quinta-feira, dezembro 26, 2013

"Cavaleiro Andante"

                                     
O "Cavaleiro Andante" moldou para sempre o meu imaginário. Algumas memórias fortes que marcaram a minha infância e juventude foram fixadas a partir dessa incomparável revista de banda desenhada (na altura, dizia-se "de quadradinhos"), que acolhia preferentemente os autores tributários da "escola belga" de BD, e que abriu caminho aos primeiros desenhos portugueses. Mas a revista tinha muito mais: falava-nos de história, de desporto, de literatura, trazia jogos e promovia a interação com os seus jovens leitores. O "Cavaleiro Andante" nasceu em 1952, tinha eu quatro anos, e durou dez anos. Observando alguns números mais antigos e o facto de várias histórias neles inseridas permanecerem na minha memória, concluo que, muito provavelmente, eu tenha então lido restrospetivamente toda a coleção. Durante anos, pela casa dos meus pais, havia números dispersos dessa revista semanal que tão importante fora para a minha formação. Fui assim matutando na possibilidade de vir a reconstituir a coleção completa da revista.

Um dia, em 1986, decidi colocar um pequeno anúncio em "A Capital", onde dizia estar interessado em adquirir a coleção completa do "Cavaleiro Andante". Surgiu uma única resposta. Numa noite, fui a uma cave na avenida Dom Carlos, em Lisboa, onde vivia o vendedor. Era um homem bastante mais velho do que eu. Tinha à venda uma excecional coleção, a que faltavam apenas meia dúzia de números, o que me satisfazia por completo. A conversa nunca a esquecerei. O homem mantinha as revistas embrulhadas em jornais e deixou claro que desfazer-se delas lhe custava bastante. Os olhos brilhavam-lhe enquanto me contava que, ao longo dos anos, tinha conservado cuidadosamente essa publicação que, também para ele, fora da maior importância. A partir de certa altura, a sua ideia fora completar a coleção para a oferecer ao filho. Porém, para sua grande desilusão, o filho não manifestara o menor interesse e, agora, ele tinha escasso espaço para a manter. Por isso, ao ver o meu anúncio, decidira-se a vendê-la. Não tive coragem para regatear o preço que me pedia: "quinze contos".

É assim que hoje sou um feliz proprietário da coleção do "Cavaleiro Andante". Encadernei-a, conservo-a com cuidado e abro-a com alguma frequência, com um prazer que só aqueles que foram leitores fiéis da revista têm condições de perceber.

8 comentários:

patricio branco disse...

o cavaleiro andante era uma bela revista, interessante esse negócio entre 2 pessoas que gostavam da publicação, tinha de facto muito mais do que historias aos quadrinhos ou quadradinhos, tinha textos escritos bons de ler, eu assinava a revista que chegava lá para 4a ou 5a...

Anónimo disse...

Eu já sou da geração da revista “Tintim”. Nunca compre nenhuma; tinha-as, encadernadas, à disposição na velhinha biblioteca municipal de Coimbra, onde passava quase todas as horas do dia durante as férias, que eram longas. Vim a comprar muitos anos mais tarde um dos volumes encadernados, apenas por nostalgia. Estava a pensar também na angústia desse senhor que lhe vendeu as revistas. Sou desde há muito um comprador compulsivo de papelada velha: jornais, revistas, folhetos, tudo e mais alguma coisa amarelada com letras, que comprava na Barateira, que ainda compro na feira da ladra, quando vou a Lisboa, onde calhava (cheguei a saquear uma casa abandonada e em ruinas, levando debaixo do braço uns anuários e uma velha lista telefónica, que iriam de qualquer maneira ser comidos pelos ratos). Ora, o meu filho não mostra o mínimo interesse pelos papéis, de modo que por aqui estão em casa, a um canto cada vez maior, para desespero da minha mulher. Vender é que nunca (bem, depende das necessidades e do preço).

Fragoso

Anónimo disse...

O gosto de colecionar não tem limites. Recordo que há uns bons anos, um amigo meu colocou um anúncio para adquirir todos os volumes da coleção do "Vilhena" (edições satíricas, muito preferidas pela PIDE, para apreender...), e não é que conseguiu! porem, por muito mais do que os 15 contos...

jose neves disse...

Caro,
Antes do "Cavaleiro Andante" que é também, precisamente do meu tempo, já houvera o "Mosquito" que um meu irmão mais velho guardava e eu mais tarde li vários números.
Uma história de aventuras contada no mosquito serviu-me para fazer uma prova de português que a respectiva professora mandara fazer sobre o tema de "Uma ida ao cinema" onde, como "montanheiro" nunca tinha posto os pés.
Serviu para fingir que já fora ao cinema e provavelmente, também, para posteriormente ser cineclubista e um fã do cinema.

Anónimo disse...

Nós, cinco irmãos, tínhamos uma ordem de leitura estabelecida creio pelo meu pai, que significava um não acabar de incitamentos dos que semanalmente ficávam nos últimos lugares: despacha-te, já estás a ler duas vezes etc. Existia também uma ordem referente a quem ia à Concorrente comprar o Cavaleiro Andante.
O meu irmão herdou de um tio a colecção completa encadernada mas creio que lhe falta o primeiro volume, que emprestou a um querido amigo comum, que nega a posse!
O Cavaleiro Andante terá sido o nosso (irmãos) primeiro vício de leitura; E um vício muito bom!
João Vieira

Gonçalo Pereira disse...

Vou dar-lhe uma boa notícia, senhor embaixador.
Segundo o Jornal de Notícias (http://kuentro.blogspot.pt/2012/01/bdpress-311-o-cavaleiro-andante-nasceu.html), a colecção completa do Cavaleiro Andante deverá valer cerca de quatro mil euros.
Não foi um mau investimento, portanto! :-)

Anónimo disse...

Ter inveja é feio mas, neste caso, confesso a minha inveja. Fui leitor compulsivo do «Cavaleiro Andante» (a minha homenagem à memória de Adolfo Simões Muller). Que saudade também do «Mundo de Aventuras» e do «Condor» da Agência Portuguesa de Revistas (a minha homenagem também à memória de José de Oliveira Cosme).

José Neto

jose disse...

Tambem sou fã da revista Cavaleiro Andante (e do Mundo de Aventuras), da qual tomei conhecimento no final dos anos 50, teria eu 5 ou 6 anos de idade.
Descobri-a numa drogaria do Lavradio que naquela época vendia a 3 tostões as sobras dos nºs atrasados.
Recordo assim com nostalgia algumas histórias dessa revista (Tin-Tin na América do Norte, O mistério da Atlântida, etc) e o cheiro característico das drogarias.
Muitos anos mais tarde pude apreciar a qualidade da publicação quando a descobri encadernada (e a requisitei) na biblioteca do Quartel da minha unidade militar (EPI).

José Godinho

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...