segunda-feira, janeiro 02, 2023

Comentário

Nos comentários sobre questões internacionais que faço em televisão, procuro, tanto quanto possível, evitar que o meu sentimento pessoal sobre as questões polua as minhas análises. 

Tenho sido várias vezes criticado nas redes sociais por não dar ar de estar com “l’air du temps”, com as tendências predominantes dos dias que correm, até por deliberadamente não usar vocabulário ou adjetivação que anda em voga. 

Cada um é como é e eu respeito o modo como cada qual é. Eu sou assim e não mudo. Quem não gostar, pode mudar de canal. Se o canal não gostar, pode sempre mudar de comentador, claro. Todos somos livres.

Entendo que não me pagam para que eu vá para ali expor as minhas preferências ideológicas ou as minhas simpatias políticas ou mesmo geopolíticas. Sou contratado para, através da minha opinião, tentar explicar as situações, não para fazer proselitismo, para diabolizar ou endeusar. 

Tento tratar equitativamente os diversos lados das questões, explicando, com o máximo rigor e o melhor que sei, a perspectiva de cada um, não escamoteando ou dando ênfase, positivo ou negativo, a certos factos ou figuras. Mas sempre chamando “os bois pelos nomes”.

Em artigos ou nas redes sociais o caso muda de figura: quando me apetece, posso tomar partido. Num comentário profissional, tento, o máximo possível, evitar que isso aconteça.

É verdade que estas regras de que sou tão cioso, às vezes, acabam por ter exceções. Tal como já tinha sucedido aquando da saída de Trump, ontem, na intervenção que fiz na CNN Portugal sobre o Brasil, não consegui deixar de transparecer um sentimento de agrado pela saída de Bolsonaro. São as fraquezas humanas…

Já?

E agora, já se pode saber quem mandou matar Marielle?

Dois Brasis



Belém bem

Parece que há quem não tenha gostado da mensagem de Ano Novo do Presidente da República. Eu gostei.

Lula cá


A presença de Lula em Portugal no próximo 25 de Abril é uma excelente notícia dada por Marcelo Rebelo de Sousa.

O suicídio político de Bolsonaro


Ao ter-se "suicidado" democraticamente, recusando-se a passar o poder institucional para Lula, Bolsonaro abriu espaço a esta habilíssima consagração popular.

Alegres trópicos


Um menu apresentado num jantar oficial, de natureza internacional, ajuda muito a perceber a imagem que um país deseja projetar de si próprio, à luz dos olhos estrangeiros. 

A gastronomia francesa foi, por muitos anos, o paradigma que a generalidade dos poderes nacionais europeus seguiu nas suas escolhas para a mesa. Diz-se que, em grande parte, isso se ficou a dever ao facto de ter havido uma “colonização” do gosto pelos sofisticados padrões da faustosa monarquia e da aristocracia gaulesas, facilitada pelo espalhar, pelas cortes europeias, dos cozinheiros fugidos à Revolução Francesa. Como é sabido, não apenas a gastronomia sofreu essa influência. Várias outras áreas da cultura da França, nomeadamente nas artes, se espalharam então pelo mundo - inclusivamente pelo Brasil, neste caso levadas pela corte portuguesa em fuga.

Os próprios menus eram, por muito tempo, escritos exclusivamente em francês, língua oficial de algumas cortes, numa prática que também era seguida, no plano interno, quando eram convidadas figuras da realeza doméstica. 

O surgimento de pratos nacionais nos menus oficiais, já dentro do século XX, representou, assim, como que o orgulho na afirmação de elementos da cultura gastronómica própria dos vários países, os quais, progressivamente, iam ousando competir com a gastronomia francesa.

Este menu da receção oferecida por Lula da Silva aos dignitários estrangeiros é, a meu ver, digno de uma tese de Claude Lévy-Strauss.

O último bolo-rei


Há minutos, numa das minhas tradicionais incursões noturnas pela cozinha, à cata de vitualhas sobejantes, feita pé-ante-pé, para não ser objeto de remoques matrimoniais, deparei com duas fatias de bolo-rei. Marcharam de imediato, como é óbvio. Fiz desaparecer o celofane em que estavam envolvidas, lavei o prato e acho que eliminei os vestígios do “crime”. (Em regra, não consigo. A empregada, no dia seguinte a estas expedições aos hidratos de carbono no andar de cima, denuncia-me, com um sorriso: “Deixou muitas migalhas na ida às bolachas e ao pão…” Até hoje, arrependo-me de ter acedido a que o chão da cozinha fosse em cerâmica preta).

Há muito que tenho a imagem do bolo-rei ligada à ideia de culpa. Sempre que olho para aquela bomba calórica, lembro-me de ouvir dizer: “Faz mal”. Um dia, era muito miúdo, perguntei ao meu pai: “Se faz mal, por que é que deixam vender?” Tenho na memória que me respondeu que se pode comer bolo-rei, mas não demasiado. Mas qual é a grossura da fatia que a faz cair no conceito culposo de demasiado? Insondável mistério.

Em criança, era vidrado nas frutas cristalizadas que ornamentam os bolos-rei. As cascas de laranja e de limão eram a minha perdição, tendo sido algumas vezes apanhado a deixar “carecas” alguns bolos-rei, por ir sacando discretamente, uma a uma, essas frutas coloridas, sempre hiper-doces. Em Viana, em casa da minha avó, fazia isso aos bolos-rei que vinham do Dantas. Em Vila Real, aos da Gomes. Ainda hoje resisto dificilmente a essa tentação. Quando resisto.

Com o Natal, este ano, passado em Lisboa, tomei a iniciativa, há semanas, de comprar um bolo-rei, numa ida à Versailles. (Chegado a casa, ouvi: “É muito cedo, vai secar”. Não secou, comi-o em poucos dias, com vinho do Porto a acompanhar). Não era mau, mas o que foi depois comprado no “senhor José”, na rua da Lapa, não lhe ficava atrás. Acabei há minutos de reconstatar isso. Ah! Noto que nunca comi o histórico bolo-rei da Nacional, que parece ser um “benchmark” da cidade. Mas, sempre que calha lá passar, nunca é Natal. Verdade seja que, como diz o outro, “Natal é quando um homem quiser”. Vou pensar nisso.

Uma última palavra para uma questão magna. Metade da graça em torno da coreografia do corte de fatias do bolo-rei, noutros anos, tinha a ver com o “suspense” da descoberta da fava e da prenda. Esta última era a que, em miúdo, verdadeiramente me interessava. E ainda sou do tempo em que a prenda era um artefacto metálico, de pôr ao peito, com uma agulha soldada. Vinha embrulhada em papel e detetávamo-lo ao mastigar. (“Horror dos horrores”, devem pensar os paizinhos contemporâneos, à luz dos hipercuidados de hoje!) Nunca ouvi dizer que alguém tivesse morrido por ter “engolido a prenda”, mas a ASAE já se encarregou, há muito, de nos proteger do arriscado prazer de nos “sair a prenda”.

Sem fava nem prenda, os bolos-rei, cá por casa, este ano, acabaram. Se se cumprirem os calendários, só lá para dezembro é que regressarão. E aí voltarei a sentir-me alegremente culpado.

domingo, janeiro 01, 2023

Lula


Boa sorte, presidente! 

