Um episódio de 1993.
Na sala de reuniões da embaixada de Portugal em Londres, o nosso “staff" e o grupo vindo de Lisboa para preparar a próxima visita de Estado do presidente Mário Soares discutiam o menu do banquete que seria oferecido na nossa residência à soberana e à familia real.
O "catering" era local, aliás recomendado por Buckingham. Optou-se por um menu clássico, conservador, europeu. Para projetar a diferença portuguesa nessa refeição, restavam, assim, os vinhos e as sobremesas.
Nos vinhos, não foi nada fácil o consenso. Mas conseguiu-se, ao final de algum tempo. Na discussão das sobremesas, o Chefe do Protocolo do Estado, que chefiava a missão vinda de Lisboa, foi arriscando algumas sugestões. A medo, diga-se. É que parte delas ia sendo afastada, liminar e displicentemente, pelo embaixador em Londres - que falava do alto da sua lendária, e indiscutível, competência gastronómica. Outras iam sendo retidas, sempre com algumas reticências, para posterior ponderação. A corrente não passava, decididamente, entre os dois, quiçá fruto de qestiúnculas antigas.
Num certo momento, o chefe do protocolo decidiu avançar com a ideia de se servirem trouxas de ovos. A reação do nosso embaixador foi tremenda e sonora: "Ó homem! Trouxas de ovos?! Então você não sabe que a rainha não come ovos?!".
O homem do Protocolo, que carregava já, nesses dias, um histórico de uma pouco suave de troca de argumentos com o embaixador, espantou-se: "Ai é!? A rainha não come ovos!?".
E olhou em volta, procurando solidariedade no seu desconhecimento dessa suposta pecularidade dietética da soberana britânica, que, pelo tom de esmagadora evidência que fora assumido pelo seu colega em posto, era, com toda a certeza, uma banalidade informativa a que, por alguma razão, ele não tivera antecipado acesso.
Eu estava sentado precisamente em frente do Chefe do Protocolo, que me fitou, ansioso. Mantive-me impávido, com uma impenetrável “cara de negociação”, apenas bamboleando discretamente "que não" com a cabeça: se o meu embaixador diz que a rainha de Inglaterra não come ovos, é claro que a rainha não come ovos, ponto! Ou, pelo menos, é essa a convicção que um leal colaborador é obrigado a espelhar. Não faltava mais nada que assim não fosse!
Porque não sou dado a guardar a menor "memorabilia" de qualquer evento a que tenha assistido na vida, não posso conferir qual o doce português que foi servido à soberana britânica (e à princesa Diana e outras realezas), nesse jantar em que também estive. Trouxas de ovos não foi, com toda a certeza! Mas, até hoje, ainda me interrogo sobre se Isabel II teria gostado dessa deliciosa iguaria, até porque, confesso, nunca soube se, de facto, a rainha come ovos. Ou não.
6 comentários:
Bem, basta uma pesquisa de segundos, para se descobrir que a suposta aversão da rainha por ovos é treta. Se o Senhor Embaixador não for alérgico a modernices como o google, claro 😊
O serviço de catering saberia, certamente, se a rainha come ovos.
Na minha ignorância desses protocolos, julgava que haveriam listas muito específicas, fornecidas pelo convidado, do que não se deveria servir em caso algum. Até num banal casamento é normal inquirir se alguém tem alergias a marisco, morango, amendoim, ou se há vegetarianos, pormenores assim.
Na época, não havia Google. Hoje, estou-me nas tintas sobre se a rainha come ou não ovos. E ninguém perguntou ao “caterer” porque a questão dos ovos só surgiu semanas mais tarde. Mas isso é mesmo importante?
“Caterer “ ?
O dono da casa , neste caso o Embaixador e os seus colaboradores , é sempre informado das possíveis alergias ou “ manias “ do convidado de honra . É normal .
Por exemplo o Dr. Mário Soares não comia nada que tivesse penas : pato , frango , perdiz , codorniz ... E é da mínima boa educação respeitar esse detalhe , ou então ele não seria o convidado de honra .
O mesmo se deve ter passado com o jantar oferecido à família real inglesa . Noblesse oblige !
Foi o caro Embaixador quem atirou o primeiro ovo!
Se é importante? Absolutamente nada. O Senhor Embaixador é que achou que esta frioleira dos ovos era digna de crónica 😉
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