sábado, junho 02, 2018

Os limites da criatividade


Ao final da noite de hoje, um amigo crédulo - e socialista, o que não é sinónimo - dizia-se esperançado em que Pedro Sánchez, o lider do PSOE feito presidente do governo espanhol pelo voto do Partido Nacionalista Basco, venha a conseguir negociar uma “fórmula” institucional que permita acomodar, ou protelar duradouramente, as tensões autonómicas mais radicais e o movimento independentista catalão.

Eu acredito muito nos socialistas, mas já passei a idade de poder vir a acreditar em milagres. E embora nas aulas que dou explique que, muitas vezes, a “ambiguidade construtiva” é uma fórmula de texto que permite leituras não unívocas, que servem para adiar conflitualidades, não me parece que, num domínio onde tudo já foi tentado, o nóvel primeiro-ministro possa vir a surpreender-nos. Embora fosse magnífico se isso pudesse acontecer!

E, a propósito, lembrei-me de uma historieta que mete a Espanha e um tema também “impossível”: Gibraltar.

Entre a Espanha e o Reino Unido renasce, a espaços, a polémica em torno da questão de Gibraltar, com ambos os países a insistirem nos seus direitos de soberania sobre o rochedo.

Este é um tema difícil para Londres, que não consegue fazer esquecer a solução que foi dada a Hong-Kong, face à China, e tem sempre presente a paralela questão das ilhas Falkland/Malvinas, com a Argentina. Mas a diplomacia espanhola tem igualmente que defrontar-se com o exemplo da sua presença em Ceuta e Melilla, contestada por Marrocos. E já nem trago aqui a questão de Olivença...

O que julgo não ser conhecido, mas que me parece suficientemente longínquo no tempo para o poder ser, é o interessante processo de mediação que Portugal procurou desenvolver, durante a sua presidência da instituições europeias em 1992, no sentido de se poder encontrar uma solução para a integração de Gibraltar no espaço de livre circulação no espaço europeu, com a possibilidade de utilização do respetivo aeroporto - construído numa zona de soberania contestada pela Espanha, o que constitui um outro problema, que é independente da própria questão central da soberania de Gibraltar.

As conversações tiveram como um interlocutor português, Paulino Pereira, um técnico que era o representante pessoal do então secretário de Estado dos Assuntos Europeus, e o embaixador britânico Jeremy Greenstock, ao tempo diretor-geral para a Europa. Estive presente nas reuniões que tiveram lugar em Londres, onde eu trabalhava na embaixada, sendo que outras decorreram em Madrid.

Infelizmente, e não obstante toda a criatividade, em matéria de soluções técnicas, demonstrada por Portugal, cuja mediação tinha a confiança política de ambas as partes, não foi possível obter-se um acordo. Lembro-me, em particular, que procurámos gizar um modelo de utilização dual do aeroporto, com acessos diferenciados e jurisdições complementares. Não guardei qualquer documento sobre esse processo negocial, que então foi rodeado de grande secretismo.

Uma noite, depois de um encontro num hotel londrino onde Paulino Pereira se esforçou em promover soluções técnicas, muito imaginativas, que Lisboa tinha gizado para tentar tornear o problema, saí para a rua com Greenstock, de quem me havia de tornar amigo e com quem vim a coincidir, uma década depois, como embaixador junto das Nações Unidas.

Dei-lhe boleia no meu carro até ao metro que ele ia apanhar para casa. Eu estava cada vez mais cético com o andamento das conversas e aproveitei para lhe perguntar se, com sinceridade, via que a nossa fórmula podia ter algumas “pernas para andar”. Esperei aquelas tiradas muito próprias da diplomacia britânica: que era “uma boa base de trabalho”, que tínhamos que aprofundar e precisar melhor alguns aspetos, que era importante perceber se os espanhóis podiam “evoluir” na sua posição e coisas assim.

Greenstock, visivelmente cansado, sem paciência para “understatements”, recostou-se no banco e disse-me: “Tu já deves ter percebido que estas conversas nunca poderão levar a nada. Isto não é uma questão técnica, é um problema político de fundo. Quando há soluções políticas, as fórmulas técnicas são fáceis de encontrar. O contrário nunca é verdade”.

Pedro Sánchez e o PSOE sabem isto muito bem. Pretendem ganhar tempo?

sexta-feira, junho 01, 2018

Cinco notas sobre a Espanha



1. O voto que afastou o PP do governo de Espanha foi mais do que merecido. Rajoy foi incapaz, no seu longo mandato, de travar a endémica corrupção que atravessava o seu partido, a vários níveis. Ele e o PP deram mostras de uma arrogância que cansou os espanhóis. É isso que faz com que a sua saída, substituído por um partido menos votado, seja aceite sem qualquer sobressalto no país.

2. O apoio heteróclito à moção de censura que derrubou Rajoy, permitindo a Pedro Sanchez subir a presidentre do governo, nada tem a ver com uma alternativa sob base programática coerente. Não se trata de uma Geringonça, é apenas uma expressão de descontentamento contra o PP e Rajoy.

3. Num parlamento espanhol com 350 lugares, o PSOE, cujo líder vai agora ser primeiro-mnistro, apenas tem 84 deputados. Este é talvez o governo potencialmente mais frágil da história democrática espanhola, desde que, em 1978, entrou em vigor a atual constituição.

4. Depois de Rajoy, em quem a direita espanhola sempre viu um "genérico" de Aznar, vai ser dificil ao PP reinventar-se. Se o Cuidadanos souber explorar em seu favor alguma debilidade do PSOE no poder, pode vir a ter a sua "chance" nacional. Mas será difícil: ainda há "duas Espanhas".

5. Tal como na questão catalã, o silêncio de Lisboa é a mais sensata postura a propósito da vida política espanhola. Tentar cavalgar cumplicidades políticas é um erro. As mais frutuosas relações democráticas bilaterais foram tituladas por Cavaco-Gonzalez e Guterres-Aznar.

A Europa de Bruxelas


Há a Europa e há a Europa de Bruxelas. Esta última é um corpo mais ou menos organizado que tem como cultura comum uma certa ideia evolutiva do projeto europeu. Essa cultura, decantada ao longo décadas, atravessa grande parte do funcionalismo da máquina europeia, a qual, sem o dizer, se considera ungida da missão de levar à prática uma espécie de desígnio “do bem”, cuja finalidade não é explicitada e que só é debatida na metodologia. Aliás, as mais das vezes, o objetivo final não é sequer referido, para evitar espantar a caça. De certo modo, esse projeto europeu funciona na lógica do socialismo reformista de Bernstein: “o movimento é tudo, o fim é nada”. Em português simplório é o “vamos andando e depois logo se vê”.

Há duas palavras-chave no glossário dessa ideologia. E há uma não-palavra que raramente é pronunciada. 

A primeira palavra é “ambição”. Na novilíngua da Rue de la Loi (rua de Bruxelas onde estão muitas das instituições), uma proposta tem mais ou menos “ambição” na razão direta da transferência de poderes que, através da sua eventual aprovação, se processa da esfera nacional para a máquina bruxelense. Dependendo do “l’air du temps”, os ventos estão mais ou menos favoráveis a esse desígnio centralista. Às vezes, o facto da opinião pública em alguns países estar “recuada” impede que a “ambição” possa colher apoio suficiente para conduzir as decisões a bom porto. Aumentar o número de decisões por maioria qualificada, evitando o irritante empecilho da unanimidade, é o caminho para que a “ambição” se concretize com mais facilidade.

Ligada à “ambição” surge a palavra “eficácia”, que designa o grau de operatividade que uma medida pode trazer à “ambição”. A eficácia é o conceito motor por detrás da propositura de muita da legislação ou regulamentação europeia. É “eficaz” aquilo que contorna os mecanismos que atrasam a implementação das medidas. Os parlamentos nacionais são vistos por essa cultura europeia como obstáculos irritantes à eficácia das medidas. E até o Parlamento Europeu, que no passado era um inóquo “compagnon de route” dos promotores da “ambição”, passou frequentemente a ser “parte do problema”, quando obteve mais poderes e responsabilidades.

O drama europeu é que os promotores das medidas com “eficácia”, que têm como finalidade dar corpo à “ambição’, fogem como o diabo da cruz da tal não-palavra incómoda, raramente pronunciada nesses meios, que é a “legitimidade”. Também por isso é que o Brexit aconteceu, que a recusa da “ambição” é cada vez maior, que a Itália reage como reage.

Por graça, há alguns anos, dizia-se que se a União Europeia pedisse adesão ... à União Europeia, receberia um rotundo não, porque o seu grau de democraticidade era insuficiente para ser aceite. Será verdade? 

quinta-feira, maio 31, 2018

Por esse Rio abaixo

O anúncio do afastamento de Santana Lopes do apoio ao líder partidário tinha prenunciado que algo começava a gerar-se contra Rui Rio, no seio de um PSD cujo grupo parlamentar já se percebeu que ele nunca vai conseguir controlar. Depois, reemergiu Passos Coelho, com “opinião” na folha informática que, depois de alguma hesitação editorial, é hoje uma espécie de “Povo Livre” do passismo. Abreu Amorim, com a habitual subtileza, deixou nas redes sociais uma nota clara do que aí vinha. Fechou o círculo Luís Montenegro, com o mais violento ataque ao líder desde o congresso. O pretexto imediato, frouxo, foi o voto sobre a eutanásia.