Ano novo


“Agora é que é!” No início de cada calendário, no íntimo de nós, mesmo que o não confessemos, sente-se um tropismo de mudança: coisas a fazer, comportamentos a não repetir, erros a corrigir. E também amigos que a troca de mensagens nas Festas nos lembrou que há que rever, logo que possível. E livros a ler, viagens a fazer, restaurantes a experimentar, arrumações que tardam. E aquele “gadget” tecnológico que nos ficou debaixo de olho, na FNAC. E, para os hipocondríacos, “especialistas” a consultar, para tirar umas dúvidas. Há mesmo quem faça listas! Depois, na maior parte dos casos, só uma parte ínfima de tudo isso acaba por suceder (“tudo pode acontecer, até nada”, dizia alguém). Mas que imensa maçada seria uma vida sem estas cíclicas ilusões!

sábado, dezembro 31, 2022

Um Sporting é sempre um Sporting…

 


Afinal, tudo é possível!


Há uma tese clássica segundo a qual a verdadeira igualdade entre homens e mulheres só será atingida quando mulheres incompetentes conseguirem chegar a cargos de topo, aos lugares onde frequentemente chegam homens incompetentes. O Reino Unido deve estar feliz por ter cumprido esse desiderato. 

O facto de ter confundido o Mar Negro com o Mar Báltico não impediu esta senhora de ser ministra dos Negócios Estrangeiros de uma potência nuclear, com um dos maiores exércitos do mundo, membro permanente do Conselho de Segurança e do G7. E, como cereja no topo do bolo, de ser nomeada primeira-ministra, onde tirou da cartola propostas liberais de um radicalismo tal que fez com que o ridículo e os mercados a tivessem empurrado para o caixote do lixo da história. O nome? Nem interessa lembrar!

O irrelevante


Esta figura chega ao final de 2023 como o principal (ir)responsável pela irrelevância do Conselho de Ministros na posição da União Europeia na crise ucraniana.

sexta-feira, dezembro 30, 2022

Ninguém fala disto!

Se pensarmos bem, António Costa não está isento de culpas pelo facto da oposição não estar ainda preparada para substituir o PS, em termos de governo. Curiosamente, não vejo ninguém agarrar o assunto por esta perspetiva. Está tudo “feito” com o PS, é o que é!

Netanyahu

Há mais de sete anos, escrevi aqui isto. Repito o texto hoje :

“Em meados de 1996, recebi no meu gabinete o embaixador de Israel em Portugal. Meses antes, em Jerusalém, ambos havíamos almoçado em casa de Itzahk Rabin, horas antes deste ser assassinado. A partilha desse momento criara entre nós uma relação especial. 

Israel tinha ido a votos, semanas antes. Netanyahu acabava de ser nomeado primeiro-ministro. O embaixador cessava as suas funções, por ter atingido a idade da reforma. Ia regressar a Israel. Era uma figura muito simpática, popular em Lisboa, onde ia deixar grandes amigos. Ofereceu-me um livro de Amos Oz, que tinha acabado de ser publicado em português. Trocámos algumas palavras amáveis, como é uso nas despedidas, desejei-lhe felicidades pessoais e fui levá-lo ao pátio do Palácio da Cova da Moura, onde estava o seu carro. Lá chegados, perguntei-lhe se achava que a vitória do Likud ia induzir mudanças drásticas no processo de paz que, pelo menos no papel, parecia ainda poder subsistir. Otimista por dever de ofício, disse-lhe que não esquecia que o mais corajoso passo político que testemunhara por parte de um governo israelita - o tratado de paz com o Egito - fora dado precisamente por um governo Likud. Seria este novo governo Likud capaz de uma "paz dos bravos"?

O embaixador olhou para mim de um modo estranho. Fez um ricto facial que não me pareceu dever-se ao sol que lhe banhava a cara. Notei lágrimas a surgirem-lhe nos olhos. Agarrou-me o braço com força e, com visível dificuldade para dizer o que diria de seguida, ousou expressar: "Meu querido amigo. Provavelmente, eu não deveria estar a dizer-lhe isto, mas digo-o: com a eleição de Netanyahu, o meu país entrou no caminho da tragédia. Qualquer paz é impossível com ele. Não o conhecem!". E entrou no carro. Nunca mais o vi. Não sei se, quase duas décadas passadas sobre aquele momento, ainda será vivo. Espero bem que sim.

Lembrei-me dele há minutos. Os israelitas voltaram a escolher Netanyahu.”

Lápis azul

Vivemos, há quase meio século, em democracia. Portugal é tido, pelo mundo, como um país respeitador da liberdade de expressão. Não obstante isso, em 2022, continuamos a ler, nas redes sociais, pessoas a reclamar que se cale a voz de quem não pensa como elas. Viva a Comissão de Censura?

Ponto final

Marcelo Rebelo de Sousa, antes de partir para o Brasil, disse o que tinha de ser dito. E deixou os catastrofistas a falar sozinhos.

quinta-feira, dezembro 29, 2022

Muito obrigado, Dra. Graça Freitas

 


O governo do Brasil . Dez notas

1. O futuro governo brasileiro vai ter 37 ministros. Convém notar que no Brasil não há Secretários de Estado ou vice-ministros, dependentes dos ministros. Justifica-se, assim, uma maior subdivisão temática pelas várias pastas.

2. A profusão de pastas deriva da necessidade de acomodar personalidades oriundas das diversas forças políticas que integram a base de apoio do governo. É aceite que os partidos que dispõem de uma única pasta, utilizem essa plataforma para promoverem os seus interesses próprios.

3. Aos partidos políticos mais fortes é dada a possibilidade de preencherem, com pessoal da sua confiança, todos os cargos importantes nos seus ministérios, bem como das empresas estatais deles dependentes. São os chamados ministérios “de portada fechada”.

4. Partidos menos importantes são obrigados a ceder lugares nos ministérios que tutelam a personalidades de outros partidos. Esses ministérios são chamados “de portada aberta”. Na cultura política brasileira, a “partidarização” dos ministérios é comum e considerada aceitável.

5. Cada ministério tem um secretário-executivo, uma figura da Administração Pública, em regra politicamente próxima do ministro, que substitui o titular da pasta nas suas saídas para o exterior e a quem, de imediato, é atribuído o título de ministro interino.

6. No Ministério das Relações Exteriores (vulgarmente chamado Itamaraty), o secretário-executivo é o respetivo secretário-geral, sempre um diplomata de carreira. No Brasil, é muito vulgar o ministro das Relações Exteriores também ser um diplomata, como agora de novo vai acontecer.

7. No sistema político brasileiro, o conceito de “gabinete”, como órgão de decisão política coletiva, não existe. Raras são as reuniões da totalidade dos ministros. A coordenação dos integrantes do governo é feita pelo próprio presidente, auxiliado pelo ministro Chefe da Casa Civil.

8. O Chefe da Casa Civil não é, contudo, um “chefe do governo” e só responde perante o presidente. Depende dos poderes que lhe forem conferida pelo presidente a sua autoridade em face dos ministros. No passado, Lula delegou muito em José Dirceu e em Dilma Rousseff.

9. O futuro ministro-chefe da Casa Civil, Rui Costa, era governador da Bahia, é militante do PT e tem um perfil técnico que parece longe de lhe conferir um peso idêntico àquele que tiveram os seus antecessores. A coordenação do governo assentará assim muito mais em Lula.

10. Lugar importante na hierarquia é também o do responsável pelas Relações Institucionais, que trata da articulação com o Congresso. Alexandre Padilha, do PT, que já o ocupou esse lugar com Lula, volta a este cargo, para o qual se exige ”bom trânsito” parlamentar.

Marcelo e o futebol

Em 9 de março de 1975, a nossa seleção foi derrotada em Goiás, no Brasil. Presidia à nossa delegação o vogal da direção da Federação Portuguesa de Futebol. O seu nome? Marcelo Rebelo de Sousa. Que ajudou a resolver uma grande encrenca que sucedeu em campo. Não, Pelé não jogou!

