quarta-feira, setembro 08, 2021

“A Arte da Guerra”


Esta semana, naturalmente, o “A Arte da Guerra” é dedicado ao 11 de Setembro. Pode ver e ouvir clicando aqui: https://fb.watch/7UO8uDOKD0/

‘A Arte da Guerra”

Nos meios audiovisuais do “Jornal Económico”, em “A Arte da Guerra”, falo esta semana com António Freitas de Sousa sobre os “leaks“ relativos aos “paraísos fiscais” que estão a agitar a sociedade política internacional, sobre as dificuldades algo inesperadas que Joe Biden está a encontrar no seio do Partido Democrático, sobre as tímidas aberturas democráticas no Qatar e a situação nos restantes Estados do Golfo Arábico, bem como a questão das provocações militares de Beijing ao regime de Taiwan, com análise ao peculiar estatuto internacional deste território.

Pode ver o programa aqui.

Adriano


Lembro-me muito bem da primeira aula a que assisti, tendo Adriano Moreira como professor. Foi em outubro de 1968, no Instituto Superior de Ciências Sociais e Política Ultramarina (ISCSPU), de que Adriano Moreira era diretor. Caramba, foi já há 53 anos! E Adriano Moreira fez agora 99 anos.

Adriano Moreira era, à época, um nome de que muito se falava - mas sobre o qual, por razões que a conjuntura tornava óbvias, muito pouco se escrevia. Dias antes, Marcello Caetano fora nomeado pelo presidente Américo Tomaz para a chefia do governo, em substituição de Salazar, afastado por doença.

Nos conciliábulos do regime e não só, Adriano Moreira havia sido muito citado como uma possível opção, mas os equilíbrios que se refletiram na decisão do presidente da República não o favoreceram. À época, falava-se nas resistências que o seu nome suscitaria em certos círculos militares, embora outras opiniões fossem no sentido de que outras tendências castrenses desejavam vê-lo em S. Bento. A verdade é que, no saldo decisório final, Adriano Moreira ficou arredado da sucessão de Salazar, em benefício de Marcelo Caetano. E, este, logo que pôde, pela mão do ministro da Educação José Hermano Saraiva, herdado da equipa governativa que o velho ditador ainda entronizara pessoalmente no mês de agosto anterior, cuidou em afastá-lo da direção do ISCSPU, nos primeiros meses de 1969.

Para os estudantes, esta evidente conflitualidade com Caetano dava a Adriano Moreira uma auréola de alguma "oposição", que se vinha a somar à imagem vaga, que alguns "connaisseurs" espalhavam à boca pequena, dos seus tempos de jovem advogado, em que chegara a estar detido pela polícia política, pela sua ação de defesa dos interesses da família do general Godinho, cuja morte misteriosa na prisão, na decorrência de uma tentativa de golpe militar nos anos 40, fazia parte das mitilogias recorrentes da Oposição.

Não parecia, assim, estranho que o movimento estudantil dentro do ISCSPU, que se vira provocado pela "não homologação" ministerial da lista vitoriosa nas eleições desse ano para a associação académica, acabasse por se aliar taticamente a Adriano Moreira. Como membro que fui dessa direção associativa, tenho uma memória muito viva da gestão dessa "aliança", que teve em Narana Coissoró, um fiel escudeiro de Adriano, uma figura proeminente. Recordo também a dificuldade que alguns de nós tínhamos em ver a nossa ação articulada com a agenda política e pessoal de um antigo ministro de Salazar, pelo "risco" de estarmos a ser instrumentalizados por uma das fações dentro do regime.

Adriano Moreira era um professor brilhante, com uma exposição atraente, que nos gerava vontade de ir mais longe naquilo que nos transmitia. Começava as aulas em voz muito baixa, para desfazer as conversas residuais na sala. Ao falar, circulava o olhar, fixando-se, por instantes, em cada um de nós, o que dava a impressão de se nos dirigir individualmente. Como a política era, como dizem os franceses, o seu "fond de commerce", nós distinguiamo-la sempre por detrás de todos o seus comentários, onde o esquerdismo de alguns procurava descortinar tudo o que se assemelhasse a odor a heterodoxia.

Adriano - era assim que a ele nos referíamos, entre nós - tinha a rara habilidade de ir suscitando uma controlada polémica política entre os alunos. A minha antiga colega Maria João Bustorff lembrava-me, há tempos, o modo como ele estimulava debates entre mim e o António Marques Bessa, cada um de nós situado em lados bem antagónicos do espetro político, em confrontos nas aulas que sempre tinham temas do programa académico como motivo formal. Belos tempos! (Um abraço para a Maria João e para o António!)

Pouco a pouco, nessas aulas, íamos sendo introduzidos na matriz do pensamento de um homem que, um dia, Salazar escolhera, um tanto inesperadamente, para a pasta do Ultramar, na sequência da rebelião angolana de 1961, mas cujo espírito reformista o regime não conseguira acomodar e cuja frontalidade acabaria por conflituar com o poder administrativo do então governador-geral de Angola, general Venâncio Deslandes, o que levaria o chefe do governo a tomar um dia a decisão de ver-se livre, simultaneamente, dos dois.

Adriano Moreira não era um proselitista deliberado, não cuidava em endoutrinar-nos, não veiculava uma ideologia clara. Era um questionador do quotidiano, alguém que problematizava e nos obrigava a refletir. Sentiamo-lo, claramente, de um "outro lado" que não era o nosso, mas, estranhamente, a suavidade do seu estilo não provocava uma antagonização aberta. E isso, às vezes, como que nos enfurecia interiormente: nós fazíamos parte de uma geração maniqueísta e Adriano Moreira furava essa cómoda dualidade bipolar.

Com o 25 de Abril, o radicalismo saneador dentro do ISCSP (que, entretanto, perdeu o "U", como o país também perdeu o "ultramar"...) fez com que Adriano Moreira se visse obrigado a ir fazer vida no Brasil. Foi uma decisão estúpida e sem sentido, contra alguém que, não obstante as críticas que se pudessem fazer ao seu percurso político anterior, tinha tido sempre um comportamento exemplar face aos alunos e à "nossa escola" (era assim que Adriano Moreira se referia sempre ao Instituto), que nela nunca perseguira ninguém (outros o fizeram, e sei pessoalmente do que falo) e a quem o ensino universitário português - e as Ciências sociais, muito em particular - bastante deviam.

Fiquei satisfeito quando esse seu afastamento chegou ao fim e tive o prazer de lho poder dizer, cara a cara, uma noite de 1979, na Gulbenkian. E gostei muito da sua resposta: "Fico contente de ouvir isso, particularmente vindo de si".

Adriano Moreira, depois do seu regresso de Portugal, envolveu-se na política democrática, sempre de uma forma elegante, sem chicanas nem grandes polémicas. Com naturalidade, a área democrática mais conservadora foi o seu espaço de expressão cívica. Porém, fê-lo sem posteriores "travestismos", sem saltitar em conúbios oportunistas, umas vezes com a esquerda, outras vezes com direita, como aconteceu com certos cataventos da história portuguesa contemporânea. Manteve, em paralelo, uma atividade académica intensa e, pela imprensa, continuou a espalhar um pensamento em matéria de relações internacionais com uma profundidade muita rara entre nós.

