De amanhã a um ano, em 7 de setembro de 2022, passarão 200 anos desde que, como reza a História, o príncipe dom Pedro terá dado o chamado “grito do Ipiranga”, a proclamação da vontade de independência da colónia do Brasil, território que o pai, o rei dom João VI, tinha deixado ao seu cuidado depois de regressar definitivamente a Portugal.
O “sete de setembro” é a data que o Brasil comemora como sendo o início da auto-determinação do seu futuro, libertando-se da tutela do poder de Lisboa. É, por ali, um dia que simboliza a unidade nacional, num país que é cioso da sua identidade própria e dos valores daquilo a que chama a “brasilidade”.
Porém, como acontece um pouco por todo o mundo com datas congéneres, este dia foi-se transformando, para a maioria dos cidadãos, num mero feriado, sem particular apelo popular, salvo um ritual desfile, quase sempre com escassa mobilização, que ocorre em Brasília, na presença do presidente.
Este ano de 2021, as coisas poderão ser diferentes.
O Brasil tem atravessado tempos de forte tensão política, que não será ousado dizer que tem como principal fautor um presidente da República que teima em identificar a sua sobrevivência no poder com um desígnio de interesse nacional, tendo vindo a gerar uma crescente tensão com outros órgãos de poder, nomeadamente com a área judicial, que está a colocar um sério desgaste à imagem do país pelo mundo.
Eleito num processo de polarização político-ideológica que ele próprio fez questão de nunca deixar atenuar, praticamente desde o dia do sufrágio, Jair Bolsonaro recheou o seu governo e a estrutura administrativa de topo de figuras militares, a maioria delas claramente saudosa do tempo da ditadura que as forças armadas protagonizaram entre 1964 e 1985. Com este presidente, os militares tornaram-se assim claros usufrutuários de interesses materiais, constituindo hoje um forte lóbi que se sente protegido pela continuidade do Bolsonaro. Este revela uma flagrante impreparação para o cargo que exerce, o que terá já sido constatado por muitos que nele votaram e que, entretanto, com ele se desiludiram. Nos dias de hoje, Bolsonaro é visto como uma figura caricata, aos olhos dos seus pares internacionais, o que não deixa de afetar a imagem do país a que preside.
As recentes decisões do Supremo Tribunal Federal de isentar, por falta de provas e por parcialidade nos processos de que foi alvo, o antigo presidente Lula das acusações que o impediram de disputar as eleições presidenciais de 2018, com evidenciação do artificialismo de muitas das acusações cumulativas que sobre ele impenderam, faz com que ele se torne hoje numa ameaça à recondução do atual presidente, no sufrágio de 2022.
Embora distante do quase unanimismo de apreço popular com que abandonou o poder em 2011, Lula, ao que revelam todas sondagens, pode vir a funcionar como um fator polarizador ganhador contra Bolsonaro. O mal-estar público contra este, expresso em manifestações um pouco por todo o Brasil, muito focadas na gestão caótica da pandemia que o seu governo titulou, aponta no mesmo sentido. A rejeição a Bolsonaro só não será maior porquanto muitos que lhe deram o seu voto em 2018 continuam a não se rever no antigo presidente e prefeririam uma “terceira via”, a qual, no entanto, parece não ter condições de se materializar.
O presidente não se dá, contudo, por vencido. Amanhã, 7 de setembro, pretende suscitar uma forte mobilização dos seus apoiantes, um pouco por todo o país. A escala desse movimento e, em especial, o modo como ele se processar, com a atenção concentrada na atitude das forças armadas e de outras estruturas de segurança, pode ajudar a perceber em que estado de normalidade se encontra, afinal, a democracia brasileira.
O 7 de setembro de 2021 pode, desta vez, não ser apenas uma data ritual.
1 comentário:
Num país imenso, parece tudo bastante complicado
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