Pelé


Quando fui trabalhar para o Brasil, em 2005, levava comigo o projeto de conhecer três figuras - Pelé, Niemeyer e Chico Buarque. Também queria conhecer Lula, mas isso viria “with the job".

Conheci e conversei com Oscar Niemeyer. Não conheci Chico Buarque, embora, de facto, nunca me tivesse esforçado muito para isso. Mas vim a conhecer Pelé, uma das figuras que, desde sempre, mais me fascinaram no mundo do futebol.

Falei com ele pouco tempo, a poucos dias antes de deixar de ser embaixador no país, no intervalo de um famigerado Brasil-Portugal, onde a nossa seleção foi batida por uns humilhantes 6-2.

Semanas mais tarde, num restaurante de Nova Iorque, o meu futuro sucessor em Brasília, João Salgueiro, viu Pelé e decidiu apresentar-se, revelando que seria o nosso novo embaixador no Brasil, para onde partiria dentro em pouco.

Pelé perguntou-lhe: "Vai substituir aquele embaixador de cabelos brancos, que eu conheci, muito triste!, em Brasília, na noite em que Portugal perdeu connosco?". O meu colega confirmou.

Eu estava, de facto, bastante triste e isso não deve ter escapado a Pelé. O que ele não sabia é que tê-lo conhecido terá sido a minha única alegria daquela noite.

Hoje, voltamos ao registo triste. Morreu Edson Arantes do Nascimento, o imenso Pelé.

Ir para fora cá dentro

Com a frente de combate a deslocar-se, nas últimas horas, de Bakhmut para S. Bento, não devo fazer hoje comentário televisivo internacional…

A colina de Santana

As televisões, num dia como o de hoje, não vão esquecer-se de passar pela Figueira da Foz. Santana Lopes irá explicar que, se a sua demissão e a dissolução de 2003 foram injustas, não sendo ele então eleito, por maioria de razão Costa não poderá sofrer idêntico destino.

“Não é por acaso que…”

Admiro-me que aqueles maluquinhos das teorias da conspiração, os do “não é por acaso que…”, não se tenham ainda lembrado da existência de uma pérfida aliança entre os políticos e os canais televisivos de informação, que conduziria à criação artificial de crises políticas cíclicas, redundando em horas de especulação por comentadores e com simpáticos efeitos correlativos nas audiências.

A santificação dos Santos

O mais curioso desta crisezeca é que os que se mostraram mais indignados com a trapalhada da secretária-de-Estado-que-afinal-tinha-empochado-uma-indemnização-choruda-vírgula-legal-vírgula-mas-imoral parece serem aqueles que acarinham e adubam o futuro do ministro “sortant”, o tal que esteve no centro da história e que, pelos vistos, lhes alimenta os amanhãs que assobiam para o lado. Vá-se lá perceber esta gente!

“A Arte da Guerra”


“A Arte da Guerra”, o podcast sobre política internacional que semanalmente faço com o jornalista António Freitas de Sousa, para o “Jornal Económico”, leva a cabo, nesta sua última edição em 2022, um balanço do ano, que tem a invasão russa da Ucrânia como natural centro da análise. 

As figuras mundiais destacadas são, como não podia deixar de ser, os líderes russo, ucraniano, chinês e americano. 

O programa termina com referências aos processos eleitorais em França, no Reino Unido e no Brasil, bem como a observação do recrudescimento das tensões no Médio Oriente, pelas evoluções mais recentes no Irão e em Israel. Pode ver e ouvir aqui clicando aqui.

Notícias do golpe

É minha impressão ou muitas pessoas que qualificaram de “golpe” a dissolução da Assembleia da República provocada por Jorge Sampaio, que deitou abaixo o governo de Santana Lopes, estão agora a pedir que Marcelo Rebelo de Sousa faça o mesmo? Era “golpe” na altura e agora já não seria?

Diversão

Os meus amigos nunca me perdoarão o que vou dizer: estas crises políticas divertem-me mais do que me preocupam. Talvez porque tenha um sentido lúdico intravável, ou pela plena consciência de que não será a minha preocupação que pode contribuir para mudar a história pátria, olho para tudo isto com um sorriso. Amarelo, mas, ainda assim, sorriso.

Oposições

A oposição tem muito a aprender com os comentadores. E deve agradecer-lhes, claro.

Peixe fresco

Ninguém me consegue convencer de que estas demissões ao fim da noite não fazem parte de uma hábil campanha para dar cabo dos títulos da imprensa em papel, que daqui a horas acordará com o seu histórico destino de “embrulhar peixe” bem antecipado.

Diário da crise

A lógica das coisas aponta para que a oposição, no futuro, tenda a poupar a figura de Pedro Nuno Santos, cujas responsabilidades diretas nesta crise irão ser desvalorizadas, como forma de concentrar o “poder de fogo” político naquilo que mais afete António Costa.

quarta-feira, dezembro 28, 2022

Na casa do senhor Albino


Vai ser proibido fumar no Snob, li algures. Nunca na vida fumei, mas esta é uma notícia que, por uma qualquer mas inconfessável razão, me deixa desconfortável.

Notícias do turismo

O Chiado, hoje à hora de almoço, fez-me lembrar a Piccadilly Circus dos anos 80, onde rareavam os locais e se ouviam os berros estridentes dos portugueses que, armazenados pela Abreu no Mount Royal, se afadigavam com as encomendas das primas, a aviar na Mothercare.

Busha ou Pidjiguiti?

- Não quero conhecê-la. É russa, da terra do Putin.

A conversa foi à hora do almoço, com uma amiga, em face da proposta de lhe ser apresentada uma senhora de nacionalidade russa.

- Imagina que, no tempo do Salazar, por seres portuguesa, não te queriam conhecer. Gostavas?

A tragédia da imprensa em papel

 


Lições da estatística

Se fosse reduzido o número de secretários de Estado, a hipótese de haver destas “barracas” diminuiria - deve estar a pensar António Costa.

terça-feira, dezembro 27, 2022

Obviamente, demitiu-se!

A senhora secretária de Estado saiu do governo, obviamente, tal como, há horas, por aqui achei que ia acontecer. Na realidade, a senhora não parece ter incumprido com nenhuma lei, mas acabou arrastada pelo “clamor popular”. De Murça ao Terreiro do Paço, este é o país que temos.

Um Mega discurso


Cada país com um pavilhão na Expo 98 tinha direito ao seu “dia”. Em geral, enviava um governante para chefiar a sua delegação nacional. Havia lugar à cena do hasteamento de bandeira, passava-se ao interior do Pavilhão de Portugal, Simonetta da Luz Afonso introduzia o filme que revelava a exposição e, subindo ao andar superior, avançava-se para o almoço.

Por mais de uma dúzia de vezes, representei o governo português nestas cerimónias. Acompanhava os dignitários estrangeiros e dizia umas banalidades de circunstância, com alguns apontamentos sobre as relações bilaterais. Alguém da organização da Expo dizia também alguma coisa, breve, antes do convidado encerrar e passarmos às vitualhas, porque, em geral, já se fazia tarde para todos.

Num desses dias, era a vez do Chile. Do lado chileno, estava José Manuel Insulza, ministro dos Negócios Estrangeiros. Pela parte da organização da Expo, surgiu escalado António Mega Ferreira. Quando foi a sua vez de falar, os circunstantes terão pensado que, num instante, ele iria despachar o assunto, com algumas amabilidades da praxe, em nome dos anfitriões.

