Chama-se diplomacia à técnica (chamar-lhe arte é pedante) de interlocução que os Estados usam para tentar compor situações internacionais de rutura que se situam para além (ou aquém) dos conflitos militares. Quando as coisas são o que são, quando é em absoluto indispensável encontrar um modo de entendimento entre contrários, que tente resgatar um mínimo de paz, para salvaguar o que for possível, no presente ou no futuro, entram em cena os diplomatas.
No Afeganistão, o mundo ocidental, convencido da valia do seu modelo, procurou, ao longo de duas décadas, apoiar quantos ali afirmavam partilhar essas ideias. Falhou. Forças apoiadas em outras ideias (boas ou más, isso não é relevante agora) acabam de suplantar, no plano militar, os defensores do modelo democrático liberal - por muitas leituras explicativas (históricas, sociológicas e outras) que alguns sobre isso venham agora a fazer, em torno das razões por que isso sucedeu.
É que o mundo, onde não há becos, não acabou ali! O dia de amanhã é que vai ser diferente. Agora, com todo o sentido de compromisso possível, vai ser necessário dialogar com quem passa a mandar no Afeganistão, sendo em absoluto indiferente a opinião que se possa ter sobre os novos ocupantes do poder. Chama-se a isso realismo e pragmatismo, que sempre foi a chave para enfrentar situações desta natureza. A vida das pessoas está para além das ideologias. Regressou a hora da diplomacia.
8 comentários:
Mas afinal não foram os afegãos invadidos pelo exército americano, inglês e até portugueses e espanhóis lá estiveram, a fazer o quê? A comer só o rancho? ou a ganhar um pré melhorado' Isto não passa de mais uma guerra colonial. deixem lá o Afeganistão em paz que é um lindo país de gente amável, é a impressão com que fiquei quando por lá passei há exactamente 45 anos, eles guiam-se por leis e regras deles e não entendem os gringos.
“ A vida das pessoas está para além das ideologias. Regressou a hora da diplomacia.” Escreve o Senhor Embaixador!
Ah as ideologias!
A ordem executiva do Presidente Harry Truman estabelecendo um programa para verificar a lealdade dos funcionários públicos federais, o recomeço das actividades anti-comunistas do infame Comité de Actividades de McCarthy, que, apesar de "não ter inventado" a "caça às bruxas", certamente a exacerbou, encorajou um clima de denúncia e suspeita; desenvolveu-se em todos os domínios, especialmente nos círculos intelectuais e no ensino superior. O medo de uma subversão comunista generalizada foi mesmo utilizada pelos republicanos.
Parece-me que era uma guerra ideológica.
N década de 1950 foi um período de forte repressão nos campus, e o activismo que pode ter existido lá se destinava simplesmente a restaurar a liberdade de expressão.
Para alguns deles, a obsessão anti-comunista tinha desviado os Estados Unidos dos problemas internos, e a sociedade americana estava a revelar-se incapaz de ascender aos valores democráticos que proclamava.
Se houvesse um confronto ideológico mais vivo, talvez os EUA não tivessem caído nas guerras incessantes, injustas e ilegais, teriam constatado os guetos, as desigualdades económicas, o desemprego entre os jovens negros e hispânicos, a criminalidade e a droga nos centros das grandes cidades e o alcoolismo nas reservas indianas, a má qualidade da educação oferecida aos mais pobres.
Mas é verdade que o Patriotic Act de Bush em 2001 cortou as asas ao debate ideológico.
E não é a diplomacia que vai eliminar o problema que salta aos olhos do mundo: que o sistema económico e a maneira como os americanos querem impor este sistema e os supostos valores que o caracterizaria, não é aceite.
Depois de 20 anos de uma invasão precipitada e insensata, e de centenas de milhares de mortos, chegamos a isto.
Pessoas indefesas são deixadas à sua sorte e o ‘Ocidente democrático’ foge, abandonado-as e traindo-as.
O seu colega, Sir Nick Kay, antigo Embaixador Britânico no Afeganistão, disse ontem que baixava a cabeça com vergonha por esta decisão. Quem apoiou a invasão do Afeganistão, e muitos nós no ‘Ocidente Democrático, devemos fazer o mesmo.
o mundo viveu/vive de ciclos
a democracia que conhecemos será um dos melhores,
não será a civilização perfeita, mas realmente não encontraremos em épocas passadas ou até recentes algo que tenha sido melhor
Temo bem, Sr. Embaixador, que como no caso do Iraque, os EUA tenham que voltar a intervir no Afeganistão, quando os talibãs começarem a albergar de novo organizações terroristas, já que ninguém sério acredita que eles irão cumprir a promessa de não interferir nos assuntos de outros Estados.
Enfim, cabe agora à diplomacia tentar evitar esse desfecho.
