domingo, março 27, 2022

A generosidade tem limites!


O “Clube de Lisboa / Global Challenges”, uma estrutura de reflexão e debate sobre temas e desafios globais, a cuja direção, desde há alguns anos, tenho a honra de presidir, “cedeu” dois membros da sua direção ao futuro governo: Helena Carreiras, como ministra da Defesa, e Bernardo Ivo Cruz, como secretário de Estado para a Internacionalização. 

Mas a nossa ”generosidade” acaba aqui! Não ”sai” mais ninguém da nosso Conselho Diretivo!

Agora a sério, em nome do Clube, e sabendo que represento nestes meus votos a mais de uma centena dos nossos associados, quero transmitir um forte e amigo abraço de parabéns à Helena e ao Bernardo, com desejos de um ótimo desempenho nas suas novas funções.

Já agora, quem quiser saber algo mais de nós, acompanhar as nossas atividades ou mesmo candidatar-se a sócio do Clube, pode ver aqui: https://www.clubelisboa.pt .

O Porto sem ministro


O Porto não tem ministros no novo governo. Vozes do Norte reclamam pelo facto de a segunda cidade do país, com a saída de Santos Silva, não ter quem a “represente”. É um governo “de Lisboa”, dizem alguns. Outros dirão que uma “figuração” regional já não se justifica, nos dias de hoje. Sei lá quem tem razão…

Ou melhor, sei. Pode ler aqui.

sábado, março 26, 2022

Não me conformo!


Esta mudança de hora, em que perdemos 60 minutos (já sei que eles voltam no outono, mas não é a mesma coisa!), nunca me convenceu! Não me parece justa! 

Reler Biden

Depois do discurso em Varsóvia, em que Biden, a propósito de Putin, disse “This man cannot remain in power!”, a Casa Branca esclareceu: "He was not discussing Putin’s power in Russia, or regime change." 

Claro que não! Então não se estava mesmo a ver? Nós é que ouvimos mal…

CNN Portugal

Com o prévio “disclaimer” de ser colaborador da CNN Portugal, quero dizer que considero notável e ímpar o trabalho que está a ser feito pelo canal na cobertura da guerra na Ucrânia, nomeadamente através dos enviados especiais no terreno, muitas vezes em zonas de elevado risco.

A Oeste, algo de novo

O ataque russo a Lviv, quase simultâneo com o discurso de Biden em Varsóvia, mostra a crescente relevância estratégica da zona ocidental do país, mais próxima das fronteiras países NATO, por onde chega o essencial do apoio, militar e outro, à Ucrânia.

“Regime change”

Biden diz que Putin não pode continuar no poder. Resta agora saber o que os EUA estão dispostos a fazer para concretizarem esse objetivo, que pode ter muito a ver com o conceito de “regime change”.

O fim dos princípios?

Nada como a emergência energética e as urgências geopolíticas para porem a salvo de pressões as autocracias medievais do Golfo e alguns países europeus, até aqui visados pela inobservância das regras democráticas e do Estado de direito. Os princípios valem enquanto derem jeito.

Refugiados

A Polónia é um país que tem feito um esforço extraordinário, no acolhimento de refugiados ucranianos, embora sem tradição nesse âmbito. É muito justo que o mundo assegure, com rapidez, um “burden sharing” equitativo, sem o que será difícil a Varsóvia sustentar essa atitude.

“Quando”?

Todos sabemos que Biden é “gaffe prone”. Porém, ficou-me no ouvido aquela sua frase, há horas, aos soldados americanos na Polónia, de que “quando” estivessem na Ucrânia iriam poder testemunhar a coragem das populações face ao invasor russo. “Quando”? O que foi aquilo?

O sol e a guerra

Lembrando o mês de conflito, o céu na Ucrânia foi sempre cinzento, como nos habituámos a imaginar o que “deve ser” o tempo numa guerra. Há pouco, ao olhar o belo sol sobre Mariupol, cidade devastada e sob fogo, o contraste pareceu-me quase chocante. Ali, é já o sul a chegar.

O tempo e o modo

O grande teste à liderança e autoridade política interna de Zelensky será a sua capacidade de definição do “timing” certo para um eventual compromisso com Putin - e em que termos. Como a História nos ensina, só com alguma perspetiva temporal isso pode vir a ser avaliado.

E a China?

A próxima ida de Lavrov a Pequim, depois da conversa de Biden com Xi Jin Ping, pode querer significar que, depois de alguns peões menores em busca de relevância negocial, um peso pesado pode facilitar um compromisso. Acaso ouvimos alguma vez Zelensky criticar fortemente a China?

Cretinices

Até que enfim Putin disse uma coisa com a qual toda a gente sensata deve estar de acordo. Proibir e censurar obras musicais ou literárias de autores russos é uma imensa cretinice. Quando a cultura de dimensão universal começar a ser condicionada é sinal de que está tudo doido!

Nós e a Ucrânia

Entendo que as autoridades portuguesas não devem preocupar-se com as valorações ucranianas da sua atuação. Portugal deve continuar a fazer aquilo que, nas várias frentes, considera que deve ser feito, à luz dos seus compromissos. E, até agora, Portugal tem sido impecável.

Donbass

Parece-me uma evidência - mas é legítimo que haja quem pense o contrário - que a declaração russa de que “o importante é o Donbass” é uma óbvia posição de recuo de Putin, perante a constatação de que outros objetivos não são alcançáveis.

Dormir com o inimigo

Biden referiu que, nos últimos anos, as autocracias se têm espalhado mais do que as democracias. Imaginando que estas, para imporem a sua superioridade moral, não tencionam desencadear uma guerra armada contra as primeiras, para as “convencer”, não seria de parar para pensar?

E a globalização?

Vivemos algumas décadas em que certos teóricos nos vendiam que a globalização era o remédio santo para os males do mundo. Os “descontentes” de que Stiglitz nos falava já há 20 anos, eram então descartados como “colateral casualties”. Hoje, algumas portas fecham-se de novo, não é?

Olhó mercado!

Na China, ficou provado que a vitória do capitalismo (de Estado) não favoreceu o surgimento da democracia. Na relação da Rússia com a Europa, constata-se que o estabelecimento de uma mútua dependência económica não desenvolveu uma cultura de distensão, conducente à paz “eterna”.

America, America

A América revela uma assinalável liderança nos esforços para reagir à agressão russa à Ucrânia. Sem ela, a Europa estaria muito menos coesa. Agora, resta aos EUA mostrar que não pretendem aproveitar para beneficiarem da situação nos negócios da energia e das vendas de armamento.

Wehrmacht

A Alemanha está a mudar de política, em matéria de defesa. Alguns dirão: o mundo mudou, essa política tinha de mudar. Não consigo deixar de pensar que, quando a poeira ucraniana assentar, nem todos, do lado de cá, olharão para essa opção de Berlim com bons olhos. E mais não digo.

Refugiados

Os refugiados são trágicas vítimas das guerras. É dos livros que, no início, convocam imensa compaixão. É também da História que, com a fadiga do tempo, com crises económicas, com contrastes sociais e outros, a solidariedade tende a esvair-se. Lamento, mas temos de pensar nisto.

Interlúdio

A questão pode ser desagradável, mas acho que devemos pensar nela: Trump foi um interlúdio mau na história da América ou a presidência Biden é, afinal, um mero e fugaz intervalo até que Trump, ou alguém parecido, volte a reinar em Washington, onde tudo continua a ferro e fogo?

sexta-feira, março 25, 2022

Ainda 1962


Foi ontem. Foi num debate organizado pelos estudantes da Universidade Autónoma de Lisboa, para debater a situação na Ucrânia (“what else?”), com os professores Ana Isabel Xavier, Carlos Gaspar, Luís Tomé e Filipe Vasconcelos Romão, com uma sala que ficou cheia, com muita gente por zoom. 