Era não conhecer António Mega Ferreira! Durante vários minutos, num magnífico improviso, saudou o Chile. Com uma notável erudição, falou da História e da cultura chilena, de Gabriela Mistral e de Pablo Neruda, do Canto Nuevo, de Violeta Parra e de Victor Jara, da beleza de Atacama e do deslumbre de Valparaíso. Não foi um discurso político, minimamente militante. O nome Pinochet, então ainda vivo, não emergiu, nem sequer o de Allende, que, contudo, estava na cabeça de todos os presentes, por detrás das palavras, elegantes e certeiras, de Mega Ferreira. Ali ficou um imenso elogio à vontade democrática do povo chileno, com toda a admiração que este lhe merecia. José Manuel Insulza estava comovido, talvez por não estar à espera de ouvir, naquele contexto, uma intervenção daquela natureza. E disse-o.

Um ano mais tarde, visitei Santiago, onde fui recebido por Insulza. Ao lembrarmos a sua visita à Expo, ele próprio tomou a iniciativa de recordar o “extraordinário discurso de um grande intelectual português” que tinha estado presente no nosso almoço.

Vox populista

Em todas as crises que adubem o populismo, surgem logo a terreiro auto-proclamadas organizações, constituídas por conhecidos profissionais da indignação, que a comunicação social pressurosamente utiliza como forma de aumentar o coro.

Onde a porca torce o rabo

Marcelo Rebelo de Sousa esteve bem perante os “indignados” de Murça. Postura de Estado é aquilo, aprendam!

CD quê?

Durante muitos anos, habituámo-nos tanto a ouvir a opinião do CDS, a propósito de tudo e de nada, que já não nos damos conta do escândalo que é a comunicação social estar sempre a escutar Nuno Melo, em detrimento de uma montanha de outros "partidos" também sem representação parlamentar.

Óbvio!

É mais do que evidente que a senhora já não vai sobreviver como secretária de Estado. A sua posição e autoridade estão definitivamente afetadas, seja ela culpada ou não de alguma coisa. É a sina da vida num governo.

segunda-feira, dezembro 26, 2022

António Mega Ferreira


Há semanas, acabei de ler um largo calhamaço, escrito por alguém que, num “name dropping” obsessivo, parece ter o mundo cultural português como o seu alvo crítico de estimação. A principal “bête noire” do prolífico escriba é António Mega Ferreira. Dei comigo a pensar que só o facto de alguém conseguir convocar tanta acrimónia acaba por revelar a sua real relevância e a enorme dor-de-cotovelo que a sua figura suscita. Mega Ferreira morreu hoje.

António Mega Ferreira foi uma das nossas figuras intelectuais mais brilhantes, nas últimas décadas. Com uma escrita magnífica e uma capacidade de ação notável, fez incursões por diversas áreas da cultura, sempre com extremo mérito, às vezes roçando mesmo a genialidade. As próximas horas trarão obituários e testemunhos completos sobre ele, que se esperam justos. 

Um dia, Paula Moura Pinheiro juntou-nos a ambos num programa televisivo, para falar de alguns prazeres sensuais. Foi uma hora divertidíssima, que anda pela RTP Play, em que falámos da mesa e de outras coisas, do mundo do gosto que ela nos proporciona.

Uns bons anos antes, em casa do meu amigo Fernando Neves, eu tinha revelado que acabara de ler um livro de um autor menor português, uma figura justamente depreciada pela sua mediocridade, cujo nome nem interessa lembrar. Já nem sei a razão, ou a curiosidade, pela qual eu tinha decidido essa inusitada incursão de leitura. O António Mega Ferreira, escandalizado, mostrou a sua incredulidade: “Ó Francisco! Só o simples esforço de estender o braço para a estante, para pegar num qualquer livro dessa figura, já de si é um excesso. Que diabo de autores com que você ainda perde tempo, quando há tão bela escrita que nem toda uma longa vida nos permitirá ler!”.

O António Mega Ferreira tinha toda a razão. Como homenagem, na tarde deste “boxing day”, vou reler o seu magnífico “O Heliventilador de Resende”, que acabo de descortinar numa estante aqui ao lado.

O tio de churrasco

O conceito de “tio de churrasco” é brasileiro (lá diz-se mesmo “tiozão de churrasco”). Trata-se de qualificar aquele familiar, normalmente mais idoso, que um dia cai numa reunião de família e se sente à vontade para soltar opiniões inconvenientes, sob o alibi da “autoridade” da idade ou do seu estatuto, dizendo coisas que já nem pressente como desagradáveis, mas que deixam as pessoas presentes constrangidas, ideias que confrontam “l’air du temps” ou o mínimo de bom senso.

O risco de cada um de nós se tornar num “tio de churrasco” é elevadíssimo, pelo que me policio sempre a mim próprio, antes que me “interditem”, quanto mais não seja pela criação de um embaraçante e penoso silêncio à minha volta. Mas, um dia, arrisco-me a ter esse infortúnio.

Ontem, contudo, tive imensa sorte. Numa jovial reunião de família, alguém sugeriu que duas das pessoas mais velhas, uma das quais eu, entrassem num jogo de debates: eram-nos propostas teses radicais, absurdas pelo seu caráter imperativo, cabendo a cada um dos dois, respetivamente, defender essa tese e atacá-la. Depois, essas mesmas pessoas colocavam-se exatamente na posição contrária, arrasando aquilo que tinham acabado de defender, supostamente com argumentos diferentes dos que tinham sido usados pelo interlocutor. 

O jogo foi divertido, a dialética soltou-se e cada um de nós dois teve a possibilidade de levar até ao absurdo algumas ideias que, num ambiente de conversa serena, nunca defenderíamos. A vintena de assistentes, entre as quais eu tinha uma dúzia de sobrinhos, “desculpou-nos” o extremismo das nossas doutrinas, tanto mais que, no minuto seguinte, nos ouviram dizer exatamente o contrário, com a mesma enfática “lata”.

Mas por que é que lhes estou a dizer isto, com evidente prazer? Porque, lá no fundo, de algumas das barbaridades que ontem por ali deixei ditas, transpareceu-me intimamente, sem que os auditores pudessem suspeitar, o “tio de churrasco” que já habita escondido em mim…

Conselho

E agora, estejam à vontade: o importante não é o que se come e bebe entre o Natal e o Ano Novo. Grave, grave é o que comemos e bebemos entre o dia de Ano Novo e o próximo Natal.

domingo, dezembro 25, 2022

Tanto fazia

Como era óbvio desde o primeiro momento, o assassino de Paris não pretendia matar especificamente cidadãos curdos, queria apenas mostrar o seu ódio aos imigrantes estrangeiros, em especial muçulmanos. A trágica ironia é que os mortos tanto podiam ter sido curdos como turcos.

Natal


O espírito de Natal dos pobres de espírito.

Café duplo


O senhor João trouxe as duas chávenas de café para a nossa mesa, ontem, ao almoço, na Imperial de Campo de Ourique. Quando fez menção de colocar uma das chávenas à frente da minha mulher, ela retorquiu: “Obrigado, mas eu não tomo café”. O senhor João optou então por pousar as duas chávenas à minha frente: “Eu sei que o seu marido, no fim da refeição, acaba muitas vezes por pedir dois cafés…” E ali ficaram as chávenas.

A cena seria banal, não fosse o conteúdo das chávenas não coincidir. Uma delas era café. O líquido que vinha na outra era um tanto transparente. A minha mulher não tinha notado que o senhor João tinha discretamente colocado nessa segunda chávena uma dose de Bushmills. Vende-se por aí tanto café e poucos se dão conta de que um dos melhores do mercado acaba por vir da Irlanda. 

sábado, dezembro 24, 2022

Almanaque

 


Gosto de oferecer livros no Natal. 