Rui Rio, nos seus 100 dias como presidente do PSD, parece estar já debaixo de fogo cruzado. Os motores podem estar a começar a aquecer para tentar criar uma onda de fundo para a sua substituição até ao fim do ano. A mensagem dos críticos, para dentro do partido, é simples: Rio “não vai lá!”, é uma muleta de António Costa, não tem estratégia, o grupo parlamentar é vítima dessa desorientação. Com ele, a derrota em 2019, além de certa, será estrondosa, dizem. O “pote” fica mais longe, para citar um conhecido “clássico”.

A rotura, como é óbvio, terá de de se produzir antes das eleições europeias e legislativas de 2019. Porquê? Porque, sendo óbvio que o PSD vai perder ambos os sufrágios, se acaso Rio sobrevivesse politicamente até lá, as listas para Estrasburgo e para Assembleia da República seriam feitas por ele. Isso significaria que os seus adversários perderiam, com toda a certeza, o acesso ou a manutenção nesses palcos políticos e que, mesmo que Rio viesse a ser substituído no pós-eleições, quem lhe sucedesse viria a ficar com grupos parlamentares hostis... como hoje acontece ao próprio Rio.

É assim importante, para os “passistas”, conseguir remover Rio nos próximos meses. O grupo parlamentar é a sede central da manobra, alguma imprensa está a pôr-se a jeito e a fazer o frete. 

Para seguir as cenas dos próximos episódios é preciso estar atento a outros atores que devem estar prestes a assomar à boca de cena. Nada garante que a “peça” seja um sucesso, mas o “script” parece já estar escrito.

quarta-feira, maio 30, 2018

Cavaco “vermelho”?

Ao recomendar aos portugueses, na sua “alocução ao país”, que nas próximas eleições não escolhessem partidos que tivessem defendido a eutanásia, o professor Cavaco Silva deu uma clara recomendação de voto: é preferível votar PCP do que PS. Ele há cada surpresa! 

Os da estrada de Damasco

As prioridades mediáticas, entre a Coreia e a Itália, fizeram esquecer que, nas últimas semanas, Assad reforçou o seu poder na Síria, que os russos estão a tentar um “modus vivendi” dele com Israel e que a Jordânia já quer reabrir a fronteira. 

Até Trump parece ter desistido do “regime change” em Damasco, que, a bem dizer, nunca foi um verdadeiro objetivo central de muitos poderes ocidentais. A começar por Israel, que conseguiu coexistir com o Assad pai e a quem uma vizinhança de regimes autoritários, mas estáveis, sempre conveio.

Se o Irão conseguir equilibrar as ambições que projeta através do Hezzbolah, se a Turquia se sentir confortada e aceite na zona síria que hoje controla e se se souber conter perante os aliados curdos dos EUA, o futuro imediato de Assad poderá vir a ser menos turbulento. Mas os “se”, no Médio Oriente, são como o “diabo” nos pormenores.

Por cá, a vitória de Assad é um regalo para os anti-americanos da paróquia, os mesmos que o apoiam como antes apoiavam Milosevic. Eles estarão sempre ao lado de qualquer regime que desafie Washington, do de Putin ao norte-coreano ou dos clérigos iranianos. E com Trump a fazer piorar ao limite a imagem americana, o seu ódio à América (onde, aliás, adoram passar férias) sente-se hoje confortado. 

Esses viúvos não assumidos da União Soviética, com um ”penchant” nostálgico para ditadores ou para autoritarismos, desde que anti-ocidentais, são uma raça velha em extinção. Uma espécie de lince da Malcata, só que sem futuro. Ah! E acham-se de esquerda, o que é o cúmulo das ironias.

terça-feira, maio 29, 2018

Ainda pensar

No último post, falei por aqui da palavra “penso”, numa perspetiva um tanto bizarra. Mas há mais vida para o conceito, como verão. Deixo uma história verdadeira, passada num Centro de Saúde, contada por quem assistiu à cena.

A telefonista do Centro atendeu uma chamada de uma senhora. Parecia aflita. Queria falar com o seu marido, que tinha ido lá a uma consulta. Explicaram-lhe que era difícil chamá-lo ao telefone. “Por que lhe não liga pelo telemóvel?”, foi-lhe perguntado. “Nós não temos dessas coisas”, explicou a senhora, que era claramente de alguma aldeia das redondezas. Foi decidido ligar para um telefone fixo perto do balcão e chamar o marido da senhora. E assim foi feito.

O telefone, contudo, ficava ainda a uns metros do balcão. Do outro lado da linha, a senhora explicou que, na verdade, não precisava de ser ela a falar com o marido, queria apenas fazer-lhe uma pergunta. “Até pode ser a senhora a perguntar-lhe. Eu só queria saber se ele pensou ou não”. A funcionária do Centro estava perplexa: “Se pensou ou não?”. “Sim, pergunte-lhe só isso”. 

A conversa, entretanto, “socializou-se” aos utentes à espera. Um tanto atrapalhada, perante o olhar da sala, a funcionária, de dentro do balcão, perguntou, alto, ao senhor, um homem de aldeia, já idoso, muito simples de modos: “A sua senhora pergunta se já pensou”. O homem foi rápido: “Diga-lhe que sim, que já pensei”. A resposta foi transmitida de volta, mas a maioria das pessoas ficou intrigada, alguns sorrindo.

O homem foi sentar-se no lugar, à espera da consulta. E comentou, também alto: “Atão eu ia lá sair de casa sem pensar o gado!”. 

É que, nas aldeias, “pensar” significa dar comida, o penso, ao gado. A língua portuguesa, além de traiçoeira, é muito rica.

Tertúlia

Ontem, regressei a uma tertúlia jantante de amigos, de que tinha “desertado” nos últimos meses, por razões que foram sempre diversas, a cada semana. Foi muito agradável o reencontro com amigos (há quase sempre mais mulheres do que homens). E ontem até tivemos direito a caras novas à mesa.

Uma das novas convidadas, brasileira, contou uma história divertida, ocorrida na sua família. Tinham contratado uma empregada doméstica para algumas horas de limpeza. Quando chegou a hora de discutir preço, a empregada perguntou se a patroa ia definir qual o trabalho a fazer ou se seria ela a ter de tomar essa iniciativa. E, antes que a empregadora pudesse esclarecer, esclareceu ela: ”É que eu tenho um preço “com penso” e outro “sem penso” “. O que é que isso significava? Muito simples: se tivesse de ser a empregada a decidir o que fazer, era um preço, se fosse a patroa era outro. Se tivesse de “pensar”, cobrava mais...

Adoro estas tertúlias em que, por umas horas, também “penso” noutras coisas.

segunda-feira, maio 28, 2018

O congresso e a geringonça

O Partido Socialista realizou o seu Congresso num ambiente que se pré-anunciava algo turbulento. 

À súbita reemergência do caso Sócrates, estranhamente potenciado pelo caso Pinho, somaram-se as trapalhadas de incompatibilidades de dois governantes. Alguma direita cavalgou a onda. Melhor do que todos, António Costa manteve-se impassível, não deixando poluir o Congresso. Com maestria, concentrou a reunião no futuro e ganhou a parada. Verdade seja que algumas “bombas” não rebentaram na Batalha porque se aproxima o desenho das listas para 2019, europeias e não só...

O Congresso fez o elogio da Geringonça. Com razão. Contra o parecer de muitos, a opção de apoiar o governo à esquerda provou ser correta. Ela só foi possível porque BE e PCP, depois do trauma da governação da direita, teriam grande dificuldade em fazer perceber ao seu eleitorado se se recusassem a favorecer uma solução governativa que lhe permitiria partilhar os louros da recuperação de alguns rendimentos. Depois disso, com a economia a correr bem, ficou feita a quadratura do círculo: respeitaram-se os compromissos com a Europa e retificaram-se algumas injustiças. O país gostou, não achou nada demais e vive confortável com a solução.

Mas a Geringonça teve outro efeito - e este Congresso mostrou-o bem: sublinhou, no seio do PS, a expressão política de quantos entendem que o futuro da governação socialista deve projetar, precisamente, o modelo de ação política dessa mesma Geringonça. Na leitura de alguns, esse será o “segredo” para a maioria absoluta, isto é, colocar o PS declaradamente à esquerda, reforçando, dentro do partido, a ala que considera ser esse o seu destino natural, por forma a não perder votos para a “esquerda da esquerda”. 

Uma coisa é hoje muito clara: aqueles que, num passado não muito distante, viam a “ala esquerda” do PS como um bando de lunáticos irrealistas, tiveram de meter a viola no saco. Essa ala está hoje reforçada pelo teste da realidade. 

