Há muitos anos, num debate sobre a Europa organizado em Serralves, recordo-me de ter tido uma troca de argumentos com Tristan Garel-Jones, um político britânico que havia desempenhado, no respetivo governo, o cargo de responsável pelos Assuntos Europeus, que eu então ocupava por cá. Garel-Jones era um conservador europeísta, que eu tinha conhecido razoavelmente bem em Londres, e que por lá ficou famoso por ter sido em sua casa que se realizou a primeira reunião da conspiração que acabaria por derrubar Margareth Thatcher.
Nesse painel, moderado por João Carlos Espada, eu ousara dizer, perante uma gesticulante indignação de Garel-Jones, que o bom funcionamento do eixo franco-alemão era uma condição "sine qua non" para se produzirem avanços significativos nas políticas europeias. Os factos davam-me razão, pelo que o que talvez desagradasse a Garel-Jones fosse, simultaneamente, a hipótese de o aprofundamento vir a continuar a processar-se dessa forma, contra a vontade britânica, e a circunstância de eu parecer pouco incomodado com isso.
Para quem não saiba - e isso pode ser interessante no contexto pós-Brexit -, muita da tradicional proximidade entre Lisboa e Londres esbateu-se fortemente após a nossa entrada nas então chamadas Comunidades Europeias, em 1986. Enquanto o Reino Unido continuava a ser um parceiro relutante do processo europeu, Portugal tentava dar um salto "centrípeto", colocando-se no eixo da União, com a deliberada intenção de evitar cair num novo ciclo de perifericidade na sua história contemporânea. Salvo o interesse em manter viva na Europa a relação transatlântica (o que, à época, partilhávamos com os Países Baixos), quase tudo nos começava a afastar dos britânicos. Ler isto pode não ser confortável para algumas pessoas, mas a verdade nem sempre nos pode agradar.
Mas será que a "mais velha aliança", no contexto da futura singularidade britânica perante a Europa dos 27, não tem condições para poder ter um novo fôlego? Não quero desiludir ninguém, mas direi que, naquilo que verdadeiramente nos importa no quadro externo, estamos estritamente ligados ao quadro europeu, que tanto nos condiciona como nos protege e amplifica a nossa capacidade de defesa de interesses. E que tudo o resto, podendo ser interessante de explorar no terreno bilateral, acabará por ter uma dimensão menor e residual. A menos que a União Europeia desapareça, bem entendido. Perguntam-me se ainda acredito na "mais velha aliança"? Acredito, tanto como os ingleses...
(Artigo hoje publicado no "Jornal de Notícias")