Ao longo dos anos, continuei a encontrar Adriano Moreira pelas esquinas da vida, nos diversos tempos profissionais que tive, tendo com ele colaborado em várias iniciativas e dele recebendo gestos de amabilidade e simpatia, que sempre cuidei em retribuir.

Há uns anos, Adriano Moreira publicou um livro com as suas memórias. Nesse seu reencontro com o passado, e embora se possam entender as razões por que o terá feito, Adriano Moreira ficou, na minha perspetiva, bastante longe da síntese de vida que seria de esperar de uma figura com a sua estatura. Senti por ali inesperados compromissos, de uma natureza idêntica àqueles que, no passado, o levaram, algumas vezes, ao desnecessário facilitismo que foi o rodear-se de gente que não estava ao seu nível, nomeadamente no mundo académico, mas também político.

Adriano Moreira tem uma qualidade - moral, humana, política e académica - que, a meu ver, se situa bastante acima do modo como serviu algumas das conjunturas em que esteve inserido. Daí que, sendo um hoje um senador muito respeitado e prestigiado, tenha tido um destino público que ficou manifestamente aquém de um lugar na vida portuguesa que, com justiça, poderia ter sido o seu.

Parabéns ao meu professor Adriano Moreira, por estes seus magníficos 99 anos.

terça-feira, setembro 07, 2021

Merkel


16 anos no poder. Em metade deles, não gostei nada da senhora. Na outra metade, reconheci que estava errado e percebi que era uma notável estadista. E como esta segunda opinião acaba por ser a última, para mim esta é que importa. E mais: já começo a ter saudades dela.

segunda-feira, setembro 06, 2021

Campos Elísios


Jean Seberg já se foi há muito. O Herald Tribune já teve dois nomes depois. Os Campos Elísios, também eles, já não são o que foram. Hoje, foi-se embora Jean-Paul Belmondo. Nada disto é fácil.

Um sete de setembro diferente


De amanhã a um ano, em 7 de setembro de 2022, passarão 200 anos desde que, como reza a História, o príncipe dom Pedro terá dado o chamado “grito do Ipiranga”, a proclamação da vontade de independência da colónia do Brasil, território que o pai, o rei dom João VI, tinha deixado ao seu cuidado depois de regressar definitivamente a Portugal.

O “sete de setembro” é a data que o Brasil comemora como sendo o início da auto-determinação do seu futuro, libertando-se da tutela do poder de Lisboa. É, por ali, um dia que simboliza a unidade nacional, num país que é cioso da sua identidade própria e dos valores daquilo a que chama a “brasilidade”.

Porém, como acontece um pouco por todo o mundo com datas congéneres, este dia foi-se transformando, para a maioria dos cidadãos, num mero feriado, sem particular apelo popular, salvo um ritual desfile, quase sempre com escassa mobilização, que ocorre em Brasília, na presença do presidente.

Este ano de 2021, as coisas poderão ser diferentes.

O Brasil tem atravessado tempos de forte tensão política, que não será ousado dizer que tem como principal fautor um presidente da República que teima em identificar a sua sobrevivência no poder com um desígnio de interesse nacional, tendo vindo a gerar uma crescente tensão com outros órgãos de poder, nomeadamente com a área judicial, que está a colocar um sério desgaste à imagem do país pelo mundo.

Eleito num processo de polarização político-ideológica que ele próprio fez questão de nunca deixar atenuar, praticamente desde o dia do sufrágio, Jair Bolsonaro recheou o seu governo e a estrutura administrativa de topo de figuras militares, a maioria delas claramente saudosa do tempo da ditadura que as forças armadas protagonizaram entre 1964 e 1985. Com este presidente, os militares tornaram-se assim claros usufrutuários de interesses materiais, constituindo hoje um forte lóbi que se sente protegido pela continuidade do Bolsonaro. Este revela uma flagrante impreparação para o cargo que exerce, o que terá já sido constatado por muitos que nele votaram e que, entretanto, com ele se desiludiram. Nos dias de hoje, Bolsonaro é visto como uma figura caricata, aos olhos dos seus pares internacionais, o que não deixa de afetar a imagem do país a que preside.

As recentes decisões do Supremo Tribunal Federal de isentar, por falta de provas e por parcialidade nos processos de que foi alvo, o antigo presidente Lula das acusações que o impediram de disputar as eleições presidenciais de 2018, com evidenciação do artificialismo de muitas das acusações cumulativas que sobre ele impenderam, faz com que ele se torne hoje numa ameaça à recondução do atual presidente, no sufrágio de 2022.

Embora distante do quase unanimismo de apreço popular com que abandonou o poder em 2011, Lula, ao que revelam todas sondagens, pode vir a funcionar como um fator polarizador ganhador contra Bolsonaro. O mal-estar público contra este, expresso em manifestações um pouco por todo o Brasil, muito focadas na gestão caótica da pandemia que o seu governo titulou, aponta no mesmo sentido. A rejeição a Bolsonaro só não será maior porquanto muitos que lhe deram o seu voto em 2018 continuam a não se rever no antigo presidente e prefeririam uma “terceira via”, a qual, no entanto, parece não ter condições de se materializar.

O presidente não se dá, contudo, por vencido. Amanhã, 7 de setembro, pretende suscitar uma forte mobilização dos seus apoiantes, um pouco por todo o país. A escala desse movimento e, em especial, o modo como ele se processar, com a atenção concentrada na atitude das forças armadas e de outras estruturas de segurança, pode ajudar a perceber em que estado de normalidade se encontra, afinal, a democracia brasileira.

O 7 de setembro de 2021 pode, desta vez, não ser apenas uma data ritual.

sábado, setembro 04, 2021

Uma bela noite!

 


No estrado, as clássicas mesas e cadeiras do Café Excelsior onde estávamos sentados traziam o sabor a uma certa Vila Real mais antiga, que o “A Cidade Imaginária” modestamente pretende celebrar. Vitor Nogueira, diretor da Biblioteca Municipal de Vila Real, fez uma simpática e muito culta apresentação do livro, sob cuja chancela a publicação acontece. Na audiência, muitos amigos. Foi uma bela noite! E vão oito!




sexta-feira, setembro 03, 2021

Hoje à noite

 


“A Arte da Guerra”


Naturalmente, tratamos do Afeganistão, mas também falamos do agravar das tensões diplomáticas entre Marrocos e a Argélia, bem como do significado político da agenda anti-vacinas e as suas possíveis relações com a extrema-direita internacional. Tudo isto no “A Arte da Guerra” desta semana, na plataforma multimédia do “Jornal Económico”, na conversa com o jornalista António Freitas de Sousa.