Na vida, quase sempre me aconteceu passar os Natais em Vila Real. (Isso só não sucedeu por três vezes: uma, em 1991, quando vivia em Londres, outra, em 2011, em Paris e, este ano, aqui em Lisboa). Por essas alturas, em Vila Real, começo por me abastecer com algumas coisas que o meu amigo Alfredo tem à venda na Livraria e Papelaria Branco. Como não encontro ali tudo o que quero, passo pela Bertrand do shopping a horas mortas (das oito às oito e um quarto, aquilo é um sossego) e compro o restante.

Gosto de oferecer livros, mas só quando isso é possível. Ontem, passei pela Ler, em Campo de Ourique, e comprei dois livros. Para evitar esperas (sou um comodista nato, intolerante com perdas de tempo, para quem ainda não tivesse suspeitado), pedi sacos e evitei o atraso dos embrulhos. Zarpei dali para as Amoreiras, para adquirir o resto que necessitava. Pois isso! Na Bertrand, estavam filas quilométricas. Na FNAC, idem. Vim-me embora. Desconfio que muita gente vai ficar sem livros oferecidos por mim neste Natal.

Há dois dias, na Férin, comprei o livro que a imagem mostra: um excelente estudo de António Araújo sobre a revista “Almanaque”. (São agora quase cinco horas da manhã de sábado e, com exceção da antologia de textos, já o li todo). Este livro é, como imaginarão, uma prenda de Natal. Para mim. Complementa três outros livros que, há dias, chegaram de França, pela Amazon. Foram também uma oferta a mim mesmo. 

Eu não lhes tinha dito que gosto de oferecer livros no Natal?

sexta-feira, dezembro 23, 2022

Evaristo Cardoso


Foram muitos os anos que levou a construir e consolidar o prestígio daquilo que hoje é o Solar dos Presuntos, um caso de sucesso na restauração de Lisboa, um lugar internacionalmente conhecido, que, há pouco tempo, recebeu o prémio Maria de Lourdes Modesto, anualmente atribuído pela Academia Portuguesa de Gastronomia a um restaurante onde se pratique e promova uma genuína cozinha tradicional portuguesa.

À frente do Solar dos Presuntos esteve, por muito tempo, o seu fundador, Evaristo Cardoso, um minhoto de Monção, que agora nos deixou. 

Fica aqui a minha sincera homenagem a alguém que recordo que sempre me recebia com o seu proverbial e amável sorriso. 

quinta-feira, dezembro 22, 2022

“A Arte da Guerra”


Esta semana, em “A Arte da Guerra”, o podcast sobre temas internacionais do “Jornal Económico”, falo com o jornalista António Freitas de Sousa sobre o que pode significar a deslocação de Vladimir Putin à Bielorrússia, o estranho “record” que constitui uma taxa de abstenção superior a 90% nas eleições legislativas na Tunísia e as tensões entre o Qatar e a União Europeia sobre fornecimento de gás.

Pode ver aqui.

Visão


Um belo número é o da “Visão” desta semana. Mas sou suspeito: meti por lá uma colherada escrita.

terça-feira, dezembro 20, 2022

Também

As pessoas que criticam António Costa pela forma menos feliz como se referiu à Iniciativa Liberal deveriam assumir idêntica exigência face ao modo incívico como esta força política agride publicamente Costa e o seu governo, através de uma propaganda visual insultuosa, rasteira e desrespeitosa, espalhada pelo país.

Portar

Muitos aceitam a imigração, “desde que eles se portem bem”. O grande teste à xenofobia é sempre este: estamos dispostos a aceitar os estrangeiros, mesmo que se “portem mal”? Tal como aceitamos os portugueses que se ”portam mal”?

Libé

Cada vez mais me convenço de que o mantra liberal tem uma imensa simplicidade: menos Estado, menor Estado e o que sobrar que fique ao nosso serviço.

“She”

Depois de ver os episódios da série de Netflix sobre os príncipes desavindos com a coroa britânica, cheguei a uma conclusão simples: a série devia chamar-se “She”. O jovem anda por ali, com ar aturdido, a fazer o papel de compère. Ela, sim, sabe o que quer.

segunda-feira, dezembro 19, 2022

Vistoria


No domingo, depois do jogo, fui fazer uma “vistoria” à minha terra. De há muito que, preferencialmente a horas mortas, faço um passeio a pé pelo centro da cidade, sempre que venho a Vila Real. Dizer que calcorreio desde o Cabo da Bila até à Câmara, passando pela Rua Central e pelas três esquinas do “slalom” intermédio (Rosas/Excelsior/Alarcão, Zézé/Santoalha/Ourives e Gomes), não deve dizer rigorosamente nada aos leitores deste espaço. Mas que se há-de fazer?! Embora seja difícil de acreditar, ainda há gente que não conhece Vila Real.

ps - o príncipe (por definição encantado) de penugem na cabeça que percorre o parapeito do castelo (na imagem), à porta de uma loja comercial da Rua Direita, há muito que perdeu o braço. A idade dos vila-realenses tem, aliás, um belo critério de medida: os que ainda se lembram do braço do príncipe e os que nunca viram tal coisa. A questão agora é outra: será que o príncipe, mesmo amputado, vai sobreviver às obras que por ali detetei, na minha “vistoria” de domingo?

domingo, dezembro 18, 2022

É isto, desculpem lá!

Não é popular dizer isto, eu sei, mas hoje é o dia em que, gostemos ou não (e eu não gosto), Leonel Messi fica consagrado, sem a menor dúvida, como o melhor jogador da atualidade e um dos três ou quatro melhores de sempre.

Pensando bem…

Sempre me escapou a racionalidade de um jogador protestar por lhe ter sido marcada uma falta. Até hoje, ainda não vi um árbitro a arrepender-se e dizer: “De facto, pensando bem, você tem razão: não havia justificação para eu ter apitado. Desculpe lá!”

sábado, dezembro 17, 2022

Casa do Baixinho



Como se lá chega não sei explicar, mas qualquer GPS ajuda a percorrer, a partir da A4 ou do centro de Paredes, uns escassos quilómetros até chegar à Casa do Baixinho, no nº 447 da rua do Paço, numa zona rural. 

Entra-se por um pátio onde, diz-me a dona Paula, a dona, no verão se come ao ar livre. Dentro, o ambiente é o que se vê e não difere muito de casas similares: pedra, madeira, lareira. Ah! E não há por ali ninguém “baixinho”. É o nome da quinta!

A lista é curta, mas as entradas são abundantes. Entre outras, somando o couvert, anotei queijo, presunto, salpicão, pataniscas, feijoada, cogumelos recheados, croquetes, entrecosto, rojões, azeitonas, moelas, pimentos, etc. Se resistir a tudo isto (resisti a menos de metade…), pode avançar para os pratos: há dois bacalhaus (escolhemos o folhado, com creme béchamel, que estava muito bom, havendo outro com broa) ou um naco com feijão preto e arroz. Às quintas, há arroz de pato. Ao domingo (só abre ao almoço), têm cabrito e vitela assada. Por encomenda (tlf. 255 785 808), há mais escolha. As sobremesas são variadas e debitadas pela dona Paula, mas podem ser vistas numa mesa no meio da sala, de onde discretamente surripiei uns figos secos.

A lista de vinhos, com o Douro naturalmente a predominar, não sendo deslumbrante, é muito aceitável. O preço final foi muito honesto, pelo que só posso recomendar uma visita. Permanece uma dúvida: quem terá sido o amigo que, há meses, me “receitou” esta Casa do Baixinho? Não é por nada, é só para lhe agradecer!

Não nos queixemos!