Na primeira ocasião em que me coube intervir, não me contive de começar por lembrar que estávamos no dia 24 de março, uma data em que, há 60 anos, precisamente nesse dia e mês, o mundo universitário lisboeta havia sido abalado pela chamada “crise académica”, um sobressalto cívico e político que acabou por ter fortes impactos, mesmo no seio da ditadura. 

Não faço ideia se a maioria dos alunos que ali estavam (e que, no final daa nossas intervenções, fizeram inteligentes e pertinentes perguntas sobre o tema em debate) tinham consciência de que aquela data, com seis décadas, tinha alguma coisa a ver com a liberdade em que agora vivemos. Eu, pelo sim pelo não, lembrei isso.

quinta-feira, março 24, 2022

“A Arte da Guerra”


No podcast do Jornal Económico, no “A Arte da Guerra” desta semana, à conversa com o jornalista António Freitas de Sousa, trato da evolução do conflito ucraniano, das surpresas sobre o estado das forças convencionais russas, dos novos desafios colocados à ONU, do regresso do debate sobre as armas nucleares, do futuro da NATO e da segurança e defesa europeias neste novo contexto.

Pode ver aqui.

O novo governo

Do que gosto mais, no novo governo?

Desde logo, acima de tudo, da continuidade de Marta Temido na Saúde. A competência, a pertinácia e a frontalidade premeiam-se. Esteve muito bem António Costa nesta decisão. Mal conheço, pessoalmente, Marta Temido, mas tenho uma imensa admiração pelo seu trabalho.

Depois, gosto muito de ver João Gomes Cravinho nas Necessidades (e como nº 3 do governo), onde vai substituir aquele que foi um excelente chefe da diplomacia nos últimos sete anos, Augusto Santos Silva. A experiência que traz da Defesa, onde revelou coragem e muita competência, além do seu profundo conhecimento de todas as dimensões da ação externa, são uma sólida garantia para o país.

Acho magnífica a escolha de Helena Carreiras para substituir João Gomes Cravinho na Defesa. Brincando, diria que a diretora do Instituto de Defesa Nacional nos vai fazer falta como vice-presidente do Clube de Lisboa / Global Challenges, mas o seu contributo para o executivo está primeiro! É uma pessoa determinada, que sabe muito da matéria e tem ideias muito claras.

Fernando Medina assume uma pasta muito difícil, mas não tenho a menor dúvida sobre a sua capacidade para a conduzir com êxito. É uma retribuição muito justa àquele que foi, na minha opinião, um excelente presidente da Câmara de Lisboa, embora reconheça que uma conjuntural maioria dos lisboetas não teve o mesmo entendimento do que eu. Pessoalmente, fico muito satisfeito ao ver Fernando Medina com este tipo de responsabilidades, que prenunciam outras.

Deixo um forte abraço de felicitações e votos de bom trabalho para três outros amigos que, pela primeira vez, assumem funções a nível ministerial: Ana Catarina Mendes, João Costa e José Luís Carneiro. 

Ótimas escolhas, a meu ver, são, igualmente, as de António Costa Silva (vão ouvir falar muito dele, podem crer!), de Pedro Adão e Silva (uma surpresa que vai fazer comichão a muita gente) e de Catarina Sarmento e Castro (veio-me à memória o seu pai, um amigo e colega de governo que há muito se foi).

Do que gosto menos neste novo governo? De pouco. Mas, num dia como este, nem às paredes confesso.

terça-feira, março 22, 2022

Ouvir

Eu também acho que a ação de Putin é criminosa, que a Rússia se transformou numa mera ditadura e que a invasão da Ucrânia é uma grosseira violação do Direito Internacional, que deve ser punida. Só que, ao contrário de muitos, quero continuar a ouvir e ler quem não pensa como eu.

… e, na vida, também há isto!

 


Pela primavera

O número no telemóvel, para que tinha olhado, depois de o sentir vibrar no bolso, não era conhecido. Mas, claro, atendeu.

O jantar, no restaurante, mal tinha começado, e começara bastante tarde. O Duarte já tinha trazido as tradicionais empadas para a mesa. O Pedro pediu desculpa aos convivas, levantou-se da mesa, trocou um olhar rápido com a mulher, desceu as escadas e foi atender lá fora. Com a precipitação, até tinha atravessado a sala sem pôr a máscara! Corria um vento húmido, naquela rua de Alvalade.

A conversa foi rápida. “O primeiro-ministro vai telefonar-lhe, daqui a minutos”. A voz era bem conhecida, com poder. 

A notícia não era inesperada: desde há dias que lhe tinha chegado, depois de uma discreta sondagem, a indicação de que o primeiro-ministro o poderia vir convidar para um lugar ministerial, ligado à sua especialidade. A circunstância da imprensa nunca ter falado no seu nome seria mesmo bom sinal. Nem o Marques Mendes! “Leite de Noronha: a grande surpresa”, era, com certeza, o que sairia. Mantivera-se mil por cento discreto. E respondeu, com voz que, sem querer, lhe saiu um tanto embargada: “Ele pode ligar quando quiser”. Arrependeu-se de não ter sido mais firme e afirmativo na breve conversa. Afinal, ia ser futuro colega da pessoa que lhe estava a ligar.

Pedro Leite de Noronha regressou à mesa. Pelo caminho, tinha desligado do silêncio o aparelho e colocou o som no máximo. Ensaiou mentalmente o que ia dizer, quando a chamada chegasse: “Muito obrigado pelo seu convite. Terei o maior gosto em integrar o governo e, pode crer, farei o meu melhor”. Ou qualquer outra coisa assim. Sentou-se, recostou-se, olhou para a mulher e fez-lhe, com a cabeça, um leve sinal. A Susana percebeu. Sorriu apenas q.b..

A conversa ia correndo. Era sobre o cerco russo de Mariupol. Os dois outros casais rivalizavam em insultos ao Putin. Ele fez alguns comentários genéricos. Sorriu intimamente: já se sentia a falar com tom de Esrado. Já estava noutra e quase desligou da conversa. 

Será que lhe iam impingir alguém do partido como secretário de Estado? Ele tinha o nome de Augusto, uma pessoa com quem trabalhara muitos anos, alguém que gostava de vir a ter a seu lado. Ambos eram independentes. O Augusto - que se chamava Augusto Maria de Saa - fazia muita questão de escrever o apelido com dois “as”: “Saa”. Era uma tradição de família, ligada a um tal Mário Saa, parece que dado às artes. Às tantas, os socialistas eram capazes de preferir que ele assinasse “Sá”, como era costume. Logo se veria! O Augusto seria talvez “um bocadinho PPD de mais”, como ele próprio confessava, mas o primeiro-ministro não parecia ser uma pessoa sectária. Deveria falar-lhe já no nome? Não, tinha de conversar prineiro com o Augusto, que estava a milhas da ideia de ser chamado para governante. Mas que ia adorar! 

Pensando bem, era insensato, logo nessa primeira conversa com o primeiro-ministro, tocar no assunto de um “ajudante” (lembrou-se da designação do Cavaco…). Talvez fosse de abordar no dia seguinte, com outra pessoa. Mas com quem? Ou seria cedo? Logo se veria. Caramba! Dava conta de que, apesar de ter passado já a meia centena de anos de vida, era mesmo um novato na política. Ia aprender, rápido, tinha a certeza. Confiança em si mesmo era o que não lhe faltava. A profissão, com sucesso, dera-lhe largo traquejo. E nome, como agora bem constatava.

O jantar foi longo, mais de duas horas. Passava já da meia-noite. Para o Pedro, o tempo foi-se tornando tudo cada vez mais pesado. O telefone não tocava. Na altura da partilha da conta, fez um esgar de desagrado à Susana. Que percebeu que algo estava a correr menos bem.

Já de pé, o Gaspar, que estava a ler o “Público” on line, exclamou: “Já há governo. Diz aqui que o Costa fez esta noite os últimos convites e já deu a lista a Belém. Parece que o Marcelo até fez uma graça e disse que ‘a primavera trouxe um governo novo!’. O tipo é imparável!”