Pode ver aqui: https://fb.watch/7NOdfTF9lA/

Três mil carateres


Foi muito simpático este convite. Deram-me liberdade para escrever sobre o que me apetecesse. O jornal, ao fazê-lo, estava longe de saber que sou um seu leitor, desde o primeiro número. Verdade seja que, de há uns tempos a esta parte, já só me apetece ler aquilo com que sei, de certeza segura, que não vou concordar. Ora o “Novo”, com uma frontalidade rara, traz sempre, nas suas colunas, muito daquilo que eu claramente não penso nem penso vir a pensar. Mais ainda: defende, quase sempre, precisamente o contrário daquilo que são as minhas ideias. E isso é valiosíssimo! Cada vez me convenço mais de que ler aquilo com que sei que vou estar de acordo é uma redundância comodista. Para pensar como eu penso, basto eu! O que hoje cada vez mais me interessa - e não estou a ironizar, podem crer - é o confronto de opiniões, a guerra das trincheiras, verbais ou tecladas. Há nisto um pouco de masoquismo? Seja, mas tem muito mais graça assim. Porém, vindo eu de outra “freguesia”, uma pergunta impõe-se: que diabo posso aqui trazer que leve o leitor médio do “Novo” a ler-me? É que já estou a imaginar a maioria dos que chegaram a esta página três do jornal a refilar: “Quem foi que teve a ideia de pôr aqui este tipo?”. Ora eu tenho a certeza de que quem me convidou sabia bem o que fazia. E não quero desiludi-lo. Surjo aqui na quota da diversidade a cujo luxo o jornal se dá. O “Novo” - honra lhe seja! - não nos leva ideologicamente ao engano, desde que abriu folhas. Por isso, pode permitir-se o gesto de fazer um convite como este que hoje me dirige. "Será que o tipo vai aqui defender o Costa e o quase unanimismo da missa laica algarvia?", alguém deve ter perguntado. "Não é muito o estilo dele", imagino que possa ter dito o Pedro Correia, o único da casa que convive heterodoxamente com este improvável escriba, embora lhe não adivinhe os humores. "Às tantas, vai falar dos talibãs e do Afeganistão, porque aquela é a praia dele, depois de décadas de croquetes nos claustros engravatados das Necessidades”, terá saído a alguém. Estive quase para o não desiludir, mas isto de ocupar um espaço nobre num jornal de direita e resistir à tentação de dar uma bicada na ala política mais triste, órfã e desesperada da pátria seria uma contenção excessiva para alguém como eu. Aproveitar um pretexto, e tenho tantos e tão bem artilhados, para dizer que "a culpa é do Passos!", é algo a que muito dificilmente resisto. Mas, espera aí!, há outras maneiras de levar a cabo uma flor de provocação: fazer aqui a discreta apologia de Rui Rio e, de caminho, deixar uns elogios a Marcelo. Assim, atiçaria a zizânia, matando dois (outros) coelhos de uma assentada. Mas não, não quero ser chato para a LapaNews, precisamente um nome que sugere o bairro em que vivo. Além disso, dizer bem deles só iria confirmar o que alguma direita há muito já pensa: Rui Rio é uma espécie de MDP-CDE do PS e o presidente já se bandeou com Costa (é não o conhecerem!). Mas, sendo as coisas o que são, então vou falar de quê, neste espaço que o “Novo” me concedeu? De nada! Já passei os três mil carateres que me tinham dado!

(Artigo hoje publicado no semanário “Novo”)

Francisco Pinto Balsemão


António Costa decidiu ontem homenagear Francisco Pinto Balsemão, por ocasião dos 40 anos dos governos que chefiou e dos 84 anos daquela que é a mais importante figura política viva da nossa democracia - e a luta de Balsemão pela liberdade começou bastante antes do 25 de Abril, note-se.

Há tempos, escrevi por aqui isto: “Na história do nosso jornalismo, e na nossa história política, Balsemão tem hoje um lugar cativo, por muito que isso desagrade a muitos dos que se politicamente se lhe opõem. Portugal seria um país democraticamente bem mais rico se dispusesse de muitas mais figuras com a estatura cívica de Francisco Pinto Balsemão. É o que penso, muito sinceramente.” Reafirmo-o hoje, com gosto e convicção.

Tenho uma grande consideração pessoal por Francisco Pinto Balsemão, com quem me cruzei muitas vezes, ao longo das últimas décadas. Em tempos mais recentes, estivemos juntos na comissão, nomeada pelo governo Passos Coelho, que elaborou o último Conceito Estratégico de Defesa Nacional. A partir de 2013, integrei o Conselho da FCSH da Universidade Nova de Lisboa, a que ele presidia. A seu convite, fui orador em encontros de reflexão estratégica, que promoveu em Cascais, com o jornal “Expresso”. Não partilhamos as mesmas opções políticas, mas creio que temos visões basicamente comuns sobre aspetos essenciais da nossa vida cívica. Francisco Pinto Balsemão é, estruturalmente, um grande democrata - e isso, para mim, é muito importante.

Comecei, há pouco, a ler as suas “Memórias”, que ontem foram publicadas. São cerca de mil páginas (!) e, como os meus dias, nos próximos tempos, vão estar muito ocupados com outras tarefas, o ritmo da sua leitura terá forçosamente de ser baixo. Dito isto, tive já oportunidade de ler alguns capítulos do livro, que me parece um testemunho muito relevante. Há muita gente que por ali fica com “as orelhas a arder” e Balsemão tem, para algumas dessas pessoas, uma “mão pesada” - e tem a coragem política necessária para a usar. Fazem falta livros com esta frontalidade, que é um erro fácil confundir com azedume e mero ajuste de contas. São obras desta natureza que vão ajudar a escrever a nossa História.

Deixo aqui, nesta ocasião, um abraço amigo a Francisco Pinto Balsemão.

quinta-feira, setembro 02, 2021

Mikis Theodorakis


Um dia de novembro de 1977, numa escala no aeroporto de Benghazi, na Líbia de Kadhafi, o avião em que eu seguia, na rota de Tripoli para Atenas, ficou estacionado por quase uma hora. Ninguém sabia o que se passava. 

Um tanto inconscientemente, eu tinha aproveitado para fotografar o que me pareceu serem uns caças Mig, que divisei pela escotilha do avião da Olympic Airways, numa zona militar do aeroporto. Não me sossegou o modo como o pessoal de cabine tinha olhado para aquela minha inusitada atividade lúdica. Por isso, sair dali, tão cedo quanto fosse possível, estava a ser o meu desejo íntimo.

A certa altura, tudo se precipitou. Surgiram três viaturas na pista, que pararam junto ao avião. De uma delas, saiu um homem grande, de cabelos largos, cumprimentado por quem dele vinha despedir-se. Entrou e sentou-se do outro lado da fila do avião em que eu estava, com apenas o corredor a separar-nos. 

Aquela cara… Demorei uns segundos apenas no esforço de memória facial: era Mikis Theodorakis. Olhei à volta, mas ninguém no avião dava mostras de tê-lo reconhecido, não obstante o “espetáculo” da sua entrada.