Devemos olhar para o lado antes de nos queixarmos. Há sempre outros, afinal, que têm menos sorte do que nós. Há dias, uma amiga, a quem eu dizia que, em 80% das vezes em que abro uma caixa de medicamentos, me sai o lado da bula, confessou, chorosa: com ela, acontece 100% das vezes. Muita sorte temos nós, afinal! 

Itamaraty

Vale uma aposta? Uma das primeiras iniciativas internacionais do governo Lula - com a China, com a Turquia ou com ambos - será uma tentativa de intermediação de um cessar-fogo, ou mesmo de uma negociação para a paz, na Ucrânia. Mesmo sabendo que isso não terá o mínimo sucesso.

Lugares da memória


Há hotéis onde se vai para passar uma noite. E há hotéis onde se volta para nos impedirmos de os esquecer.

Esplendor no verde


Se os proprietários deste café do Porto tivessem visto as tacadas de um bilharista que eu cá sei, na segunda metade dos anos 60, nas mesas do primeiro andar, não teriam fechado a casa. Ou talvez o fizessem, porque o bilharista, a bem d’zer, nunca foi grande coisa… A sério: não tenho saudades, só tenho pena.

sexta-feira, dezembro 16, 2022

Passagem à disponibilidade



Lá se foi mais um Embaixador...

País da aletria

Tive um despique, à saída de Coimbrões, com um camião de uma empresa, que teimava em não me deixar espaço na fila. Passei-o e olhei o nome: "Lingerie Ternurinha". Este país não existe!

Contradição

A grande novidade dos últimos tempos é o facto de um país como a Ucrânia estar a demonstrar algo que é quase contraditório: embora tema a Rússia, deixou de ter medo de lhe fazer frente.

Nomes…

Ninguém se surpreende que Zelenski seja a personalidade internacional do ano, na imprensa portuguesa (e não só). Que outro nome poderia ser? Mas há quem se espante com o facto de António Costa ser a personalidade portuguesa do ano. Repito a pergunta: quem poderia ser? Vá! Nomes!

quinta-feira, dezembro 15, 2022

Santos


Lá vai Fernando Santos à vida! Nada que surpreenda, depois da eliminação do Mundial. É dos livros que nada fica igual após um desaire, neste caso contra muitas expetativas otimistas. Há muita gente que acha que, com o “material” que tinha à sua disposição, ele deveria ter feito muito melhor. Não sei de futebol o suficiente para me pronunciar. Apenas direi que me pareceu ser um treinador para quem a cautela estava sempre à frente da ousadia. Agora, só peço que não ponham lá o Jorge Jesus!

"A Arte da Guerra"


A corrupção no Parlamento Europeu, a estranha tentativa de golpe na Alemanha e a crise política no Perú foram os temas abordados na conversa com o jornalista António Freitas de Sousa, no podcast do Jornal Económico, “A Arte da Guerra”. Ver aqui

quarta-feira, dezembro 14, 2022

Ora bem!


Jogo, jantar e, depois, este Jacobs pós-Jacobs que me chegou pela Amazon. A dia vai acabar pela noite.

Quando a Guerra Fria parecia ter acabado


A Guerra Fria, que durante décadas opôs os ocidentais, sob a liderança dos Estados Unidos, à União Soviética, atravessou, a certo passo, um período de alguma distensão, conduzindo à laboriosa negociação de um “modus vivendi” que tentou reduzir os riscos existenciais e estabelecer alguns canais de regular comunicação.

Foi no quadro da chamada CSCE (Conferência para a Segurança e Cooperação na Europa) que se procurou desenvolver várias “dimensões” de um diálogo entre o Leste e o Oeste, na tentativa de diluir antagonismos e fixar os pontos comuns possíveis entre aqueles dois mundos bem diferentes. Com o fim da União Soviética, a CSCE viria a institucionalizar-se na criação da OSCE (Organização para a Segurança e Cooperação na Europa).

A partir de 1994, a OSCE passou a ser a plataforma multilateral onde se tentou, e por muito tempo conseguiu, garantir uma linguagem comum sobre as questões de segurança no espaço euroatlântico e da antiga União Soviética. Mais de meia centena de Estados sentam-se, ainda hoje, à mesa dessa estrutura sedeada em Viena.

Em cada ano, a OSCE é presidida por um país diferente, que conduz a organização durante 12 meses. Há precisamente duas décadas, durante o ano de 2002, Portugal assumiu essa presidência. No final desse exercício, as conclusões propostas pela presidência portuguesa, que, como era de regra, passaram a ser uma “bússola” para o futuro imediato da organização, foram aprovadas por consenso pelos então 55 Estados membros.

Perguntar-se-á: mas, na OSCE, até então, as conclusões não costumavam ser aprovadas por unanimidade? É verdade, mas também é verdade que, a cada ano, esse exercício de harmonização de perspetivas estava a revelar-se mais difícil, pelo que será interessante destacar que acabou por ser com a presidência portuguesa que isso aconteceu pela última vez. 

Desde então, desde há 20 anos, o consenso desapareceu na OSCE. Nunca mais foi possível ter conclusões que contassem com o acordo de todos os Estados. Há dias, na Polónia, mesmo com a ausência forçada da Rússia (cuja delegação oficial foi impedida de participar na reunião final deste ano), a organização esteve muito longe de chegar a qualquer consenso.

Serve isto para dizer que quem conhece o mundo da OSCE sabe que a organização reserva ainda uma memória muito positiva desse trabalho da diplomacia portuguesa, concluído na reunião do Porto, em dezembro de 2002.

Caídos na rede

Foi a pandemia, foram os incêndios, foi o lugar do novo aeroporto ou a linha avançada da seleção. São sempre os mesmos, por aqui, pela redes sociais, sempre zangados, indignados, de adjetivo na tecla e no comentário. Por estas horas, nem imaginam o que eles sabem sobre alterações climáticas, sobre o que se “devia fazer” e não foi feito! É uma malta! 

Português de lá

O português que se fala no Brasil tem uma criatividade única. Chamar “revogaço” a um conjunto forte de medidas revogatórias de decisões anteriormente tomadas é uma extraordinária “trouvaille” semântica.

Na cidade de Niemeyer

O que me impressionou mais no ambiente de confusão (os brasileiros usam “baderna”) que se instalou nas ruas de Brasília é a cobardia das forças de segurança, o medo ou a relutância em impor a ordem democrática.

… e, depois, há Messi!

Percebo que alguns possam não gostar da equipa da Argentina. Mas não entendo que, quem goste um mínimo de futebol, não reconheça o génio, na atualidade incomparável, de Messi. A jogada e a assistência no terceiro golo contra a Croácia são extraordinárias.

terça-feira, dezembro 13, 2022

O dia


Não sei de estado da arte em outros lados mas, por aqui, a coisa começa a compor-se e ainda acaba num belo dia de sol a pôr-se…

Agenda muito doméstica

Dia “às pinguinhas”: reunião, 11:00, Marquês (“pode ser 5ª?”); almoço, 13:30, Campo de Ourique (“é melhor adiar, não achas?”); reunião, 17:30, Baixa (“temos de encontrar outro dia”); jantar de empresa, 20:30, à beira-rio (“cancelado”, diz a SMS). E o zoom das 16:00? Manter-se-á?

segunda-feira, dezembro 12, 2022

12.12.12


Faz hoje 10 anos, dia por dia. Eu era embaixador em Paris e preparava-me para "fechar" a minha carreira diplomática, no final do mês de janeiro de 2013, chegado à idade limite para prestar serviço no estrangeiro. 