A continuidade da sua prevalência no eixo da decisão socialista tem, contudo, dois potenciais problemas. Desde logo, a hipótese de um afastamento de um ou dos dois “compagnons de route” que sustentam o modelo, por opção estratégica ou qualquer outro fator conjuntural. O segundo problema prende-se com a hipótese de uma desregulação económico-financeira externa poder vir a provocar uma tensão entre o cumprimento das regras europeias e algumas das atuais políticas públicas mais identitárias para essa linha. Nos dois casos, a “ala esquerda” socialista poderia vir a confrontar-se com a (re)emergência de uma linha mais centrista, dita “realista”, os profetas do “eu bem dizia”.

O PS vive hoje muito confortável com a Geringonça, a qual já não assusta ninguém, como aconteceu em 2015. Porém, há algo indesmentível: António Costa continua a personificar, aos olhos de muito eleitorado, o fiel da balança que permite aos socialistas um crédito público de confiança. Isto é, continua a ser indispensável.

domingo, maio 27, 2018

Eutanásia

Não tenho ainda uma opinião formada sobre a legalização da eutanásia. 

Por ser uma questão de grande sensibilidade, bastante divisiva na sociedade portuguesa, e pelo facto de não vislumbrar nenhuma urgência especial na tomada de uma decisão, preferiria que o assunto fosse mais maturado.

Porém, reconheço plena legitimidade a que os deputados a esta legislatura da Assembleia da República, se assim o entenderem, legislem sobre o assunto.

sábado, maio 26, 2018

Do ramo


Chama-se Benjamin Brafman. Esteve ao lado de Dominique Strauss-Kahn. Agora está com Harvey Weinstein. O “ramo” é o mesmo.

sexta-feira, maio 25, 2018

São todos iguais ?



O tema da distância entre a “classe política” e os cidadãos é eterno e universal, mas o modo como tem vindo a evoluir na sociedade portuguesa contemporânea começa a não ser democraticamente saudável.

Às vezes, pergunto-me se os responsáveis eleitos, que hoje titulam cargos públicos, têm real consciência do risco que o alastrar deste sentimento faz correr às instituições, de como subliminarmente isso as deslegitima aos olhos do cidadão comum.

A História, mesmo entre nós, dá-nos exemplos de tempos políticos que se degradaram, nalguns casos até à rotura, por virtude da vida cívica ter passado a deixar de estar em sintonia com o sentir dos eleitores, sendo a abstenção o sintoma mais evidente desse estado de coisas. 

O alheamento da vida cívica, longe de ser uma espécie de mandato de confiança nos titulares saídos do sufrágio, é um atestado de desinteresse, que em versão benévola configura indiferença e, num registo menos agradável, traduz uma surda indignação. 

Se olharmos para o Brasil, vemos aquele que, nos dias de hoje, é talvez o caso mais óbvio de uma sociedade política onde, pelo facto dos vícios terem passado a ser a regra, se instalou uma desesperança que traz riscos imensos à democracia. Ora esse é precisamente o pasto ideal para o surgimento dos “salvadores”, de regeneradores da ordem decadente, dos modelos autoritários que estão sempre à espreita.

Entre nós, alguma comunicação social cavalga com gosto a onda de descrédito sobre os agentes públicos, metendo no mesmo saco flagrantes atos de corrupção com suspeitas levianas ou questões de gravidade muito inferior, ciente de que a ideia de que “são todos iguais” é muito popular e cai garantidamente no goto do preconceito estabelecido. 

A luta interpartidária, ao dar eco fácil a esse sentimento, que sabe popular, potencia os episódios e contribui para os tratar por igual, não cuidado de os graduar na sua importância objetiva. O resultado é um ambiente instalado de desconfiança em torno dos agentes políticos, da sua honorabilidade, quase que dando por adquirido que, entre eles, o surgimento da menor oportunidade será aproveitado para o usufruto de vantagens materiais ilegítimas, dando razão ao dito de que “a ocasião faz o ladrão”. 

Ora a honestidade e a seriedade continuam a ser valores que muita gente mantém como sentido orientador na sua vida, na política ou fora dela. Essa, porém, não é uma verdade aceite com facilidade pela opinião pública. Daí que só a plena transparência, de quem nada teme porque nada deve, possa ajudar a estancar a perigosa onda demagógica do “são todos iguais”, a qual, quase tanto como a real corrupção, põe em causa a democracia e fragiliza a legitimidade do sistema político.

quinta-feira, maio 24, 2018

Beira Interior



Tive uma bela jornada, ontem e hoje, na Universidade da Beira Interior, na Covilhã, onde fui falar a convite do professor Samuel Paiva Pires, da respetiva Faculdade de Ciências Sociais e Humanas.

No primeiro dia, integrei um painel onde se trocaram experiências sobre o destino profissional possível para os detentores de um curso de Relações Internacionais. No segundo dia, dei uma aula aberta sobre “O papel de Portugal em Organizações Internacionais”.

Vou tendo a sensação de que Donald Trump, com a sua imprevisibilidade, terá o involuntário mérito de estar a contribuir para que as pessoas estejam cada vez mais conscientes de que aquilo que se passa no mundo global condiciona a nossa vida coletiva como Estado, pelo que a atenção à política internacional, bem como à “coreografia” diplomática à sua volta, é apenas uma exigência de bom senso cívico. Por essa razão, dou sempre por muito bem empregue o tempo que passo a transmitir a minha perspetiva sobre o modo como as instituições e os Estados funcionam e fazem evoluir certos equilíbrios.

Letrados

Depois de bastantes horas, ao volante de um automóvel, a ouvir música portuguesa contemporânea, quero apresentar um sincero pedido de desculpas aos intérpretes do “nacional-cançonetismo” dos tempos “da outra senhora”. 

Andei anos a zurzi-los, por darem voz a letras de uma pobreza indigente. Agora, ao ouvir com alguma atenção alguns nomes por aí renomados, dou-me conta de que o nível poético daquilo que é cantado é, frequentemente, inferior ao dos tempos que então desprezávamos, mesmo com alguma arrogância.

Assim, “Nóbrega e Sousa/Jerónimo Bragança”, as minhas desculpas!

O “reviralho”

Há qualquer coisa de comum entre os termos “reviralho” e “geringonça”. Ambos são expressões depreciativas crismadas pelos opositores situados mais à direita.

Os “reviralhistas” ou “os do reviralho” foram historicamente os opositores democráticos ao golpe militar autoritário de 28 de maio de 1926, que instituiu a Ditadura Militar (1926-1933), a que se sucederia a ditadura civil que se auto-intitulou de Estado Novo (1933-1974). 

Os adeptos da “situação” (nome comummente dado ao regime ditatorial, mesmo pelos seus apoiantes, para contrastar com “oposição”), chamavam “reviralhistas” aos republicanos, que tinham como programa da sua acção de resistência (política e revolucionária, em inúmeras intentonas) regressar ao regime da I República (1910-1926). Também no seio da oposição à ditadura, onde passaram a florescer tendências mais ideológicas (anarquistas, comunistas, socialistas) o nome de “reviralhista” era dado, também depreciativamente, a esses “democráticos” ou “republicanos”.

Havia gente “do reviralho” um pouco por todo o país, embora, com o avançar dos anos, eles constituíssem cada vez mais uma minoria no seio das estruturas que, aquando dos atos eleitorais permitidos pela ditadura, se organizavam de forma unitária para ações de oposição.

Por altura das “eleições” legislativas para a Assembleia Nacional, em 1969, em Vila Real, percebi um dia o que era o “reviralhismo”, na sua forma mais caricatural. 

Tinha calhado à conversa, na sede da Comissão Democrática Eleitoral (CDE), com um velho democrata local. Era uma figura pouco prestigiada, às vezes mesmo objeto de algum gozo por parte de quem tinha com ele mais confiança. Porém, com os meus vinte e poucos anos, eu mantinha naturalmente uma atitude respeitosa perante alguém que era mais velho do que o meu pai. 

Procurava eu demonstrar-lhe, com argumentário da época, que era necessário assumirmos uma postura anti-colonial no discurso oposicionista da nossa candidatura local. O tema era polémico entre os oposicionistas do distrito e eu fazia parte da ala mais radical. O meu interlocutor, contudo, era da “velha guarda” republicana, defendia o “colonialismo” de Norton de Matos e, para ele, a preservação do “império” era ainda sagrada: “foi para defender as colónias que a República quis que entrássemos na Grande Guerra”, proclamava (e era verdade). E, claro, tinha expressões como “os pretos não sabem governar-se” e coisas assim.

A certo ponto, com grande respeito mútuo, “acordámos em discordar” no tema, como se diz na gíria das negociações internacionais. Foi então que o homem, para selar um terreno comum de entendimento, me disse esta frase que nunca mais esqueci: “Há uma coisa em que concordamos, não é? É preciso tirar esta gajada do poleiro. Já é tempo de irmos nós para lá. Não acha, ó Costa?”