Theodorakis era um compositor genial e havia sido um resistente à ditadura dos coronéis gregos, com expressão marcante em toda a esquerda europeia. Membro do Partido Comunista Grego, tinha-lhe sido dado pelos soviéticos o Prémio Lenine.

Não sou muito dado a abordagens pessoais, mas, a certa altura do voo, mais por curiosidade do que por outra razão, decidi cumprimentá-lo, aproveitando para lhe dizer quanto a sua obra era reconhecida em Portugal, naturalmente depois do êxito do filme “Zorba, o grego”. Theodorakis era muito mais importante musicalmente do que isso, mas eu então não sabia, confesso.

Não me pareceu muito expansivo, mas foi por sua iniciativa que, sabendo-me português, me falou do 25 de Abril e do modo como os militares revolucionários portugueses tinham sido um “exemplo” para a Grécia. Só me referiu dois nomes, com evidente admiração: Otelo e Cunhal. Perguntei-lhe se conhecia José Afonso, autor da “Grândola”. Reagiu: “Ah! A “Grândola”! Claro!”, mas fiquei sem perceber se sabia algo do cantautor. A conversa, curta e banal, ficou por ali, com cada um de nós recolhido às suas leituras.

Chegado a Atenas, vi que ele tinha, de novo, um acolhimento VIP, natural para alguém que era uma cara prestigiada da nova Grécia democrática. Disse-me “Adiós!” (!) e foi-se.

Mikis Theodorakis morreu hoje. Tinha 96 anos. Tenho um pressentimento de que a nossa Isabel da Nóbrega não teria desdenhado a coincidência de partirem, com a mesma idade, neste mesmo dia.

Isabel da Nóbrega


Acabo de saber que morreu Isabel da Nóbrega, uma figura marcante no nosso panorama literário. Tinha 96 anos.

O século XX da cultura portuguesa não pode ser contado sem destacar a sua marca, por bem mais de uma razão. Era, além do mais, uma mulher notável, uma inteligência lúcida e atenta. 

O meu sentido pesar ao filho, Pedro Abreu Loureiro, e à sua neta Alexandra.

quarta-feira, setembro 01, 2021

Sem palavras…




 … e sem espinhas! Um almoço com o bacalhau ímpar do meu amigo Victor, em São João de Rei.

segunda-feira, agosto 30, 2021

Mudar de cenário

 

Esta é uma semana que começa com bastante trabalho. Nada melhor do que um cenário calmo para o realizar.

domingo, agosto 29, 2021

Conversa leve

“Olha lá! Agora deu-te para só escrever sobre coisas levezinhas?” O remoque veio pelo telefone, ontem, de um daqueles amigos em cujos ombros, com a idade, parece ter caído o peso do mundo, que andam com “ar grave e sério”, como o Porto Sentido do Rui Veloso, talvez por frequentarem demasiado Boaventura Sousa Santos ou António Barreto, dependendo do tremendismo apocalíptico por que optem. Ler-me sobre trivialidades - um chá, uma refeição, uma paisagem - parece-lhes quase ofensivo, quando há gente a morrer com bombas em Cabul, quando o clima mundial se degrada e ninguém faz nada de jeito, quando ainda não sabemos se Ricardo Salgado já terminou o périplo pela Sardenha e outros temas magnos, como a atualidade de certas epístolas que falam de senhoras ou o “mood” no congresso socialista em zona de banhos. Alguns desses amigos, que têm a mania que me conhecem, ainda se dão ao luxo de correr o risco de levar a sério o que eu digo, coisa de que eu próprio há muito me deixei.

sábado, agosto 28, 2021

Tea time


Da janela do quarto onde eu dormia na casa da minha avó paterna, onde hoje funciona uma escola de música, avistavam-se, lá ao alto, o templo de Santa Luzia e o hotel.
  
Por um milagre da perspetiva, como constatará quem andar por Viana, a posição relativa dos dois edifícios no cenário vai variando, quando se olha para o monte, dependendo do lugar de onde se está. Acho que os vianenses nunca notaram muito isso. Dessa janela da minha infância, o hotel via-se à e
direita, isso sei eu bem. 

Nesses tempos de miúdo, lembro-me de ouvir o meu pai dizer que o hotel estava sempre cheio de estrangeiros. Ingleses, é o que me ficou de ouvido. Talvez por isso, o chá por ali é sempre bom, como é sempre bom tomar chá por ali.

sexta-feira, agosto 27, 2021

O conselho no Concelho


Passei lá, hoje, naquela pequena praça no centro dos Arcos de Valdevez. E lembrei-me de uma cena, ali ocorrida, vai para 50 anos.

Era um tempo em que rareavam informações escritas sobre os bons restaurantes que havia pelo país. Apenas “A Mosca”, o suplemento que vinha, aos sábados, com o “Diário de Lisboa”, fazia esse “serviço público” sobre a capital e arredores. No resto, vivia-se do “boca-a-boca” de conhecidos, de preferência se fossem conhecedores. 

Um dia cinzento de outono, íamos dois casais a passar, de carro, no meio dos Arcos de Valdevez, bem tarde sobre a hora do almoço. Já não dava para ir à “Miquelina”, em Paredes de Coura (onde até o “Conselheiro” já se foi), nem havia tempo para um salto ao “Panorama”, em Melgaço (que também entretanto se esfumou).

Onde diabo se podia comer por ali? Olhei à volta e vi um cavalheiro num passeio. Tive um pressentimento e disse, para quem me acompanhava: “Aquele é o tipo certo para nos indicar o melhor restaurante aqui perto”. Meu dito, meu feito! Saí do carro e fui falar com ele. Um minuto depois, regressei e, com um “já sei!”, arranquei, com um ar decidido, pela estrada para Monção.

Uma onda de curiosidade instalou-se nos meus companheiros de jornada: porquê aquele tipo? Foi então que expliquei, sobranceiro, com uma elaborada sociologia de pacotilha, uma regra acabada de criar, numa ciência gerada por um estado gastronómico de necessidade. Desde então, tenho-a utilizado, em especial no estrangeiro (cá pelo país, já não preciso de indicações), quando, por um qualquer azar das arábias, arribo a uma localidade e não levo comigo um guia de confiança (e não me falem nunca do inútil “Tripadvisor”, por favor!). 

Qual é essa regra? Deve perguntar-se um conselho para refeiçoar a alguém que cumule quatro requisitos básicos: que tenha mais de meio século de vida (um saber de experiência feito), que seja gordo ou, no mínimo (como o leite) meio-gordo (há lingrinhas bons garfos, mas são raridades descartáveis), que tenha um ar de pessoa abastada (alguém que tenha cabedais para ir com frequência às boas mesas da sua terra) e, finalmente, que esteja trajado com bom gosto (os abrutalhados, mesmo que tresandem a dinheiro, não servem para este teste!). 