Infelizmente, as grandes potências (convém lembrar que a grande confusão afegã começou quando o Afeganistão foi invadido pelo exército soviético, presumo que depois de aguerreiro lá ter estado, por razões, pois claro, ideológicas, mas essa guerra o Joaquim de Freitas esquece convenientemente, afinal a derrocada da URSS também passou por aí) quando se metem em aventuras desta natureza, raramente se lembram de que a contingência destrói todos os planos e boas intenções.
Isto dito, é absolutamente chocante como um exército regular de 300.000 soldados, depois de muito investimento e treino pela NATO, desiste simplesmente de lutar contra uma força não-regular bem menor. Se isto aconteceu de forma tão rápida, os EUA e os aliados certamente que já sabiam há muito que no dia em que retirassem, a queda de Cabul estaria por uma questão de dias...
P.S. E para quem critica as monarquias, cabe lembrar que o Afeganistão era uma monarquia constitucional estável, até ao golpe conduzido pelo então PM, que se instalou no poder como Presidente de um regime de partido único.
Isto até ser deposto e morto num golpe conduzido pelos comunistas. Foram as políticas prosseguidas por estes, que levaram a resistência popular, mais as divisões no seio do próprio Partido no poder, que acabaram por ditar o desfecho da invasão soviética, baseada na doutrina Brezhnev, um exemplo de como o imperialismo soviético copiava a doutrina Monroe americana...
A ideologia normalmente leva ao desastre... Dos dois lados da cortina de ferro...
Se fizermos a lista dos golpes de estado, invasões, guerras, embargos e assassinatos à distância, por “drones” inteligentes, pensados, organizados e executados por democracias actuais?
Estou de acordo que o período 1990-2015 foi facilmente o quarto de século mais democrático da história mundial – em parte porque as potências ocidentais apoiaram a democracia.
Mas retrocessos também houveram: Hungria, Polónia,Turquia, Colômbia, Sri Lanka ,Tailândia, ou mesmo Tunísia – países que se tornaram mais democráticos ao longo da última década.
Há uma percepção crescente de que a democracia está recuando em todo o mundo.
Talvez desde a ascensão de Trump , que representou um desafio para a democracia global
A administração de Trump foi a menos pró-democrática desde a de Nixon. Além disso, os Estados Unidos não são mais um modelo de democracia. Um país cujo presidente atacou a imprensa, ameaçou pôr a sua rival na cadeia e declarou que pode não aceitar o resultado da eleição não pode defender a democracia de maneira crível. Autocratas estabelecidos e autocratas em potencial foram provavelmente encorajados com Trump na Casa Branca. Bolsonaro já ameaçou de o copiar… Mas este é um primata !
O Joaquim de Freitas tem razão. Esquece-se é de exemplos como a Venezuela, Hong Kong, Nicarágua ou a própria Rússia que se já deixava muito a desejar nos tempos de Yeltsin, hoje com Putin desceu verdadeiramente na escala...
Mas os EUA nunca foram um modelo de democracia para ninguém. Tanto assim é que não instalaram regimes presidencialistas em países como a Alemanha ou o Japão (o presidencialismo na América Latina é bem mais antigo)...
O modelo presidencialista, com eleição indireta e eleição da câmara baixa em sistema de círculos maioritários sujeitos a gerrymandering (praticado por ambos os Partidos, mas que favorece claramente os Republicanos e prejudica a representação das minorias) e uma câmara alta em que o peso dos Estados mais pequenos e conservadores impede claramente reformas de cariz popular a nível federal não pode ser considerado exemplo para ninguém.
Do Senhor Jaime Santos ; « (convém lembrar que a grande confusão afegã começou quando o Afeganistão foi invadido pelo exército soviético,), o que é verdade. Foi um erro. Os russos hoje chamam-lhe a “sindroma do Vietname”. Pagaram-no, tanto mais que as reformas que o governo da coligação de esquerda, queria implementar não vingou. Foi um fracasso, sobretudo por causa da reforma agrária.
Os soviéticos também reprimiram brutalmente o tráfico de narcóticos, impedindo o surgimento de uma classe corrupta de policiais e funcionários.
Falhou, no entanto. O governo Najibullah entrou em colapso em 1992 e, em 1996, o líder pró soviético foi capturado e executado por uma nova força emergente no Afeganistão, o Talibã. O seu corpo foi pendurado em um poste em Cabul.
Mas como teria evoluído se os americanos não tinham criado os “moudjahidine” ? Sem as armas e os dólares americanos?
Mas espero que ninguém vai agora dizer que a “débacle” americana é a culpa da derrota soviética…vinte anos antes!
Não. Bastava ouvir Joe Biden ontem para compreender onde está o problema dos EUA. No interior como no exterior.
Sem esquecer, que o senador Biden apoiou e votou a favor da guerra em 2001.
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