Até hoje, interrogo-me sobre qual terá sido a minha resposta. Mas, naquele instante, fixei para sempre o sentido concreto do “reviralhismo”.

quarta-feira, maio 23, 2018

Honestidade

Acho, com toda a franqueza, que a questão da notificação atrasada do primeiro-ministro ao Tribunal Constitucional, por uma pequena aquisição imobiliária, é um “fait-divers” burocrático, de quase nula importância.

Já o “lapso” do ministro Siza Vieira é talvez um pouco mais grave, mas, ainda assim, é também uma “technicality” formal.

Dito isto, o PS e o governo - que, note-se, apoio e defendo - deveriam coibir-se de atacar a oposição por estar a explorar politicamente estes casos. 

Porquê? Porque ninguém tem a mais leve dúvida de que, fosse a atual oposição governo e estivesse o PS a lutar pelo poder, o PS estaria a fazer uma enorme “barulheira” política sobre o assunto. Com o PCP e o BE por arrasto.

Sejamos honestos, pois...

Wall Street

Pela primeira vez, uma mulher assume a função de líder da poderosa Bolsa de Nova Iorque. 

Ao ler a notícia, não pude deixar de ter um pensamento para Benjamin Mendez Seixas, filho de um português ido de Lisboa, fundador daquela ”catedral” financeira. 

Infelizmente, os factos provam que os genes de genialidade naquele domínio não se adquirem por via familiar.

terça-feira, maio 22, 2018

Pomar


Morreu Júlio Pomar. Tinha 92 anos. Conheci-o tarde na vida, em S. Paulo, um pouco antes de ter trabalhado, com sucesso, para a recuperação de um seu painel de azulejos que está hoje numa parede da biblioteca de Brasília, graças ao entusiasmo de Silvestre Gorgulho, então secretário da Cultura.

Em Paris, numa noite do ano estranho que foi 2011, jantei com Pomar e a sua mulher, numa galeria onde era feita a apresentação, para venda a investidores, de várias obras de pintura portuguesa, do espólio de Jorge de Brito. 

A mim, o momento entristeceu-me bastante. Ver fantásticos óleos de vários e renomados autores portugueses prestes a serem passados a patacos, para as mãos de estrangeiros, colocou-me a interrogação sobre o que estava por ali a fazer o embaixador de Portugal. 

Disse-o a Júlio Pomar, que me respondeu, com aquele seu amplo sorriso: “Deixe lá! Faça como eu. Aquilo que está ali a ser vendido já não tem nada a ver comigo. É do mercado!”. Como o país.

Encontrei-o, uma última vez, a jantar com Carlos do Carmo, seu grande amigo. Despedimo-nos sem saber que era para sempre.

(*) Reproduzo um quadro de Pomar que estava à venda na galeria, que faz parte do meu “top” de pintura portuguesa. É o “Mai 68 (CRS-SS II)”. Nem arruinando-me alguma vez o conseguiria comprar...

Do Porto? (2)

A propósito da referência que aqui fiz a Carvalho Araújo como “vila-realense”, alguém fez notar que ele nasceu no Porto.

É verdade. Os seu pais viviam em Vila Real. De visita casual ao Porto, a mãe teve a criança, regressando depois à cidade onde residia e onde Carvalho Araújo foi educado.

Assim, o caráter “portuense” de Carvalho Araújo é em tudo idêntico à ligação que uma figura como Medeiros Ferreira tinha com o Funchal, onde nasceu, precisamente nas mesmas circunstâncias. E ninguém se lembra de chamar-lhe “madeirense”, não é?

Do Porto? (1)



A designação de “vinho do Porto” nem sempre foi consensual para as gentes da região. 

Tempos houve em que os lavradores sentiam necessidade de marcar distância face à cidade em que os exportadores tudo controlavam. 

O meu amigo Manuel Cardona, à mesa de um almoço este domingo, recordou uma quadra que ouvia na família:

Vinho “velho” para os antigos,
“tratado” para os lavradores,
“generoso” para os amigos,
“do Porto” para os doutores

segunda-feira, maio 21, 2018

Um magnífico gesto

O presidente da República subscreveu a decisão do governo de decretar luto nacional pela morte do “pai” do Serviço Nacional de Saúde, António Arnaut. 

Um magnífico gesto de Marcelo Rebelo de Sousa, que muito o honra.

António Cabral



António Cabral morreu há mais de uma década. A recolha e divulgação da cultura popular ocupou muito tempo da sua vida, após o 25 de abril. Dirigiu estruturas dedicadas à cultura e editou interessantes livros sobre jogos populares transmontanos. E escreveu muito - poesia, teatro, variada ficção. 

Era padre, quando eu o conheci. Era professor e explicador de literatura, um pedagogo notável, como atestam os que com ele aprenderam. A literatura estava-lhe nas veias e, nela, era à poesia que mais se dedicava e seria o género em que mais se destacou, com obra publicada desde muito cedo. 

Foi o grande animador, na primeira metade dos anos 60, do movimento “Setentrião”, que editou uma revista cultural que foi uma lufada de ar fresco na cidade abafada que Vila Real então era. Com ele estiveram António Barreto, Eurico de Figueiredo, Carlos Loures, Eduardo Guerra Carneiro, Gonçalinho de Oliveira e alguns outros. 

Um dia, em 1969, conheci-o melhor. Coincidimos na aventura política que foi a Comissão Democrática Eleitoral (CDE) de Vila Real, o movimento oposicionista que concorreu às “eleições” legislativas desse ano, liderado no distrito por Otílio de Figueiredo. António Cabral esteve envolvido na CDE até que o bispo de Vila Real lhe deu instruções para se afastar dessa “perigosa” atividade cívica. Discretamente, continuou sempre a acompanhar-nos. 

Desde então, mantive com ele uma relação amiga. Recordo-me que, a seu convite, comigo já há muito a viver em Lisboa, escrevi vários artigos sobre Sociologia do Desporto para o jornal do Sport Clube de Vila Real, que dirigiu.

António Cabral viria a abandonar a vida religiosa. Casou, continuando a viver em Vila Real, onde se consagrou como uma prestigiada figura do mundo da cultura. Era um homem do Douro, região que esteve no cenário de fundo de muita da sua poesia. 

No passado sábado, no Espaço Miguel Torga, em São Martinho de Anta, estivemos a homenageá-lo através da reedição dos seus “Poemas Durienses”, com capa de uma obra de Nuno Barreto, bem como de uma excelente e comovida evocação feita por Vitor Nogueira.

domingo, maio 20, 2018

O Sporting é isto?

Nas últimas semanas, tenho ouvido e lido vários adeptos do (meu) Sporting afirmarem, com esforçada convicção que “o Sporting não é isto!”.

Com isso, essas pessoas querem afirmar que uma instituição centenária e com um historial como o do Sporting é algo de muito distinto de um clube que hoje é formalmente tutelado por um evidente perturbado mental que apoia a sua alegada “liderança” num bando de arruaceiros e energúmenos, oriundos de uma claque que, tal como ocorreu noutro tempo no Reino Unido, deveria ser de imediato interditada por decisão judicial.

Voltamos à questão: o Sporting é isto? Na realidade, goste-se ou não, o Sporting, infelizmente, será hoje isto se os seus associados não forem capazes de afastar e substituir de imediato o bando que, com a cumplicidade do seu voto, o tomou de assalto. Tão simples como isto!

Como adepto, deixo uma saudação grata a Jorge Jesus e aos jogadores. Compreendo perfeitamente a impossibilidade de um melhor resultado no ambiente miserável que a direção do clube lhes proporcionou.

Haja saúde!

"Até que idade faz sentido que o Estado garanta cuidados de saúde caríssimos que prolongam vidas já com pouca qualidade?", pergunta o jornalista José Manuel Fernande, a quem, com sinceridade, desejo uma ótima e longa saúde, até para dela poder exonerar o Estado que tanto detesta.

Carvalho Araújo


José Botelho de Carvalho Araújo é a figura representada numa estátua que domina a avenida principal de Vila Real, que leva o seu nome.

Foi o oficial da Marinha que comandou o caça-minas “Augusto de Castilho”, um débil navio da Armada portuguesa que, em 14 de outubro de 1918, durante mais de duas horas, defrontou um poderoso submarino alemão, dando tempo a que o navio mercante “São Miguel”, que lhe competia escoltar, com mais de duas centenas de pessoas, no seu trajeto da Madeira para os Açores, pudesse pôr-se a salvo. O “Augusto de Castilho” acabou afundado pelos alemães, Carvalho Araújo morreu no combate, parte dos seus companheiros conseguiu aportar, em botes, nas costas açoreanas. Foi um ato heróico que a nossa história naval regista com orgulho.

Carvalho Araújo era vila-realense. Ontem, a convite da Câmara Municipal de Vila Real, no seu salão nobre, no início de um programa de celebrações nacionais em sua memória, na presença de representantes da Marinha portuguesa e de familiares do homenageado, falei dessa interessante figura da cidade. Conspirador contra a monarquia, membro da Assembleia Constituinte que redigiu a Constituição de 1911, Carvalho Araújo foi também uma interessante personalidade republicana, que teve uma distinta passagem pela administração colonial. 