O grupo despediu-se. Entraram os dois para o carro. “Então?”, disse a Susana, com cara fechada. “Disseram para eu esperar uma chamada do Costa, mas nada!”, respondeu o Pedro, com um suspiro, com uma cara cuja palidez a noite não deixava ver.

“Tinhas bateria no telemóvel?”. O Pedro sacou, à pressa, o iPhone 13 Pro do bolso. Estava sem carga. E ele sem cargo.

Mundos


Acabo de receber o último número da “Foreign Affairs”. É minha impressão ou isto já parece de outro mundo?

Isto

É nestes tempos estouvados do mundo que talvez devêssemos parar um pouco e pensar que, afinal, o nosso modelo democrático, “burguês”, com todos os seus defeitos e insuficiências, é, afinal, um porto seguro de bom senso institucional que deveríamos apreciar mais e defender melhor.

O dilema

O mundo está perante um dilema inédito: o que é que é possível fazer para contrariar a ação de um país que disponha da arma nuclear e que, afirmando-se disposto a usá-la em último recurso, pratique flagrantes violações da ordem mundial para impor o que considere serem os seus interesses, mesmo que eles não sejam reconhecidos como legítimos pela generalidade da comunidade internacional?  

Por uma vez, pelos “Blues”!


Vivi, por alguns anos, não muito longe de Stamford Bridge, o estádio do Chelsea. Creio que apenas duas vezes, nesses meus saudosos (assumo) tempos londrinos dos anos 90, comprei bilhetes para ver por lá jogos: uma vez contra o Tottenham, outra contra o “meu” Arsenal, os “Gunners”, grupo a que, desde há décadas, me ligam afinidades políticas (também confesso) e desportivas. 

Nunca fui adepto do Chelsea, tive sempre mesmo uma escassa simpatia pelo clube de Fulham Road, situado, porém, numa das zonas londrinas que mais aprecio e onde, para além de Hampstead, se pudesse daria o que não tenho para lá viver, se acaso Lisboa não existisse.

O Chelsea, como é sabido, por ter sido propriedade de um multimilionário (se me apanharem a dizer oligarca, internem-me, porque é sinal de que me deixei apanhar pela moda mediática) russo, que o facilitismo legislativo, soprado pelo politicamente correto e pelo “l’air du temps”, deixou um dia que obtivesse nacionalidade portuguesa (diz muito de um país ter sido necessário Putin andar na berlinda para o escândalo estourar e ser “instaurado um rigoroso inquérito”!), anda hoje pelas portas da amargura, em termos financeiros. Nem para as viagens parece haver dinheiro, nem pode vender bilhetes.

Como se aquela multidão de fãs, gente que vive e poupa uma semana para ir berrar e cantar no estádio o seu amor ao clube, merecesse ser punida, na sua fidelidade àquela camisola, pelas eventuais patifarias daquele que por alguns anos foi seu dono! 

Como se aquele excelente grupo de jogadores, que demonstra uma admirável determinação contra o infortúnio que lhes bateu à porta, fosse obrigado a arrostar com as culpas daquele calaceiro com ar sonolento, sempre rodeado de grandes pequenas à cata das ”pounds”, porque o rublo da privararia dos tempos de Ieltsin já deu o que tinha para dar!

Podem chamar-me tudo, até “putinista”, mas, no sábado passado, em face daquela flagrante injustiça, “fui“, por uma vez, do Chelsea. 

E da minha bancada almofadada lisboeta, em frente à televisão, tendo à ilharga um Earl Grey do Fortnum and Mason, ”the mother of all teas”, embora sem scones, puxei o que pude pelo clube, até o ver derrotar o Middlesbrough, para a taça lá do sítio. 

E olhem que não é fácil, por estes tempos e por razões que eu cá sei, alguém me ver a apoiar os “blues”!

Nojo

O caso da decisão judicial sobre o nazi Mário Machado é tão mas tão nojento que, para evitar infringir as regras básicas das redes sociais, fico-me por aqui.

Justiça, só isso!

Rapidez na administração da justiça, denúncia imediata de qualquer corporativismo oportunista e ausência de falhas processuais que possam servir de pretexto a um futuro mundo de recursos por juristas espertalhotes, é tudo o que se pede no caso do polícia morto por um militar.

1962



Há pouco, na RTP 1, passou um primeiro programa sobre a “crise” académica de 1962. Uma peça de Jacinto Godinho, com apoio num filme de Diana Andringa, de 1989.

Nesses tempos, eu andava então a meio do meu tempo do liceu. Não me consta que, lá por Vila Real, tivesse ouvido falar de que uns universitários engravatados lisboetas andassem a atazanar a vida do ditador, que já tinha tido mais com que se preocupar no seu “annus horribilis” anterior (desvio do Santa Maria pelo DRIL, revoltas em Angola pela UPA, tentativa de golpe de Estado de Botelho Moniz, ataque a S. João Batista de Ajudá, desvio do avião da TAP Casablanca-Lisboa pela LUAR, ataque indiano ao Estado da Índia). 

Aliás, sempre achei algo irónico designar por “crise” as movimentações dos estudantes de Lisboa de 1962, seguidas depois por Coimbra. É que, se foi “crise”, foi para o regime, não para a oposição.

Ao olhar uma das imagens do programa, mostrando uma sala de aula da faculdade de Direito de Lisboa, com as placas com o números dos lugares, para os professores poderem registar os alunos em falta, do que é que eu me fui lembrar? De que, uns anos mais tarde, numa “ocupação” de um dos anfiteatros daquela faculdade, eu me havia locupletado com uma dessas placas, que ainda guardo - e de que aqui deixo a imagem.

E aproveito também para deixar uma história, que ouvi a Jorge Sampaio, um dos “heróis” desse ano de 1962, de que o filme me mostra vários amigos, como Jorge Sampaio, Medeiros Ferreira, José Vera Jardim, Maria Emília Brederode, Eurico de Figueiredo, Isabel do Carmo e António Correia de Campos.

Nesse ano de 1962, Jorge Sampaio foi de Lisboa a Coimbra, para um diálogo entre lideranças universitárias, em período de tensão política forte. 

Com todos os cuidados que a segurança recomendava, dirigiu-se à “República” onde vivia Carlos Candal, que ele não conhecia pessoalmente. Bateu à porta e atendeu uma governanta, que disse que já ia “chamar o Dr. Candal" - em Coimbra, à época, "era-se" doutor muito antes do curso acabado. 

O ambiente, contou-me Sampaio, era, para ele, surpreendente, muito diferente do contexto homólogo lisboeta - desenhos humorísticos e eróticos pelas paredes, garrafões e outros artefactos pendurados do tecto, enfim, toda a parafernália simbólica da conhecida boémia coimbrã. 

Minutos depois, Jorge Sampaio ouviu, do alto da escada, um vozeirão: "Olá, menino! Já desço!". Sampaio olhou e lá estava, ainda de roupão, saído do banho, indiciador de grande noitada na véspera, a figura do seu interlocutor político, Carlos Candal, já com o habitual charuto na boca. 

Nesse momento, disse-me o futuro Presidente da República, ele percebeu melhor aquela que era a diferença eterna entre a maneira de ser das academias de Lisboa e de Coimbra. E também dos políticos oriundos de ambas, claro, embora isso fosse pano para outras mangas, que hoje não são para aqui chamadas…

segunda-feira, março 21, 2022

Dia rimado

Sem me ter dado conta de que hoje é (já quase foi) o dia internacional da poesia, aconteceu-me acabar de ler, por uma hora, Jorge de Sena. Ainda dizem que “não há coincidências”, mas eu “sei lá!”.

Estados e regimes

A maioria dos 193 países existentes no mundo, reconhecidos como tal pela ONU (outros há que não o são), não são democracias. Nem por isso o seu estatuto deixa de ser idêntico à luz do Direito Internacional, que diz respeito a Estados e não aos seus regimes.