De preferência, alguém que ainda use gravata, evitando sempre essa malta modernaça, de camisa aberta até ao oitavo botão, que logo nos recomendará um lugar de sushi e coisas assim, por cozinhar, ou as doses homeopáticas, em pratão imenso, de uma “nouvelle cuisine” para matar cara a fome. Essencial é que seja sempre pessoal que se veja, à légua, que gosta de uma bacalhauzada à maneira, de um bom cabrito, de uns “leves” rojões, de uma feijoada bem apurada, tudo lindamente regado. Gente ainda com aspeto de quem pode facilmente fechar a cena gastronómica com uma bagaceira velha ou um malte de qualidade!

Com os anos, somei um quinto critério, que pode ser cruzado com os anteriores e que, neste período eleitoral em que estamos, talvez convenha ser lembrado: perguntar qual é, na localidade, o restaurante preferido do presidente da Câmara. É que este, por gosto próprio ou por ter sempre de convidar em serviço para sítios decentes, é obrigado a fazer as escolhas mais adequadas. Tudo somado, garanto, nunca falha!

O que é que o homem dos Arcos de Valdevez nos recomendou, naquele dia sombrio? O excelente “Costa do Vez”, onde entretanto regressei mais vezes e que parece que continua a dar cartas por ali. (Hoje, não precisei: vinha de uma bela refeição no magnífico “Carvalheira”, na sua bela segunda encarnação, em Fornelos, na estrada de Ponte de Lima para Braga). E lá continuei, pela lindíssima estrada do Extremo, por este espetacular Alto Minho, que alguns sulistas teimam em ainda não conhecer.

quarta-feira, agosto 25, 2021

“A Arte da Guerra”


A evolução da situação no Afeganistão, as eleições presidenciais em S. Tomé e Príncipe e a tragédia política e humanitária que envolve o Haiti são os temas que, esta semana, abordo com o jornalista António Freitas de Sousa, no programa sobre temas internacionais, “A Arte da Guerra”, na plataforma multimédia do “Jornal Económico”.

Pode ver aqui: https://fb.watch/7CAFdpj73s/

terça-feira, agosto 24, 2021

Há almoços grátis?


Um dia, vivia eu no Brasil, recebi um telefonema de Júlio Miranda Calha, à época deputado socialista. Havíamos coincidido, anos antes, num mesmo governo.
  
Perguntou-me se acaso eu tinha intenção de vir a Portugal, numa data próxima. Por mera coincidência, contava ir na semana seguinte. “Gostava de o convidar para almoçar”, disse-me. Não perguntei o motivo desse interesse. Ficámos de combinar o local.

Não éramos íntimos, mas tínhamos uma boa empatia pessoal. O Júlio, infelizmente já desaparecido, era uma pessoa discreta, sempre sorridente, com humor, um homem moderado, ponderado e sério, bastante estimado pelos seus adversários políticos. Que quereria ele de mim? 

Chegado a Lisboa, numa manhã de sábado, comprei o “Expresso” (foi já há muito tempo: o “Expresso” ainda saía ao sábado…) Trazia uma entrevista com o Júlio Miranda Calha, que o jornal anunciava como coordenador do PS para as próximas eleições autárquicas.

Ainda nessa noite, jantei com o Henrique Cayatte e com o António José Massano no “Café de São Bento”. Já nem sei bem porquê, veio à baila a entrevista do Miranda Calha. Eu referi o almoço que iria ter com ele. Não sei qual daqueles meus amigos disse: “Às tantas, ainda te vai convidar para candidato autárquico!” Passei o resto do bife a matutar no assunto.

Eu já tinha titulado uma candidatura à presidência da Assembleia Municipal de Vila Real, anos antes, como independente, numa lista do PS. Fui então derrotado por Passos Coelho. Não é esse em quem estão a pensar, mas o pai dele, um homem muito afável com quem, a partir daí, estabeleci uma excelente relação pessoal. O PSD era então a força dominante na autarquia. Eu costumava dizer que, em Via Real, “a direita estava no poder desde a ‘pedra lascada’ “. Os meus amigos “do outro lado”, que sempre os tive e tenho, nunca pareceram apreciar a minha graça pré-histórica, ainda hoje estou para saber porquê…

Estaria o PS a pensar em mim para alguma Câmara? A ideia assustava-me, pelo absurdo. Tinha a minha vida profissional bem estabilizada. Acabado que fosse o posto de embaixador no Brasil, iria para outro país e, depois disso, aposentado do serviço público, regressaria calmamente a Lisboa, com data marcada, talvez para dar aulas numa universidade ou fazer outras coisas que me apetecesse e a vida me proporcionasse. A última das que me nunca me passaria pela cabeça era ser autarca, para o que não tinha a mais ínfima vocação. Aliás, não me via a fazer rigorosamente nada na política ativa, dessa ou de outra natureza. Essa porta estava definitivamente fechada na minha cabeça, por muito que alguns continuassem a pensar o contrário.

Estimulado pelos meus dois amigos de mesa, já tão curiosos como eu, decidi telefonar, dali mesmo, ao Miranda Calha. “Ó Júlio! Por acaso, o almoço que querer ter comigo não tem a ver com algum tema autárquico, não?”. Do outro lado, a reação foi a temida: “Por acaso, tem”, disse-me ele. “Então, meu caro amigo, é melhor anularmos o almoço. É que em nenhum cenário, mesmo nenhum!, estou disponível para exercer cargos autárquicos”.

O Júlio Miranda Calha deve ter então percebido que estava equivocado quanto à minha potencial disponibilidade. Mas ainda arriscou: “Mas você não comprou, recentemente, uma casa em Vila Real?” De facto, eu tinha trocado por outro, meses antes, um andar de que ficara proprietário, pela morte do meu pai, mas isso estava muito longe de poder fazer presumir a alguém que eu iria viver para lá. E como é que ele tinha tido conhecimento disso? Nunca soube quem teria “vendido” aquela ideia ao Júlio Miranda Calha. Talvez o António Martinho, que estaria ”no segredo dos deuses”, possa agora esclarecer alguma coisa, se quiser…

Lembrei-me desta história ontem, ao assistir ao debate televisivo com os quatro candidatos à presidência da autarquia de Vila Real. Cidade que está hoje muito bem servida nessa matéria. E onde, daí a pouco, vou jantar. E vou pagar esse jantar, ao contrário do almoço ”grátis” que o Júlio Miranda Calha me ia oferecer e que me podia ter saído bem caro…

segunda-feira, agosto 23, 2021

Filosofias


“Então quando é que vai de férias?”, perguntei à senhora da loja chinesa. “O patrão não dá férias!”, disse-me, a rir, sabendo eu que ela é a patroa de si mesma. E, mais a sério: “Eu não tenho idade para ter férias, agora tenho idade para trabalhar. Quando for velha, terei férias para sempre”. Filosofias de vida.

domingo, agosto 22, 2021

“Mon Oncle”