Nasci e vivi perto da estátua de Carvalho Araújo. Em 1958, pela mão do meu pai, vi nela ser depositada uma coroa de flores pelo general Humberto Delgado. Nos anos da minha infância e juventude, todos os dias 9 de abril, data da batalha de La Lys, observei por ali cerimónias com antigos participantes transmontanos na batalha, entre os quais o célebre soldado Milhões, o qual, tal como Carvalho Araújo, era possuidor da mais alta condecoração militar portuguesa, a Torre Espada de Valor, Lealdade e Mérito.

Tive muito gosto em participar na evocação desta personalidade, política e militar, que diz muito à minha cidade. Por vezes, o facto das estátuas fazerem parte da paisagem urbana contribui para uma certa banalização histórica das figuras nelas representadas. Por essa razão, parar para as lembrar com alguma atenção é um gesto que ajuda a relegitimar a respetiva implantação e a justificar, histórica e afetivamente, a sua permanência nessa mesma paisagem.

sábado, maio 19, 2018

Datas e nomes


Há pouco, numa estante na minha casa em Vila Real, descobri, alinhados, lado a lado, os quatro livros que publiquei. 

Por curiosidade, fui ver as datas das introduções que para eles escrevi : 25 de abril, 31 de janeiro, 1° de dezembro e 5 de outubro.  Com toda a franqueza, não me recordo de ter planeado estas datas, mas a verdade é que elas correspondem àquelas que me são mais caras.

Tratando-se embora de livros de natureza política, ligados às relações internacionais, os “clássicos” de quem faço uma citação, a abrir cada uma dessas mesmas notas iniciais, podem não ser muito comuns, mas também não corresponderam a nada de deliberado: Sérgio Godinho, Jorge Palma, Fausto (Bordalo Dias) e dom Luiz da Cunha (o primeiro “MNE” português).

Qual é a pressa?


Emmanuel Macron alertou em Sófia para o risco de um novo alargamento apressado da União Europeia, desta vez envolvendo seis países dos Balcãs, depois da Croácia e da Eslovénia. O presidente francês diz ser imprudente fazê-lo antes de uma reforma interna da União. E tem razão.

No termo da Guerra Fria, as estruturas comunitárias alargaram-se de modo inédito. Para além de 10 países do centro e leste da Europa - três decorrente da implosão da União Soviética e sete Estados do antigo “socialismo real” -, entraram também Malta e Chipre, neste caso com a esperança (que se revelou vã) de tal poder contribuir para a reconciliação na ilha. 

Quem viveu de perto o processo lembra-se bem da cumulação de lóbis que deu origem a este imenso alargamento, que mudou profundamente a natureza da União Europeia. Ele foi feito correspondendo ao que foi então visto como um imperativo ético-político - oferecer a partilha de uma associação de democracias de sucesso a países que procuravam acolher-se a esse modelo - e com o objetivo estratégico de aproveitar a janela de oportunidade, criada pela fragilidade de Moscovo, para trazer para o campo ocidental novos aliados a leste (o alargamento da NATO completaria o processo), deslocando a fronteira de defesa da Europa ocidental, que antes passava pelo meio de Berlim. 

Como resultado, veio a ser criada uma espécie de “buffer zone” entre a Alemanha e a Rússia, que deu algum conforto de segurança à grande potência da União. A França “comprou” isso com o euro, o Reino Unido apostou na diluição do projeto e cavalgou, em conjugação com os EUA, a aposta estratégica na “nova Europa”, com o êxito que se viu na invasão do Iraque. Esse imenso alargamento, pelo envolvimento dos grandes poderes europeus, acabou por tornar-se inevitável para todos os Estados da União a 15, mesmo nos moldes em que se processou. Ele foi fruto de uma específica conjuntura e não vale a pena hoje “estar a chover no molhado” sobre os seus efeitos, parte deles amplamente negativos, no atual tecido da UE. Mas podemos e devemos aprender com o que se passou.

É que um novo alargamento aos Balcãs não tem os mesmos pressupostos. Não há nenhuma “pressa” estratégica que o justifique, não existe um evidente imperativo político que obrigue a dar desde já esse passo. Recordo que, por altura do anterior alargamento, e quando se falava então da sua possível extensão à Turquia, algumas vozes preconizavam a criação de um modelo de associação faseada e progressiva, a anteceder o “full membership”. Pergunto-me se não seria possível, em lugar de ceder à pressão da Comissão Europeia, que parece querer incluir os Balcãs a todo o preço, ponderar devidamente sobre se não deveríamos revisitar essa ideia. Tal não deveria significar o frustrar definitivo das aspirações europeias desses Estados, mas seria um ato de mera responsabilidade, num tempo em que ainda temos de digerir as consequências não medidas do Brexit, os inúmeros desafios criados pela nova administração americana e as roturas evidentes que estão criadas no tecido político-social europeu, da dimensão financeira às clivagens perante os migrantes e refugiados, entre outras.

Macron tem razão. Os tempos de euro-entusiasmo são uma coisa do passado nas opiniões públicas. Embora a atual União não deva dar de si a imagem de um clube exclusivista e fechado, é irrealista adotar linhas para a sua evolução imediata que possam mostrar-se menos compatíveis com a maturação responsável de um projeto que está longe de viver as suas horas mais brilhantes.

sexta-feira, maio 18, 2018

Justiças

Há uma regra nas redes sociais que quase nunca falha: quando uma decisão da justiça agrada ao consenso mediático criado, proclama-se: “deve-se deixar funcionar livremente a justiça!”; se a decisão não agrada à “vox populi” que o escriba ecoa: “o sistema de justiça está corrompido”.

Destruição

Sem querer pôr em causa a perfídia estratégica potencial dos adversários do Sporting, devo dizer que acho que nunca teriam suficiente arte para montar uma operação de destruição do clube com a eficácia conseguida pela sua alegada “direção”.

Rescisão

Sendo muito evidente que o que ainda resta dos corpos “sociais” do Sporting, a começar pelo seu presidente, está agarrado aos lugares por razões dos cifrões mensais recebidos, não seria de encarar pagar-lhes para se irem embora? Seria talvez mais barato do que suportar os estragos que estão a causar ao clube.

Caráter

As reações à crise no Sporting têm sido uma excelente montra, nas redes sociais, sobre o caráter de algumas pessoas. Tenho lido comentários de adeptos de clubes adversários que, com grande dignidade, se têm solidarizado com a difícil situação do clube. E também tenho lido o resto, isto é, o lixo sectário e oportunista. Repito: um excelente barómetro de caráter.

Elogio das batatas


Há dias, no Porto, durante um debate a propósito daquele que é o setor produtivo mais relevante nas nossas exportações – não, não é o calçado, os têxteis, o azeite ou o vinho; é a metalurgia e a metalomecânica, sabiam ? – fui interrogado sobre se a nossa diplomacia económica estava a funcionar convenientemente.

Comecei por responder que aquilo a que vulgarmente se chama diplomacia económica é apenas a diplomacia de negócios, isto é, o trabalho dos agentes diplomáticos na facilitação da ação dos nossos empresários – da promoção comercial e turística aos esforços de captação de investimento externo. 

Ora é sabido que a dimensão económica da diplomacia não se esgota nisso. Todo o universo de negociação e fixação de instrumentos de regulação económica na ordem externa, nos planos bilateral e multilateral, constituiu, desde sempre, uma tarefa central da diplomacia. Sem esse enquadramento a funcionar de forma otimizada, por exemplo, o regime das trocas comerciais seria hoje muito menos fluído e eficaz, os sistemas de ajudas europeias de diversa natureza muito menos generoso.

Faço parte de uma escola diplomática que sempre entendeu que a expressão “diplomacia económica” acarreta algo de redundante. Uma diplomacia que não tenha no centro das suas prioridades a dimensão económica não é digna desse nome. 

Mas temos de ser rigorosos. A diplomacia não se esgota no apoio direto à projeção económica externa do país. A atenção à imagem de Portugal na ordem internacional, o cultivo das redes de interesses políticos e culturais que o nosso bilateralismo histórico justifica, a promoção da língua e a proteção da diáspora são outros, entre tantos, pontos importantes que importa salvaguardar, como decisivo é sabermos potenciar o nosso valor acrescentado nacional de natureza política, como país construtor de pontes e entendimentos, à escala global. E, acreditem, tudo isso acaba por ter inescapáveis decorrências positivas no terreno da economia.

Quando, há bem mais de quatro décadas, entrei para a carreira diplomática, fi-lo pelo setor económico do ministério. Com uma diplomacia que tinha tido décadas de concentração obsessiva na política colonial, a então Direção-Geral dos Negócios Económicos era designada depreciativamente como “as batatas”. Anos depois, quando a alta política europeia passou a dominar a nossa agenda externa, lembro-me de ter chocado alguns nas Necessidades porque, enquanto embaixador, afirmei numa entrevista, o que me deu um polémico título de jornal, que, no MNE, o nosso lema deveria ser “menos Kosovo e mais batatas”. Continuo hoje a pensar exatamente o mesmo.

quinta-feira, maio 17, 2018

Al Quochete ?