Ditaduras e democracias

A Ucrânia não é uma ditadura, embora o regime ucraniano esteja longe de ser uma democracia sem falhas, “to say the least”. Mas mesmo que a Ucrânia fosse uma ditadura - e não o é, repito - não teria menos direito do que uma qualquer democracia de ver a sua soberania plenamente respeitada.

Adjetivos

Durante a guerra civil em Angola, o ambiente mediático oficioso obrigava a fazer anteceder a expressão “sul-africanos” da palavra “racistas”. Um dia, um locutor foi ao ponto de falar em “aviões racistas sul-africanos”! Alguma adjetivação “obrigatória” que aí anda lembra-me isto.

Estratégia

A UE teve a “sorte” de lhe ter “caído no colo” uma crise grave de segurança, a montante da aprovação do seu novo documento estratégico, hoje pré-aprovado (a aprovação formal será no Conselho Europeu). O texto não corre, assim, o risco de ficar datado. Foi bom que isso acontecesse.

Direitos

É nestes cenários de guerra que o cidadão comum entende, com mais facilidade, que, salvo situações excecionais, o Direito Internacional “não é bem” um direito e que a sua capacidade de imposição é mais limitada do que a generalidade dos outros direitos.

Rendição

A não rendição das forças ucranianas que defendem Marioupol tem um forte significado político: a ter acontecido, representaria um precedente que as autoridades de Kiev procuram evitar a todo o custo.

“The powers that be”

Biden tem hoje uma conversa à distância com os líderes da Alemanha, França, Reino Unido e Itália. Este não deve ser um dia bom para a diplomacia de Madrid e de Varsóvia. Mas é a vida! Um poder não é aquele que afirma sê-lo, é aquele que os outros reconhecem como tal.

Democratas, ma non troppo…

Ontem, o governo ucraniano decidiu proibir 11 (onze) partidos de esquerda da vida política no pais. Lembrei-me de republicar um texto que aqui coloquei há cerca de sete anos, em abril de 2015. O mundo, afinal, muda pouco

“A decisão ontem anunciada pelas autoridades de Kiev de proibir os símbolos comunistas no país (presumo que com a exceção prática das províncias do Leste) é, com toda a certeza, o primeiro passo para a interdição do próprio Partido Comunista do país. Não me parece que isso seja um bom sinal para a Ucrânia.

Nada, aliás, que seja estranho na antiga União Soviética. Vai para mais de uma década, visitei um determinado país da Ásia Central, integrado numa delegação de cinco embaixadores da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE), idos de Viena. Entre os diversos encontros que nos foram proporcionados na capital do país figurava uma mesa-redonda com representantes dos partidos políticos locais.

À volta da mesa, estavam representados aí uns seis ou sete partidos. Cada um deles apresentou-se e definiu o respetivo perfil, ficando claro que estávamos perante um imenso "trompe l'oeil", como o delegado da OSCE já nos tinha alertado. Todas essas formações estavam representadas no parlamento, mas nenhuma delas fez a menor observação crítica ao governo em funções, relativamente ao qual não tinham qualquer objeção visível. Deixámo-los fazer o seu "número" e foram-lhes depois colocadas algumas perguntas por cada um dos visitantes, todos oriundos de democracia ocidentais. Quando chegou a minha vez, não hesitei:

- O representante do Partido Comunista não pôde vir?

Os locais olharam perplexos entre si. Então aquela República tinha-se "libertado" do comunismo e os embaixadores ocidentais, todos de países NATO, onde o comunismo estava bem longe do poder, perguntavam pelos comunistas locais? Imagino se não se perguntavam por que diabo queriam ali comunistas quando o sentido da Guerra Fria fora precisamente derrotá-los.

O "controleiro" da delegação, representante do governo que dirigia a "peça", quebrou o embaraço coletivo e, fixando-me, respondeu com evidente surpresa e não menor firmeza:

- O comunismo acabou neste país. O Partido Comunista foi proibido.

- Peço desculpa, mas tem-nos vindo a ser dito que este país vive hoje em democracia. Como é que podem afirmar isso se não autorizam que uma corrente de opinião como os comunistas se pode organizar e afirmar no vosso sistema constitucional? Os comunistas desapareceram aqui de um dia para o outro? Onde estão? A democracia faz-se precisamente para que todos possam ter o direito à representação política, por muito que não concordemos com eles. Pela minha parte - mas não posso falar pelos meus colegas, naturalmente - tenho de concluir que o vosso regime tem uma falha democrática grave. Tomo nota disso e não deixarei de ter isso em conta no meu regresso a Viena.

Os restantes embaixadores ocidentais que integravam o meu grupo não me pareceram ter ficado muito agradados com a frontalidade da minha tomada de posição. Mas o incómodo foi bem maior entre as figuras locais. No resto da nossa estada nessa "democracia" da Ásia Central fui olhado sempre de soslaio pelos nossos anfitriões. E, regressado a Viena, notei que o respetivo embaixador junto da OSCE tinha esfriado as suas relações comigo. 

No plano económico, o único que poderia suscitar da minha parte alguma contenção em sede de cinismo de "realpolitik", Portugal não tinha o menor interesse nesse distante Estado. E, como costumo dizer, a grande vantagem de um país como o nosso é que, como não tem grandes interesses, pode dar-se ao luxo de ter grandes princípios...”

domingo, março 20, 2022

A guerra

Bombardeamento semântico. Aqui

É de Homem!


Há semanas, foi anunciado que António Sousa Homem, um discreto advogado reformado (esta é a única fotografia que se lhe conhece), de idade bem avançada, que vive no Moledo e que, no “Correio da Manhã”, publicava, com regularidade, crónicas que eram muito apreciadas pelos leitores do jornal (e por outros, que o não sendo, como é o meu caso, lá o procuravam pela sua excelente prosa), decidira colocar um ponto final nesses textos. Como conhecedor que sou da opera omnia escrita do velho causídico, que tinham já dado origem a vários volumes, fiz parte de quantos tinham ficado tristes com a notícia daquela súbita paragem. Disse isso a Francisco José Viegas, um escritor e editor que sabia ser próximo do cavalheiro. E ainda há dias, numa conversa com uma figura da alta investigação policial nortenha, cujo nome não vem a caso, mas que, num agosto passado, tinha visto a tomar café com Sousa Homem numa esplanada em Caminha, eu tinha repetido idêntica observação. Muitas outras pessoas o terão feito, ao que agora apuro. E hoje, para me alegrar este domingo chuvoso, constato que o Dr. António Sousa Homem regressou ao periódico, imagino que “a pedido de várias famílias”, como antes a imprensa dizia, quando entendia dever corresponder a um expressivo sentimento quantitativo dos leitores. A sua coluna chama-se “Em certos aspectos”, com a palavra escrita com “c”, porque o senhor é de outros tempos e não vai em modas ortográficas. Seja muito bem regressado, caro Dr. Sousa Homem! Peço ao Francisco que lhe transmita os meus respeitos.

A Ucrânia e os seus partidos

Numa decisão ontem tomada, o presidente Zelensky, determinou a dissolução dos restantes onze partidos de esquerda que ainda existiam na Ucrânia.

O passado, lá no alto

 


Em Kiev, há poucos anos.

Gastão Cruz (1941-2022)

 


Geopolítica na areia

Vai ser muito interessante perceber - e não deve demorar muito - a razão pela qual o presidente do governo espanhol decidiu fazer o gesto que fez, ao favorecer as pretensões marroquinas na questão do Saara Ocidental. Sanchez habituou-nos a nunca dar ponto sem nó.

Lá se vai o mito…


Havia uma velha tese de sociologia política empírica que dizia que dois países que tivessem lojas da McDonald’s nunca entrariam em guerra entre si. Foi arquivada.