Tinham decorrido quase 38 anos, desde que entrara para as Necessidades. Como antes já tinha sido funcionário público por quatro anos, decidi pedir a aposentação, a ter efeitos imediatamente após o meu regresso a Lisboa. Não recorri ao estatuto da "jubilação", que me faria andar pelos corredores do MNE até à idade em que seria obrigado a ir compulsivamente para casa, embora isso fosse financeiramente um pouco mais vantajoso. Queria ficar completamente livre, para poder fazer o que me apetecesse.

A minha reforma ia ser bastante baixa (embora muitos teimem em não acreditar, um diplomata tem sempre uma reforma baixa, porque não lhe é permitido descontar sobre o que ganha quando está colocado no estrangeiro). Tinha, contudo, assegurado já a possibilidade de dar aulas numa universidade privada (não podia lecionar nas universidades públicas, porque isso é incompatível com ser-se pensionista do Estado). Ia ser um apenas um modesto “part-time” que me ajudaria a arredondar os meses.

Porém, nesse dia 12 de dezembro de 2012, todos os meus planos de vida se alteraram.

Com intervalo de algumas horas, recebi três telefonemas de Lisboa. Vinham de três pessoas de áreas muito diferentes, que apenas tinham em comum a circunstância de todos terem lido na imprensa que eu me ia aposentar. Uma não me conhecia pessoalmente, com outra tinha tido apenas um breve contacto, da terceira era amigo. Cada um à sua maneira, os três disseram-me que gostavam de poder vir a contar com a minha colaboração, para aconselhamento estratégico, no âmbito das entidades que dirigiam - duas empresas e uma fundação. Todas essas entidades tinham uma ação internacional relevante. Em nenhuma delas iria ser um trabalho "from nine to five", mas sim reuniões e tarefas pontuais: análises de conjuntura, avaliação de riscos políticos em mercados, estudos prospetivos, com algumas viagens internacionais pelo meio. Eram propostas muito sedutoras, em todos os sentidos.

Apreciei muito os convites, o terem-se lembrado de mim. E aceitei-os. Sentia-me particularmente à vontade para o fazer, porquanto essas entidades estavam a convidar alguém que, no plano político, era público e notório nada ter a ver, em termos de proximidade, com o governo que, no nosso país, chegara ao poder, pouco mais de um ano antes. Aliás, muito pouco, no trabalho que eu iria fazer, tinha a ver com as atividades dessas mesmas entidades em Portugal.

Tinha conhecido muitos colegas diplomatas - noruegueses, britânicos, espanhóis, franceses, brasileiros, etc. - que, após se terem terminado o seu serviço público, tinham ingressado, com naturalidade, no setor privado, para iniciarem uma nova carreira, que pudesse aproveitar a sua experiência de décadas. Em Portugal, contudo, salvo uma meia dúzia (se tanto!) de casos, de que tenho o privilégio de fazer parte, não havia nem há essa prática de reaproveitamento profissional dos diplomatas. É pena. Acho que o setor empresarial português perde bastante com isso, embora eu seja suspeito ao dizê-lo. Por essa ausência de oportunidades, brilhantes colegas meus, acabados de sair de postos e de experiências valiosíssimas, passaram, de um dia para o outro, de uma atividade intensa para o passeio quotidiano do seu cão. No meu caso, eu nem sequer tinha cão.

Nos dias de hoje, continuo ligado, em pleno, a duas das entidades que me contactaram, faz hoje uma década. Com a terceira, concluí, há meses, nove anos consecutivos de agradável colaboração. Quem me está a ler compreenderá agora melhor a razão pela qual a data de 12.12.12 me diz bastante.

E o resto?

Faria muito bem à legitimidade do Parlamento Europeu se procurasse estar atento à ação de alguns deputados que ali funcionam como regulares “porta-vozes” e “influencers” em favor de certos regimes estrangeiros, mesmo que a paga, neste caso, possa não ser material mas apenas em “satisfação” pela cumplicidade política.

O Qatar a ver-se grego

A confirmarem-se, são bastante graves as acusações de corrupção que impendem sobre a deputada europeia grega e o grupo que o Qatar terá financiado para tentar edulcorar a sua imagem europeia. 

Teremos de concluir que Doha, com este episódio a somar-se a todas as controvérsias que antecederam o Mundial, não parece estar a ter um período de “relações públicas” muito brilhante.

Conversas em família

- É um escândalo, de facto! O dinheiro que esta deputada europeia grega recebeu do Qatar! Devia andar de Rolls-Royce!

- Mas quem é que quer andar de Rolls-Royce? Já pensaste o que deve ser estacionar um Rolls-Royce?

Rimo-nos os dois e, nesse instante, vi um lugar para deixar o Smart.

Bolas


Lídia Paralta Gomes, uma jornalista do "Expresso" cujo nome li hoje pela primeira vez, escreveu há pouco, em modo sinédoque, este "filme" do Euro que ganhámos: "Moutinho ganha a bola, dá para William Carvalho, este, com aquela leveza que ainda hoje traz no pé, passa para Ricardo Quaresma que devolve de primeira para João Moutinho. O médio vê Éder, entrega a bola ao avançado, que ganha posição a Koscielny e remata."

Gosto destes ritmos de balanço para a glória e, por isso, e para quem tiver idade para isso, trago aqui esta bela "peça" que, há meses, o Manuel Magalhães e Silva me recordou, bem de outros tempos, talvez do Nuno Brás: "Corre Hernâni, levanta a cabeça, procura a quem dar, amortece na coxa, arma o tiro, aponta, executa e ... golo".

O "falar" do futebol é uma arte de antologia. Conseguir dizer que um jogador "chutou com o pé que tinha mais à mão" ou que, como um dia disse o clássico Alves dos Santos, "lá vai o jovem Simões, agilidade na cabeça, inteligência nos pés" são tiradas que confortam a nossa alma de eternos adeptos da "modalidade".

Há "coisas" mais bonitas do que o futebol? Há e eu já fui apresentado a algumas. Mas a arte da bola é magnífica, desculpem lá!

domingo, dezembro 11, 2022

Um senhor do tempo


O Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas editou a obra de homenagem “Adriano Moreira - Para Além da Espuma do Tempo”.

Trata-se de um conjunto de textos que analisam a passagem por diversos palcos de intervenção de uma figura marcante da pedagogia e do pensamento estratégico do nosso país, que há pouco nos deixou.

Ao olhar o título desta obra, veio-me à ideia que o conceito do tempo esteve bastante presente na bibliografia de Adriano Moreira. Senão vejamos: “Notas do tempo perdido “, “O tempo dos outros”, “A espuma do tempo. Memórias do tempo de vésperas”, “Nunca é tarde para o homem”, “Futuro com memória”, “A nossa época”, “Este é o tempo!”.

É compreensível, para quem iria viver um século, esta atenção ao tempo.

À Alves Redol


Cá por casa, há uma secção de camisas chamada, desde há muito, “à Alves Redol”. Têm quadrados largos, cores diversas, algumas berrantes, a lembrar as camisas que o escritor vestia em fotografias, idênticas às dos pescadores e presumivelmente dos gaibéus, por mim compradas em momentos de completa insconsciência estética, deslize neo-realista ou, simplesmente, saldos a que não soube resistir. Nos dias de hoje, quase só as uso quando tenho a certeza de que não vou sair de casa, porque algumas são mesmo inapresentáveis. 

Há tempos, tocou à campaínha um amigo, antigo exilado em França, e, vendo-me com aqueles quadriculados largos sobre o corpo, exclamou: “É pá! A tua camisa faz-me lembrar Paris!” Paris? Porquê? Ele explicou: “Não te lembras da eterna montra da Casa de Portugal, na rue Scribe, no tempo do fascismo? Tinha sempre uma guitarra, um xaile de fadista, umas redes e um pescador com barrete e uma camisa como a tua. Isso ainda se vende?”. 