Parece que vão acusar os energúmenos que estiveram em Alcochete de “terrorismo”. Já não há sentido do ridículo, no Ministério Público? 

quarta-feira, maio 16, 2018

Adeus, Caramuru!


Ontem à noite, passei pela Praça da República, em Viana do Castelo, e pensei para comigo mesmo: “quando é que desaparecerá daqui este mostrengo que é a estátua do Caramuru?”, uma peça escultórica que, já há muitos anos, foi ali colocada, quebrando fortemente o equilíbrio daquele belo espaço. Há minutos, passei de novo pela praça e vi que o mono já desapareceu.

Excelente decisão, presidente José Maria Costa! Parabéns!

O sucesso silencioso


O calçado, o têxtil ou os vinhos (bem como outros produtos agroalimentares) são importantes setores que se qualificam nas nossas exportações, e de que todos ouvimos constantemente falar. Curiosamente, porém, pouco se refere o setor metalúrgico e metalomecânico - que é o grande “driver” das nossas exportações. Só o aumento do seu crescimento, de 2016 para 2017, compara com o valor total das exportações do setor do calçado. É um setor de imenso sucesso, que tem hoje como principal condicionante ao seu crescimento e expansão a falta de recursos humanos qualificados.

Ontem, em Serralves, sob a moderação de Pedro Santos Guerreiro, diretor do “Expresso”, a convite da associação do setor AIMMAP, tive o gosto de participar num debate sobre os grandes desafios do setor. Coube-me, nomeadamente, falar das dificuldades que o Brexit (num RU que é o quarto mercado externo do setor) e as novas medidas decididas pelos EUA (onde o crescimento estava a ser promissor) podem acarretar para a nossa metalurgia e metalomecânica. Abordei também a questão dos riscos e oportunidades em possíveis mercados alternativos, bem como as tendências que a atual fase da globalização aponta como mais prováveis e condicionantes, com nota para o que a diplomacia económica e as políticas públicas de apoio à ação externa dos nossos empresários podem fazer.

terça-feira, maio 15, 2018

Sporting

O fascismo também foi assim: personalização do poder, culto fanático do chefe, populismo alarve e sectário, demagogia e agressividade verbal, ambiente intimidatório e procura de bodes expiatórios, desordeiros violentos à solta. Será que a Polícia Judiciária não sabe o nome de quem originou tudo isto?

segunda-feira, maio 14, 2018

E se a pala cai?




Anteontem, ao entrar no Pavilhão de Portugal, a anteceder o espetacular “barulho das luzes” a que depois assisti no Pavilhão Atlântico, na final da Eurovisão, recuei 20 anos, lembrando-me da imensa aventura que por ali foi a Expo98.

Por um instante, com toda aquela genta à volta, recordei o banho de entusiasmo desses tempos, a romaria nacional e internacional em que tudo se transformou, a impressionante recuperação que o projeto operou numa zona degradada da cidade - embora nos possamos perguntar se não houve muito de especulativo na volumetria de construção que foi permitida após o evento.

Mas esta nota destina-se apenas a fixar aqui, duas décadas depois, uma memória grata às pessoas que tiveram ideia da Expo: Vasco da Graça Moura e António Mega Ferreira, duas figuras intelectuais de exceção que, um dia, numa mesa do Martinho da Arcada, gizaram um projeto cuja concretização o tempo europeu de “vacas gordas” viria a permitir. O primeiro já não está entre nós, o segundo permanece uma figura ativa e criativa na nossa vida cultural. É justo não os esquecermos.

Ontem também recordei, numa das minhas várias idas oficiosas à Expo (quase dezena e meia, pelas minhas contas, para acompanhar governantes estrangeiros, nos seus dias nacionais), ter passado por um grupo onde uma senhora de aldeia, em alta bem voz, se mostrava renitente em atravessar o espaço do Pavilhão de Portugal, interrogando-se: “Ó filha! E se aquilo nos cai na cabeça?” No fundo, as dúvidas sobre a fiabilidade da obra de Siza Vieira não eram muito diferentes das que, no século XV, questionavam a arte de Afonso Domingues, no Mosteiro da Batalha.

domingo, maio 13, 2018

Sporting!

Não é fácil ser sportinguista. Mas, com treino, consegue-se.

Rosado Fernandes



Há muito que tinha deixado de ver Raul Rosado Fernandes. Acabo de saber que morreu.

Conhecemo-nos no Parlamento Europeu, de que ele era membro pelo CDS, lugar de que, durante vários anos, fui regular visitante em trabalho. Lembro-me de que era então muito crítico do governo de que eu fazia parte, em particular do modelo de Europa que eu defendia. Cáustico, com alguma assumida sobranceria, alimentava um euroceticismo endémico e irreconciliável. Uma insuperável distância política manteve-se sempre entre nós - e a isso seguramente não era indiferente o facto de uma noite, num jantar no Kammerzell, em Estrasburgo, o antigo presidente da CAP, que ele tinha sido, ter percebido que tinha à sua frente alguém que, sem complexos, defendia abertamente as virtualidades da Revolução de abril. Com o tempo, fiquei contudo com a sensação de que essa barreira se diluiu um pouco, ao ele se ter dado conta de que eu partilhava algumas das suas preocupações no tocante à necessidade de preservar o poder decisório nacional no quadro europeu. 

Há sete anos, depois de um painel em que ambos interviémos na Universidade de Lisboa - onde ele fora catedrático de Filologia Clássica -, escrevi neste blogue: “Devo dizer que, discordando genericamente da leitura que o antigo deputado europeu e dirigente da CAP faz sobre o "saldo" da nossa presença na Europa, respeito a sua perspetiva soberanista e reconheço nela uma genuinidade que me não é indiferente.”

Lembro-me de lhe ter dito, nessa ocasião, de que tinha lido as suas “Memórias de um Rústico Erudito”, um livro publicado anos antes e que tinha passado quase despercebido da crítica. “A sério?! Leu?” Pareceu-me ter ficado satisfeito pelo facto de alguém que estava muito longe da sua área política se ter dado ao cuidado de estar atento a essas suas recordações da vida que hoje acabou.

Entendido?

A propósito do dia da mãe, que já passou, dou-me conta de que há por aí muitas senhoras cuja honra é regularmente maculada por sonoras interjeições que são apenas devidas ao comportamento dos respetivos filhos. 

Israel




Israel, para além de ter ganho ontem o festival da Eurovisão, está em infeliz evidência pela “luz verde” que claramente recebeu dos Estados Unidos para atuar como força “subcontratada” na guerra da Síria.

Porque, por estes tempos, Israel faz 70 anos - uma bela idade! -, decidi republicar aqui algo que escrevi há quatro anos, no saudoso “Diário Económico”.

Na altura em que publiquei este texto, a então embaixadora de Israel, pessoa que conhecia de outros postos onde ambos tínhamos trabalhado, ficou profundamente desagradada com o artigo e disse-mo de forma enfática. Relendo-o, não encontro razões para retirar uma linha ao que então escrevi - e até poderia acrescentar algo mais.

Aqui fica:

Na minha vida diplomática, dei-me conta de que criticar a ação internacional de Israel obrigava sempre a um "disclaimer", implícito ou explícito, sem o que se erguia o risco de cair, de imediato, na jurisdição dos atentos polícias do espírito: cuidar em não poder ser acusado de anti-semitismo e nunca deixar de referir que o povo judeu foi vítima da violência nazi. 

A ajudar a este temor reverencial soma-se, desde o primeiro momento, um racismo anti-árabe, que condicionou o discurso popular. Tutelados por regimes retrógrados, embrulhados em panejamentos que os indiciavam noutro patamar da civilização, os árabes são-nos mostrados como uma espécie de bárbaros, apenas desejosos de "deitar os judeus ao mar". Por isso, e porque não eram aceitáveis os métodos extremistas da Fatah ou o não são os das várias seitas em que a revolta palestiniana se balcaniza, aos olhos de muito mundo passou a "valer tudo" por parte de Israel, desde os assassinatos da Mossad ("extra-judicial killings", na linguagem eufemista das Nações Unidas) às incursões sem limite pelas terras vizinhas. Ninguém ousa lembrar que Israel se recusa a cumprir as resoluções que a ONU (já agora, sem oposição dos EUA) aprovou, muito embora se levante um escarcéu se outros países procederem de forma similar (desde logo, o Iraque).

Durante a "guerra fria", Israel estava do lado "de cá" e os árabes do "outro lado", embora se soubesse que as coisas não eram bem assim. Os judeus eram o povo perseguido, rodeado de "facínoras" que aproveitariam o seu menor descuido para o esmagar. Por isso, para o ocidente, era de regra apoiar, sem limites, tudo o que pudesse ser apresentado em favor desse "enclave" não árabe, que "dava jeito" quando era necessário (sem que ninguém tivesse de "sujar as mãos"), por exemplo, para dar uma lição às ambições nucleares iranianas ou ver-se livre de alguns terroristas, esquecendo leis. É que, neste "racismo nuclear" que por aí anda, o Irão não pode ter a arma atómica, mas Israel está aparentemente "isento" da observância do Tratado de não-proliferação.