Diz o Provedor do “Público”

 


Bateu uma saudade…


O Acordo Ortográfico, visão IKEA

 


Moldova, claro

 


Heróis da terra

Nunca a famosa frase de Marx de que “a História ocorre uma vez como tragédia e se repete como farsa” (ou coisa parecida) se aplicou melhor do que à comparação entre os “viriatos” fascistas e os revolucionários lusos de esquerda que foram para a guerra civil de Espanha e os sete voluntários “nacionalistas” portugueses que se ofereceram para a Ucrânia mas que, afinal, decidiram vir de volta, quando perceberam que aquilo era mesmo “a doer”.

Este tipo é um pouco estranho!

Há dias, num jantar, referi, perante um grupo de amigos, que havia um ministro do atual governo cuja voz eu nunca tinha escutado. (Enganei-me: afinal, são dois).

E também disse que, desde o início da pandemia, nunca (repito, nunca!) tinha ouvido o mais pequeno comentário de qualquer especialista, político ou jornalista sobre o tema: a Covid é uma questão a que me mantenho, em absoluto, alheio em matéria informativa, desde março de 2020. Creio, aliás, que raramente alguém ouviu da minha boca a menor referência ao assunto, muito menos qualquer comentário nas redes sociais. Tomei os cuidados recomendados, vacinei-me e foi tudo.

Finalmente, também esclareci, para espanto geral dos circunstantes, que, praticamente desde há dois anos, havia deixado de ver noticiários nas televisões portuguesas. Essa assumida “abstinência informativa” em língua portuguesa, havia sido, aliás, uma das razões que me tinha levado a abandonar, a meio do meu mandato de seis anos, o lugar que ocupava no Conselho Geral da RTP (embora eu continuasse a ver alguns outros programas). Como recente exceção, admito que tenho assistido (com agrado, mas moderação quantitativa), na CNN Portugal, a alguma informação sobre a guerra na Ucrânia: informação, raramente comentários. Mas, às vezes, confesso, faço uma leve cedência e ouço aquilo que eu próprio lá vou dizer, como comentador contratado que sou…

Disse o que disse, nesse jantar, sob palavra de honra, com a minha mulher como fiel garante da veracidade. “Mas, então, como é que faz para se manter atualizado?”, perguntou uma amiga, presente nesse jantar. É muito simples: excetuada essa tal coisa da pandemia (tema do qual persisto em me manter persistentemente alheado), noto que há muitos bons canais de televisão em outras línguas e que a internet me dá, nos dias de hoje, sobre tudo quanto me importa, toda a informação de que necessito. E vivo lindamente assim!

Este tipo é um pouco estranho, devem estar alguns a pensar…

sábado, março 19, 2022

O Joel e o Carlos


Conhecer-se-iam, o Joel e o Carlos? Apostaria que sim.

Ambos morreram ontem, marcados por graves doenças que os tinham incapacitado, desde há anos.

Eram dois estilos muito diferentes de pessoa, embora unidos pelo constante sorriso, pela ironia inteligente, pela sabedoria, pela cultura, pelo culto da conversa. E por um imenso espírito solidário.

O Joel Hasse Ferreira era pausado e calmo. Transportava serenidade. 

O Carlos Pinto dos Santos era agitado e nervoso. Era o movimento em pessoa.

O Joel olhava as coisas da política com moderação.

O Carlos teve sempre a Revolução dentro de si. 

Em comum, tinham também a circunstância, que me era importante, de serem ambos meus amigos. 

Que dias, estes!


sexta-feira, março 18, 2022

Tropa


Já não nos juntávamos há mais de dois anos. É a minha tertúlia de “implicados no 25 de Abril”. Estava lá gente do Exército, da Marinha e da Força Aérea, entre os quais um general, um almirante e até um tenente na reserva fardado com uma camisola da cor dos cravos. Foram mais de duas horas magníficas, de histórias e de opiniões. Curiosamente, à saída, dei-me conta de que a política portuguesa e a guerra na Ucrânia não foram temas que viessem à conversa.

Revisas

A Rússia tem vindo a ser acusada de “revisionismo” da ordem política internacional, isto é, de tentar rever os equilíbrios a que, num certo momento, nem que fosse pela força das coisas, dera sinais de se ter acomodado. (Mas, por favor!, peço que não abramos uma discussão sobre isto, porque esse não é o objeto deste texto.)

Há dias, ao ouvir numa televisão um consagrado especialista em questões internacionais utilizar o termo, claramente nesse sentido, contra a política atual de Moscovo, tive um “déjà vu”. 

É que eu já tinha ouvido aquela mesma pessoa a utilizar esse exato termo, mas com outro bem diferente sentido, embora também com um caráter pejorativo, face ao governo de Moscovo. 

Mas isso tinha sido há 50 anos! 

Essa pessoa era, então, maoísta. Acusava, por esse tempo, o Partido Comunista da União Soviética, de que o “nosso” PCP era então um discípulo fiel, de se afastar da leitura ortodoxa do marxismo, deslizando para a “social-democracia” de figuras como Kautsky e Bernstein, então diabolizada por aqueles que Cunhal considerava estarem afetados pela “doença infantil do comunismo”. Para esses radicais maoístas dos anos 70, a URSS e o PCP eram então “revisionistas”. Na linguagem de café dessa época, o pessoal do PCP não passava de “um bando de revisas”! “Revisa” era uma abreviatura depreciativa em voga…

Uma coisa é certa: Moscovo, por uma medida ou por outra, está condenada a ser “um bando de revisas”!

quinta-feira, março 17, 2022

Vai e vem

Ao anúncio, ontem, no FT, de cedências ucranianas face aos russos, sucede, hoje, uma notícia noutro sentido, no Guardian, moderando as expetativas. De facto, o tom do presidente Zelensky no Congresso dos EUA e o novo pacote de ajuda militar de Biden não rimam com aquele anúncio.

Kremlinologia

Chegam sinais da Rússia de que as divergências em setores do regime que se opõem à guerra na Ucrânia estão a testar os nervos do presidente Putin. A “kremlinologia” dos nossos dias é fraca, pelo que se não sabe se isso pode vir a abalar o poder vigente. “À suivre!”

Da série: “Preparemo-nos! Ide!”

Repetindo o que alguém disse algures, os países ocidentais, que estimularam até ao limite o desejo das autoridades ucranianas de integrarem as instituições europeias e de segurança transatlântica, já deixaram muito claro que defenderão a Ucrânia até ao último soldado… ucraniano!

Bond, volta Bond!


Agora que isto está a ferro e fogo com a Rússia é que decidiram acabar com o James Bond! Esta malta não as pensa!

Ucrânia


Por mais uma semana, o podcast ”A Arte da Guerra”, a minha conversa com o jornalista António Freitas de Sousa para o “Jornal Económico”, tem o tema da Ucrânia no centro. A esse propósito, falaremos das margens de compromisso que se desenham, do papel da China e dos impactos na política interna americana.

Pode ver aqui.

quarta-feira, março 16, 2022

Uma coisa é a Ucrânia, outra coisa são as sanções

A Rússia pode vir a obter uma abdicação parcial da soberania da Ucrânia (aceitação da não entrada na NATO, estatuto diferente para os territórios no Donbass, talvez um passo institucional favorável aos seus interesses na Crimeia, admissão de um período de continuidade de presença militar no país, etc). 

Porém, mesmo na hipótese desse compromisso vir a ser obtido, o que representará sempre uma relativa rendição da Ucrânia, nunca conseguirá que o mundo ocidental venha a levantar a esmagadora maioria do pacote de sanções.

É que as sanções à Rússia, se foram claramente espoletadas pelo ataque à Ucrânia e para o punir, vão, de futuro, ter um outro objetivo: conseguir conter, enfraquecendo-a, a capacidade económica e estratégica de um ator político-militar que revela ser um poder que põe em risco a perspetiva ocidental da segurança europeia.

O objetivo

A Rússia nunca terá encarado outro cenário que não fosse executar uma invasão militar da Ucrânia. Sabia que o ocidente nunca aceitaria as “condições” formais que apresentou e usou um imaginário “genocídio” no Donbass como pretexto puramente artificial. O objetivo da Rússia era destruir as infraestruturas ucranianas, militares e estratégicas, e garantir que a Ucrânia se acomodava a um estatuto de soberania limitada. Conseguiu o primeiro objetivo e pode estar prestes a obter o segundo. Terá, no entanto, de avaliar se o preço que está, e vai continuar a pagar, terá compensado o que obteve ou obterá.