Embatuquei. Vou fazer a sugestão à Catarina Portas, para incluir as camisas de pescador - podia chamar-lhes “à Tenreiro” - no catálogo de “A Vida Portuguesa”.

Os verdadeiros artistas

Gostaria de lembrar que, se Ronaldo não deixa de ser um génio do futebol, tenha ele as birras e atitudes que tiver, o mesmo se aplica à classe técnica de Messi, apesar da sua detestável falta de desportivismo. A qualidade de um “artista da bola” supera tudo.

A jogar

A brincar, a brincar, o Qatar lá conseguiu que o futebol embrulhasse em relativo esquecimento os Direitos Humanos e as acusações que impendem sobre país. Isto não significa, contudo, que, no saldo deste Mundial, a sua imagem não passe a ter uma nódoa no imaginário mundial.

Quem gostarias que ganhasse o Mundial?

Perguntaram-me isto. A pessoa ficou espantada quando lhe respondi, muito sinceramente, que não sabia. Gostaria que Portugal ganhasse, claro, porque os cidadãos do meu país teriam ficado satisfeitos - e o bem-estar das pessoas que nasceram para cá do Caia é uma das medidas simplórias do meu patriotismo. Porém, afastado que foi Portugal (e o Brasil, ”my second and last best”), é-me indiferente, em absoluto, quem vai levar a taça. (Fiquei muito chocado com a falta de desportivismo da Argentina. Mas o facto de ter por lá o melhor jogador do mundo ainda em prova empata-me o sentimento). Nunca percebi por que diabo, sempre que há um jogo de futebol, temos de escolher um lado pelo qual “torcer”? Durante o Inglaterra-França, dois países onde vivi e fui feliz, onde tenho amigos e a cujas culturas (e livrarias!) estou muito ligado, não me senti minimamente a favor de um ou de outro. Ou melhor, tive pena que o Kane falhasse o penalti, mas apenas porque tal me permitiria ter mais meia hora de bom futebol. Mas confesso que me estou completamente ”a borrifar” para quem vá ganhar o Mundial. Gostaria é que as quatro partidas que faltam, e que verei com atenção (falhei alguns jogos, mas poucos), resultassem em jogos animados, com muitos golos e com excelente futebol. Só isso! A sério! 

p.s. - tenho a certeza, quase absoluta, que cada comentário a este post trará um país que o seu autor privilegia. É que não conheço muita gente que reaja como eu. E durmo lindamente assim, acreditem.

sábado, dezembro 10, 2022

Marrocos


Era uma mulher muito bonita. Chamava-se Christine Keeler. Morreu há cinco anos.

A história que vou contar - e que dedico à Célia Rocha e ao Frederico Alcantara De Melo, leitores desta página e testemunhas inconscientes do episódio - passou-se nos anos 70 do século passado.

Naqueles tempos, as chamadas “comissões mistas”, as visitas técnico-políticas de membros dos governos aos seus homólogos de outros países, para assinar ou cumprir acordos, demoravam vários dias, entrecortados de trabalho e de algum lazer. Bons tempos esses!

Estávamos em Marrocos, no início da minha carreira, e eu fazia parte de uma dessas delegações, chefiada por um político jovial e mundano, saído de uma área técnica que não vem para o caso referir.

Acabado o jantar oficial do primeiro dia, em Rabat, o nosso governante chama-me à parte e coloca-me uma questão: “Você é muito mais novo que eu, mas já ouviu falar do caso Profumo?”.

Eu conhecia bastante bem a história do ministro da Defesa britânico, John Profumo, que, uns bons anos antes, havia caído em desgraça, com grande escândalo público, por, em Londres, partilhar uma bela amante com o adido militar soviético.

Estranhei um pouco que a curiosidade prosseguisse, numa linha inquisitiva: “E lembra-se do nome dela?”. Com algum gozo, mostrei a minha familiaridade com a intriga política londrina e disse-lhe que ela se chamava Christine Keeler. Ele ficou satisfeito.

Mas o que eu não sabia, e ele logo me revelou com um sorriso cúmplice, é que, segundo informações seguras de que dispunha, Christine Keeler vivia então em Marrrocos, mais precisamente em Casablanca, onde dirigia nada mais nada menos que uma próspera “casa de meninas”.

Chegado a este ponto, o nosso político – que, diga-se de passagem, não foi muito longe na sua carreira governativa – lança-me o desafio: “Meu caro, você é um homem do mundo, lá dos Estrangeiros e agora vai ter de mostrar o que vale. Tem como missão arranjar maneira de, numa destas noites, eu dar um salto lá à “casa” da Keeler. Fale com o protocolo marroquino, eles estão habituados a estas coisas. E você, se quiser, até pode vir comigo. Tome bem nota: será um encontro com a História!”.

Caí das nuvens, confesso. Fiz-lhe ver que, andando nós com batedores, com uma delegação relativamente numerosa e enredados em compromissos oficiais vários, era um pouco delicado e difícil montar uma escapada lúdica daquele porte, para uma cidade a quase uma centena de quilómetros da capital. Mas o nosso político insistia e, praticamente, só não ameaçou queixar-se de mim em Lisboa porque, apesar de tudo, este tipo de tarefas não fazia parte, pelo menos obrigatória, da “job description” dos nossos diplomatas.

A minha discreta e pouco empenhada missão junto do protocolo marroquino não teve, porém, aquilo que se possa qualificar como um acolhimento entusiasmado. No entanto, para atenuar os fulgores do nosso político, lá se conseguiu para ele um programa alternativo, através de uma espécie de “room service” feminino, que a viúva de um antigo chefe da polícia de Rabat tinha à época instalado para clientes VIP, no hotel onde nos alojávamos. Do mal o menos e o homem lá se acalmou.

John Profumo morreu já há alguns anos, bem depois no nosso episódico governante. Christine Keeler, que morreu com 75 anos (na bela foto que reproduzo tinha 19), acabou por ganhar renovada fama, em 1989, com o filme “Scandal“, onde era relatada a sua aventura política de alcova. Não verifiquei, na autobiografia que publicou, os relatos das suas posteriores noites de Casablanca. Mesmo que o tivesse feito, e graças à minha lamentável imperícia diplomática, eles não poderiam incluir qualquer nota sobre a visita de um fogoso político português, nos idos da década de 70. A menos que outros por lá tivessem andado! Quem sabe?...

Hoje é dia para trazer esta memória de Marrocos. 

Glória

À volta do Telefunken lá de casa, em Vila Real, na transição dos anos 50 para 60 do século que teima em não me passar, o meu avô, o meu pai e eu, com as senhoras da família um pouco mais distantes, mas atentas, ouvíamos, com patriótica ansiedade, os relatos dos Portugal-Espanha ou Portugal-Itália que ditavam, nesse ano, o campeão europeu em hóquei em patins, modalidade onde, por uma vez, “éramos” (plural majestático da glória que estava mais à mão) bons. Perdíamos, ganhávamos, e, por uns dias, aquilo era um verdadeiro oxigénio moral. Depois, vinham os dias normais.

Amanhã, serão esses dias. Toda a vida me tenho interrogado sobre esta inevitabilidade de nos dedicarmos nervosamente ao absurdo das equipas, das cores, das pátrias. Mas tudo indica, seja lá por que for, que a vida é mesmo assim.

Confesso os figos

Ontem, uma prima ofereceu-me duas sacas de figos secos. Não lhes digo quantos já comi. Há poucas coisas no mundo gustativo de que eu goste m...