Durante anos, dava-me algum trabalho conseguir assistir em direto, na televisão, ao concerto de Ano novo que, em cada dia 1 de janeiro, a orquestra filarmónica de Viena executa no Musikverein, a mítica sala da capital austríaca. Às vezes não estava em casa, noutras tinha por lá gente, outras ainda andava em viagem. Os sistemas de gravação automática dos canais de cabo permitem-nos agora ver o espetáculo quando nos apetece, o que nos deixa sem desculpa para não assistir a um dos grandes momentos do ano musical à escala global. Foi o que fiz ontem à noite.
Quando vivi em Viena, nunca por lá passei os períodos de fim-de-ano, pelo que também nunca me vi obrigado a lutar para obter entradas para este concerto. Fui ao Musikverein diversas vezes, a mais curiosa das quais terá sido num dos meses iniciais de 2003, para o "Ball Der Industrie und Technik", um dos grandes bailes anuais da capital austríaca. Apesar de ser um "pé-de-chumbo", lá engalanei a labita de grã-cruzes para o evento, como é de regra. O Musikverein é uma das salas de espetáculo mais fascinantes que conheço, pelo que, confesso, tive pena de nunca ter estado, ao vivo, num seu concerto de Ano novo. Participar no tradicional acompanhamento, pelos espetadores, da marcha Radetzky, de Johann Strass, a tradicional última peça do concerto, foi algo que (ainda?) me ficou por fazer.
Viena foi um posto diplomático que me deixou "mixed feelings". Em 2002, fui para lá viver contra a minha vontade, interrompendo inopinadamente o trabalho que estava a fazer noutras funções. Coube-me então a responsabilidade de dirigir uma imensa representação nacional (só entre diplomatas, militares e técnicos vários, éramos, creio, 18 pessoas, além do pessoal administrativo), num período complexo, durante a presidência portuguesa da OSCE (Organização para a Segurança e Cooperação na Europa). Saído dessa tarefa intensa, passei, de um dia para o outro, e contrariamente ao que estava acordado, a um período que costumo qualificar como a minha "osceosidade". Porque estar sem praticamente nada para fazer se coaduna muito pouco com o meu feitio, optei por me dedicar a palestrar sobre um tema bem especioso, as chamadas CSBM ("Confidence and security building measures"). Em representação e a expensas da OSCE, andei então por sítios tão diversos como Trieste, Astana, Tóquio, Amman, Varsóvia, Tbilisi, Seoul ou Charm-el-Sheik, entre outros. Se Portugal me dava uma indesejada sabática, aproveitei para viajar e trabalhar. E, nas folgas, ouvir música.
Lembrei-me ontem disto e de muito mais ao ver e ouvir o magnífico concerto vienense de Ano novo, sob a direção de Daniel Barenboim.