Linguagem e expressão

Eu uso, com toda a clareza, a expressão “agressão militar russa à Ucrânia” e acrescento, quando acho necessário e me apetece, que tal foi feito feito “sem qualquer provocação” e “sob falsos pretextos”. Mas também admito, sem o menor problema, que outros usem uma linguagem diferente, que tenham outra e até oposta perspetiva, e que a exponham na comunicação social. A liberdade em que gosto de viver é isso mesmo.

Ide!

Na minha terra, em 1961, aquando da partida das primeiras tropas para a guerra colonial, ficou famosa a exortação de um capelão aos "bravos rapazes": "Preparemo-nos para a guerra! Ide!" 

Ao ver o afã com que alguns apelam para que "se" avance para combate na Ucrânia, lembrei-me disso.

Odessa


A fotografia é da famosa cena do massacre na escadaria de Odessa, no filme mudo ”O Couraçado Potemkin”, de Serguei Eisenstein, de 1925. 

Vi o filme, creio que no Cinema Império, 49 anos depois de ter sido produzido. A cena é longa, mais de 10 minutos. Na parte final, a que a imagem se refere, um carrinho, com uma criança dentro, desce, descontrolado, através dos degraus, depois da mãe da criança ter sido alvejada. Lembro-me de que Eisenstein pontua o percurso do carrinho com imagens das pessoas abatidas.

A cidade ucraniana de Odessa, por essa e por outras razões de memória pessoal e da História da Europa, é uma das localidades do mundo que sempre me apeteceu conhecer - e que nunca visitei. Agora, vai ser difícil.

terça-feira, março 15, 2022

O tempo

Este texto é para gente com alguma idade.

Lembram-se do 25 de Abril? Claro que se lembram! O tempo que já passou depois dessa data, não é? Vai para quase meio século. Só gente com mais de 60 anos tem memórias sólidas desse tempo de transição entre a ditadura - que começou nos militares do 28 de maio, depois seguiu com Salazar e caiu com Caetano - a democracia dos cravos vermelhos.

E agora pensem: só daqui a dois dias é que o período democrático, inaugurado pela Revolução de Abril, irá igualizar, em tempo, o período do regime ditatorial inaugurado em 28 de maio de 1926.

Já pensaram bem no que isso significa? Portugal viveu uma das mais longas ditaduras do mundo - e não venham com versões edulcoradas de um regime que censurou, excluiu, prendeu, torturou e matou gente!

Esqueçam!

Desde há meses que os promotores de um blogue pró-russo, de extrema direita, deixam, em tentativas de comentário, quase todos os dias, e sob vários heterónimos, consecutivos links para publicações feitas nessa plataforma. Fazem-no, quase sempre, embrulhando essas ligações em insultos de vária ordem, com expressões racistas, anti-semitas, anti-europeias e, claro, muito anti-americanas. Mal eles sabem que o botão “delete” terá sido inventado para dar o destino devido às suas coisas! Nunca abro as coisas oriundas dessa gente! E gabo-lhes a paciência de continuarem a escrever, talvez na esperança de que eu, um dia, me distraia e ajude à sua propaganda. Se assim é, esqueçam!

Sarilhada

Vou dizer o que pode ser tido como uma banalidade, mas que é o que sinceramente sinto: as decorrências do ataque russo à Ucrânia estão a começar a deslizar para o que pode ser uma grande sarilhada à escala global. Desejo estar a ser pessimista.

Ucrânia


Ao final da tarde de ontem, tive um grande gosto em participar, conjuntamente com o professor Azeredo Lopes, numa palestra organizada pela Associação de Estudantes da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa, no Porto, dedicada à guerra na Ucrânia.

Foi interessante observar como o tema pode, na serenidade de um ambiente académico, por iniciativa dos estudantes, ser tratado de uma forma rigorosa, sem que as emoções empurrem o debate para um qualquer radicalismo argumentativo. Que diferença face ao modo crispado, às vezes algo censório, como o assunto tem vindo a ser abordado por aí!

Jorge Silva Melo (1948-2022)

 

segunda-feira, março 14, 2022

O país da estrada velha


As redes sociais acabam por ser, frequentemente, um vale de nostalgias. O “antes é que era bom” é, por aqui, o mote costumeiro. As pessoas não se dão conta de que, em regra, a idade tende a cristalizar apenas as memórias positivas. Por isso, as saudades são, quase sempre, apenas as saudades que temos de nós mesmos, nesses outros tempos, em que éramos mais novos, mais saudáveis, sem tantas preocupações, com os nossos ainda junto a nós, em que o futuro, em que tudo parecia possível, estava ainda à nossa frente. 

Lembrei-me disso nestes dias em que, tendo de viajar entre a “Invicta” e Vila Real, decidi, metade à ida, metade à volta, para contrariar a rotina, fazer uma “rota de saudade” pela velha estrada que, no passado, era a única ligação entre o Porto a Amarante, quando a A4 nem miragem era. 

Descontado para estas contas o dédalo do Marão, nesses outros tempos eu quase que conhecia de cor todo aquele percurso, as curvas, os poisos de comida, as lojas à beira da estrada (ainda lá está o inesquecível Bazar Fatinha, na Travanca), as “bombas” de gasolina, os cruzamentos, até algumas árvores que marcam a paisagem. De início, ia por ali em carros de familiares, depois nas camionetas do Cabanelas, mais tarde ao volante. 

Fiz aquilo “mil vezes”. Em todas essas vezes, tive tempo para olhar para tudo, para a Assembleia de Penafiel, para os bombeiros de Baltar (hoje, vi que mudaram de sítio), para uma farmácia, perto de Paredes, numa moradia que eu tinha como modelar: sempre achei que a farmacêutica devia viver em cima e que seria muito cómodo descer, a meio da manhã, para ver como ia a caixa. E, divertido que ia, dei comigo a esperar que uma senhora de forte buço nos viesse vender regueifas, como então o fazia, com elas penduradas no braço, numa higiene pré-ASAE, entrando nas camionetes “de carreira” ou em vendas à berma da estrada. 

De repente, caí em mim, parei a retrospetiva e olhei para tudo aquilo com olhos de ver.

Já experimentaram refazer aquela estrada, sem nostalgias? De Amarante até Ermesinde ou Rio Tinto? Já repararam no horror da maioria daquela paisagem, entre o suburbano degradado e o rural em quase total descaso? Já olharam bem alguns monstros arquitetónicos com que, a cada passo, deparamos, o alumínio das marquises, as cores sinistras e inimagináveis de muitas das casas, as ruínas frequentes, os muros caídos, os azulejos de gosto abaixo de péssimo que enchem as paredes? 

Dá vontade de pedir uma espécie de sindicância estética, requisitar fundos europeus para demolir alguns daqueles monstros ou, como um dia me dizia um amigo apocalíptico, num passeio pelo Algarve, “só um saudável terramoto podia resolver isto”. 

Eu não iria tão longe na cruel metáfora. Mas é desse Portugal, desses “bons tempos”, do país da “estrada velha”, que alguns ainda têm saudades? 

Deixo-os com a imagem de uma esquina arruinada da Tabopan, da Abreu, perto de Amarante, onde, não muito longe, me lembro de haver uma fábrica de caixões. Este é bem a imagem desse Portugal já “falecido”. 

Viva o futuro, caramba!

domingo, março 13, 2022

Sauditas

Em apenas 24 horas foram executadas 81 pessoas na Arábia Saudita: mais pessoas do que em todo o ano de 2021, quando 67 pessoas foram sujeitas à pena capital, ou em 2020, quando o número foi de 27.

As acusações dos condenados iam desde terrorismo a terem “crenças desviantes”.