Em 1958, estava eu a entrar para o liceu, saiu o extraordinário filme “Mon Oncle”, de Jacques Tati. Hoje, esta imagem reapareceu, já nem sei bem porquê, nas redes sociais. E dei por mim a recordar que, há cerca de uma década, quando eu vivia em Paris, foi desaconselhada a exibição pública desta cena do filme. Porquê? O homem ia a fumar, a criança ia sentada de forma insegura e sem capacete, um velhote levava um miúdo de bicicleta, sabe-se lá para onde e para quê…

Testem com algumas pessoas este caso. Verão que há logo quem diga: “A verdade é que é pouco pedagógico estar a divulgar em cinema imagens de pessoas a fumar, porque é uma promoção subliminar de um atentado à saúde”; ou “Mostrar uma criança a ser transportada numa bicicleta em condições de muito escassa segurança constitui uma forma de normalizar situações de risco físico que a educação cívica procura combater”; ou ainda “A ocorrência, muito mais vezes do que se supõe, de atos abusivos contra crianças, por parte de pessoas mais idosas, mesmo de familiares próximos, recomenda que se procure verificar sempre se essa convivência inter-etária se processa em quadros comportamentais regulares e autorizados”.

A obsessão virou doutrina e ai de quem hoje se ria destes preconceitos! O “politicamente correto” passou a policiar-nos. É esta a sociedade do futuro. Habituem-se!

sábado, agosto 21, 2021

Agosto


O que eu tenho, nestes dois dias, descansado da canseira das férias na praia! E dormido! O regresso a Lisboa foi um bálsamo. A cidade está magnífica, menos barulhenta, com lugares para estacionar, com a esmagadora maioria das lojas abertas. Até os restaurantes têm lugares e, como há menos turistas, a simpatia e a disponibilidade aumentaram. Há menos “aceleras” na minha rua!

Há anos que trago comigo a ideia de passar metade do mês de agosto em Lisboa. Depois, acabo por nunca cumprir essa promessa íntima. Deixo isto aqui escrito, para ver se, para o ano, me lembro! 

A ordem alternativa


O que, por estes dias, ocorre no Afeganistão, somado ao desafio colocado pela China, tendo à mistura a profusão de outros modelos autoritários, onde avulta, pela sua importância, a Rússia, parece revelar que estamos a assistir a um tempo inédito de desafio à ordem liberal que, desde a Segunda Guerra mundial, vinha a funcionar como matriz de referência da sociedade internacional.

Verdade seja que o mundo nunca foi democrático. Parte muito importante dos Estados que integram as Nações Unidas está longe de poder ser vista como cumprindo “os mínimos”, no que toca aos requisitos das regras do Estado de Direito e dos padrões da democracia dita liberal.

A ONU, embora esteja imbuída, na Carta e nos termos de referência das suas instituições, de uma filosofia profundamente democrática, nunca exigiu que, para ser seu membro, um país tivesse de ser regido por um “template” dessa natureza. É claro que os Estados se comprometiam a aderir aos princípios da Carta, mas foi sempre óbvio que cada um o fazia à sua maneira, com a eventual reserva mental a não ser nunca tida como fator de exclusão.

Há, contudo, uma grande e substancial diferença entre o que se passava há uns anos e aquilo a que agora assistimos.

Num passado não muito longínquo, muitos dos países que, flagrantemente, estavam longe de ser democracias faziam um constante esforço para serem vistos como tal. Praticamente, nenhum deixava de se afirmar como democrático, colocando embora, por vezes, um adjetivo qualificativo ao modelo de democracia que dizia seguir. As várias “democracias populares” foram disso um flagrante exemplo.

A generalidade das autocracias, nomeadamente nos terrenos multilaterais onde eram avaliadas, mantinha-se, por sistema, “à defesa”, procurando desmontar as acusações de falta de legitimidade das suas instituições e práticas internas. Isso era muito evidente nas estruturas de avaliação de Direitos Humanos da ONU, como também o era na exigência colocada pela União Europeia nos processos de diálogo bilateral ou bi-regional.

Cada um era democrata à sua maneira, mas nenhum parecia ter a coragem de pôr abertamente em causa essa ordem ideal de referência. A democracia liberal podia estar longe de ser a regra universal, mas todos tentavam escapar ao “name and shame” de serem vistos a confrontá-la.

Nos últimos anos, tudo isto está a mudar. A simples “bondade” intrínseca aos modelos democráticos, no formato que se havia tornado uma banalidade no mundo ocidental, começa a ser posta em causa e a ser contestada. Parece estar a fazer o seu caminho um novo paradigma de gestão política das sociedades, menos assente no imperativo da aferição aritmética da vontade popular, responsável pela voz diferenciada das entidades políticas de representação de projetos - os partidos. O que se observa é a emergência de modelos elitistas de direção dos Estados, assentes basicamente em juízos de eficácia da ação desenvolvida. No fundo, a ideia é relativamente simples: a vontade democrática, expressa em eleições, não dá garantias de produzir uma gestão política de qualidade, pelo que é preferível confiar noutros tipos de seleção dos dirigentes, imbuídos do sentimento do “bem comum”.

Este caminho alternativo tem três básicas decorrências. Desde logo, um processo de seleção de lideranças mais “aristocrático”, desconfiando do puro sufrágio universal. Depois, uma contestação ao caráter sacrossanto da ideia da separação de poderes, tida como um empecilho descartável. Finalmente, um controlo apertado da diversidade opinativa expressa na comunicação social. O novo tipo de liderança “sabe melhor” interpretar o que é o interesse comum do que a “fragilizante” alternância provocada pelos acasos do voto.

O mundo está a mudar muito mais rapidamente do que, há poucos anos, parecia poder vir a acontecer. Estamos no seio de uma batalha de ideias, de convicções, de projetos. A grande questão está em saber se esta ordem alternativa de valores terá condições para ganhar maioritariamente a consciência ou a apatia dos povos, condenando à relativização os processos democráticos, que muitos pensavam corresponderem a um patamar superior de representação cívica. Logo veremos.

sexta-feira, agosto 20, 2021

“A Cidade Imaginária”


Correspondendo a sugestões de amigos e leitores, decidi publicar um livro com crónicas, histórias e memórias, de muito diversa natureza, que cruzam episódios que, direta ou remotamente, se ligam Vila Real, a terra onde nasci. 

Trata-se de textos que foram surgindo em jornais, aqui no Facebook e, sempre, no meu blogue “Duas ou Três Coisas”, ao longo dos últimos anos. 

O grafismo da capa é de Adelaide Serra e prometo um exemplar do livro à primeira pessoa que adivinhar o motivo que ali é ressaltado. Comecem pela cor…

Alguns exemplares do livro, que tem uma tiragem limitada e surge sob a chancela da Biblioteca Municipal de Vila Real, estão, desde hoje, à venda na “Livraria Ler”, rua Almeida e Sousa, 24, no Jardim da Parada, em Campo de Ourique, em Lisboa (tlf. 213 888 371).

