharga. Assim, não o podia chamar de volta, para me resgatar da insensata jornada em que me tinha metido.

O lenço com que procurava secar a cara e o pescoço assemelhava-se a uma trouxa húmida. No saltitar entre os “sebos”, ainda tentei vislumbrar um café ou um bar que tivesse as portas fechadas para a rua, onde pudesse beneficiar do frio artificial, que estava a ser minha ideia conjuntural de felicidade. Mas eram tudo coisas tropicais, ao ar livre, se bem que à sombra, com pouca gente, porque os “cariocas” sabiam como evitar uma imprudência como a minha. E, os que o faziam, andavam com escassa roupa, de bermudas e alpargatas. Só eu, feito parvo, vestido “de embaixador” (a gravata, claro, estava já num bolso), por ali me permitia andar, sob os seus olhares curiosos, fixados naquele cidadão que vestia um traje insólito para o tempo que fazia. Ainda parei num desses lugares, bebi uma cerveja, mas isso só me fez acelerar o débito de suor. Estava inapresentável!

A hora de espera do motorista demorou horas a passar. Quando, finalmente, o vi surgir, entrei disparado no carro, passei para o banco de trás, pedi-lhe para pôr o ar condicionado no máximo e, dizendo-lhe para “não estranhar”, tirei a camisa encharcada, pendurei-a nas costas do banco em frente e devo ter dado algum “espetáculo” aos (felizmente anónimos) passantes: o embaixador de Portugal no Brasil, em tronco nu, passeando-se de carro pelas ruas do Rio. Uma fotografia na imprensa portuguesa, tirada por algum turista, teria sido um gozo nacional!

Arriscando uma pneumonia, fui-me assim secando, por largos minutos, conduzido pelas ruas do Rio, até chegar a hora da cena na ABI, onde entrei com um aspeto de que guardo algures uma fotografia da cerimónia, comigo desgrenhado, com ar de quem saía de uma indizível e bizarra experiência.

Há dias assim, que se há-de fazer! Viva o ar condicionado!

2 comentários:

Anónimo disse...

Hilariante!

Anónimo disse...

Uma delícia esta prosa. Pedro Correia

25 de novembro