Não há nada como apanhar o mundo distraído com outras notícias, devem ter pensado lá por Riade.

Tolerância

Ao olhar o que vai pelas redes sociais, percebe-se que a tolerância para aceitar a legitimidade da livre expressão de perspetivas que contradigam aquilo que alguns pensam começa a ser já um bem escasso no mercado das ideias.

Regular o caos

Até a condução de uma guerra, com todos os horrores que ela sempre implica, revela alguma coisa sobre dignidade de um Estado - ou a falta dela. Não é por acaso que nos lembramos de Wiriamu ou de My Lay. A Rússia será sempre medida pelo que fizer na Ucrânia.

Kherson

De entre as muitas e às vezes microscópicas pulsões para “independência” no espaço ex-soviético, confesso que nunca tinha lido nada sobre as ambições da região de Kherson, na Ucrânia, no sentido de se transformar numa “república popular”. Mas estamos sempre a aprender.

Da série…


… das fotografias que gostaria de ter feito. 

Salut, Alain Krivine!


Acabo de ler que morreu, há poucas horas, Alain Krivine. Tinha 80 anos.

"Sabes quem é aquele tipo, ali na mesa do canto? É o Alain Krivine". A mesa onde Krivine estava sentado era a mesma da histórica fotografia de Sartre e de Simone do Beauvoir, no Café de Flore, em Paris. O amigo que me fazia a revelação, nessa noite de há cerca de 10 anos, era o António Silva, com quem a estúpida lei da morte me não deixa agora comentar este episódio, que me trazia à memória outros tempos.

As tardes no Parlamento Europeu, em Estrasburgo, respondendo aos deputados, durante a presidência portuguesa da União Europeia de 2000, tinham alguma graça. 

O secretariado-geral do Conselho preparava-nos umas respostas em "langue de bois", para as perguntas enviadas por escrito pelos deputados, com antecedência. A "emoção" estava, assim, nas réplicas a que os parlamentares perguntadores têm direito, feitas de improviso, muito mais "livres" e, às vezes, fugindo claramente ao tema da pergunta. 

Devo confessar que me dava um certo gozo exercitar a minha criatividade discursiva nas respostas a essa segunda parte de cada intervenção. Quase tanto como olhar, de viés, para as caras ansiosas dos funcionários do Conselho, que tão ciosamente haviam preparado as respostas "by the book" e que viviam esses momentos de liberdade do representante da presidência com clara expetativa e burocrática angústia.

Entre os deputados eleitos para o PE houve e há figuras gradas da política passada de vários países, muitos ministros e até primeiros ministros e presidentes da República - como Mário Soares. Mas aqueles que me "saíram em rifa", nesse semestre de 2000, foram quase sempre obscuros parlamentares, com nomes algumas vezes muito estranhos, de sonoridades gregas, eslavas ou nórdicas. É que esse tempo é utilizado, quase sempre, para afirmação da devoção desses deputados a causas muito específicas, o que lhes permite uma saliência mediática de que os seus colegas mais conhecidos já não necessitam.

Numa dessas longas tardes de Estrasburgo, ouço o presidente do parlamento anunciar: "Dou a palavra ao deputado Alain Krivine". Acordei do marasmo com aquela menção e, de imediato, procurei, no imenso areópago quase vazio, colocar um retrato no nome acabado de anunciar. O nome de Alain Krivine dizia-me alguma coisa. Figura histórica do trotskismo francês, havia sido candidato à presidência da República, não me passando a mim pela cabeça que fosse então deputado europeu.

Três décadas antes, no início da década de 70, numa visita a Paris, eu fora levado por amigos a assistir a um comício da "Ligue Comuniste Revolutionnaire", que teve lugar na "Mutualité", perto da Sorbonne. (O Joaquim Pais de Brito e o António Belém Lima, estavam então comigo e lembrar-se-ão. Tal como o faria o José Carlos Serras Gago, se, entretanto, não tivesse partido). 

A LCR era um grupo trotskista com certa expressão na esquerda francesa e, embora as teorias de Trotsky pouco me dissessem, achei graça assistir a um comício dessa extrema-esquerda - num tempo em que, em Portugal, apenas a União Nacional e a sua sucessora Ação Nacional Popular reuniam em público sem medo de vigilância policial.

A pergunta que Krivine fez à presidência portuguesa foi, como era de esperar, violenta e agressiva, sobre uma temática que já não recordo. Devo confessar que tenho ideia de que a minha resposta foi mais "soft", nostalgicamente atenuada pela memória de um passado no qual, embora de forma menos radical, eu também acreditava em que os "amanhãs" poderiam vir a cantar. Depois, infelizmente, foi o que se viu...

Naquele final de tarde, no Flore, perguntei ao Francis, que vagueava patronalmente entre as mesas, o que é que Alain Krivine estava a beber. Era um Chablis. Pedi outro para mim. Afinal, como dizia Voltaire, "les beaux esprits se rencontrent".

Hoje, na noite chuvosa de Vila Real, não tenho um Chablis à mão. Sirvo-me de um Bushmills! Salut, Alain Krivine!

Os russos dos mares do Sul


Há quase duas décadas, quando vivia em Viena, fui convidado, pago pela OSCE (Organização para a Segurança e Cooperação na Europa), para intervir numa conferência em Sharm el-Sheikh, no extremo sul da península do Sinai, no Egito, organizada em cooperação com uma entidade egípcia ou internacional cujo nome já não recordo. 

Passávamos os dias encafuados em salas fechadas, em graves discussões sobre temas de segurança, com um belo sol, lá fora, a apelar ao baldanço. Mas eu era "keynote speaker" e tinha de levar muito a sério o convite que me tinha sido formulado. Só ao final da tarde é que me aventurava a dar um breve mergulho no Índico. 

A cidade de Sharm el-Sheikh não tem, ao que me lembro, a menor graça, é um mar de hotéis, uns melhores do que outros, todos aproveitando as águas macias e transparentes do Índico, cheias de corais, às vezes, com alguns tubarões, é verdade. 

Mas nem tudo foi banal, nesses dias que por ali passei. Pernoitar no deserto, sob as estrelas, com momentos rituais de absoluto silêncio, bem como visitar o curioso mosteiro de Santa Catarina, na base do Monte Sinai, que eram trajetos obrigatórios para quem ia a Sharm el-Sheikh, foram momentos únicos. 

Recordarei para sempre uma conversa com um padre espanhol do mosteiro, que me falou longamente da sua experiência egípcia, da vida na solidão daquele deserto, e de como isso o tinha feito olhar o conceito do tempo com outros olhos. 

A segurança, ao que parece, impede hoje fazer essas viagens pelo deserto, a exemplo do que também se passa agora no nordeste do Sinai, um deserto onde já não é possível fazer o interessante percurso, atravessando o Suez, entre o Cairo e Al Arish, uma magnífica praia, com hotéis bastante "délabrés", não muito longe da fronteira de Rafah, perto do acesso egípcio à faixa de Gaza. 

Numa das noites de Sharm el-Sheikh, depois de um jantar, resolvi fazer um percurso exploratório pelo hotel onde decorria a conferência e estava hospedado, um imenso espaço desenhado em forma de crescente. Andei pelos jardins e, em certo momento desse passeio, deparei com um local que me pareceu ser um bar. Dele emanava boa música, gente com um ar de turistas, divertidos e ruidosos, com algumas mulheres muito bonitas. Entrei e dirigi-me ao balcão a pedi uma bebida. Notei que alguns dos circunstantes, eles e elas, me olhavam com alguma curiosidade. 

A barwoman que me serviu, que notei que era tudo menos egípcia, perguntou a minha nacionalidade. Satisfeita a curiosidade, explicou-me que, embora me pudesse servir um copo, aquele era "um bar para russos". Ela também o era e, de facto, foi nesse momento que notei que, à volta, tudo estava escrito em cirílico. Quase de certeza, a única pessoa não-russa que por ali parava era eu. Fora a estranheza pela minha inusitada presença, nada de particular se passou. Acabei de beber calmamente o meu whisky e zarpei para o "meu" lado do hotel, com registo de memória desse instante curioso. 