Os EUA, mobilizados pelo lóbi judaico, neutralizam toda a atitude que possa limitar a liberdade do Estado israelita. A Europa, com o ferrete da guerra a marcar-lhe a memória, vive entre piedosos protestos perante os "exageros" de Telavive e os negócios com a constelação dos governos árabes. Estes, com os conflitos entre si a prevalecerem hoje sobre a sua acrimónia face a Israel, vivem mais preocupados em fazer sobreviver os seus heteróclitos regimes do que se sentem mobilizados para a causa palestiniana.

O absurdo de tudo isto é que, se alguém se atrever a afirmar que Israel tem o indeclinável direito de ver respeitadas as fronteiras que lhe foram consagradas pelas resoluções da ONU, é imediatamente acusado de ser inimigo jurado do Estado judaico. E se ousar dizer que, em troca da segurança desse território, garantida, por exemplo, pela colocação de forças internacionais de paz, protetoras dessas mesmas fronteiras, Israel deve prescindir de quaisquer ambições territoriais e recuar na construção de colonatos em territórios que ninguém reconhece como seus, de imediato fica crismado de anti-israelita, provavelmente de anti-semita e, ainda com alguma probabilidade, sei lá!, de simpatizante nazi. Dei-me conta que não falei de Gaza. Para quê?”

Ó vizinho!


Nos idos dos anos 70, representei a Caixa Geral de Depósitos num torneio corporativo (isso mesmo!) de futebol de salão (o nome de futsal é muito mais recente). 

Ainda guardo uma fotografia da nossa equipa desses tempos. Eu era guarda-redes. Tratava-se de uma posição na qual - do andebol, no liceu e no CDUP, no futebol de salão, no ISCSPU e na CGD - eu me "especializara" e em que tinha veleidades de ter algum jeito. Hoje, reconheço ter sido sempre um praticante apenas sofrível, em ambas as modalidades.

De um desses jogos noturnos, defendendo as cores da Caixa em futebol de salão, guardei um episódio divertido. 

A certo passo, num pavilhão cujas bancadas estavam quase desertas, "dei um frango" monumental. Por detrás da baliza que eu defendia, estava sentado, sozinho, um miúdo com uns onze ou doze anos, provavelmente ali do bairro próximo. Mal a bola se afastou para o "centro do terreno" e eu fiquei isolado e algo humilhado com a minha "nabice", ouvi-o chamar-me, muito à moda lisboeta: "Ó vizinho! Vizinho!!!". De início, não dei atenção. Mas ele insistiu: "Ó vizinho!". Acabei por olhar, de soslaio. E lá o ouvi, com um sorriso trocista, lançar-me uma onomatopeia crítica, muito galinácia: "Piu!..."

Ó vizinha!

Scarlett Johansson terá comprado casa em Lisboa. Isto começa verdadeiramente a compor-se!

Só não encontro explicação para o atraso de Marion Cotillard. Com tantas casas à venda aqui na vizinhança...

Alternativa

O CDS afirmou que está preparado para ser “alternativa”. Só não ficou claro em que praça...

Parabéns, RTP !


A RTP deu ontem - ao mundo e aos seus concorrentes internos - uma lição de profissionalismo e de qualidade. O espetáculo produzido no MEO Arena, retransmitido para todo o mundo com uma visibilidade inédita em termos de audiências, onde passaram imagens de promoção subliminar do nosso país com que nenhuma campanha poderia alguma vez rivalizar, foi um excelente exercício de verdadeiro serviço público.

Porque tive o ensejo de acompanhar de perto, como membro do Conselho Geral Independente (CGI) da RTP, o esforço e a dedicação que este trabalho implicou, deixo uma nota muito sincera de imenso apreço pelo empenhamento de todos os profissionais da empresa envolvidos nesta verdadeira mas muito bem sucedida aventura.

sábado, maio 12, 2018

Uma potência vocal?


Ângela Merkel reagiu ao descaso de Donald Trump, face à posição dos seus mais relevantes parceiros europeus no caso do acordo nuclear com o Irão, com a afirmação ousada de que a Europa já não pode contar com os EUA para a sua segurança e para fazer face aos seus desafios geopolíticos mais prementes. 

Ao reagir assim, Merkel lançou uma forte dúvida sobre o próprio futuro da NATO, nos equilíbrios que conhecemos nessa organização, não obstante Berlim dar sinais de estar disposta a respeitar o respetivo “burden sharing” orçamental. Pergunto-me, contudo, se a “nova Europa” a leste de Berlim partilhará desta visão da chanceler alemã, face aos temores que a sua fronteira oriental lhe suscita.

Desta postura afirmativa alemã pareceria decorrer, com naturalidade, o imperativo de um reforço do “pilar europeu”, nestes tempos complexos em que, às provocações de Trump se somam os riscos disruptores do Brexit e o braseiro do Médio Oriente parece reacender-se.

Porém, chamada à realidade por Emmanuel Macron, que desenhou em Aachen (que também já foi Aix-la-Chapelle) o básico para a formatação de uma Europa capaz de reforçar a sua autonomia, Merkel caiu na tentação ofensiva de lembrar ao chefe de Estado francês a escassa idade que ele tinha quando a Guerra Fria acabou.

Angela Merkel, que entrou num mandato que parece prenunciar o início do seu declínio político, revela que a Alemanha está ainda na fase de maturação para poder ser uma potência responsável pela liderança da União Europeia. Em política internacional, as grandes “tiradas” sem consequências práticas disfarçam, as mais das vezes, uma impotência ou a falta de vontade para assumir responsabilidades.

Lady gaga


Passei lá a pé, esta manhã. No Jardim de S. Lázaro, no Porto, junto à biblioteca. E, de repente, lembrei-me! Foi ali, exatamente ali, naquele passeio, como diria, enfaticamente, Hermano Saraiva, para os lugares da sua história com letra pequena.

Deve ter sido em 1967. À época, andava pelo Porto, a fingir que estudava. Numa matinée de sábado, no Cinema Trindade, vi-a. Era lindíssima, uns olhos verdes como nunca mais encontrei, cabelo loiro a cair pelos ombros. No resto, muito bem “desenhada”. Ao lado, um pai de farto bigode, pelo porte e peito saído era talvez militar, olhar perscrutante, mirando em redor. E uma mãe, de quem me não ficou réstea de nota na memória. Eu e ela (a filha, não a mãe, claro) trocámos um olhar breve, com aquele segundo a mais, no intervalo da fita. Pareceu-me que sorriu, mas pode ter sido só “wishful thinking” (na altura, eu ainda não conhecia essa expressão da perceção ao sabor do desejo). À saída, tentei segui-los, mas perdi-os ali pela Picaria.

Passaram meses. Num outro sábado, na Praça, no Imperial, lá estava ela com o duo paternal à ilharga, numa mesa logo à entrada, logo depois de se passar sob a águia. Belíssima, tal como antes. Nos notáveis vitrais do fundo da sala, o casal em tête-à-tête que por lá está era já eu e ela. Dessa vez, tenho a certeza de que me sorriu um pouco mais, embora ao de leve (mas já passou tanto tempo, que nem sei bem...). 

As tardes de sábado, naquele café, eram sempre de enchente (hoje é um McDonald’s...). Bem tentei arranjar uma mesa que me permitisse “to catch the eye” da jovem, para marcar terreno. Mas não consegui. 

Entretanto, chegaram dois comparsas com quem eu tinha marcado encontro por ali, para irmos já não sei onde, compromisso que não podia desconvocar. 

Minutos depois, casal e filha levantaram-se e saíram. Pedi um minuto aos meus estupefactos camaradas e fui atrás do trio. Atravessaram a Praça e, em frente à Sá Reis, apanharam o 6 para Monte dos Burgos. Ela não me viu e, por instantes, fiquei especado no passeio. 

“Fui” pela linha do elétrico. Viveria lá pelo Rosário, onde ele passava a toda a hora e eu passava a pé todos os dias? Ou pela igreja de Cedofeita, já perto do Diu, no cruzamento com a Boavista, onde eu perdia as tardes à conversa? Ela tinha aí uns 16 ou 17 anos. Andaria no Carolina? Às tantas, morava jácna Ramada Alta, onde eu tinha uma tia. Ou em Oliveira Monteiro, onde eu recebia a minha mesada. Ou então lá para a Prelada, onde, quando abonado, eu ia a umas festas noturnas inconfessáveis? Ou seria no fim da linha, já na Circunvalação? Não saberia. Desolado, regressei ao Imperial.

Um dia, ia por S. Lázaro, num autocarro, precisamente com um desses amigos, a quem eu tinha entretanto contado a história do meu romance virtual com aquela ilusiva pequena, quando a vi, sozinha, a caminhar pelo passeio. Estudaria no Esperança? Dei um salto (lembras-te, Albano?), pedi ao motorista para parar fora da paragem (uma emergência é uma emergência, caramba!) e fui ter com ela. Não faço ideia se me reconheceu dos olhares passados, mas lá corar corou, quando lhe falei. Manteve-se de cabeça baixa, sorridente mas silenciosa, até aos Poveiros, enquanto eu tentava sacar-lhe conversa. De repente, reagiu. Embora sem grande convicção, disse-me que o pai não gostava que falasse com estranhos. 