No final deste mês, haverá também exemplares disponíveis na Livraria e Papelaria Branco (259 322 839) e, posteriormente, na Livraria Traga-Mundos (259 103 113), ambas em Vila Real.

Na sexta-feira, dia 3 de setembro, no espaço fronteiro à Biblioteca Municipal de Vila Real, pelas 21.30 horas, terá lugar uma sessão de lançamento. 

Todos quantos quiserem ali aparecer serão muito bem vindos, sendo observadas as devidas medidas de proteção.

A América está de volta


“America is back” foi a frase usada, há meses, por Joe Biden, para assinalar ao mundo, em especial aos seus aliados, que o interregno traumático de Trump estava encerrado e que os EUA reassumiam, com convicção, o seu papel de potência com ambição de liderança democrática global, com retoma de atenção aos seus parceiros e ao mundo multilateral.

A mensagem era também para os adversários, em especial para a China e Rússia, que, com ela, eram alertados para a nova determinação de Washington em estruturar uma agenda assertiva de interesses com que tinham que contar.

“America is back”, contava poder dizer, dentro de dias, com serenidade, Joe Biden, mas, agora na volta do Afeganistão, onde, nos últimos 20 anos, os EUA haviam empenhado tropas, vidas e muitos recursos.

Tudo começou como uma ação legítima, para a qual foram arregimentados mais de 40 países, no pós 11 de setembro de 2001, com o objetivo de erradicar o terrorismo do Al Qaeda. Depois, para que essa ação tivesse um efeito consistente a prazo, os EUA haviam desenhado um projeto de “State-building”, destinado a travar o integrismo islâmico e construir instituições sustentáveis para um Afeganistão democrático.

Todo esse esforço ruiu, como sabemos, em escassos dias, de uma forma clamorosa.

Vão por aí fervilhar análises sobre as lições a aprender com este falhanço, que se soma ao saldo desastroso da intervenção no Iraque, dois anos depois do Afeganistão, dessa vez numa operação sem a menor legitimidade, que viria a ter como saldo uma trágica desregulação securitária do Médio Oriente, dando origem ao Daesh, contribuindo para a tragédia na Síria.

Neste rescaldo da humilhação, que é americana mas também dos aliados, que ficou simbolizada, no passado domingo, com a queda mansa de Cabul e do governo que se percebeu que só fazia de conta que existia, vale a pena dizer duas coisas, imagino que pouco populares.

A primeira é que foi justa e correta a decisão de ir para o Afeganistão em 2001, procurando liquidar a Al Qaeda e, de caminho, derrubar o poder talibã que o protegia. É importante nunca esquecer as imagens das Torres Gémeas a cair. A luta contra o terrorismo islâmico não era uma guerra americana, era e é também a nossa guerra.

A segunda é que, mesmo que constatemos ter sido um fracasso a sua sustentação, a sociedade que foi tentando criar, ao longo destas duas décadas, no Afeganistão, era um projeto decente e meritório. Muitos afegãos viveram, por bastantes anos, na liberdade que a guerra permitiu, houve uma inteira geração que gozou de democracia, as mulheres recuperaram os seus direitos, havia liberdade dos média, a educação foi expandida e o país usufruiu de fortes investimentos em infraestruturas, que o conflito interno esteve longe de destruir.

As coisas são hoje o que são, estando nós ainda longe de saber o que virão a ser no futuro. Mas o evidente colapso do esforço feito no Afeganistão não nos deve afastar da ideia, talvez mesmo potenciada pelo choque das imagens que dali agora nos chegam, de que, com todos os erros cometidos, havia uma intenção justa na intervenção que foi tentada.

Os piores dias da administração sob tutela americana irão ser vistos como um sonho bom se comparados com o pesadelo da sociedade talibã que aí vem.

quarta-feira, agosto 18, 2021

“A Arte da Guerra”


Em “A Arte da Guerra”, a conversa semanal sobre temáticas internacionais com António Freitas de Sousa, na plataforma multimédia do “Jornal Económico”, voltámos, como não podia deixar de ser, ao Afeganistão. Abordámos também as discretas negociações entre o governo venezuelano e a oposição, que têm lugar no México sob mediação norueguesa, bem como as prespetivas do processo de alargamento da União Europeia aos Balcãs.

Pode ver clicando aqui.

terça-feira, agosto 17, 2021

segunda-feira, agosto 16, 2021

Portugueses em Cabul


Há pouco, ouvi a informação de que havia quatro portugueses a procurar sair de Cabul. Graças à cidadania europeia, o nosso país tem a possibilidade de coordenar com os seus parceiros as medidas de proteção a esses cidadãos. Se, nas atuais circunstâncias, a operação para a sua retirada é muito difícil, podemos imaginar o que devem estar a passar as diplomacias de Estados que não tenham essa cobertura institucional.

A vida ensinou-me que há portugueses em toda a parte.

Costumo contar uma história de um concurso que, em 1980 ou 1981, lançámos na embaixada portuguesa em Oslo. Era uma sorteio de uma viagem a Portugal, com programa de visita, patrocinado pela TAP, à qual podiam concorrer cidadãos inscritos na nossa secção consular, enviando um postal (ainda há postais?).

Feito o sorteio, verificou-se que o nosso compatriota vencedor residia em Vadsø, uma pequena e distante localidade bem acima do Círculo Polar Ártico, não longe da fronteira com a então União Soviética.

Telefonei a informá-lo e a combinar a logística. Por curiosidade pessoal, perguntei-lhe como diabo fora parar àquele remotíssimo lugar, onde, até ao momento, não se sabia residirem portugueses.

"Não, não há cá mais nenhum português. Quer saber como vim? Olhe, eu estava a trabalhar numa fábrica no norte do Irão. Havia por lá um norueguês que me disse que aqui havia um trabalho bem pago, também numa fábrica. Ele fez o contacto e eu vim. Fácil, não é?"

É tão "fácil" esta fantástica aventura dos portugueses pelo mundo...

Uma fotografia para a História

 


domingo, agosto 15, 2021

Soldados


Hoje é o dia certo para homenagear o sargento comando Paulo Roma Pereira e o soldado pára-quedista Sérgio Pedrosa, que deixaram a sua vida no Afeganistão.

Notícias de Cabul

Um dos efeitos mais nefastos da vitória dos talibãs é o grande estímulo que ela oferece aos extremistas islâmicos um pouco mundo.

América

A opinião pública americana continua a não ter uma real consciência do desprestígio que os seus atos ou omissões, no Iraque ou no Afeganistão, induzem na imagem do país pelo mundo. Os americanos sabem que parte do mundo os odeia, mas continuam a achar que isso se deve exclusivamente à inveja pelo seu poder.

Müller


Ainda a tempo de lembrar que morreu hoje um dos mais geniais futebolistas de sempre, o avançado alemão Gerd Müller. Muitas vezes Messi me fez recordar Müller.

Canotilho



Ainda a tempo de lembrar que, no dia de hoje, faz 80 anos uma das figuras cimeiras do Direito português, Joaquim Gomes Canotilho.