É que, por esses dias, eu havia-me esquecido de que Sharm el-Sheikh, desde o fim da União Soviética, se tinha transformado num local muito popular de férias para os russos de classe média (os que têm mais dinheiro vão para destinos mais glamorosos). Havia por ali vários hotéis praticamente "só para russos" e, naquele em que eu estava hospedado, havia alas que lhes eram totalmente destinadas. Eu é que me perdera por lá, por engano.

Agora, com as sanções financeiras a limitar os seus movimentos, os cartões de crédito cancelados, as férias em risco e as consequências da guerra prestes a fazerem sentir-se de forma muito pronunciada na vida das classes médias do país, os turistas russos devem ter abandonado Sharm el-Sheikh. E como a sanções têm um inevitável efeito “boomerang”, a economia e o turismo egípcios irão sofrer com isso. Nada de bom sai de uma guerra.

sábado, março 12, 2022

Construtores involuntários

Na velha ironia europeia, costuma dizer-se que ao dois idealizadores das Comunidades, Jean Monnet e Robert Schuman, é justiça somar o nome de José Estaline, por ter sido o medo à URSS um dos cimentos essenciais para este inédito processo de cooperação mais estreita entre nações.

Não sabemos se se concretizarão as ambiciosas ideias integradoras que saíram da cimeira da UE de Versailles. Se isso vier a suceder, um outro líder de Moscovo, igualmente por más razões, acabará por ter também o mérito de ser reconhecido como um “construtor” europeu.

O regresso de Lula

Lula parece estabilizar a sua liderança nas sondagens. Repetirá a vitória de há 20 anos, embora o PT pareça mais radical do que então? A bipolarização da sociedade brasileira nunca foi tão forte e o poder de Bolsonaro, e daquilo que ele ainda representa, não deve ser desprezado.

As batalhas de Zelensky

Há quatro batalhas que Zelensky parece já ter perdido: a da entrada para a NATO, a da adesão à UE, a da zona de exclusão aérea e a das sanções abrangerem gás e patróleo. A Rússia parece agora determinada a que ele perca a batalha de Kiev.

A ter em atenção

Começa a ser evidente que as forças armadas russas começam a tomar posições e a destruir linhas de abastecimento à Ucrânia, ligando, em especial, à Polónia. Se acaso houver incidentes entre russos e não- ucranianos envolvidos nessas ações, as coisas podem escalar num instante.

Massa tenra

Sou do tempo (isto é, até há semanas) em que o mundo dos negócios europeu estendia passadeiras rubras, com menor ou maior desprezo e sobranceria social, aos multimilionários (oligarcas já está muito gasto…) russos. Agora, de repente, eles passaram a ter peste. Estranho mundo!

… e a França aqui tão perto!

A Ucrânia tem-nos desviado a atenção, mas há uma pré-campanha presidencial a decorrer em França. Assisti, há pouco, a um debate entre a candidata da direita democrática, Valérie Pécresse, e a figura surpresa da extrema-direita, Éric Zemmour. Nem imaginam a violência das palavras!

Cair na rede

O que mais me surpreende é que gente sensata e que devia ser adulta deixe que, no seu quadro de relações pessoais, as redes sociais se tenham transformado numa espécie de “second life”, aí gerando afetividades e ódios, zangas e abraços. Cresçam, caramba!

Os filhos ilegítimos de Trump

Há cerca de dois anos, escrevi no “Jornal Económico” o artigo que a seguir reproduzo. Hoje, por razões de oportunidade, apetece-me repeti-lo. A grande diferença, face ao momento em que o publiquei, é que Trump já não está na Casa Branca, sendo hoje uma nostálgica saudade para as pessoas que retrato no texto:

”Não sei como se chamam, nem sei como chamar-lhes. É uma raça política estranha, que vive num registo cheio de contradições, se calhar em sintonia com este estranho e novo tempo – o qual, no discurso ácido de que agora se alimentam, chega a parecer velho. Às vezes, parecem de uma esquerda radical, outras vezes chegam a tresandar a uma direita velha e relha.

O fim do mito soviético, enterrado nas pedras do muro derrubado em Berlim, tornou muitos deles órfãos de um passado político do qual, curiosamente, nem sempre haviam sido seguidores incondicionais. Mas a desaparição ou falência de um certo tipo de partidos, em países onde a esperança já teve melhores dias, acabou por conduzi-los à “terra de ninguém” onde hoje vivem.

É difícil catalogá-los numa mesma prateleira, sendo que o único denominador comum entre todos parece ser a sua sedução por modelos autoritários, a recusa da globalização e a identificação caricatural que fazem das democracias liberais com o neo-liberalismo mais maléfico. Têm dois alvos de eleição: a Europa integrada, tida como símbolo do regresso da Alemanha ao lugar de comando, e um mundo ocidental sob a matriz da NATO.

O principal farol que os ilumina é a figura de Vladimir Putin, visto como o chefe da resistência a um mundo que diabolizam. Alguns alimentam uma discreta sedução por figuras como Orbán. Se lhes perguntarem por Lukashenko, dirão que é para manter no lugar, quase apenas e só porque o líder bielorrusso desagrada àqueles que eles detestam. O Donbass é um seu lugar de culto e o teste do algodão é a resposta à pergunta sobre se a Crimeia é ou não legitimamente russa.

Erdogan é simpático a muitos. Maduro a outros tantos. Apoiam quem mantiver Cuba “do outro lado”. Olham com bonomia divertida a Coreia do Norte, pela irritação que provoca em quem eles não gostam. No Médio Oriente, protegem Assad e o Irão. Mas não é isso contraditório com a simpatia por Ancara? A lógica não é o seu forte e mandam às urtigas a coerência.

A irónica novidade é que Donald Trump é o grande culpado da sua reconciliação episódica com os Estados Unidos – depois de uma vida que alimentaram contra o satã yankee. Por isso, detestam a América de Biden, os democratas, tidos por cúmplices de uma Europa feita à medida dos interesses que desprezam. Se pudessem, davam cabo de Schengen, recuperavam o sentido nacional, último bastião do novo “no passarán”. Por essa razão, bateram palmas ao Brexit, vendo o afastamento do Reino Unido como uma oportunidade para diluir uma União Europeia que já não têm como projeto redentor.

É bem revelador do estado a que chegaram as coisas ouvir e ler esse discurso de sobrolho cerrado, adjetivando duramente os adversários, numa onda de desespero que, há que reconhecer, deixou de ter um porto político seguro de abrigo. Alguns andam pelas graves trincheiras das redes sociais, outros palestram declarações chocantes.

Uma coisa me parece evidente. Esses órfãos políticos são hoje os filhos ilegítimos de Trump. Pelo menos, até ver.”

sexta-feira, março 11, 2022

É de justiça…


… reconhecer que a cidade do Porto, cada vez mais, nos surpreende, em termos de bons restaurantes: o 1828, no fabuloso espaço WOW, em Gaia (não me peçam para explicar como lá se chega, mas o GPS ajuda), e o excelente Real by Casa da Calçada (no espaço do antigo Garça Real, na Praça D. João I) são dois dignos acréscimos à oferta restaurativa portuense.



11 de Março


Hoje é dia 11 de março. Nesta mesma data, em 1975 (caramba, já há 47 anos!), ocorreu uma tentativa frustrada de golpe de Estado, liderada pelo general Spínola. Nessa mesma noite, reuniu-se uma Assembleia do Movimento das Forças Armadas, com uma configuração um tanto atípica. A Revolução sofreu uma aceleração. Há tempos, o historiador António Louçã e a RTP ouviram-me sobre alguns acontecimentos dessa data, que, de certo modo, testemunhei por dentro. Pode ver aqui.

Bebinca

Há já um tempo que não comia bebinca. Imagino que tenha sido por me ouvirem dizer que tinha saudades desse doce goês que tive o privilégio d...