Mas nem imaginam como me disse isso! Com uma voz aflautada, a gaguejar imenso. Era gaga! Mas gaga a sério! Da-da-que-que-las que lhe não lhe sai uma palavra direita. E, além disso, tinha um tom de voz impossível, agudo, bem desagradável. Pela Passos Manuel abaixo, eu já não sabia o que havia de fazer. Ela continuava a ser muito bonita, embora então, confesso, já um pouco menos. Aí pelo Coliseu, começava claramente a dar-me uma “abébia”, deixando claro que as coisas iriam no sentido que eu quisesse. Mas, meu deus!, aquela maneira de falar, estragava tudo! 

Já não sei como saí de cena! Sei que não fui cruel, que fui correto e que inventei qualquer coisa para zarpar sem chocar aquela beleza soluçante, cujo nome, que então me disse, já esqueci há muito. Confesso que este episódio me ficou para sempre, como um imenso “balde de água fria”. Contá-lo, nos dias que correm, é talvez politicamente incorreto, mas a realidade é o que foi. 

Um dia, bastante tempo mais tarde, relatei a história num grupo, no Porto. Uma amiga disse-me: “Bonita, olhos verdes, voz aflautada e imensamente gaga? Conheço-a! Sei quem é!” A conversa com a minha amiga também já teve lugar há muito, mas como ela passa muitas vezes por esta página, pergunto-lhe agora: lembras-te da história, Milú?

sexta-feira, maio 11, 2018

Santarém, 20 horas


Eram quatro da tarde desta sexta-feira. Tínhamos acabado uma reunião de trabalho, no Porto. Um dos meus colegas, sorridente, lançou-me: “Então?! Sentiu-se atingido pelo que o Marcelo disse?”. O que é que “o Marcelo” disse? Eu estava “a leste”! E deram-me então conta do essencial das palavras do presidente, em que mencionara a nossa diplomacia em termos que justificadamente não agradaram à “casa”. Palavras que eu desconhecia, em absoluto. Tal como, naturalmente, não sabia que a nossa associação sindical tinha já reagido ao que o chefe de Estado tinha afirmado. 

Percebi então por que razão tinha no telemóvel algumas chamadas telefónicas, não atendidas, de dois jornalistas, a quem não tinha respondido, porque o meu dia de ontem foi “impossível” - entre quatro horas de aulas, escrita de dois artigos hoje publicados, uma viagem de algumas horas e outras coisas. E, no dia de hoje, com duas reuniões, não tinha ainda lido jornais portugueses (e nada vinha no FT nem no “The Economist”, que me acompanharam ao almoço solitário na “invicta”, em que ainda tive tempo para escrevinhar uma historieta de outros tempos que logo publicarei).

Que se pode dizer sobre aquilo que o presidente disse? Pouco, para sermos generosos. Creio ser óbvio que o que o presidente quis dizer é que há figuras públicas conjunturais que, pelo seu excecional impacto no mercado das imagens, levam, por vezes, o nome de Portugal mais longe do que os mecanismos oficiais e tradicionais de representação. Só que as palavras que usou não foram as melhores, “to say the least”. Toda a gente tem direito a um momento infeliz, pelo que não devemos privar o presidente da República dessa nossa “bula” de desculpabilização. Fez muito bem a Associação Sindical em reagir, nos termos elegantes, mas firmes, em que o fez. Dignificou-se e mostrou que está atenta e atuante. Parabéns! 

Quem me conhece sabe que passei a vida profissional, às vezes numa incómoda solidão, a reagir aos ataques feitos à nossa diplomacia - em artigos, comentários na imprensa ou nas redes sociais, intervenções públicas. Sem falsa modéstia, não conheço ninguém que, nas últimas décadas, tenha dado sistematicamente a cara por esta questão da forma como eu o tenho feito. 

Da última vez que “fui a jogo”, não há muitas semanas, recebi vários apoios à determinação com que denunciei mais um ataque, soez e mentiroso, contra os diplomatas portugueses. Acho que não estarei a fazer uma inconfidência grave se revelar que um desses “abraços” escritos, felicitando-me pelo modo como tinha ido a terreiro defender a dignidade da carreira diplomática, que ele era dos primeiro a prezar e muito estimar, tinha uma assinatura: Marcelo Rebelo de Sousa. Porque sei que o fez com uma sinceridade que corresponde ao que intimamente sempre pensou, acho que este assunto deve agora ser encerrado, com honra para todos.

Por onde anda a Europa?


 

Há dias, durante a 3ª Conferência de Lisboa, George Friedman traçou um retrato pouco lisonjeiro da Europa dos nossos dias. 

Naquele jeito simplificador, às vezes cruel, que os americanos têm para olhar a realidade, Friedman fez notar que o grande período de desenvolvimento e bem-estar europeus acabou por ter lugar num continente que, na era contemporânea recente, nunca controlou o seu destino. 

Com efeito, palco principal da Guerra Fria, a Europa viveu tutelada por uma União Soviética que impunha a sua ordem ao centro e leste do continente e, a ocidente, pelos Estados Unidos, que garantiam a sua segurança, face à ameaça totalitária. O Reino Unido era o seu parceiro preferencial, os arroubos soberanistas da França eram pouco mais do que isso, a Alemanha tinha um muro a dividi-la e a limitá-la. A América era o principal poder europeu.

Entretanto, a URSS perdeu a Guerra Fria, implodiu e partiu-se em 15 países, parte dos quais passaram a hostilizar a Rússia, sua principal herdeira. Com a unificação, a Alemanha tornou-se mais assertiva e menos refém dos seus fantasmas e, com a França e outros Estados “like-minded”, criou o sonho de dar vida política, sólida e integrada, à pujança económica que o projeto integrador lhe tinha criado. 

Friedman é de opinião de que o aprofundamento (aumento do corpo de políticas) e o alargamento da União Europeia, em lugar de a reforçarem, suscitou receios e tropismos nacionalistas que, nos dias de hoje, impedem o pleno sucesso do projeto e estão na origem das dificuldades que ele atravessa. Para o académico americano, ao crescer, a Europa enfraqueceu-se, perdendo em identidade.

Será assim? Com realismo, acho que Friedman não tem completa razão: as notícias sobre a morte da Europa unida parecem prematuras. A União, com todas as suas fragilidades, ainda é um espaço institucional com peso, nomeadamente nas dimensões económicas à escala global, muito embora, no plano de influência política nos grandes cenários estratégicos, apenas vá merecendo o Óscar para o melhor ator secundário.

É um facto, não passível de contestação, que a diversidade induzida na União Europeia, pelo cruzamento de culturas distintas, que configuram vontades diferentes e por vezes até conflituantes, é um fator de bloqueio à plena expressão operativa do um poder político à altura do peso económico dos seus componentes e à sua capacidade de ação conjugada – nomeadamente nos grandes dossiês comerciais, ambientais e em matéria de desenvolvimento.

A muitos custará admitir isto, mas a visibilidade europeia é sempre tanto maior quanto melhor conseguir trabalhar com o seu mais velho amigo político, ao lado de quem esteve em dois conflitos mundiais. E quando os Estados Unidos, cuja auto-determinação estratégica é feita com a liberdade que só as grandes potências têm, não vêm razões para “dar confiança” ao lado de cá do Atlântico, a Europa entra numa orfandade para a qual não consegue descobrir um lenitivo eficaz.

Trump é talvez um tempo extremo nesta deriva, mas, com alguma memória, valerá a pena lembrarmo-nos de que Obama não privilegiou a Europa e terminou o seu mandato cada vez mais voltado para a Ásia. 

Verdade seja que não há muito que a Europa possa fazer neste domínio, senão tentar tornar-se relevante para Washington. Mas isso acarreta sempre o risco de seguidismo e de diluição de uma estratégia própria consequente.

A França e o Reino Unido, ao acompanharem os EUA nas simbólicas flagelações na Síria, não representaram a União Europeia, tanto mais que Londres dela está de saída. Ambos os países representaram-se apenas a si próprios e à sua vontade de reafirmar a responsabilidade estratégica que compete a aliados e membros Conselho de Segurança da ONU.

Londres e Paris, desta vez com Bruxelas à mistura, viriam aliás a aprender, dias depois, o que realmente valem (ou não) para Washington, ao serem postos perante o facto consumado do afastamento americano do acordo nuclear sobre o Irão, em que União Europeia tanto se empenhou.

Deixemo-nos de ilusões: para aquilo que os EUA de hoje definem como seu interesse prioritário, a União Europeia é praticamente irrelevante. E isso enfraquece fortemente a Europa.

"Antes que me esqueça"

Faz hoje um ano. Com um prefácio de Jaime Gama, apresentado por Jaime Nogueira Pinto e José Ferreira Fernandes, lancei, numa Fundação Calous...