A hora da diplomacia


Chama-se diplomacia à técnica (chamar-lhe arte é pedante) de interlocução que os Estados usam para tentar compor situações internacionais de rutura que se situam para além (ou aquém) dos conflitos militares. Quando as coisas são o que são, quando é em absoluto indispensável encontrar um modo de entendimento entre contrários, que tente resgatar um mínimo de paz, para salvaguar o que for possível, no presente ou no futuro, entram em cena os diplomatas. 

No Afeganistão, o mundo ocidental, convencido da valia do seu modelo, procurou, ao longo de duas décadas, apoiar quantos ali afirmavam partilhar essas ideias. Falhou. Forças apoiadas em outras ideias (boas ou más, isso não é relevante agora) acabam de suplantar, no plano militar, os defensores do modelo democrático liberal - por muitas leituras explicativas (históricas, sociológicas e outras) que alguns sobre isso venham agora a fazer, em torno das razões por que isso sucedeu.

É que o mundo, onde não há becos, não acabou ali! O dia de amanhã é que vai ser diferente. Agora, com todo o sentido de compromisso possível, vai ser necessário dialogar com quem passa a mandar no Afeganistão, sendo em absoluto indiferente a opinião que se possa ter sobre os novos ocupantes do poder. Chama-se a isso realismo e pragmatismo, que sempre foi a chave para enfrentar situações desta natureza. A vida das pessoas está para além das ideologias. Regressou a hora da diplomacia.

Viva setembro!


Eu sei que é o fim de junho que assinala a metade do ano. Tudo bem, se atendermos à cronologia. Mas, para mim, “de toda a vida” (como dizem as pessoas “bem“, para designar os amigos que convêm), ficou-me, no meu calendário íntimo, a data de 15 de agosto, como a separação de dois tempos bem marcados no ano. O dia de hoje é aquele em que iniciamos psicologicamente o desmontar da “barraca” das férias, para o regresso, daqui a duas semanas, a um quotidiano mais organizado, antecedido de resmas de compromissos em agenda. Já há muito abandonei a ilusão de que o início de janeiro representa o “agora é que é” das coisas para fazer. Esse é um mero mito do calendário! Setembro é que é: aquele almoço atrasado com um amigo, aquilo que ando há tempos para encomendar, aquela pessoa a quem tenho de lembrar aquilo a que se comprometeu, a visita que tardo em cumprir. A minha lista de “coisas para fazer” está já bem cheia, com a preguiça destas noites de verão a estimular ideias em torno daquilo que, no fim de contas, sei que acabarei por nunca cumprir em absoluto. Até porque depois vem a chuva, porque “afinal não deu, fica para depois”. Ou porque, caramba!, não me apeteceu, não estive para ali virado, até porque a minha autocomplacência tem vindo a disparar. Mas nem imaginam quanto me contenta a simples ideia de que, lá no fundo, tentei! E tudo tem de ser rápido, porque o Natal está a ir a chegar! 

Rio abaixo

No futebol, recordo-me de querer que a minha equipa perdesse, para ver se me via livre do treinador. Entre os ditos e as entrelinhas, sente-se agora que muitos “companheiros” de Rio fazem figas para ver este PSD derrotado nas autárquicas, pela margem necessária para que ele saia.

Vacinas


O triste incidente que envolveu o vice-almirante encarregado da operação logística das vacinas e o bando de negacionistas e anti-vacinas, em cuja montagem alguma comunicação social conservadora teve forte responsabilidade, acaba por ter um saldo muito positivo. E mais não digo.

Avante, Amareleja!


Espero que a Amareleja, na “etapa“ de amanhã, possa recuperar a camisola “amarel(ej)a” das temperaturas, que tem vindo a consagrar internacionalmente a localidade nos anos passados.

sábado, agosto 14, 2021

O primeiro




Lembro-me bem. Era outubro de 1987. Eu tinha ido ocupar um pequeno gabinete individual no terceiro andar do Palácio das Necessidades, situado no cruzamento de dois grandes corredores, dispondo de uma janela para o claustro. Aquele iria ser o meu pouso, por quase três anos.

Verdade seja que esse chamado “terceiro andar”, onde também fica o gabinete do ministro, é, na realidade, o primeiro andar, para quem entra pelo Largo do Rilvas. Sobre ele existe um “quarto andar”, onde se gere financeira e patrimonialmente o ministério. No MNE, os andares contam-se a partir de mais abaixo, ligados por elevadores, que ainda conheci à moda antiga…

Um dia, uma jovem diplomata coincidiu num desses elevadores com um certo ministro. Este, galifão conhecido, perguntou-lhe para que andar ela ia: “Para o quarto”, respondeu ela. Com um sorriso amalandrado, o governante inquiriu, fazendo corar a jovem: “Já? A esta hora?” O ministro terá saído no terceiro andar, em frente ao gabinete que eu ocupava. E ela lá seguiu, para o “quarto”… andar.

Quando aquele invejável espaço me foi atribuído (eu tinha condicionado a aceitação de um determinado convite a poder dispor de gabinete individual), encontrei-o pobremente equipado. Andei assim uns dias a coletar peças, com a cumplicidade de um secretário-geral adjunto que fez o favor de me ajudar: sacou um sofá à Inspeção, um armário que estava junto ao Pacto, duas cadeiras da EOI, tudo sempre “bifado”, sob a sua bênção oficial, nas discretas horas do almoço. Escolhidas as peças, de seguida pedia-se ao Montez, o carregador oficial da casa, para as encaminhar para a minha sala. E assim montei, em poucos dias, um gabinete razoavelmente ”asseado”, ainda alindado com uns quadros tirados não sei bem de onde…

No primeiro dia em que cheguei ao gabinete, notei que havia por lá um caixote, num canto, por abrir. Era um computador, um ”286”, não sei se Olivetti, novinho em folha, parecido com o que a imagem mostra. 

Totalmente analfabeto na matéria, coloquei aquilo numa mesa e fui procurar o meu colega Rui Felix Alves, que me constava que sabia da poda. Foi ele quem me deu as primeiras ”luzes” sobre o funcionamento e utilidade daquilo (depois, até hoje, aprendi sempre e só por mim, o que é uma imensa asneira, desde já aviso) e me ajudou a funcionar com a maquineta. Ela acabou por ser a ser primeira das muitas dezenas e diferentes tipos, ao longo destes trinta e tal anos em que passei a ficar totalmente dependente destas tralhas informáticas. Até vir a acabar neste iPad em que agora escrevo, aqui na praia. E só até ao próximo, claro.

Afeganistão


Uma América humilhada não é uma boa notícia para Joe Biden. Mas só não viu o que ia acontecer quem não quis ver. Não foi por falta de aviso dos aliados que esta “exit strategy” falhou por completo.

O concerto da Júlia

Foi assim, depois do almoço de hoje. A pianista, com menos de 10 anos, chama-se Júlia.